Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
147/15.9GGODM-A.E1
Relator: MARIA FERNANDA PALMA
Descritores: ISENÇÃO DE CUSTAS
ASSOCIAÇÃO
DIREITOS DE AUTOR
Data do Acordão: 07/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: PROVIDO
Sumário: Sendo a ofendida uma pessoa colectiva privada, sem fins lucrativos, que tem por objecto a cobrança, gestão, incluindo negociação e publicação de tarifários, e a distribuição dos direitos de autor e direitos conexos dos produtos fonográficos nacionais ou estrangeiros, sedeados ou não em território português – tratando-se, portanto, de uma associação gestora dos direitos de autor em matéria fonográfica –, encontra-se isenta de custas, ao abrigo do disposto no artigo 4.º, n.º 1, al. f) do RCP.
Decisão Texto Integral: Processo nº 147/15.9GGODM-A.E1

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora


Nos presentes autos de Inquérito que com o nº 147/15.9GGODM correm seus termos na Secção de Competência Genérica de Odemira – J2 – da Instância Local de Odemira, da Comarca de Beja, datado de 08-01-2016, a Mmª Juiz proferiu o seguinte despacho (ato jurisdicional):
“Vem a Requerente “BB” requerer a sua constituição como assistente, não tendo procedido ao pagamento da taxa de justiça devida por entender beneficiar de isenção de custas ao abrigo da al. f) do art.º 4.º do RCP.
O MºPº pronunciou-se a fls. 33 pelo indeferimento do requerido por não ter a requerente demonstrado o pagamento da taxa de justiça devida nos termos do art.º 8.º do RCP.
Nos presentes autos não há arguido constituído, pelo que não há que dar cumprimento ao n.º 4 do art.º 68.º do CPP quanto ao suspeito.
Decidindo.
Prevê o art.º 8.º do RCP que com o requerimento de constituição de assistente proceda o requerente à apresentação do comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida logo autoliquidada pelo valor de 1 UC.
Dispõe o art.º 4.º n.º 1 al. f), do RCP que « 1 - Estão isentos de custas: … f) As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável;».
Sobre se o aqui requerente está ou não isento do pagamento da taxa de justiça inicial devida passamos a transcrever as reflexões exaradas no “Guia Prático de Custa Processuais”, 3ª edição, de abril de 2015, do Centro de Estudos Judiciários, págs. 49-50:
“Face à letra da lei, é defensável considerar que estão também abrangidas pela isenção subjectiva prevista na alínea f) em apreço as associações de utilidade pública legalmente constituídas e registadas como Entidades de Gestão Coletiva de Direitos dos Produtores Fonográficos.
Tais associações estão mandatadas para representar os produtores fonográficos em matérias relacionadas com a cobrança de direitos, bem como para promover o licenciamento e cobrança das remunerações devidas aos artistas, intérpretes e executantes.
Para o efeito, cumpre-lhes intentar ações - cuja causa de pedir versa sobre direito de autor e direitos conexos - que correm termos no Tribunal da Propriedade Intelectual, nos termos do artigo 89.º- A, n.º 1, al. a), da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro (LOFTJ), aditado pelo artigo 2.º da Lei n.º 46/2011, de 24 de junho, ou do artigo 122.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto (NLOFTJ), na redacção introduzida pelo artigo 4.º da referida Lei n.º 46/2011 (preceitos que serão substituídos pelo artigo 111.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 62/2013, de 26-08 (LOSJ)).
Assim, no âmbito das ações relativas a direitos de autor e direitos conexos intentadas pelas referidas associações e que correm termos no Tribunal da Propriedade Intelectual, estas associações beneficiam de isenção subjetiva de custas. No entanto, é discutível se estaria no espírito do legislador que o preceito em causa pudesse abarcar estas associações, quando a sua atuação visa a defesa de direitos patrimoniais destinados a garantir aos seus associados a exploração económica das obras.”
Ora, perfilhamos a posição de que, nos presentes autos, por estar em causa precisamente a defesa de direitos patrimoniais destinados a garantir aos seus associados a exploração económica das obras, se mostra arredada a isenção subjectiva prevista no art.º 4.º n.º 1 al. f) do RCP, devendo ao invés o ora requerente demonstrar o pagamento da taxa de justiça inicial para a sua constituição como assistente nos termos do art.º 519.º do CPP e 8.º do RCP.
Pelo exposto, indefiro ao requerimento de constituição como assistente.”

