Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
203/10.0TBALR.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE BEM FUTURO
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
Data do Acordão: 03/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
I- Num contrato de compra e venda de bens futuros (no caso, pimento verde e pimento vermelho) em que o comprador se compromete a comprar, pelo menos, uma certa quantidade não é lícito recusar a prestação do vendedor quando essa quantidade ainda não foi sequer atingida.
II- Estabelecendo-se uma cláusula em que a compradora podia, com antecedência, dar por finda a campanha, não pode ela declarar isso sem que tenha recebido a quantidade minimamente acordada.
III- Tal declaração equivale a uma alteração unilateral do contrato e traduz-se numa situação de incumprimento.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Évora

BB, com sede em Rua (...), Montemor-o-Velho, propôs a presente ação declarativa contra CC – Sociedade Agrícola, Lda., residente em (...), peticionando a sua condenação no pagamento da quantia de 80.784,00€, acrescida de juros de mora, à taxa de juros comerciais, de 8% aquando da propositura da ação, vincendos desde a citação até integral pagamento e, ainda, da sobretaxa de 5% desde o trânsito em julgado da sentença até integral pagamento, a título de sanção pecuniária compulsória.
Alegou o seguinte:
Por escrito datado de 30/03/2009, celebrou um acordo com a ré, nos termos do qual se obrigou a vender-lhe e esta se obrigou a comprar-lhe, toda a produção de pimento da campanha de 2009, a plantar numa área de 4 hectares de terreno, as caraterísticas e pelos preços estabelecidos consoante o tipo de pimento e o período de entrega do produto, acrescido de um prémio sobre as entregas efetuadas até 31 de Outubro, no caso de cumprimento do contrato até essa data.
Em 24/09/2009, a ré comunicou à autora que as datas do encerramento da campanha (datas limite da recepção) do pimento vermelho e do pimento verde, eram 03/10/2009 e 07/10/2009.
Em consequência do encerramento da campanha pela ré em datas anteriores a 31/10/2009, que configura incumprimento pela ré da cláusula contratual que previa a recepção do produto até essa data, o pimento vermelho que, em consequência da tardia entrega das plantas pela ré, só atingiu a fase final de maturação entre 5 e 20/10/2009 – produção saudável de cerca de 306.000 kg –, não foi vendido e apodreceu no terreno, tendo o valor de 73.440,00€ ao preço acordado, acrescido, conforme também acordado, do prémio sobre as entregas efetuadas até 31/10/2009, no valor de 3.060,00€, valores esses a que acresce o respetivo IVA, computando-se no montante global de 80.784,00€ o correspondente prejuízo sofrido pela autora, cujo ressarcimento compete à ré.
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A ré apresentou contestação pugnando pela improcedência da ação e pela condenação da autora por litigância de má fé, em multa e indemnização de valor não inferior a 5.000,00€.
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Notificada da contestação, a autora apresentou réplica na qual, sem síntese, impugna parcialmente a factualidade alegada pela ré e alega que a mesma agiu de má fé no (in)cumprimento do contrato e litiga de má fé, requerendo a condenação da mesma em multa e indemnização de valor não inferior a 10.000,00€.
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Notificada desse articulado, a ré apresentou réplica, na qual, em síntese, impugna a factualidade ali alegada pela autora, pugnando pela improcedência do pedido de condenação como litigante de má fé.
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O processo seguiu os seus termos e, depois do julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a R. dos pedidos.
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Desta sentença recorre a A. impugnando a matéria de facto bem como a solução de direito.
Defende que devem ser provadas as cláusulas 5.4 a 9 do contrato celebrado entre as partes, bem como os factos não provados descritos de 2.1 2.12 da sentença.
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A recorrida contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos.
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Começaremos pela impugnação da matéria de facto.
Sobre esta matéria, a recorrente termina a sua alegação nestes termos (que reproduzimos tal como estão):
B) Ora a Sr.ª juiz não analisou criticamente as provas de acordo com uma análise prudente. Antes, limitou-se sintetizar o depoimento das testemunhas.
C) Deu crédito à interpretação do contrato celebrado entre a A. e a R. pelo depoimento das testemunhas da R., que, obviamente, não é livre nem isento, porque, infelizmente, nenhum trabalhador vai hoje contra os interesses e o que diz a sua entidade patronal, já que vivemos num regime de terror laboral e total arbítrio por parte das entidades patronais que são caucionados por uma legislação laboral iníqua a qual permite que o trabalhar que não testemunhar como pretende a sua entidade patronal seja imediatamente despedido.
D) E, pelo contrário, desvalorizou a letra e o espírito do contrato, desvalorizou os documentos juntos pela A., e desprezou o depoimento das testemunhas oferecidas pela A. que depuseram com conhecimento dos factos e total isenção.
