Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
418/20.2PATNV-A.E1
Relator: NUNO GARCIA
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
REVOGAÇÃO
IRREGULARIDADES
Data do Acordão: 09/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Tendo o despacho que revogou a suspensão provisória do processo sidoi proferido em momento anterior ao termo (e ao início) do prazo concedido ao arguido para demonstrar o cumprimento das injunções, verifica-se uma irregularidade que foi tempestivamente invocada pelo arguido.
A invocada irregularidade afeta o valor dos atos praticados, uma vez que está em causa o cumprimento ou incumprimento pelo arguido das injunções que lhe foram impostas, ou a eventual prorrogação do prazo da suspensão provisória do processo, e, consequentemente, a submissão ou não do arguido a julgamento, pelo que se trata de irregularidade relevante para efeitos do disposto no artigo 123.º do Código de Processo Penal.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

RELATÓRIO

No âmbito do processo abreviado 418/20.2PATNV-A.E1 foi proferido o seguinte despacho:

“Requerimento sob a referência Citius 7502879:

Através de requerimento datado de 22-02-2021, veio o arguido CFC requerer que sejam declarados inválidos a notificação que lhe foi remetida pelo Ministério Público em 05-02-2021, o despacho de revogação da suspensão provisória do processo e o despacho de acusação, ambos datados de 12-02-2021, bem como todos os atos subsequentes.

Para tanto alega, por um lado, que a notificação que lhe foi dirigida em 05-02-2021 padece de irregularidade, uma vez que com a mesma não foi junto o despacho do Ministério Público, desconhecendo o arguido se a referida notificação consubstanciava a pronúncia do Ministério Público quanto ao requerimento de prorrogação do prazo para cumprimento das injunções, não tendo depois o Ministério Público dado resposta ao requerimento do arguido de 09-02-2021 em que solicitava pronúncia quanto ao requerimento de prorrogação do prazo.

Por outro lado, alega ainda o arguido que os despachos de revogação da suspensão provisória do processo e de dedução da acusação padecem de irregularidade, uma vez que, quando foram deduzidos, em 12-02-2021, não se mostrava esgotado o prazo adicional de cinco dias concedido ao arguido para cumprir as injunções, não se verificando o alegado incumprimento.

Colhida a vista, a Digna Procuradora da República pronunciou-se no sentido da inexistência de qualquer irregularidade processual, atento o teor dos despachos proferidos em fase de Inquérito e respeitantes ao incumprimento por parte do arguido quanto ao determinado na suspensão provisória do processo, sendo certo que o arguido tinha conhecimento das consequências legais face ao seu incumprimento.

Cumpre apreciar e decidir.

Antes de mais, compulsados os autos e analisado o processado, verifica-se que por despacho de 20-11-2020 (cfr. referência Citius 8529363), o Ministério Público determinou a suspensão provisória do processo pelo prazo de 4 meses, mediante o cumprimento pelo arguido das seguintes injunções:

- Entregar a quantia de €350,00 ao Centro Social e Paroquial…, sito em …, …, devendo disso fazer prova nos autos no prazo de 30 dias após a notificação do aludido despacho, entregando nos autos o respetivo recibo, fazendo constar do mesmo que se trata de cumprimento de injunção em processo penal;

- Não conduzir veículos automóveis pelo período de 3 meses, devendo entregar a sua carta de condução neste DIAP ou no posto policial da área da sua residência no prazo de 10 dias após a notificação do referido despacho.

O arguido foi notificado do referido despacho através de carta simples, com prova de depósito. A carta foi depositada no dia 26-11-2020 (cfr. referência Citius 7327410), pelo que se considera o arguido notificado em 01-12-2020, devendo, enão, proceder à entrega da sua carta de condução até 11-12-2020 e proceder ao pagamento da quantia monetária até 31-12-2020.

Em 27-01-2021, foi o arguido notificado para, no prazo de cinco dias, informar os autos porque motivo não entregou a sua carta de condução para cumprir o período de proibição de conduzir determinado, bem como não juntou o comprovativo da entrega da quantia de €350,00 ao Centro Social e Paroquial … de … (referências Citius 85737786 e 7436315).

Através de requerimento datado de 01-02-2021 (cfr. referência Citius 7457463), veio o arguido, através da sua Ilustre defensora, requerer a prorrogação do prazo até ao limite legalmente admissível para cumprimento das injunções determinadas, sendo que, no que respeita à carta de condução, informou que poderia, de imediato, entregar a mesma para cumprimento da respetiva injunção, e, quanto à entrega da quantia de 350,00€ à Instituição determinada, informou que não lhe seria possível proceder ao seu cumprimento de imediato, atendendo a que se encontrava desempregado.

Para o efeito alegou, em síntese, que em 27-11-2020, foi sujeito a prisão efetiva no Estabelecimento Prisional de …, na …, tendo sido libertado em 07-01-2021, e que os seus documentos pessoais apenas lhe foram entregues em 27-01-2021, pelo que não lhe foi possível proceder à entrega da carta de condução no prazo estipulado para o efeito. Mais alegou que, também por esse motivo, não conseguiu proceder à entrega da quantia de €350,00 ao Centro Social e Paroquial …, acrescentando que se encontra à procura de emprego, por ter sido despedido e, como tal, impossibilitado de cumprir o pagamento que lhe foi imposto.

Com o referido requerimento o arguido juntou dois documentos, entre os quais, uma declaração do Estabelecimento Prisional …, de 27-01-2021, da qual consta que o arguido deu entrada naquele estabelecimento em 27-11-2020, ficando os documentos em posse desse estabelecimento até à data de 27-01-2021, em virtude de o mesmo ter sido transferido ao GNI, para posterior entrega às autoridades ….