Inconformada com o decidido, recorreu a BB, nos termos da sua motivação constante de fls. 32 a 63 dos presentes autos de recurso em separado, concluindo nos seguintes termos:
1. O presente recurso foi interposto pela ofendida BB, ora Apelante, da douta decisão, proferida a 08.01.2016 (Refª. 27485974), que não admitiu aquela a intervir nos autos como assistente em virtude do facto de não ter liquidado taxa de justiça.
2. O recurso merece – com o devido respeito – inteiro provimento, pois que a decisão do Mmo. a quo, não foi, na perspectiva da mesma, e com o devido respeito, a mais acertada.
3. Desde logo, porque a decisão do Mmo. Juiz a quo, contida na douta decisão recorrida, teve (na óptica da Apelante) por base uma errada interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis em face dos factos alegados, bem como, dos documentos juntos aos autos, nomeadamente com o requerimento de constituição de assistente.
4. Pois, contrariamente ao que é sustentado na douta decisão recorrida resultaram verificados e comprovados, nos autos a quo, os requisitos específicos que permitiam a aplicação à ora Apelante, do disposto no artigo 4º.1 f) do Decreto-Lei 34/2008, de 26 de Fevereiro que implicam, necessariamente, o reconhecimento da sua isenção no pagamento de custas processuais.
5. Ora, o Decreto-Lei 34/2008 de 26 de Fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Judiciais, tendo entrado em vigor no passado dia 20 de Abril de 2009, aplica-se, salvo as excepções previstas no mesmo, aos processos iniciados após tal data.
6. Sendo que, o artigo 4º.1 f) do referido diploma legal, sob a epígrafe “Isenções” prescreve que estão isentos de custas “as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”.
7. Pois bem, em 26 de Novembro de 2015, a ora Apelante deu entrada, nos autos a quo, de requerimento no qual requereu a sua constituição como assistente, bem como, requerimento no qual prestou esclarecimentos junto do Digníssimo Procurador – Adjunto, sobre a sua intervenção nos autos, bem como, da necessidade de autorização e licenciamento Passmusica por parte do suspeito, enquanto explorador do estabelecimento no qual foi praticado o crime denunciado no auto de notícia.
8. Nos mesmos, a Apelante referiu tratar-se de uma pessoa colectiva privada, associação de utilidade pública, sem fins lucrativos, entidade de gestão de direitos de autor e conexos, que actua exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições, na defesa dos interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto.
9. Sendo que, no intuito de comprovar o alegado, juntou aos autos cópia do mesmo do qual consta a constituição da ora Apelante enquanto pessoa colectiva privada, entidade de gestão colectiva, sem fins lucrativos, constituída com o propósito de representar os produtores fonográficos no exercício dos respectivos direitos, competindo-lhe, nomeadamente, promover o licenciamento e “a cobrança de direitos”, assim como, a gestão, incluindo a negociação e publicação de tarifários, e a distribuição dos direitos conexos daqueles produtores fonográficos, sejam eles nacionais ou estrangeiros, sedeados ou não no território português.
10. Acresce que, para além da autorização, cobrança, gestão e distribuição de direitos autorais e conexos pelas várias formas de utilização de vídeos musicais e fonogramas editados comercialmente, compete à ora Apelante, promover e apoiar o combate à contrafacção e usurpação de fonogramas.
11. Tratando-se, igualmente, de pessoa colectiva privada com estatuto de utilidade pública, conforme certidão de registo, junta aos autos, da ora Apelante junto da IGAC (Inspecção Geral das Actividades Culturais), sendo a associação, de utilidade pública, que, nos termos da Lei, tem legitimidade para exercer, pelas vias administrativas e judiciais, os direitos confiados à sua gestão e, por outro lado, exigir o respectivo cumprimento [cfr. artigos 4º, 9º, 11º.1 e 15º da Lei 26/2015, de 14 de Abril (anteriores artigos 6º números 1, 8 e 9, da Lei 83/01, de 03 de Agosto) e artigo 73º do CDADC].
12. Pelo que, o requerimento da ora Apelante de constituição de assistente deu entrada, junto dos autos, em data posterior à entrada em vigor do Regulamento das Custas Judiciais.
13. Não tendo assim, a ora Apelante, por não lhe ser exigível, liquidado a taxa de justiça devida pela constituição como assistente, nem tão pouco junto com aquele requerimento o comprovativo de tal liquidação.
14. Pois, tendo a ora Apelante, alegado e comprovado documentalmente nos autos, tratar-se de uma pessoa colectiva privada, entidade de gestão colectiva, sem fins lucrativos, que actua exclusivamente no âmbito das suas atribuições, na defesa dos interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto e na lei, nomeadamente com o propósito de representar os produtores fonográficos no exercício dos respectivos direitos, bem assim, no combate à contrafacção e usurpação de fonogramas, dúvidas não poderão subsistir quanto ao facto de se encontrar abrangida pelo disposto no artigo 4º.1 f) do Regulamento das Custas Judiciais.
15. Tendo, aliás, no mesmo sentido se pronunciado a jurisprudência nacional.
16. Assumindo assim, a ora Apelante, no âmbito criminal em discussão nos presentes autos, não só a defesa dos direitos de todos os produtores de fonogramas lesados com a conduta do suspeito (nomeadamente o direito exclusivo de autorização quanto à execução pública das suas obras/prestações), mas também, o apoio ao combate à usurpação de fonogramas.
17. Consubstanciando tal, não só o interesse que a lei quis tutelar com a incriminação, in casu, bem como, a intenção da ora Apelante ao constituir-se assistente, em cumprimento aliás dos seus estatutos.
18. Sendo que, se estivesse apenas em causa, nos presentes autos, com o devido respeito e s.m.o., como sustenta o Mmo. a quo. a defesa, por parte da ora Apelante, dos interesses patrimoniais dos seus associados, mal se compreendia o porquê da mesma se constituir assistente, pois, para o efeito, enquanto lesada/ofendida, bastar-lhe-ia, deduzir nos autos, um pedido de indemnização civil.
19. Acrescendo que, mesmo que assim não se entendesse, o que não se consente, processualmente, não deveria o Mmo. a quo, ter indeferido in limine a constituição da ora Apelante como assistente por não ter liquidado taxa de justiça.
20. Na realidade, antes de tal ocorrer, deveria o Mmo. a quo, pelo contrário, ter proferido um despacho, mormente convidando a ora Apelante a comprovar, junto dos autos, o pagamento da respectiva taxa de justiça e caso tal não ocorresse a sua notificação para liquidação do valor daquela em dobro.
21. Considerando tudo o exposto, e o mais que, doutamente, será suprido, a decisão recorrida violou, por erro de interpretação e de aplicação, nomeadamente o disposto nos artigos 4º.1 f) do Decreto-Lei 34/2008, de 26 de Fevereiro, artigo 8º da Lei 7/2012, de 13 de Fevereiro, o artigo 519º do Cód. Proc. Penal, os artigos 73º, 74º, 184º e 192º do CDADC e, ainda, os artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 9º, 11º e 15º da Lei 26/2015, de 14 de abril (anteriores artigos 2º, 3º, 5º, 6º, 8º e 9º da Lei 83/2001 de 03 de Agosto).