E) Cometeu ainda os seguintes ERROS GROSSEIROS: A Sr.ª Juiz deu como provado na sentença a parte dos preços das variedades de pimento que se obrigou a pagar à recorrente, o que era essencial para a boa decisão da causa, e que constam do ponto 3.1 do contrato e são factos assentes, omitindo do elenco dos factos provados tudo o que consta dos factos dados como assentes no saneador desde as cláusulas 5.4 até à cláusula 9º.
F) A FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO DADA PELA SR.ª JUIZ CONFRONTA-SE COM ALGUMAS QUESTÕES DE BOM SENSO, SENÃO DE SENSO COMUM E QUE DEMONSTRAM UM ERRO NOTÓRIO E GROSSEIRO DE JULAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
G) Não é de bom senso, nem de senso comum, acreditar-se que se a A. estivesse convicta que o contrato poderia terminar quando a R. o pretendesse, tivesse deixado para o fim de Setembro, e para Outubro, a colheita do pimento vermelho QUE ERA PAGO A UM PREÇO SUPERIOR AO DO PIMENTO VERDE.
H) A Ré obrigou-se a fornecer à A. paletes para acondicionamento e transporte do pimento (ponto 5.3 do contrato). Mas nem sequer alegou nem provou que as enviou.
I) A Ré obrigou-se a estabelecer um plano semanal de entrega do pimento que se não fosse respeitado a A. não poderia efetuar qualquer entrega de pimento (ver ponto 5.4 do contrato). Mas não alegou nem provou que enviou qualquer plano para a entrega do pimento vermelho.
J) A Ré obrigou-se a afixar no local “de recepção da matéria, com 8 dias de antecedência” a informação da data de encerramento da campanha. Mas não alegou nem provou que cumpriu essa obrigação.
K) Se o prazo da entrega de pimento estivesse ao sabor da decisão da ré, e sabendo esta que o pimento vermelho só poderia ser colhido até 3 de Outubro, essa interpretação do contrato é totalmente incompatível com o facto de não ter enviado à A. esse plano de colheita do pimento vermelho atempadamente.
L) Se fosse legítimo interpretar desse modo o contrato, porque não se estabeleceu no contrato limites máximos para a entrega de pimento?
M) Estas razões levam a considerar que não poderia a matéria de facto ser julgada como o foi, havendo erro notório de julgamento da matéria de facto, E FICANDO PROVADO QUE A R. NÃO CUMPRIU O CONTRATO POR CULPA SUA.
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Em relação ao contrato, a sentença, na verdade, não transcreve as suas cláusulas 5.ª a 9.ª e que constavam do anterior despacho que fixou a base instrutória.
Mas não se vê que tal seja um erro grosseiro, como afirma a recorrente; simplesmente, o seu teor em nada ajuda a resolver o litígio.
Estas cláusulas dizem respeito ao fornecimento dos registos de campo, relatórios de tratamento fitossanitário, recolha de amostras das plantas e envio dos resultados das análises dos resíduos e pesticidas, respeito pelas normas de qualidade, cumprir o plano semanal de entregas, etc..
O conflito, aproveitando o resumo feito na sentença, é este:
«O litígio das partes circunscreve-se à questão de saber se a ré estava obrigada a receber e pagar todo o pimento produzido pela autora nos 4 hectares de terreno, desde que colhido e entregue pela mesma até 31 de outubro de 2009, ou se, pelo contrário, apenas estava obrigada a receber e pagar o pimento produzido pela autora nessa área de terreno, colhido e entregue pela mesma até à data de encerramento da campanha, comunicada por carta e e-mail, nos termos contratualmente acordados».
Atendendo a estes termos do litígio, e tal como a A. o coloca na sua p.i., é indiferente o conteúdo destas cláusulas para a sua resolução. O facto de elas terem sido incluídas no despacho saneador não obriga a que tenham que ser repetidas na sentença.
Assim, para já, nada se altera.