Veio ainda o arguido juntar, em 05-02-2021, uma carta que lhe foi dirigida pela sua entidade patronal (cfr. referência Citius 7470138), através da qual lhe foi comunicada a caducidade do seu contrato de trabalho, com efeitos a partir de 18 de fevereiro de 2021.

Em 04-02-2021, a Digna Procuradora da República proferiu despacho do seguinte teor: “Considerando o teor do requerimento apresentado nos autos pelo arguido, notifique-o para, em 5 dias, juntar aos autos todos os documentos que o habilitem a conduzir veículos motorizados e o documento comprovativo de que entregou a quantia de 350,00 ao Centro Social e Paroquial …, sito em …, ….

Decorridos 5 dias e nada sendo junto antes, conclua.” (cfr. referência Citius 85866705).

O arguido e a sua I. defensora foram notificados nos termos ordenados pela Digna Procuradora da República – sem que da notificação conste a menção à junção de cópia do despacho supra transcrito -, considerando-se o arguido notificado no dia 13-02-2021 (cfr. referência citius 7489939).

Em 09-02-2021, o arguido apresentou requerimento, através da sua I. defensora, solicitando ao Ministério Público que se pronunciasse quanto ao pedido de prorrogação do prazo para cumprimento das injunções formulado em 01-02-2021, alegando que da notificação remetida ao arguido, concedendo-lhe o prazo de cinco dias para proceder conforme ordenado, não consta qualquer decisão sobre o pedido de prorrogação apresentado (cfr. referência Citius 7476166).

Em 12-02-2021, o Ministério Público determinou a revogação da suspensão provisória do processo e o prosseguimento dos autos, passando a deduzir acusação pública contra o arguido, com os seguintes fundamentos: “O arguido não cumpriu as injunções determinadas nos autos, alegando que não o fez porque esteve preso até 07.01.2021. No entanto, desde a data em que foi libertado, podia e devia ter já cumprido as referidas injunções, mas persistiu no seu incumprimento, em violação dos prazos anteriormente fixados de 10 dias que tinha para entregar a sua carta de condução e de 30 dias que tinha para entregar a quantia de € 350,00 à instituição designada, bem como do prazo adicional de 5 dias que foi posteriormente fixado”.

O arguido foi notificado do despacho de revogação da suspensão provisória do processo e do despacho de acusação através de carta simples, com prova de depósito, considerando-se notificado no dia 23-02-2021 (cfr. referência Citius 7504138).

Os autos foram distribuídos para julgamento e a acusação foi recebida por despacho de 17-02-2021, tendo sido designada a data da audiência de julgamento.

Em 22-02-2021 o arguido apresentou o requerimento que ora se aprecia (cfr. referência Citius 7502879).

Cumpre, então, aferir se o processo padece de algum vício, nomeadamente se foi cometida alguma irregularidade processual previamente à remessa dos autos para julgamento e se a mesma é suscetível de afetar o despacho de acusação e os atos subsequentes.

Na verdade, assumindo os presentes autos a forma especial abreviada, não tem lugar a fase da instrução e, como tal, cabe ao juiz do julgamento apreciar da verificação de “patologias processuais” suscetíveis de atingir as garantias de defesa do arguido e os seus direitos fundamentais (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-10-2019, Processo n.º 25/15.1GTCSC.L1-3, disponível em www.dgsi.pt), podendo e devendo o juiz do julgamento sindicar “a decisão do Ministério Público em deduzir acusação pondo termo à suspensão provisória do processo, quando questionada” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15-06-2016, Processo n.º 391/14.6PIPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt).

Determina o artigo 118.º, n.º 1 do Código de Processo Penal que “A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei”. Mais estabelece o n.º 2 do mesmo preceito que “nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o ato é irregular”.

Por sua vez, os artigos 119.º e 120.º do Código de Processo Penal elencam as nulidades insanáveis e sanáveis, e os artigos 121.º e 122.º referem-se à sanação das nulidades e aos efeitos da declaração da nulidade.

Quanto às irregularidades, dispõe o n.º 1 do artigo 123.º do Código de Processo Penal que “Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado”. O n.º 2 do mesmo preceito acrescenta que “Pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afetar o valor do ato praticado”.

A este propósito vale o princípio da atipicidade da irregularidade, segundo o qual todas as ilegalidades cometidas no processo penal podem ser irregularidades. Contudo, nem todas as ilegalidades cometidas no processo penal são irregularidades relevantes, só sendo relevantes aquelas que possam afetar o valor do ato praticado, pelo que se for cometida uma irregularidade que não possa afetar o valor do ato praticado, não se verifica o vício a que alude o artigo 123.º do Código de Processo Penal (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, pág. 310).

Na situação sub judice, o arguido alega que existe irregularidade do processo quanto à notificação de 05-02-2021, uma vez que não foi notificado do respetivo despacho do Ministério Público, pelo que não tinha conhecimento se o mesmo consubstanciava a pronúncia do Ministério Público quanto ao requerimento de prorrogação apresentado, e que o Ministério Público não se pronunciou quanto ao referido pedido.

Por outro lado, alega ainda o arguido que há irregularidade do processo uma vez que à data do despacho que revogou a suspensão provisória do processo e foi deduzida acusação, em 12-02-2021, não se mostrava esgotado o prazo concedido de cinco dias para o arguido cumprir as injunções, pelo que não se verifica o alegado incumprimento.