O Ministério Público respondeu, pronunciando-se pela improcedência do recurso.

Neste Tribunal da Relação de Évora, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu parecer, este no sentido na procedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Como o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelos recorrentes nas respectivas motivações de recurso, nos termos preceituados nos artigos 403º, nº 1 e 412º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal, podendo o Tribunal de recurso conhecer de quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida, cumprindo cingir-se, no entanto, ao objecto do recurso, e, ainda, dos vícios referidos no artigo 410º do referido Código de Processo Penal, - v. Ac. do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19 de Outubro - vejamos, pois, se assiste razão à requerente, ora recorrente, no que respeita às questões que suscitou nas conclusões do presente recurso.

Vejamos então:
Dispõe o art.º 4.º n.º 1 al. f), do RCP que « 1 - Estão isentos de custas: … f) As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável;».
No caso em apreço, não está em causa a constituição de assistente por parte da requerente, mas tão só a obrigatoriedade da mesma proceder, ou não, ao pagamento da taxa de justiça devida.
Encontra-se junto aos autos cópia do Diário da República, III série, donde consta o Registo da constituição da BB.
Daí consta que se trata de uma associação sem fins lucrativos, tendo por objeto: ”a cobrança, a gestão, incluindo negociação e publicação de tarifários, e a distribuição dos direitos de autor e direitos conexos dos produtos fonográficos nacionais ou estrangeiros, sedeados ou não em território português, abrangendo as seguintes categorias ou formas de exploração ...”
Portanto, trata-se de uma associação gestora dos direitos de autor em matéria fonográfica.
Além, do mais, e como diz o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação de Évora, “O regime legal especial que confere as prerrogativas próprias do regime da utilidade pública às entidades de gestão dos direitos de autor é constante da Lei nº 26/2015, de 14 de Abril.

Concorda-se inteiramente com este entendimento, entendendo-se que está em causa uma associação não lucrativa, a qual visa exclusivamente a defesa dos seus associados, sendo que é nessa defesa que intervém neste inquérito.

Assim, e pelo exposto, acordam os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora, em conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por ouro que admita a constituição como assistente por parte da requerente.
Sem tributação.

Évora, 13-07-2017
Maria Fernanda Palma (relatora)
Maria Isabel Duarte