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Os factos que a recorrente pretende dar por provados são estes:
2.1. A autora prestou todos os cuidados necessários ao bom desenvolvimento das plantas de pimento, nomeadamente lavrando, regando, fresando, fertilizando, entre outros trabalhos indispensáveis ao bom desenvolvimento em boas condições fitossanitárias do pimento plantado;
2.2. Após a recepção da carta em 1.11 [Por carta datada de 24 de setembro de 2009 e e-mail enviado na mesma data, a ré comunicou à autora as datas de encerramento da Campanha de Pimento 2009, especificando que a data limite de recepção do pimento verde seria 7 de outubro de 2009 e do pimento vermelho 03 de outubro de 2009], a autora contactou a ré através do seu representante, o Engenheiro DD, no sentido de lhe chamar à atenção de que a data acordada de recepção de pimento seria até 31 de outubro de 2009 e de que essa alteração de prazo ocorria já na fase final de maturação do pimento, inviabilizando assim quase toda a apanha do pimento vermelho;
2.3. Antes dessa carta, a ré comunicou à autora que interrompia a recepção de pimento por não ter capacidade para laborar tanto pimento que estava a recepcionar dos produtores;
2.4. A ré estava ciente de que ao entregar as plantas na data em que as entregou, a maturação do pimento só ocorreria entre 5 e 20 de outubro de 2009;
2.5. Tanto na negociação do contrato como na sua assinatura, a ré sempre afirmou à autora que o dia 31 de outubro de 2009 seria o último dia para a entrega do pimento vermelho, tendo a mesma, através do seu funcionário e representante, Engenheiro DD, na fase inicial de maturação do pimento, na segunda quinzena de setembro de 2009, na sequência das suas inspeções à plantação, afirmado à autora que a partir de 6/7 de outubro os primeiros pimentos estariam amadurecidos e prontos para entrega, formando na autora a convicção de que poderia proceder à entrega do pimento vermelho a partir desta data e até final de outubro;
2.6. A data de 31 de outubro sempre foi entendida apenas como data limite para a aplicação de prémios, não uma data limite para encerramento da campanha;
2.7. A autora forneceu à ré mais 55,95% de pimento verde do que a quantidade mínima prevista no contrato e forneceu 26.079 kg ou 32.076 kg de pimento vermelho;
2.8. A autora solicitou a vinda a Montemor-o-Velho de um administrador da ré para verificar o estado da cultura do pimento vermelho e exigiu que a ré o recebesse pelo menos até 20 de outubro de 2009;
2.9. E a ré mandou o seu diretor-geral, Sr. EE, à plantação de pimento, em princípios de Outubro de 2009, o qual afirmou que a ré já não queria receber mais pimento porquanto tinha recebido já o pimento suficiente para os seus objetivos de produção;
2.10. Em 19 de outubro de 2009, o técnico da DRABL verificou que os pimentos vermelhos da plantação da autora eram de excelente qualidade e se encontravam em condições de serem colhidos;
2.11. O comportamento da ré levou a que a autora tivesse de se socorrer da banca contraindo dois empréstimos, no montante total de 54.000,00€, em duas tranches de 30.000,00€ e 24.000,00€, para cumprir as suas obrigações;
2.12. A 19 de Outubro, a autora ainda solicitou à ré uma reunião, tendo exigido da ré o cumprimento do contrato, ao que esta se recusou alegando que já tinha começado a receber brócolos, e não podia voltar a receber pimento dado ter de parar e limpar a linha de laboração.
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Cotejando este elenco com as conclusões das alegações, desde logo se nota que nem todas estas se referem aos factos em crise.
Assim, [as primeiras até à F)] são apenas considerações genéricas sobre a apreciação da prova que foi feita na 1.ª instância.
As alíneas H) e I) dizem respeito a cláusulas contratuais cujo incumprimento não está aqui em causa nem vem alegado que tivesse sido este incumprimento, por parte da R., que tivesse causado que a produção da A. não tivesse sido toda entregue à R..
A al. K) tem mais que ver com a interpretação do contrato do que com uma qualquer realidade e, em relação a este aspecto, e além do que se dirá adiante, temos de notar o seguinte:
Nos termos do art.º 238.º, n.º 1, Cód. Civil, a declaração não pode ter um sentido que não tenho um mínimo de correspondência no respectivo texto. Se é, naturalmente, possível a prova testemunhal sobre os termos de um acordo (cfr. art.º 393.º, n.º 3, Cód. Civil), ela só será produzida se for necessária e desde que o seu resultado não contrarie o texto respectivo.
Além disto, alegando a recorrente que estava convencida que o termo da campanha era no final de Outubro, nada se adianta a respeito deste erro e da sua essencialidade, sendo certo que o contrato previa a possibilidade de a R. antecipar a recolha do produto.
Mas mesmo em termos estritamente probatórios, não há indicação nenhuma nos depoimentos de que a R. tivesse afirmado que o dia 31 de Outubro seria o último dia, facto que seria essencial para essa convicção. A testemunha FF, por exemplo, refere que, realmente a campanha começou mais cedo e que estavam convencido que acabaria no final daquele mês; mas isto por hábito de anos anteriores e não que a R. o tivesse afirmado (que é o que não foi dado por provado no ponto 2.5).
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Em relação aos demais factos, eles referem-se a outras coisas além do litígio em si. E este tem que ver com o alegado incumprimento da R. ao não aceitar receber toda a produção do pimento vermelho. O que se passa além disso ou não tem relevo (por exemplo, que a plantação estava bem cuidada e que o produto tinha qualidade, pois que isso nem sequer está em questão) ou passa-se já depois do litígio (caso da reunião havida em Outubro). Apenas um facto poderia ser relevante (o indicado no ponto 2.11) mas sobre ele não há qualquer prova, designadamente, aquela cujos meios a recorrente indica na sua alegação.
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Assim, nada se altera.