Constatamos que não estão em causa quaisquer nulidades sancionadas pela lei, mas efetivamente foram cometidas as irregularidades apontadas pelo arguido, tendo as mesmas sido tempestivamente invocadas.

Na verdade, na sequência do requerimento (e dos respetivos documentos) junto pelo arguido em 01-02-2021, através do qual o mesmo solicitou a prorrogação do prazo para cumprimento das injunções, oferecendo as razões pelas quais não as cumpriu nos prazos inicialmente estipulados, a Digna Procuradora da República proferiu despacho pronunciando-se sobre o requerido (pois dele consta “Considerando o teor do requerimento apresentado nos autos pelo arguido …”), tendo concedido ao arguido um prazo adicional de cinco dias para o cumprimento das injunções.

Sucede que tal despacho não foi notificado ao arguido nem à sua I. defensora, tendo os mesmos sido notificados para, no prazo de cinco dias, “juntar aos autos todos os documentos que o habilitem a conduzir veículos motorizados e o documento comprovativo de que entregou a quantia de 350,00 ao Centro Social e Paroquial …, sito em …, …”, mas sem que fosse junto com as notificações o despacho proferido em 04-02-2021, o que se mostrava essencial para que o arguido tivesse conhecimento da decisão que recaiu sobre o seu requerimento.

Ora, o arguido veio logo em 09-02-2021, através da sua I. defensora, arguir a falta da notificação do despacho, pelo que invocou a irregularidade no prazo de três dias que a lei lhe concede para o efeito.

Por outro lado, o arguido foi notificado de que tinha o prazo adicional de cinco dias para cumprir as injunções em 13-02-2021, uma vez que a notificação lhe foi dirigida através de carta simples, com prova de depósito, tendo a carta sido depositada em 08-02-2021.

Deste modo, o prazo de cinco dias que lhe fora concedido pelo Ministério Público para juntar aos autos todos os documentos que o habilitem a conduzir veículos motorizados e o documento comprovativo de que entregou a quantia de €350,00 ao Centro Social e Paroquial …, sito em …, … terminava apenas no dia 18-02-2021.

Porém, em 12-02-2021 (ainda antes de se iniciar o prazo adicional de cinco dias concedido ao arguido para o cumprimento das injunções), a Digna Procuradora da República determinou a revogação da suspensão provisória do processo e o prosseguimento dos autos, passando a deduzir acusação pública contra o arguido.

É certo que em 09-02-2021 (cfr. referência Citius 7476166), o arguido apresentou um requerimento, através da sua I. defensora, solicitando ao Ministério Público que se pronunciasse quanto ao pedido formulado em 01-02-2021, alegando que da notificação remetida ao arguido não constava qualquer decisão sobre o pedido de prorrogação do prazo apresentado.

Sucede que tal requerimento não tinha a virtualidade de extinguir o prazo anterior, tanto mais que o arguido não declarou que não iria dar cumprimento ao mesmo, pelo que tem de se considerar que o prazo de cinco dias concedido no despacho proferido em 04-02-2021 se encontrava em curso.

Deste modo, constata-se que o despacho que revogou a suspensão provisória do processo foi proferido em momento anterior ao termo (e ao início) do prazo concedido ao arguido para demonstrar o cumprimento das injunções.

Também esta irregularidade foi tempestivamente invocada pelo arguido, porquanto o mesmo foi notificado do despacho de revogação da suspensão provisória do processo por carta simples depositada em 18-02-2021 e a sua I. defensora foi notificada do mesmo despacho em 19-02-2021.

Acresce que as invocadas irregularidades afetam o valor dos atos praticados, uma vez que está em causa o cumprimento ou incumprimento pelo arguido das injunções que lhe foram impostas, ou a eventual prorrogação do prazo da suspensão provisória do processo, e, consequentemente, a submissão ou não do arguido a julgamento, pelo que se tratam de irregularidades relevantes para efeitos do disposto no artigo 123.º do Código de Processo Penal.

De facto, os atos sob censura contendem com o cumprimento ou incumprimento de injunções no âmbito do instituto da suspensão provisória do processo, bem como com a decisão de revogar a suspensão provisória do processo e com a consequente dedução da acusação pública. Em suma, está em causa a submissão ou não do arguido a julgamento, o que contende diretamente com os direitos fundamentais do arguido, cujo conhecimento não pode deixar de estar no âmbito da competência do juiz do julgamento.

É ainda de salientar que a doutrina e a jurisprudência têm entendido que numa situação em que se suscite o eventual incumprimento das regras ou injunções da suspensão provisória do processo, deve ser aplicado analogicamente o regime próprio da suspensão da execução da pena constante dos artigos 492.º a 495.º do Código de Processo Penal e artigos 55.º e 56.º do Código Penal (cfr. neste sentido, entre outros, João Conde Correia, Incumprimento parcial dos prazos, injunções e regras de conduta fixados na suspensão provisória do processo, Revista do Ministério Público, Ano 34, n.º 134, Abril-Junho 2013, pp 43-61, e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-09-2017, Processo n.º 81/14.0GTCBR.C1, disponível em www.dgsi.pt).

Assim, a constatação do incumprimento não conduz automaticamente à revogação da suspensão, cabendo ao Ministério Público averiguar as razões do incumprimento, de modo a decidir pelo prosseguimento do processo para julgamento ou pelo decurso do prazo da suspensão, consoante apure haver, ou não, comportamento culposo, ou repetido, por parte do arguido.

