Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
388/11.8T2STC.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: RESPONSABILIDADE POR FACTO ILÍCITO
PRIVAÇÃO DE USO DE IMÓVEL
INDEMNIZAÇÃO
DANO
Data do Acordão: 02/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Área Temática: DIREITO CIVIL-DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Sumário:
I- As regras de experiência não são meio de prova mas sim um crivo na apreciação das provas produzidas.
II- É lícito ao tribunal socorrer-se de presunções naturais, definindo os factos conhecidos em que assenta a presunção do facto desconhecido.
III- O art.º 494.º, Cód. Civil, ao permitir a redução da indemnização nos casos de mera culpa (em que não há dolo do lesante) não impede que o tribunal faça graduações da negligência.
IV- Não é aplicável aquela redução quando existe negligência grave, quase a roçar o dolo.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Évora

BB e CC, intentaram contra: 1) DD, casado no regime de separação de bens com EE e FF e mulher GG, casados em regime de comunhão de adquiridos; 2) HH, casado, gerente comercial e 3) HH Sociedade Unipessoal, Lda., todos com os sinais dos autos, a presente ação declarativa, com processo ordinário, pedindo que pela sua procedência os RR sejam solidariamente condenados a pagar aos AA as seguintes quantias;
1) €10.500,00, respeitante à diminuição da área do terreno de 50,30 m2 para 45,05m2, equivalente à apropriação pelos 1.ºs RR de 5,25m2 de terreno, e dado que o edifício tinha dois pisos, atendendo ao valor de € 1.000,00/m2 de construção;
2) €300,00, respeitante ao valor do levantamento topográfico;
3) €6.027,00, respeitante ao custo com projetos para o imóvel a erigir;
4) €120.765,81, atinente ao diferencial entre as obras de reparação que os AA pretendiam efetuar e o valor das obras de construção de raiz que terão que ser efetuadas;
5) €6.400,00, a título de indemnização por impossibilidade de ocupação do imóvel no período equivalente ao diferencial de tempo necessário para fazer as obras de recuperação e as obras de edificação, de raiz, do imóvel;
6) Indemnização por impossibilidade de ocupação do imóvel, desde a data da propositura da presente ação até integral e efetivo pagamento das quantias reclamadas pelos AA nos termos da presente ação, calculadas no montante mensal de €400,00.
7) €50.000,00, a título de danos morais, a serem repartidos pelos AA em partes iguais.
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Os RR. contestaram por impugnação e por excepção (quanto aos dois últimos RR.).
Deduziram incidente de intervenção acessória provocada do Arquiteto JJ, pai do A. CC.
Em reconvenção pedem a condenação dos AA ao pagamento do custo da demolição, no montante de € 5.000,00 mais IVA, e bem assim no montante global de € 15.000, 00, (€ 5.000,00 a cada) por via das despesas e incómodos, designadamente deslocações à GNR, constituição de mandatário, pagamentos de custas e despesas.
Pedem a condenação dos AA. como litigantes de má fé.
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Houve réplica.
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Na audiência preliminar os autores esclareceram que "Relativamente aos primeiros réus DD e esposa, FF e esposa o pedido de condenação refere-se apenas à diminuição do terreno dos autores, de que terão beneficiado pelo que o pedido de condenação é apenas de € 10.500,00, sendo que estes réus ao terem ficado na posse e consequente propriedade de 5,25 m2 do terreno dos autores e atendendo a que o edifício tinha dois pisos considerando-se como valor de construção a quantia de € 1000,00/m2 de construção, estes réus terão beneficiado em enriquecimento sem causa no montante de € 10.500,00".
Foi aceite a ampliação da causa de pedir nos termos formulados.
Admitiu-se o pedido reconvencional, tão só, no que tange ao pedido de pagamento do custo da demolição (5.000,00 euros acrescidos de IVA e respetivos juros).
Foi julgada improcedente a exceção de ilegitimidade.