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A matéria de facto é a seguinte:
1. Matéria de facto apurada, com relevo para a decisão:
1.1. A autora é uma sociedade comercial por quotas, e dedica-se à atividade de exploração de produtos agrícolas em terrenos onde semeia e planta pimentos, abóboras, tomate e outros produtos agrícolas para revenda, com fins lucrativos;
1.2. A ré é uma sociedade comercial por quotas que anteriormente se denominava GG– Sociedade Agrícola Lda., tendo alterado a sua denominação para a atual, e que se dedica nomeadamente à compra e venda de produtos agrícolas, agroquímicos e fitossanitários, prestação de serviços diversos a empresas agrícolas e cultivo e comercialização de produtos agrícolas e seus derivados;
1.3. Em 30 de Março de 2009, autora e ré, celebraram, por escrito, assinado por ambas as partes, um acordo que denominaram de “Contrato de Fornecimento de Pimento” no qual a ré figura como 1ª outorgante e a autora como 2ª outorgante, do qual constam, entre outras, as seguintes cláusulas:
“Cláusula 1:
1.1 – O presente contrato é estabelecido para a produção de pimento, campanha 2009.
1.2 – O Primeiro Outorgante obriga-se a comprar e o Segundo Outorgante a vender-lhe, toda a produção de pimento contratada, das áreas definidas na Cláusula 2; esta pode ser utilizada para produção de comida para bebés (baby food).
1.3 – Os pimentos devem encontrar-se em perfeito estado para consumo em fresco, sãos, desenvolvidos, livres de estragos do sol, geada, sem lesões mecânicas ou provocadas por pragas e doenças, isentos de resíduos tóxicos, devem ter coloração completamente uniforme [vermelho/amarelo ou verde] e com peso mínimo de 100gr;
1.4 – Nas parcelas objeto deste contrato é expressamente proibida a utilização de qualquer tipo de lamas;
1.5 – Toda a matéria-prima entregue tem de obedecer às especificações definidas constantes na norma de qualidade anexa, que para todos os efeitos, é parte integrante deste contrato.
Cláusula 2:
2.1 – O Segundo Outorgante obriga-se a plantar 4 hectares de pimento;
Nome do Produtor - BB
Parcela Área Prevista (ha) - Total 4
Previsão Verde - 120T
Previsão vermelho - 40T
2.2 - A área definida no parágrafo anterior, caso diga respeito a um conjunto de parcelas conduzidas pelo Segundo Outorgante, encontraram-se devidamente identificadas na lista de parcelas anexa a este contrato. À totalidade da área contratada corresponde um fornecimento mínimo de matéria-prima de 120.000 Kg de pimento verde e 40.000 Kg de vermelho.
2.3 – O produto será classificado por amostragem e de acordo com a norma de classificação em anexo, no ato da entrega nas instalações fabris do Primeiro Outorgante. Eventuais reclamações à classificação atribuída, só serão aceites no ato da entrega do produto. A falta de acordo do Segundo Outorgante à classificação atribuída pelo Primeiro Outorgante confere-lhe o direito de recusar a entrega do produto, não lhe sendo no entanto devido pelo Primeiro Outorgante qualquer importância a esta mercadoria. Se por qualquer motivo o produtor não possa acompanhar a matéria-prima à fábrica e o lote for rejeitado, a partir do momento em que é avisado da situação tem 1 hora para informar o 1º Outorgante do destino a dar a este produto; findo este prazo a GG reserva-se ao direito de destruir o lote.
Cláusula 3:
3.1 - O preço a pagar pelo Primeiro Outorgante por quilograma líquido de pimento, segundo a norma de Qualidade de Recepção, entregue nas instalações fabris é de:
Pimento Período de Entrega €/Kg
<= 16 Set. 0.170
Verde 17 Set. a 31 Out. 0.160
> = 01 Nov. 0.140
< = 30 Set. 0.255
Vermelho 01 Out. a 31 Out. 0.240
> = 01 Nov. 0.140
< = 30 Set. 0.270
Amarelo 01 Out. a 31 Out. 0.255
> = 01 Nov. 0.140
Mix 01 Out. a 31 Out. 0.130
Verde/Vermelho > = 01 Nov. 0.140
Raiado Vermelho Campanha 0.035
3.2 Prémios Fidelização – Pimento Verde, Pimento Vermelho e Pimento Amarelo.
Com o cumprimento do contrato até 31 de Outubro será atribuído um prémio no valor 0,010 €/Kg sobre as entregas efetuadas até essa data. Este prémio será atribuído no final da Campanha e incidirá sobre o peso líquido, livre de refugo.
3.3 - Adiantamentos
O Primeiro Outorgante efetua um adiantamento dos fatores de produção.
A recuperação destes montantes é efetuada durante os pagamentos de pimento.
Cláusula 4:
4.1 - Pagamentos
Os pagamentos serão feitos quinzenalmente: ao dia 15 e dia 30 de cada mês e após resumo quinzenal de faturas cuja data corresponda ao período de fornecimento da matéria-prima e sejam recebidas pelo 1ª Outorgante até 5 dias após a data da fatura.
Cláusula 5:
Obrigações do Primeiro Outorgante
5.1- Pagar pontualmente na data estabelecida os preços acordados contratualmente.
5.2 – Fornecer ao Segundo Outorgante gratuitamente toda a assistência técnica necessária à cultura, quando solicitada.