Ora, atento o que anteriormente se deixou exposto, encontrando-se a decorrer o prazo adicional de cinco dias que foi fixado pela Digna Procuradora da República no despacho que proferiu em 04-02-2021, aquando do despacho de revogação da suspensão provisória do processo, proferido em 12-02-2021, ainda não se tinha verificado o incumprimento definitivo das injunções pelo arguido.

Face ao exposto, estão verificadas a irregularidade das notificações ao arguido e à sua I. defensora efetuadas em 05-02-2021 e a irregularidade do despacho de revogação da suspensão provisória do processo proferido em 12-02-2021, o que se declara.

Como vimos, qualquer relevante irregularidade do processo tempestivamente arguida determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar (cfr. artigo 123.º, n.º 1, do C.P.P.), o que implica, segundo os ensinamentos de Paulo Pinto de Albuquerque, a invalidade de todos os efeitos substantivos, processuais e materiais do ato irregular; a invalidade dos atos subsequentes que tenham um nexo de dependência lógica e histórica com o ato irregular; o aproveitamento de todos os atos subsequentes que não tenham um nexo de dependência lógica e histórica com o ato irregular; e a repetição do ato irregular, quando possível e necessário (cfr. ob. cit., pág. 313).

No presente caso, verificada a irregularidade das notificações efetuadas em 05-02-2021 e do despacho de revogação da suspensão provisória do processo proferido em 12-02-2021, tais notificações e despacho são inválidos, sendo igualmente inválidos os atos subsequentes, como sejam o despacho de acusação e o despacho de recebimento da acusação e de marcação da audiência de julgamento, uma vez que estes são dependentes e consequência dos atos irregulares, não subsistindo sem os mesmos.

Sendo tais atos declarados inválidos, deverão os presentes autos ser remetidos ao Ministério Público para o eventual suprimento das irregularidades cometidas (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17-05-2017, Processo n.º 3/16.3PACVL.C1, disponível em www.dgsi.pt).

Em face do exposto, ao abrigo do disposto no artigo 123.º, n.º 1, do C.P.P., declaro inválidas as notificações efetuadas ao arguido e à sua I. defensora em 05-02-2021 e declaro inválido o despacho de 12-02-2021, através do qual foi revogada a suspensão provisória do processo, assim como declaro inválidos todos os atos subsequentes, e determino a remessa dos autos ao Ministério Público para os efeitos tidos por convenientes, nomeadamente para o eventual suprimento das irregularidades cometidas.

Notifique e remeta os autos ao Ministério Público. Dê baixa na distribuição.

Torres Novas, 05-04-2021

Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária - art.º 94.º, n.º 2, do C.P.P.”

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Inconformado com o referido despacho, o Ministério Público recorreu, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões:

1. O Douto despacho judicial proferido em 5-4-2021, sob a Ref.ª Citius 86207851 enferma, salvo melhor entendimento e elevado respeito, de incorrecta apreciação e verificação da irregularidade das notificações efectuadas em 5-2-2021, do despacho de revogação da suspensão provisória do processo proferido em 12-2-2021 e consequente decisão sobre as invalidades de tais notificações e despacho, bem como do subsequente despacho de acusação e o despacho de recebimento da acusação e de marcação da audiência de julgamento, por serem dependentes e consequência dos actos irregulares, não subsistindo sem os mesmos.

2. Por despacho de 20-11-2020 (cfr. referência Citius 8529363), o Ministério Público determinou a suspensão provisória do processo pelo prazo de quatro meses, mediante o cumprimento pelo arguido das seguintes injunções:

- Entregar a quantia de €350,00 ao Centro Social e Paroquial …, sito em …, …, devendo disso fazer prova nos autos no prazo de 30 dias após a notificação do aludido despacho, entregando nos autos o respetivo recibo, fazendo constar do mesmo que se trata de cumprimento de injunção em processo penal;

- Não conduzir veículos automóveis pelo período de 3 meses, devendo entregar a sua carta de condução neste DIAP ou no posto policial da área da sua residência no prazo de 10 dias após a notificação do referido despacho.

5. O Arguido foi notificado do referido despacho através de carta simples, com prova de depósito. A carta foi depositada no dia 26-11-2020 (cfr. referência Citius 7327410), pelo que se considera o Arguido notificado em 01-12-2020, devendo, então, proceder à entrega da sua carta de condução até 11-12-2020 e proceder ao pagamento da quantia monetária até 31-12-2020.

6. Em 27-01-2021, foi o Arguido notificado para, no prazo de cinco dias, informar os autos porque motivo não entregou a sua carta de condução para cumprir o período de proibição de conduzir veículos motorizados, bem como não juntou o comprovativo da entrega da quantia de €350,00 ao Centro Social e Paroquial … de … (referências Citius 85698534, 85737786 e 85737836).

7. Através de requerimento datado de 01-02-2021 (cfr. referência Citius 7457463), veio o Arguido, através da sua Ilustre defensora, requerer a prorrogação do prazo até ao limite legalmente admissível para cumprimento das injunções determinadas, sendo que, no que respeita à carta de condução, informou que poderia, de imediato, entregar a mesma para cumprimento da respetiva injunção, e, quanto à entrega da quantia de 350,00€ à Instituição determinada, informou que não lhe seria possível proceder ao seu cumprimento de imediato, atendendo a que se encontrava desempregado.

