Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
92/15.8GGODM-A.E1
Relator: FERNANDO PINA
Descritores: CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO SUBSIDIÁRIA
CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 11/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 - Ao contrário do que dispõe o nº 2, do artigo 492º, do Código Processo Penal, onde se prevê expressamente a audição do condenado antes de ser proferido despacho relativo à execução da pena de prisão, o artigo 49º, do Código Penal, nenhuma referência faz à audição do condenado antes de ser proferido despacho a converter a multa não paga em prisão subsidiária.

2 - Contudo, a Doutrina e a Jurisprudência, têm entendido, que ao condenado deve ser dada oportunidade para se pronunciar sobre o fundamento do não cumprimento da pena de multa, ou seja, deve ser dada ao condenado a oportunidade para o exercício do contraditório.

3 - Porém, não resulta da lei, nomeadamente, do disposto no artigo 61º, alínea b), do Código de Processo Penal, que o arguido tenha de ser ouvido presencialmente ou em concreto sobre tal situação, bastando a notificação para se pronunciar sobre a promoção do Ministério Público de conversão da multa em prisão.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:



I. RELATÓRIO

A –
Nos presentes autos de Processo Comum Singular que, com o nº 92/15.8GGODM, correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo de Competência Genérica de Odemira – Juiz 1, recorre o arguido (...), do despacho proferido em 30 de Abril de 2020, pela Mmª Juiz titular dos presentes autos, que determinou a conversão da pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 6,00, perfazendo o montante global de € 360,00, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, previsto e punido pelo disposto no artigo 40º, nº 1 e, nº 2, do Dec. Lei nº 15/93, no cumprimento da pena de prisão subsidiária de 40 dias.

Da respectiva motivação o recorrente (...) retira as seguintes (transcritas) conclusões:

I. O arguido (...) foi condenado nestes autos, por Acórdão que manteve a sentença proferida em primeira instância e, que transitou em julgado, em 27-02-2019, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de €6 (seis euros), perfazendo o montante global de 360,00 (trezentos e sessenta euros).
II. O arguido não requereu o pagamento da pena de multa em prestações, nos termos do art. 47º, nº 3, do Código Penal, pois a sua incapacidade económica era de tal forma severa, que até para proceder ao pagamento da pena de multa em prestações, lhe era impossível.
III. Por isso, atendendo às suas inexistentes condições económicas, não requereu o pagamento a prestações.
IV. O arguido também não requereu, no prazo legal, a substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade.
V. Assim,
VI. O arguido esforçou-se por conseguir realizar o montante da multa criminal, e proceder ao seu pagamento, pois tinha consciência de que, não o fazendo, cumpriria dias de prisão.
VII. Não obstante o esforço realizado pelo arguido, o mesmo não conseguiu realizar o montante total necessário, para liquidar a multa criminal em que foi condenado.
VIII. O tribunal “a quo” determinou “o cumprimento da pena de prisão subsidiária de 40 dias, a que o arguido foi condenado.”
IX. Com efeito, não resulta dos autos que o Meritíssimo Juiz “a quo” tenha assegurado e privilegiado a possibilidade de exercício do contraditório pelo arguido, antes de decidir a conversão da pena de multa em prisão subsidiária.
X. No caso em concreto, o tribunal” a quo” notificou o arguido, para se pronunciar quanto à promovida conversão da pena de multa em prisão subsidiária, pugnada pela Digna Magistrada do Ministério Público.
XI. O tribunal “a quo” não notificou o arguido, nem o seu defensor, para nos autos justificarem, a razão do não cumprimento do pagamento da multa.
XII. Ao invés de se notificar o arguido para se pronunciar sobra a promoção de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, deveria notificar-se o arguido para o mesmo justificar a razão do não pagamento da multa.
XIII. Deve privilegiar-se e proteger-se com mais rigor e maior exigência, o exercício do contraditório, atendendo a que está em causa a privação da liberdade do arguido, decorrente da decisão de conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária “(Neste sentido, entre outros, Acórdão da Relação de Guimarães de 06-02-2006 e de 27-04-2006, in www.dgsi.pt, e Acórdão da Relação do Porto, de 22-02-2006, in CJ, Tomo I, 2006, p.218)”.
XIV. A omissão de notificação do arguido para este justificar o seu incumprimento, acarreta uma nulidade insanável para a decisão de conversão da pena em prisão subsidiária, prevista no art. 119º, do Código de Processo Penal.
XV. Antes do Tribunal “a quo” decidir pela conversão da pena principal de multa em prisão subsidiária, deveria antes de proferir essa decisão, aferir e averiguar, se o incumprimento do arguido se deve a incumprimento culposo do arguido, ou não.
XVI. Devendo ter sempre em atenção, que a prisão deverá ser o último recurso a aplicar.
XVII. No entanto, optou o Tribunal” a quo” por determinar o cumprimento da pena de prisão subsidiária de 40 dias, ao arguido.
Face ao exposto, deverá o presente Recurso ser considerado procedente, e em consequência deverá o douto despacho recorrido ser revogado, por violar o exercício do contraditório, devendo ser substituído por outro que, após prévia notificação, determine a audição de arguido sobre as razões de seu incumprimento.
Vossas Excelências, decidindo farão assim a costumada Justiça.