5.3 – Fornecer ao Segundo Outorgante palotes para acondicionamento e transporte de pimento.
5.4 – Estabelecer um plano de entregas semanal de matéria-prima. Se não for respeitado o acordado, entre o representante do 1º Outorgante e do 2º Outorgante, este não poderá efetuar a entrega do produto. As colheitas deverão ser efetuadas de acordo com as instruções dadas pelos Técnicos do Primeiro Outorgante e mediante marcação. (…).
Extraordinariamente o período de recepção da matéria-prima poderá ser alterado.
A data do final da campanha, será comunicada por fax ou e-mail e afixado na recepção da matéria, com 8 dias de antecedência. (…).”;
1.4. Se necessário, é possível atrasar o crescimento das plantas de pimento (campo não está pronto, condições climáticas), fazendo uma gestão adequada da temperatura, da fertilização e aplicação de cobre;
1.5. Em condições normais, depois da plantação, ocorre um período de 35 dias para a floração, 50 dias para aparecimento dos frutos, 84 dias para que os frutos verdes estejam prontos para apanhar e 105 dias para que os frutos vermelhos estejam em condições de ser colhidos;
1.6. A planta do pimento produz frutos verdes que se tornam vermelhos se os deixarmos amadurecer;
1.7. A planta volta a florescer e a dar frutos depois de cada colheita, e pode ter uma duração de vida muito longa;
1.8. Exemplo do ciclo da planta:
Etapas N.º dias Exemplo 1 Exemplo 2 Exemplo 3
Plantação 0 - 01/05/2009 - 15/05/2009 - 05/06/2009
Floração 35 - 05/06/2009 - 19/06/2009 - 10/07/2009
Aparecimento de frutos 49 - 19/06/2009 - 03/07/2009 - 24/07/2009
Frutos verdes colheita 84 - 24/07/2009 - 07/08/2009 -28/08/2009
Frutos vermelhos colheita 105 - 14/08/2009 28/08/2009 - 18/09/2009;
1.9. A ré forneceu à autora plantas de pimento (semeadas 6 semanas antes) - 150.021 em 25 de maio de 2009 e 25.017 em 27 de maio de 2009 - para posterior replantação no campo e desenvolvimento, a que a autora procedeu, com início durante a primeira semana de junho de 2009 e com o acompanhamento e supervisão da ré;
1.10. Em 16 de setembro de 2009, a colaboradora da ré, Eng.ª HH, deslocou-se às plantações de diversos agricultores que tinham contratos de fornecimento com a ré, tendo constatado na plantação da autora, e transmitido à ré, que o pimento vermelho estava em condições de ser colhido na semana seguinte, semana 39, entre 21 e 27 de setembro de 2009;
1.11. Por carta datada de 24 de setembro de 2009 e e-mail enviado na mesma data, a ré comunicou à autora as datas de encerramento da Campanha de Pimento 2009, especificando que a data limite de recepção do pimento verde seria 7 de outubro de 2009 e do pimento vermelho 03 de outubro de 2009;
1.12. Na sequência dessa carta, a autora contactou a ré e manifestou-lhe a sua discordância com a data limite de recepção do pimento vermelho;
1.13. Na campanha de 2009, o maior fluxo de entregas de pimento vermelho ocorreu entre as semanas 35 e 39, ou seja, entre 24 de agosto e 27 de setembro de 2009;
1.14. Entre 24 de agosto de 2009 e 17 de setembro de 2009, a autora entregou 166.017 kg de pimento verde e, no dia 30 de setembro de 2009, entregou mais 15.330 kg de pimento verde, num total de 181.347 kg;
1.15. A autora entregou, em 29 de setembro de 2009, duas primeiras remessas de pimento vermelho com o peso global de 22.970 kg e, em 30 de setembro de 2009 a terceira e última, com o peso de 6.176 kg, num total de 29.146 kg;
1.16. Todo o produto entregue pela autora à ré foi por esta pago conforme acordado, no valor global de 40.584,65€;
1.17. Ao colher mais pimento verde do que a quantidade mínima prevista no contrato, a autora atrasou a maturação do pimento vermelho;
1.18. A pedido da autora, formulado em 15 de outubro de 2009, em 19 de outubro de 2009, um técnico da DRABL (Direção Regional de Agricultura da Beira Litoral Centro) deslocou-se à plantação de pimentos e, com base na observação e em 10 plantas colhidas aleatoriamente num diâmetro de 10 metros, elaborou um relatório, em 18 de novembro de 2009, no qual fez constar as conclusões de que os pimentos se encontravam em bom estado de conservação, sendo a média de produção de cada planta de 2,5 kg, o que corresponde a uma produção bruta de 90.000 kg por hectare que, deduzida de 15% de perdas (frutos não aproveitados), dá uma produção final de 306.000 kg nos 4 hectares, cujo valor, ao preço acordado no contrato celebrado com a ré para as entregas de pimento vermelho entre 1 e 31 de outubro de 2009, computa em 73.440,00€;
1.19. A autora exigiu à ré o pagamento dessa quantia de 73.440,00€, por carta datada de 30 de dezembro de 2009, a que a ré não respondeu;