Para o efeito alegou, em síntese, que em 27-11-2020, foi sujeito a prisão efetiva no Estabelecimento Prisional de …, na …, tendo sido libertado em 07-01-2021, e que os seus documentos pessoais apenas lhe foram entregues em 27-01-2021, pelo que não lhe foi possível proceder à entrega da carta de condução no prazo estipulado para o efeito. Mais alegou que, também por esse motivo, não conseguiu proceder à entrega da quantia de €350,00 ao Centro Social e Paroquial …, acrescentando que se encontra à procura de emprego, por ter sido despedido e, como tal, impossibilitado de cumprir o pagamento que lhe foi imposto.

8. Com o referido requerimento o arguido juntou dois documentos, entre os quais, uma declaração do Estabelecimento Prisional do …, de 27-01-2021, da qual consta que o arguido deu entrada naquele estabelecimento em 27-11-2020, ficando os documentos em posse desse estabelecimento até à data de 27-01-2021, em virtude de o mesmo ter sido transferido ao GNI, para posterior entrega às autoridades ….

9. Veio ainda o arguido juntar, em 05-02-2021, uma carta que lhe foi dirigida pela sua entidade patronal (cfr. referência Citius 7470138), através da qual lhe foi comunicada a caducidade do seu contrato de trabalho, com efeitos a partir de 18 de fevereiro de 2021.

10. Em 04-02-2021, a Digna Procuradora da República proferiu despacho do seguinte teor: “Considerando o teor do requerimento apresentado nos autos pelo arguido, notifique-o para, em 5 dias, juntar aos autos todos os documentos que o habilitem a conduzir veículos motorizados e o documento comprovativo de que entregou a quantia de 350,00 ao Centro Social e Paroquial …, sito em …, …. Decorridos 5 dias e nada sendo junto antes, conclua.” (cfr. referência Citius 85866705).

11. O Arguido e a sua Ilustre Defensora foram notificados nos termos ordenados no aludido despacho de 04-02-2021,ou seja, para no prazo de cinco dias ,o Arguido juntar aos autos todos os documentos que o habilitem a conduzir sem que conste nessa notificação a cópia do despacho supra transcrito, considerando-se o arguido notificado no dia 13-02-2021 (cfr. referência citius 85906729, 85906770 e 7489939).

12. Em 09-02-2021, o Arguido apresentou requerimento, através da sua Ilustre Defensora, no qual consta expressamente mencionado que a Ilustre Defensora foi notificada do despacho proferido para, no prazo de cinco dias, juntar aos autos todos os documentos que habilitem o Arguido a conduzir veículos motorizados e o documento comprovativo de que o mesmo entregou a quantia de trezentos e cinquenta Euros ao Centro Paroquial …, sito em …, …, solicitando ao Ministério Público que se pronunciasse quanto ao pedido de prorrogação do prazo para cumprimento das injunções formulado em 01-02-2021, alegando que da notificação remetida ao arguido, concedendo-lhe o prazo de cinco dias para proceder conforme ordenado, não consta qualquer decisão sobre o pedido de prorrogação apresentado (cfr. referência Citius 7476166).

13. Por despacho proferido em 12-02-2021, o Ministério Público determinou a revogação da suspensão provisória do processo e o prosseguimento dos autos, passando a deduzir acusação pública contra o Arguido, com os seguintes fundamentos: “O arguido não cumpriu as injunções determinadas nos autos, alegando que não o fez porque esteve preso até 07.01.2021. No entanto, desde a data em que foi libertado, podia e devia ter já cumprido as referidas injunções, mas persistiu no seu incumprimento, em violação dos prazos anteriormente fixados de 10 dias que tinha para entregar a sua carta de condução e de 30 dias que tinha para entregar aquantia de € 350,00 à instituição designada, bem como do prazo adicional de 5 dias que foi posteriormente fixado”.

14. O Arguido foi notificado do despacho de revogação da suspensão provisória do processo e do despacho de acusação através de carta simples, com prova de depósito, considerando-se notificado no dia 23-02-2021 (cfr. referência Citius 7504138).

15. Do supra exposto, resulta que o Arguido e sua Ilustre Defensora foram regularmente notificados do despacho da suspensão provisória do processo, contendo as respectivas injunções, prazos de dez e trinta dias, respectivamente para o cumprimento das mesmas e prazo de quatro meses de duração da suspensão provisória do processo.

16. Quer durante, quer após o termo dos prazos de dez e trinta dias, respectivamente, para o cumprimento das referidas injunções e até dar em resposta à notificação que lhes foi efectuada para o Arguido indicar o motivo do não cumprimento atempados dessas injunções, o Arguido e sua Ilustre Defensora não prestaram nenhuma informação ou justificação acerca da falta de cumprimento das injunções por parte do Arguido.

17. O prazo adicional de cinco dias para o Arguido cumprir as injunções consubstancia a resposta dada ao requerido pelo Arguido e Ilustre Defensora no requerimento datado de 1-2-2021 com a Ref.ª Citius 7457463, pois já tendo terminado os prazos para cumprimento das injunções, não existia outro prazo que estivesse ou que devesse correr termos, tratando-se assim de um novo prazo concedido ao Arguido para, querendo, cumprir as mencionadas injunções, na sequência de ter afirmado que poderia, de imediato, entregar a sua carta de condução para cumprimento da respectiva injunção e quanto à entrega da quantia de trezentos e cinquenta Euros, dado que o facto de ter estado privado da liberdade e alegadamente desempregado ( o que afinal, ainda não se tinha verificado, pois veio posteriormente juntar documento emitido pela sua entidade empregadora a comunicar a caducidade do seu contrato de trabalho com efeito a partir de 18 de Fevereiro de 2021 ), não era fundamento, por si só ( isto é, desacompanhado de outras informações complementares e documentos comprovativos quanto a outras fontes de rendimento, poupanças, património, despesas, dívidas que permitissem aferir da sua situação económica ), suficiente para se poder concluir que o mesmo se encontrava em situação económica difícil e que o impossibilitava de proceder ao cumprimento imediato dessa injunção.