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Depois de realizado o julgamento, foi decidido o seguinte:
a) Improcedente por não provados os pedidos formulados contra os RR 1) DD, casado no regime de separação de bens com EE e FF e mulher GG, casados em regime de comunhão de adquiridos e 2) HH, que vão absolvidos dos mesmos.
b) Parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido formulado contra a R. HH Sociedade Unipessoal, Lda., e consequentemente condena esta R. a:
1 – Reconstruir a casa demolida, com observância das características que aquela possuía, contra o pagamento da quantia de € 17.206,20;
2 – Pagar aos AA, a título de privação de uso, a quantia de € 15.600,00 (39 meses computados desde a data da citação até ao presente mês de Julho à quantia de € 400,00/mês) e bem assim a que se apurar ser devida desde a presente data até à reconstrução do imóvel, a apurar em execução de sentença (artigos 565º do CC e 609º, nº 2 do CPC);
3 – Pagar aos AA a quantia de €300,00, a título de indemnização dos demais danos patrimoniais provados;
4 – Pagar a cada um dos AA a quantia de €2.000,00 a título de danos não patrimoniais.
c) Absolver a R. HH Sociedade Unipessoal, Lda., do demais peticionado.
d) Totalmente improcedente por não provado o pedido reconvencional, dele absolvendo os AA.
e) Improcedente por não provado o pedido de condenação dos AA como litigantes de má-fé.
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Desta sentença recorre a R. HH Sociedade Unipessoal, Lda. impugnando a matéria de facto bem como a solução de direito.
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Os recorridos contra-alegaram defendendo a manutenção do decidido.
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Em relação à matéria de facto, entende a recorrente que os que foram considerados não provados (descritos nas alíneas S a W, o segundo W, pois existe um lapso na ordenação alfabética, do elenco dos factos não provados que consta da sentença) devem ser tidos por provados. Também entende que os factos provados sob os números 26 a 29 devem ser dados por não provados.
Conclui, quanto a este aspecto da seguinte forma (retiramos o teor dos depoimentos por já virem reproduzidos na alegação):
Quanto à matéria dos pontos 30 a 32 dos factos provados: Para considerar como não provadas as alíneas acima referidas, apresenta o tribunal a quo a seguinte motivação: «A não convicção sobre a matéria das alíneas S) a Z) (artigos 54º a 63º e 66º) corresponde à dinâmica dos factos tal como foram relatados pelo R.; ainda assim, o Tribunal, atento o que já consta da motivação da matéria dos pontos 30 a 32, não acolheu a mesma, que entende conter-se na margem da perceção subjetivada a que já se aludiu.»
O tribunal a quo deu como resposta, quanto a esses artigos, os pontos 30 a 32 dos factos provados, os quais a seguir se transcrevem, por referência a estes artigos 52, 53 e 62 da base instrutória: «30 – O R. HH estabeleceu contatos não concretamente apurados com o arquiteto JJ, seu conhecido de longa data e pessoa com quem havia colaborado em vários projetos, designadamente na obra pertencente aos primeiros RR e executada pela 3ª R., tendo ficado convencido que ele pretendia a demolição da casa dos AA. (52º e 53º).
32 – O R. tinha o Arquiteto JJ como pessoa honesta e íntegra. (62º)
32/a – Após a demolição, em contexto não concretamente apurado, a Autora manifestou o seu desagrado pela demolição. (64º).
32/b) - Ao que o R. HH respondeu que atuou no cumprimento das instruções do Arquiteto JJ. (65º)»
O tribunal a quo, na sua motivação, quanto à matéria dos artº30º e 2º, a mesma fundou-se no seguinte: «A matéria dos pontos 30 e 32 (artºs 52º, 53º e 62º) fundou-se no seguinte: pese embora o depoimento do R. HH, fosse de que a ordem de demolição tivesse sido dada pelo Chamado, relatando uma dinâmica consentânea com a alegada nos articulados, a testemunha do chamado, NN, engenheiro civil, referiu que quando o Arquiteto JJ pai lhe contou da demolição da casa estava alterado, mesmo indignado. Por outro lado, a demolição não foi objeto de licenciamento, circunstância que o Chamado, arquiteto, saberia ser necessária e cuja desconsideração poderia implicar o filho com consequências administrativas.