1.20. Parte da produção não entregue à ré foi pela autora deixada a apodrecer na terra, tendo-se perdido.
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Em relação ao Direito, a recorrente conclui desta forma:
N) A Sr.ª juiz interpretou um contrato, e essa apreciação deveria efetuar-se pelos art.ºs 236.º e 238.º do Código Civil:
O) Ora a interpretação do contrato celebrado entre a A. e a R. feita pelo Sr.ª juiz na sentença recorrida foi frontalmente contra estas disposições legais, pois não atendeu aos depoimentos das testemunhas da A., cujo conteúdo, nessa parte, nem é referido na fundamentação da sentença.
P) TODAS AS TESTEMUNHAS DO A. DECLARARAM NO SEU DEPOIMENTO QUE SEMPRE, REPETE-SE, SEMPRE, O PIMENTO PLANTADO NO BAIXO MONDEGO ATRAVÉS DE CONTRATOS CELEBRADOS COM A RÉ FOI COLHIDO ATÉ FINAL DE OUTUBRO, E MESMO JÁ EM NOVEMBRO.
Q) Se a interpretação aceite pela Sr.ª juiz fosse possível, porque é que não há no contrato uma só cláusula a declarar que, a partir de 15 de Setembro, por exemplo, a Ré poderia encerrar a recepção de pimento, QUANDO ESSA CLÁUSULA SERIA ESSENCIAL PARA O BOM CUMPRIMENTO DO CONTRATO, QUANDO ESSA CLÁUSULA SERIA ESSENCIAL PARA QUE A A. NÃO CRIASSE EM SI A CONVICÇÃO DE QUE PODERIA NTREGAR PIMENTO À R. ATÉ 31 DE OUTUBRO E A RÉ É UMA GRANDE EMPRESA QUE, COMO RESULTA DOS AUTOS, É MUITO EXPERIMENTADA NO MERCADO?
R) A interpretação do contrato dada pela Sr.ª juiz não é compatível com o facto de a referência que ao simples envio de e-mail para comunicação do final do contrato se encontrar no meio de outras obrigações da R. consignadas na clausula 5.4 e não numa cláusula única, à parte das restantes cláusulas.
S) Pelo contrário, existem inúmeras cláusulas a demonstrar o contrário da interpretação dada ao contrato pela Sr.ª juiz, nomeadamente a clausula 3.1 e 3.2, 5.4, 5.6, 6.4, 6.5, 6.7 Todas estas cláusulas têm a expressão FINAL DA CAMPANHA
E nas cláusulas 3.1 e 3.2 claramente se refere o final da campanha como num período posterior a 31 de Outubro
Tanto assim é que o prémio de fidelização até 31 de Outubro: “…será atribuído no final da Campanha…”
COMO PODERIA UM PRÉMIO PAGO POR ENTREGAS DE PIMENTO ATÉ 31 DE OUTUBRO SER PAGO ANTES DESSA DATA, SE O FINAL DA CAMPANHA PUDESSE OCORRER ANTES DE 31 DE OUTUBRO?
T) No ponto 3.1 do contrato, último quadro, o final da campanha surge após 1 de Novembro. Ora tal não é compatível com a interpretação dada ao contrato dada pelo tribunal recorrido. Na verdade, se assim fosse, a expressão campanha deveria estar colocada no contrato imediatamente antes da data de 16.Set.
U) Refere-se o mesmo quadro o período de entrega, e no mesmo quadro admite-se um período de entrega mesmo depois de 1 de Novembro.
Tendo todos os contratantes com a Ré em situação idêntica à do A. entendido o contrato como sendo de cumprimento até final de Outubro, tendo sempre a aceitação de pimento pela R. na região do Baixo Mondego ocorrido até final de Outubro, e mesmo depois desta data, COMO DECLARARAM TODAS AS TESTEMUNHAS DA A., SENDO QUE O SEU DEPOIMENTO NÃO FOI CONTRARIADO PELO DEPOIMENTO DE QUALQUER DAS TESTEMUNHAS DA RÉ
V) Não tendo a R. alegado nem provado que expôs à A. o seu entendimento sobre esse facto como seria exigível a um contraente que agisse com lealdade e boa fé no cumprimento dos contrato, como o impõe o artigo 227º do Código Civil,
Nunca seria exigível à Autora a interpretação do contrato tal como o interpretou a Sr.ª juiz,
X) E mesmo que a interpretação do contrato fosse a que a Sr. juiz lhe deu, a Ré não alegou nem provou que cumpriu cláusulas essenciais do contrato, nomeadamente que, antes ou em 16 de Setembro:
a) Deu instruções à A. para colher o pimento vermelho e estabeleceu um plano de entrega diário, conforme se obrigou na cláusula 5.4 do contrato, e
b) Lhe enviou as paletes indispensáveis à recolha do pimento e que ela lhe deveria fornecer, conforme consta da cláusula 5.3 do contrato.