18. No que respeita, em particular, à falta de entrega da carta de condução, é patente o comportamento do Arguido de não a querer entregar, porquanto, como o mesmo informou a sua carta de condução foi-lhe entregue no dia 27-01-2021, pelo que já a poderia ter entregue, querendo, para cumprimento da mencionada injunção logo a partir dessa mesma data.

19. Não havendo outro prazo a correr ou que devesse correr termos quanto ao cumprimento das injunções, o prazo adicional de cinco dias expressamente mencionado no despacho e constante nas notificações regularmente efectuadas ao Arguido e sua Ilustre Defensora não podia ter sido interpretado como falta de resposta ao requerimento apresentado pela Ilustre Defensora e datado de 1-2-2021 ( cfr. Ref.ª Citius 7457463 ). Deu-se, efectivamente, deferimento ao pretendido nesse requerimento, dando a possibilidade ao Arguido de cumprir as injunções num prazo adicional de mais cinco dias.

20. E em vez de cumprir ou apresentar novos fundamentos para a falta de cumprimento nesse prazo adicional de cinco dias, a Ilustre Defensora do Arguido, em novo requerimento apresentado em 9-2-2021 ( cfr. Ref.ª Citius 7476166 ) veio insistir no pedido de prorrogação anteriormente apresentado, alegando que da notificação remetida ao Arguido, concedendo-lhe o prazo de cinco dias para proceder conforme ordenado, não consta qualquer decisão sobre o pedido de prorrogação apresentado.

21. Esse novo requerimento apresentado em 9-2-2021 ( cfr. Ref.ª Citius 7476166 ) comprova que o Arguido e sua Ilustre Defensora tinham conhecimento do referido prazo adicional de cinco dias e que, em vez de serem cumpridas as injunções, se insiste na prorrogação do prazo para o cumprimento das mesmas.

22. Mais uma vez, o Arguido não quis cumprir, no prazo de cinco dias, as injunções, nem apresentou fundamentos e documento comprovativos que pudessem justificar essa falta de cumprimento atempado das injunções, optando expressamente por insistir numa prorrogação do prazo para esse cumprimento. Ou seja, foi o próprio Arguido que não quis esperar pelo decurso desse prazo adicional de cinco dias e nesse requerimento, insistiu na prorrogação de um prazo para o cumprimento de tais injunções.

23. Ao não cumprir o que foi determinado, nem apresentando outra justificação, o Arguido violou culposamente as injunções que lhe foram impostas, inviabilizando desse modo o seu cumprimento integral.

24. Nessa sequência, foi determinada a revogação da suspensão provisória do processo e o consequente prosseguimento dos autos com a dedução de despacho de acusação pública.

25. Tal decisão não foi automática, encontrando-se devidamente fundamentada e cumprindo o disposto no artigo 97, nº 5, do Código de Processo Penal.

26. Em sede de Inquérito e concretamente no âmbito do instituto da suspensão provisória do processo, é ao Ministério Público que incumbe aferir se o arguido cumpriu, ou não, as injunções a que estava obrigado.

27. O comportamento manifestamente reiterado do Arguido em não cumprir as injunções, mostrou-se culposo/censurável e imputável em exclusivo ao Arguido.

28. As notificações e os despachos do Ministério Público considerados irregulares e inválidos não enfermam de quaisquer irregularidades e invalidades, designadamente, a prevista no artigo123, n.º 1, do Código de Processo Penal.

29. Em consequência e salvo melhor entendimento, o Tribunal “a quo “ violou o disposto nos artigos 118, 123, 282º, nº 4, alínea a) e 338º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal, requerendo-se que o Douto despacho judicial recorrido seja revogado e substituindo-se o mesmo por decisão que julgue não verificadas as irregularidades e invalidades aí decididas e determine a prossecução dos autos para julgamento sob a forma de processo especial abreviado pela eventual prática, pelo Arguido, do crime de condução de veículo em estado de embriaguez que lhe foi imputado no respectivo despacho de acusação.

Pelo exposto, deverá ser concedido provimento ao recurso, revogando-se o Douto despacho judicial recorrido e substituindo-se o mesmo por decisão que julgue não verificadas as irregularidades e invalidades aí decididas e determine a prossecução dos autos para julgamento sob a forma de processo especial abreviado pela eventual prática, pelo Arguido, do crime de condução de veículo em estado de embriaguez que lhe foi imputado no respectivo despacho de acusação.

Vossas Excelências, no entanto, decidirão como for de JUSTIÇA.”

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O arguido respondeu ao recurso, tendo terminado a resposta com as seguintes conclusões:

“1. Vem o Ministério Público, a fls…, interpor recurso do despacho judicial proferido nos autos a 05-04-2021, sob a referência citius 86207851, que declarou, ao abrigo do n.º 1 do artigo 123º do Código de Processo Penal, inválidas as notificações efectuadas ao Arguido e à Defensora ora subscritora em 05-02-2021, inválido o despacho proferido pelo Ministério Público a 12-02-2021 (através do qual foi revogada a suspensão provisória do processo), assim como declarou inválidos todos os actos subsequentes, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público para os efeitos tido por convenientes, nomeadamente para o eventual suprimento das irregularidades cometidas,

2. Fundamentando o recurso que interpôs no incumprimento, por parte do Arguido, das injunções que lhe foram determinadas no âmbito da suspensão provisória do processo, quer no prazo inicial, quer no prazo adicional de 5 dias que lhe foi concedido.