Notificado nos termos do disposto no artigo 411º, nº 6, do Código de Processo Penal, para os efeitos do disposto no artigo 413º, do mesmo diploma legal, Ministério Público, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso interposto, concluindo por seu turno respectivamente (transcrição):

É, pois, manifesta a improcedência das alegações de recurso a que ora se responde, devendo as mesmas improceder na totalidade, por infundado.
Face a tudo o supra exposto, deverá manter-se o douto despacho em crise, mantendo-se a decisão de conversão em causa.
Nestes termos e nos melhores de direito cabíveis, promulga-se pela manutenção da douta decisão recorrida, nos exatos termos em que foi proferida, devendo o recurso a que se responde ser considerado totalmente improcedendo, por infundado, de facto e de direito, mantendo-se a decisão de conversão da pena de multa em dias de prisão subsidiária.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso interposto, conforme melhor resulta dos autos.
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo o arguido apresentado qualquer resposta.
Procedeu-se a exame preliminar.
Com dispensa de vistos prévios, foi realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

B -
O despacho de 30-04-2020, ora recorrido encontra-se fundamentado nos seguintes termos (transcrição):
O arguido (...) foi condenado, por sentença transitada em julgado no dia 27-02-2019, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 6,00, o que perfaz o montante global de € 360,00, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, previsto e punido pelo disposto no artigo 40º, nº 1 e nº 2, do D.L. nº 15/93.
Posteriormente, notificado para proceder ao pagamento da multa a que foi condenado, o arguido não pagou, nem veio requerer a substituição por trabalho a favor da comunidade ou o pagamento faseado.
Feitas as competentes pesquisas nas bases de dados, não foi apurada a existência de bens penhoráveis.
A Digna Magistrada do Ministério Público pugnou pela conversão da multa em prisão subsidiária.
Dado o contraditório ao arguido, para se pronunciar sobre a promoção acima referida, o mesmo nada veio dizer.
Cumpre apreciar e decidir:
Nos termos do artigo 49º do Código Penal, se a multa não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida pena de prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
É o caso dos autos.
O arguido não pagou, não requereu o pagamento em prestações, nem a substituição da pena de multa, por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Feitas as pesquisas às bases de dados, verificou-se não existirem bens que permitam a sua cobrança coerciva.
A Digna Magistrada do Ministério Público pronunciou-se pela conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária.
Quanto à forma de notificação, o arguido prestou TIR, indicando morada portuguesa (cfr. fls. 116), contendo a menção de que, em caso de condenação, o TIR só se extinguirá, com a extinção da pena. Ora, devendo o arguido ser notificado na morada constante do TIR e não se extinguindo este com a sentença condenatória, deve também o arguido ser notificado do despacho de conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária na respectiva morada, por via postal simples com prova depósito.
Neste sentido, leia-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 07-01-2016, processo nº 1242/07.3GTABF-A.E1 (Alberto Borges) que “É válida e suficiente a notificação feita ao arguido por via postal simples, para a morada constante do termo de identidade e residência por ele prestado no processo, para lhe dar a conhecer a decisão que converteu a pena de multa que lhe havia sido aplicada em prisão subsidiária”.
Pelo exposto, determino o cumprimento da pena de prisão subsidiária de 40 dias, a que o arguido foi condenado.
(…)

II – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Âmbito do Recurso

De acordo com o disposto no artigo 412º, do Código de Processo Penal e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19-10-95, publicado no D.R. I-A de 28-12-95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui e pela própria natureza do recurso, não têm aplicação.

Assim, vistas as conclusões do recurso interposto, verificamos que a questão suscitada é a seguinte:
- Nulidade do despacho recorrido nos termos do disposto no artigo 119º, do Código de Processo Penal, por omissão de notificação do arguido para que justifique o seu incumprimento, da pena de multa a que foi condenado.

2 - Apreciando e decidindo:

Apreciando, resulta dos autos, que por sentença transitada em julgado no dia 27-02-2019, o arguido (...) foi condenado na pena de 60 dias de multa à taxa diária de €6,00, o que perfaz o montante global de €360,00, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, previsto e punido pelo disposto no artigo 40º, nº 1 e nº 2, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22-01.
O arguido não procedeu ao pagamento desta pena de multa em que foi condenado, não tendo apresentado qualquer justificação para o não pagamento.
Dispõe o artigo 49º, no Código Penal:
“1. Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária….
2. O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.
3. Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa …”.
Ao contrário do que dispõe o nº 2, do artigo 492º, do Código Processo Penal, onde se prevê expressamente a audição do condenado antes de ser proferido despacho relativo à execução da pena de prisão, o referido artigo 49º, do Código Penal, nenhuma referência faz à audição do condenado antes de ser proferido despacho a converter a multa não paga em prisão subsidiária.
Contudo, a Doutrina e a Jurisprudência, têm entendido, que ao condenado deve ser dada oportunidade para se pronunciar sobre o fundamento do não cumprimento da pena de multa, ou seja, deve ser dada ao condenado a oportunidade para o exercício do contraditório.
No caso concreto, quer o condenado, quer o seu Ilustre Defensor, foram por duas vezes notificados, para se pronunciarem sobre o incumprimento da pena de multa e dizerem o que tivessem por conveniente, tendo ignorado pura e simplesmente tais notificações, agindo como se tal condenação se tratasse de uma absolvição.
Contudo, não resulta da lei, nomeadamente, do disposto no artigo 61º, alínea b), do Código de Processo Penal, que o arguido tenha de ser ouvido presencialmente ou em concreto sobre tal situação, sem que as anteriores notificações tenham produzido qualquer efeito útil e, sejam um mero formalismo, tal não é efectivamente o fim, das notificações efectuadas, sendo que o foram para que o arguido se pronunciasse sobre as promoções do Ministério Público, nomeadamente sobre os fundamentos do incumprimento da pena a que estava condenado.
Logo o arguido, teve oportunidade de se pronunciar e exercer o contraditório sobre o promovido pelo Ministério Público sobre a convolação da pena de multa em prisão subsidiária. O contraditório, neste caso, deve ser cumprido dando-se a possibilidade de o arguido alegar o que entender de modo a ser proferida decisão que tenha em conta isso mesmo.
“O direito do arguido a ser ouvido significa direito a pronunciar-se antes de ser tomada uma decisão que directa e pessoalmente o afecte; não tem que consistir sempre numa audição ou audiência pessoal e oral; a possibilidade de se pronunciar por escrito através de intervenção processual do defensor satisfaz, por regra, o direito a ser ouvido para exercer o contraditório.” Cons. Henriques Gaspar (Código de Processo Penal Anotado, 2014, pág. 212).
Se o arguido notificado em Dezembro de 2019, para se pronunciar sobre a convolação da pena de multa em prisão subsidiária, nada alegou, está perfeitamente cumprido o contraditório, nada mais sendo exigível que o tribunal faça.
Este entendimento resulta também, quanto a nós, do que dispõe o já referido nº 3, do artigo 49º, do Código Penal, ao prever “se o condenado provar …”.
É, pois, o condenado que tem que provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável para que se possa ponderar decretar a suspensão da execução da prisão subsidiária.
Tudo isto implica que o arguido, bem sabendo estar condenado numa pena de multa ainda não cumprida, tem de assumir uma posição interessada e responsável, evitando o cumprimento da prisão subsidiária, pois não foi absolvido. Não pode também o recorrente ignorar que qualquer condenação tem associada uma sanção, cabendo-lhe, caso para tal tenha fundamento, visando a substituição ou a suspensão de tal pena, comunicá-lo ao Tribunal, não se remetendo a uma posição de total alheamento e desinteresse.
Notificado, repete-se, nada invocou ou alegou.
Ainda assim, deveria o tribunal notificá-lo para que concretamente e especificamente dissesse porque se encontra em incumprimento da pena a que foi condenado.
“O princípio do contraditório constitui uma verdadeira garantia constitucional. Todavia, para que a concessão dessa garantia assuma a sua efetividade torna-se necessária alguma colaboração positiva do arguido. O tribunal concede ao arguido a possibilidade de exercer o contraditório, não lhe pode impor, de modo algum, a obrigação de exercício efetivo desse direito” - Ac. da Rel. de Coimbra de 20-01-2016, in www.dgsi.pt.
Este entendimento é o maioritário na jurisprudência, embora existam decisões contrárias, algumas delas argumentando com a necessidade de existir regime idêntico ao da execução da suspensão da pena de prisão.
Ora, tratam-se de duas situações completamente distintas, desde logo porque se revogada a suspensão da execução da pena de prisão, o condenado necessariamente tem de a cumprir e, se convertida a multa não paga em prisão subsidiária, ainda assim, o arguido pode evitar o seu cumprimento, pagando-a a qualquer momento.
Pelo exposto, terá de improceder o recurso interposto pelo arguido (...), por não conter o despacho recorrido qualquer nulidade insanável, nos termos do disposto nos artigos 119º, alínea c), do Código de Processo Penal, mantendo-se, consequentemente, o despacho recorrido na sua integralidade.

Em vista do decaimento total no recurso interposto pelo arguido (...), ao abrigo do disposto nos artigos 513º, nº 1 e 514º, nº 1, do Código de Processo Penal, 8º, nº 5, com referência à Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais, impõe-se a condenação do recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.

III – DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

- Julgam totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido (...) e, em consequência, mantendo-se na sua integralidade o despacho recorrido.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4UC, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.

Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários.
Consigna-se, ainda, não ter sido realizada conferência presencial, mas por teleconferência.
Évora, 10-11-2020
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Fernando Paiva Gomes M. Pina) _____________________
(Beatriz Marques Borges)