Tudo o predito, conjugado com a regra do artigo 414º do CPC, determinou que o tribunal não desse como provado que o Chamado ordenou ou assentiu na demolição. Ainda assim, atentou-se no depoimento da antedita testemunha, no segmento em que referiu que qualquer construtor civil sabe acautelar a demolição de prédios daquela natureza, sem compromisso dos contíguos e que se houvesse lapso na demolição o comprometimento não seria total, conjugado com o facto de o A. ter referido que quando ligou ao R. HH na sequência da constatação da demolição, ele ter dito que tinha sido o pai a mandar demolir a casa, em ordem a concluir que a demolição do prédio dos AA, sendo voluntária, foi feita no convencimento de que era pretendida pelo Chamado.»
Por sua vez a existência ou não de licença administrativa não permite, por si só, a conclusão de que os autores não pretendiam a demolição, já que podiam os AA., ter pretendido a demolição sem licença administrativa, pelo que a conclusão de que não existindo licença, trazendo esse facto consequências administrativas, não é, salvo melhor opinião, suficiente ou idóneo para permitir a conclusão a que chega o tribunal a quo, quanto aos factos não provados nas alíneas S a W;
Invoca a sentença o artº414º do CPC na sua motivação quanto a esses factos, o qual diz o seguinte: «A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.»
As regras do ónus da prova tem assim a ver com questão de direito, de saber em que sentido deve o tribunal a quo decidir, no caso de não se provarem certos factos, não sendo a duvida do Juiz no julgamento, sobre a ocorrência de um facto, mas sim a incerteza sobre a existência do facto que não foi julgado provado, a qual impõe a decisão do ónus da prova contra a parte e a quem o facto aproveita, neste exacto sentido se pronunciou o Supremo tribunal de Justiça no Acórdão de 29/5/2012, transcrito em supra das presentes alegações;
O chamado, não sendo parte do processo, a regra do artº414º do CPC deve ser aplicada nas questões que tenham repercussão nas acções de regresso, como se autor e ré se tratasse, isto é, o réu sendo agora o autor e o chamado sendo agora o réu, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, compete aquele contra quem a invocação é feita (artº342º, nº2 do C.C.) e em caso de dúvida devem ser constitutivos do direito (343º, nº3 do C.C.);
A correcta aplicação destes princípios vertidos em tais artigos deveria, salvo melhor opinião, conduzir á conclusão de que competiria ao chamado ter provado o facto que alega (que não deu essa instrução ou assentimento) e na dúvida, como parece ter entendido o tribunal a quo, seria contra o chamado e não contra a R., que tal circunstância se resolveria, ou seja, que tais factos deveriam ter sido considerados provados, configurando a decisão do tribunal A Quo, dessa forma, um incorrecta interpretação e aplicação do direito aos factos pelo Tribunal a quo;
Sendo certo que, também a subjectividade a que o tribunal a quo se refere, para justificar a sua motivação quanto a esses factos não provados, se refere á livre apreciação da prova, segundo a sua livre e prudente convicção acerca de cada facto (artº655º do CPC, actual art.º 607.º, n.º5 do CPC). No entanto essa livre e prudente apreciação, deve obediência a critérios de experiência comum e lógica do homem médio, de acordo com o bom senso e experiencia de vida, temperados pelo distanciamento e ponderação, mas a qual não deve confundir-se com a íntima convicção do julgador nem com a apreciação arbitrária da prova nem com a duvida gerada no espírito do julgador, sendo imposto pela lei que a prova se extraia um conhecimento lógico e motivado com a avaliação das provas com sentido de responsabilidade e bom senso, e que objectivamente sejam susceptíveis de produzir essa motivação;
No caso e como resulta das conclusões acima, o tribunal a quo formou a sua condição convicção numa testemunha sem credibilidade, com contradições e com uma versão, ela própria contraditória contra os próprios factos alegados, aplicando incorrectamente o artº414º à situação em apreço, não sendo a conclusão lógica e correcta da simples emissão ou não da licença de molde a concluir que o arquitecto JJ não pretendia a demolição, sendo que no caso não existem nem estão preenchidos os dados objectivos que se apontam na referida motivação e que os mesmos são violadores dos princípios de interpretação das leis da prova, pelo que tal merece certamente a censura do tribunal ad quem, por ofender precisamente os critérios da lógica e da experiencia comum e da objectividade dos dados, referidos assim erradamente na motivação da sentença.