Y) Pelo que recusar-se a receber pimento durante o mês de Outubro, a Ré, esta a vir contra facto próprio, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé e a cometer um abuso do direito, nos termos do art.º 334º do CC.
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Por força do contrato, a recorrente obrigou-se a vender à recorrida, e esta a comprar-lhe, em 2009, toda a sua produção que obtivesse em 4ha de terra mas com as quantidades mínimas de 120.000kg de pimento verde e de 40.000kg de pimento vermelho.
Foram estabelecidos prazos de entrega sendo que o preço do produto variava consoante fosse ele entregue mais cedo (mais caro) ou mais tarde (mais barato).
As datas limites eram as de 31 de Outubro e 1 de Novembro. Existiam datas intermédias que eram as de 17 ou 30 de Setembro.
Foram estabelecidos prémios para o cumprimento do contrato até 31 de Outubro.
Foi ainda estabelecido que a data do final da campanha, seria comunicada por fax ou e-mail e afixado na recepção da matéria, com 8 dias de antecedência (cláusula 5.4, § 3.º).
Ao longo do contrato faz-se referência ao «fim da campanha» mas sem que se defina qualquer data.
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São estes os termos essenciais do contrato celebrado entre as partes.
Perante estes elementos, a recorrente quer afirmar que o termo da campanha era em 31 de Outubro, ou seja, que até esta data poderia sempre entregar os pimentos à recorrida.
Havia vários prazos estabelecidos e a cada um correspondia um preço diferente; ou seja, e desde logo, a recorrida estava impedida de recusar a entrega se ela se verificasse antes de 31 de Outubro (por exemplo, a 16 de Setembro). De acordo com o calendário fixado, era sua obrigação receber o produto. Da mesma forma, a recorrente também podia entregar o produto até 31 de Outubro, que era a data limite, embora a um preço inferior.
Mas também havia a possibilidade de a recorrida definir um outro momento, que é o que decorre da cláusula indicada que estabelece que a data do final da campanha, seria comunicada por fax ou e-mail e afixado na recepção da matéria, com 8 dias de antecedência.
Cláusula esta que a recorrida aplicou no seu e-mail de 24 de Setembro.
A questão que se coloca é esta: podia a R. dar por finda a campanha e não receber mais produtos quando entendesse?
Repetimos o excerto da sentença onde se define a questão a decidir: «O litígio das partes circunscreve-se à questão de saber se a ré estava obrigada a receber e pagar todo o pimento produzido pela autora nos 4 hectares de terreno, desde que colhido e entregue pela mesma até 31 de outubro de 2009, ou se, pelo contrário, apenas estava obrigada a receber e pagar o pimento produzido pela autora nessa área de terreno, colhido e entregue pela mesma até à data de encerramento da campanha, comunicada por carta e e-mail, nos termos contratualmente acordados».
Uma coisa temos por certa: a R. não podia deixar de receber o pimento até 31 de Outubro e até ele perfazer os ditos 40.000kg, pelo menos. E se fosse mais, como no caso seria (cfr. n.º 1.18), a obrigação seria a mesma pois que o contrato não previa um limite máximo de quantidade (fala mesmo em toda a produção de pimento). Ou seja, respondemos afirmativamente à primeira pergunta e negativamente à segunda.
É isto que decorre directamente do contrato pois que o que foi estabelecido foi uma certa quantidade de pimento vermelho (é com este que o problema se coloca) a ser entregue até uma determinada data. As quantidades e o calendário foram bem fixados e era com isso que a recorrente tinha de contar.
A aplicação da cláusula 5.4, § 3.º, antes de 31 de Outubro, nem teria sentido mesmo que a R. tivesse já recebido a quantidade mínima de produto que tinha sido combinada.
O que nem aconteceu. Está provado que a A. entregou, até 30 de Setembro, a quantidade de 29.146kg de pimento vermelho (n.º 1.15), ou seja, até esta data não tinha entregue o peso mínimo que estava combinado. Tal como não o entregou até 3 de Outubro (cfr. n.º 1.11).
A recorrida satisfez-se com 29.146kg de pimento e determinou o fim da campanha. Ou seja, a recorrida não quis receber mais pimento vermelho mesmo que a quantidade recebida fosse inferior à combinada.
Mas a cláusula citada não dá direito à recorrida de alterar o contrato, designadamente, as quantidades acordadas; e é isto mesmo que resulta, por um lado, da comunicação de 24 de Setembro e, por outro, do facto de nem sequer os 40.000kg ainda não terem sido entregues. Além disto, e coligado com isto, temos um calendário que estabelece como data limite o dia 31 de Outubro.
A cláusula não permite que a recorrida se esquive a receber toda a produção de pimento pois que essa era a sua obrigação — tal como era, naturalmente, obrigação da recorrente fornecer, pelo menos, 40.000kg. E fornecer em que prazo? A resposta só pode ser uma: o prazo que consta do calendário.