3. Assim, considera o Arguido não corresponder à verdade que o mesmo não cumpriu as injunções determinadas, sendo certo que foi proferido despacho de revogação da suspensão provisória do processo sem que ao Arguido tivesse sido concedida, no prazo legal, a possibilidade de cumprir tais injunções.

4. Na verdade, importa atentar à última notificação efectuada ao Arguido- datada de 05-02-2021, com a referência citius 85906729, a conceder um prazo de 5 dias ao Arguido para cumprimento de ambas as injunções determinadas.

5. Tal notificação foi depositada na caixa de correio do Arguido a 08-02-2021, conforme documento de prova de depósito junto aos autos a 15-02-2021, com a referência 7489939,

6. Pelo que o Arguido considerou-se notificado no 5º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor postal, nos termos do n.º 3 do artigo 113º do Código de Processo Penal, isto é, a 13-02-2021, terminando tal prazo de 5 dias para cumprimento das injunções no dia 18-02-2021.

7. Sucede que o despacho de revogação da suspensão provisória do processo foi proferido a 12-02-2021, com fundamento no incumprimento das injunções que lhe foram determinadas- 6 dias antes do termo do prazo para cumprimento da injunção em causa.

8. Tal situação é assumida pelo próprio Ministério Público, nos artigos 7º e 9º da motivação de recurso, nos quais refere o seguinte:

“7. O Arguido e a sua Ilustre Defensora foram notificados nos termos ordenados no aludido despacho de 04-02-2021, ou seja, para no prazo de cinco dias, o Arguido juntar aos autos todos os documentos que o habilitam a conduzir sem que conste nessa notificação a cópia do despacho supra transcrito, considerando-se o Arguido notificado no dia 13-02-2021 (…)” (sublinhado nosso).

(…) 9.Por despacho proferido em 12-02-2021, o Ministério Público determinou a revogação da suspensão provisória do processo e o prosseguimento dos autos, passando a deduzir acusação pública contra o Arguido, com os seguintes fundamentos: “O arguido não cumpriu as injunções determinadas nos autos (…).

9. Assim, no momento em que o Ministério Público proferiu o despacho de revogação da suspensão provisória do processo, o Arguido ainda não se considerava notificado, o que só ocorreu no dia seguinte- 13-02-2021-, restando-lhe, a partir desse dia, o prazo de 5 dias adicional para entrega da carta de condução,

10. Pelo que o Arguido não incumpriu com a injunção determinada no prazo que lhe foi fixado, sendo, assim, o despacho de revogação da suspensão provisória do processo irregular, conforme decidido pelo Tribunal no despacho do qual o Ministério Público recorre,

11. Devendo ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se o despacho recorrido, por não merecer qualquer reparo, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, não deverá ser dado provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, atentos os fundamentos supra, mantendo-se na íntegra o despacho recorrido.

Pede deferimento”.

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Neste tribunal da Relação, o Exmº P.G.A. emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Cumprido que foi o disposto no artº 417º, nº 2, do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta ao parecer.

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APRECIAÇÃO

Importa apreciar no presente recurso se, tal como se decidiu no despacho recorrido, são inválidas as notificações efetuadas ao arguido e à sua defensora em 5/2/2021 e inválido o despacho de 12/2/2021, através do qual foi revogada a suspensão provisória do processo, bem como, por consequência, todos os actos subsequentes.

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Os momentos processuais relevantes para apreciação das questões referidas são os que estão expressos no despacho recorrido inicialmente transcrito, devendo, resumindo, realçar-se o seguinte:

- Em 1/2/21 o recorrente apresentou requerimento a justificar por que não tinha cumprido as injunções nos prazos inicialmente fixados e no artº 12.º desse mesmo requerimento refere:

“Assim, e atento o exposto, vem o Arguido requerer a V. Exª. a prorrogação do prazo até ao limite legalmente admissível para cumprimento das injunções determinadas, sendo que, no que respeita à carta de condução, poderá, de imediato, entregar a mesma para cumprimento da respectiva injunção, sendo que, quanto à entrega da quantia de 350,00€ à Instituição determinada, não lhe será possível proceder ao seu cumprimento de imediato, atendendo a que se encontra, de momento, desempregado.”

- Em 4/2/21 foi proferido o seguinte despacho:

“Considerando o teor do requerimento apresentado nos autos pelo arguido, notifique-o para, em 5 dias, juntar aos autos todos os documentos que o habilitem a conduzir veículos motorizados e o documento comprovativo de que entregou a quantia de 350,00 ao Centro Social e Paroquial …, sito em …, ….

Decorridos 5 dias e nada sendo junto antes, conclua.”

- A data em que se deve considerar efectuada a notificação do referido despacho é 13/2/21 (questão incontrovertida).

- Em 9/2/21 o arguido apresentou requerimento do seguinte teor:

“1º

Foi a ora subscritora notificada para, no prazo de 5 dias, juntar aos autos todos os documentos que habilitem o Arguido a conduzir veículos motorizados e o documento comprovativo de que entregou a quantia de 350,00€ ao Centro Social e Paroquial …, sito em ….