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A recorrida alega que «provou que existia pimento vermelho no campo em quantidade suficiente para, dentro dos prazos de final de campanha, a Recorrente poder cumprir com a sua obrigação».
Na sentença deparamos com este excerto:
«Na sequência dessa comunicação, em 29 e 30 de setembro de 2009 a autora entregou as únicas três remessas de pimento vermelho e ainda, neste último dia, mais 15.330 kg de pimento verde, não tendo efetuado entregas posteriores, nem até às respetivas datas limite de receção comunicadas pela ré nem posteriormente, apesar de ter pimento na plantação em condições de ser colhido e entregue até essas datas, designadamente pimento vermelho em quantidade suficiente para atingir a quantidade mínima prevista no contrato (cfr. supra 1.10.), acabando por deixá-lo apodrecer na terra, perdendo-o (cfr. supra 1.20.)».
Não vemos que tal esteja provado. O que se diz no ponto 1.10 é que «a colaboradora da ré, Eng.ª HH, deslocou-se às plantações de diversos agricultores que tinham contratos de fornecimento com a ré, tendo constatado na plantação da autora, e transmitido à ré, que o pimento vermelho estava em condições de ser colhido na semana seguinte, semana 39, entre 21 e 27 de setembro de 2009». O pimento estava em condições de ser colhido e nada mais; em parte nenhuma está descrita a quantidade de pimento que estava pronta para ser colhida. O que está provado, e sobre isso não há dúvidas, é que os 40.000kg não foram entregues.
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Interpretamos o contrato nestes termos: a recorrente estava obrigada a entregar à recorrida, e esta a recebê-la, uma quantidade de pimento e podia fazê-lo até 31 de Outubro, mesmo que a segunda pudesse dar por finda a campanha antes desta data; o que não podia, pelo menos, a recorrida fazer era dar por finda a campanha antes de ter recebido a quantidade acordada. e esta era, pelo menos, 40.000kg.
É este o sentido das declarações contratuais tendo em conta os critérios estabelecidos no art.º 238.º, n.º 1, Cód. Civil, desde logo, o respectivo texto. E da mesma forma que os contratos são executados de acordo com as regras da boa fé, também a sua interpretação deve ter em conta as legítimas expectativas que as partes têm perante o seu conteúdo. Daí que a data de 31 de Outubro não seja despicienda, mais a mais no contexto em que se insere (veja-se a cláusula 3.1). Não se trata de uma data que sirva de marco apenas para contagem de prémios. Pelo contrário, é uma das várias datas possíveis para entregar o produto sendo que, se ele for entregue depois (note-se isto; o texto dá até a impressão que a R. não estava impedida de receber depois de 31 de Outubro), não haverá lugar a prémios.
Mas uma coisa temos por inelutável: a cláusula 5.ª não confere à recorrida o direito de alterar as quantidades contratadas e deixar de receber o que foi combinado.
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O que se passa, na crueza das coisas, é que a recorrida não quis receber nem sequer o que estava minimamente combinado e, nessa medida, não cumpriu o contrato.
E não o cumpriu na totalidade.
Com efeito, ao dar por finda a campanha ainda antes de ter os 40.000kg, a recorrida está a dizer que não quer esta quantidade nem outra qualquer: está simplesmente a rasgar a totalidade do contrato (salvo, naturalmente, a quantidade que já tinha comprado).
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Por isso, acima dissemos que a aplicação da cláusula 5.ª. § 3.º, antes de estar recebida a quantidade combinada acaba por ser uma tentativa de alterar o contrato (o que não é possível nos termos do art.º 406.º, n.º 1, Cód. Civil) e, nessa medida, é uma sua violação, é um incumprimento.
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Claro que a recorrida, usando a cláusula 5.ª, podia dar por finda a campanha mas isto não significa que o pudesse fazer e exonerar-se de qualquer responsabilidade. O contrato finda mas há contas a fazer.
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Por causa do incumprimento da recorrida (que se traduziu, afinal, em não receber toda a produção da recorrente), esta ficou com um total de 306.000 kg nos 4 hectares que a recorrida não lhe comprou e que se perdeu.
Considerando os preços estabelecidos na cláusula 3.1 (€0,240/kg) para as entregas até 31 de Outubro, a recorrida causou à recorrente um prejuízo e €73.440,00.
A este montante acrescem juros de mora bem como a taxa a que se refere o art.º 829.º-A, n.º 4, Cód. Civil, conforme vem pedido.
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Pelo exposto, julga-se procedente o recurso em função do que se revoga a sentença recorrida e condena-se a recorrida a pagar à recorrente a quantia de €73.440,00, acrescida de juros de mora, à taxa de juros comerciais, de 8% aquando da propositura da ação, vincendos desde a citação até integral pagamento e, ainda, da sobretaxa de 5% desde o trânsito em julgado da sentença até integral pagamento, a título de sanção pecuniária compulsória.
Custas em ambas as instâncias pela recorrida.
Évora, 12 de Março de 2015
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Xavier