2.º

Sucede que, a 01-02-2021, veio o Arguido informar os autos que, entre 27-11-2020 e 07-01-2021, foi sujeito a medida de prisão efectiva, no Estabelecimento Prisional de …

3.º

Sendo que, por tal motivo, não havia procedido à entrega da carta de condução, no prazo que lhe foi concedido para o efeito, bem como não havia entregue a quantia de 350,00€ ao Centro Social e Paroquial …, sito em ….

4.º

Requerendo a prorrogação do prazo, até ao limite legalmente admissível, para cumprimento das injunções determinadas.

5.º

Sucede que da notificação ora remetida ao Arguido, concedendo um prazo de 5 dias para proceder conforme ordenado, não consta qualquer decisão quanto ao pedido de prorrogação apresentado,

6.º

Razão pela qual requer a V. Exª. que se digne pronunciar quanto ao requerimento apresentado pelo Arguido a 01-02-2021.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, vem requerer a V. Exª. que se digne dar provimento ao requerido.”

- Em 12/2/21 foi proferido despacho a determinar a revogação da suspensão provisória do processo por incumprimento atempado das injunções e a acusar o recorrente.

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Perante o relato acima feito, conjugado com o restante processado indicado no despacho recorrido, não nos restam dúvidas de que o recorrente se tem “aproveitado” de “falhas” processuais para protelar o não cumprimento das injunções que foram fixadas, pois que se quisesse cumpri-las já o tinha feito.

Com efeito, as razões que poderão ter levado inicialmente ao seu não cumprimento, ocorreram há tempo tal (até finais de Janeiro de 2021) que o recorrente há muito que podia ter entregue o título que o habilita a conduzir e que podia ter procedido ao pagamento da quantia em causa.

Não temos qualquer dúvida quanto a isso, mas o que é certo é que ocorreram as irregularidades referidas na decisão recorrida.

Quanto à questão da notificação do despacho proferido em 4/2/21, resulta que a mesma foi efectuada sem se dar conhecimento ao recorrente do conteúdo integral desse mesmo despacho (seja por aplicação do artº 111º, nº 1, al. c), do C.P.P., seja também por aplicação do artº 253º do C.P.C., entendendo-se igualmente aplicável a despachos proferidos pelo Ministério Público que revistam carácter decisório nos termos do nº 3 do artº 97º do C.P.P.).

Tal notificação foi do seguinte teor:

“Fica V. Exª notificado, na qualidade de Arguido, para no prazo de 5 dias, vir aos presentes autos, por escrito:

- juntar todos os documentos que o habilitem a conduzir veículos motorizados e o documento comprovativo de que entregou a quantia de 350,00 ao Centro Social e Paroquial …, sito em …, ….”

Mas o despacho respectivo continha inicialmente a expressão “Considerando o teor do requerimento apresentado nos autos pelo arguido…”.

A omissão de tal expressão, seja por transcrição integral do despacho, seja por falta de envio de cópia do mesmo, pode ter levado a que o recorrente tenha ficado na dúvida sobre se a concessão do prazo adicional de 5 dias para cumprimento das injunções se referia à anteriormente solicitada “prorrogação do prazo até ao limite legalmente admissível para cumprimento das injunções determinadas”.

É certo que “limite legalmente admissível para o cumprimento das injunções” não existe. As injunções devem ser cumpridas nos prazos que forem determinados inicialmente, ou posteriormente concedidos, inexistindo qualquer prazo “legalmente admissível”.

Mas haveria que dizer isso mesmo na apreciação do requerimento apresentado pelo recorrente em 1/2/21 e disso dar-lhe completo conhecimento, para que não restassem dúvidas de que, em apreciação desse requerimento, se lhe estava a conceder um prazo suplementar de 5 dias.

Bem andou, pois, a decisão recorrida ao declarar a invalidade de tal notificação.

O mesmo se diga quanto à consideração de invalidade do despacho que revogou a suspensão provisória do processo.

Tal despacho foi proferido em 12/2/21 quando é certo que o prazo suplementar de 5 dias para cumprimento das injunções se iniciou apenas em 13/2/2021 (data em que, repete-se, se considera feita a notificação do despacho de 4/2/21).

O Ministério Público interpretou o requerimento de 9/2/21 como sendo uma espécie de “desinteresse” pelo cumprimento do prazo suplementar de 5 dias e avançou com a revogação da suspensão provisória e subsequente acusação.

Compreende-se essa interpretação, mas o que é certo é que tal requerimento de 9/2/21 (erradamente dirigido ao Sr. Juiz, tal como, aliás, aconteceu com o requerimento de 1/2/21 que nem por isso deixou de ser apreciado pelo Ministério Público) reiterava o pedido de apreciação da anterior solicitação de “prorrogação do prazo até ao limite legalmente admissível para cumprimento das injunções determinadas”, apreciação essa que, como já acima se referiu, deixou legítimas dúvidas no recorrente quanto à sua ocorrência, ou não.

As duas questões estão interligadas.

Não corresponde, assim, à realidade, ao contrário do que se refere no despacho que revogou a suspensão provisória do processo (“…bem como do prazo adicional de 5 dias que foi posteriormente fixado”), que o recorrente não tenha cumprido o prazo suplementar de 5 dias que lhe foi concedido.

Não deveria, pois, ter sido revogada a suspensão provisória do processo na data em que o foi, nem deduzida acusação nessa mesma data.

Nada há, pois, a censurar no despacho recorrido, não tendo ocorrido violação de qualquer preceito legal com a sua prolação.

Atenta a simplicidade das questões em causa, julga-se dispensável mais considerações.

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DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes em julgar improcedente o recurso.

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Sem tributação.

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Évora, 7 de Setembro de 2021

Nuno Garcia

Edgar Valente