Pelo contrário, atendendo precisamente à lógica e ao senso comum e socorrendo-nos dos pontos 30,32,32B, 33, 35, 38 e 39 dos factos provados e atendendo aos factos não provados da versão dos AA., as alíneas D, F, GG e HH. decorre, salvo melhor opinião, que o R. havia construído outros imóveis, que o orçamento para o prédio contíguo já previa a execução da obra, sem demolição do imóvel dos autores, que confiava na pessoa e na palavra do ora chamado, tendo sido estabelecidos contactos, os quais não foram um único contacto, não se limitando o arquitecto JJ (pai) a perguntar ao R. quanto custaria a demolição do imóvel. Sendo perfeitamente plausível, porque tal decorre precisamente das regras da lógica e da experiencia comum, que o chamado, perguntado, em face das obras, quanto custaria a demolição do imóvel do filho, que quando o podia fazer, os custos envolvidos entre outros factos tenha pretendido e assentido na demolição do imóvel.
A prova testemunhal produzida relativa aos pontos 26 a 29 é omissa, não foi demonstrado um valor de arrendamento através de prova objectiva e de métodos e critérios comparativos que permitam alcançar esse valor, nem o estado psíquico dos AA., deve resultar unicamente de regras de experiencia comum, pelo que a decisão em considerar os pontos 26 a 29 como provados, mostra-se incorrecta e merecedora de censura, devendo os pontos 26 a 29 ser dados como não provados e consequentemente ser revogada a sentença que condenou a R. e ora recorrente no pagamento de indemnização a favor dos AA., constantes dos pontos 2, 3 e 4 da decisão.
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Os factos não provados que merecem a discordância da recorrente são estes:
S) - Que o chamado tenha perguntado, em face das obras que estavam a decorrer e uma vez que o seu filho tinha adquirido uma casa ao lado da obra para fazer uma nova, quanto levaria para a demolição. (54º)
T) - E quando é que o podia fazer, bem como os custos envolvidos, entre outras informações. (55º)
U) – O segundo R. disse-lhe que não se preocupasse porque depois acertariam os valores (58º)
V) - Ao que o Sr. Arquiteto deu o seu assentimento. (56º, 57º e 59º)
W - Ficou combinado que se encontrariam depois na obra, para acertar os valores (60º)
W) E confiava na sua palavra. (63º).
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O contexto geral é este: dois arquitectos (os AA.) têm uma casa velha e deparam-se com ela demolida pela R.. Esta invoca que foi o pai do A., também arquitecto e que, como é óbvio, não é o A., não é o dono da casa, que lhe deu ordem de demolição sendo que esta foi feita sem a competente licença administrativa.
É nesta situação que a recorrente pretende que o tribunal devia dar por provado os factos antes indicados e que o tribunal recorrido deu por não provados.
Independentemente de questões que se possam suscitar a respeito do direito de regresso da R. contra o chamado, não podemos deixar de notar o facto (mesmo que só alegado) de a R. demolir uma casa por ordem de quem não é o seu dono, sem licença, sem orçamento, sem nada de nada.
Além disto, e no que ao primeiro grupo de factos diz respeito, reparamos que a recorrente não indica concretos meios probatórios que imponham [como determina o art.º 640.º, n.º 1, al. b), Cód. Proc. Civil] uma decisão diferente.
Invoca, sem dúvida, o depoimento da testemunha Eng.º NN a respeito dos factos provados nos n.ºs 30 e 32 (cuja teor não está impugnado) e do depoimento sobre estes factos (o R. HH tinha contactos com o pai do A. e ficou convencido que ele pretendia a demolição da casa) retira a conclusão que os descritos de S) a W) devem ser tidos por provados. Mas tal não nem é logicamente possível pois o convencimento a que se alude inculca logo a ideia de que ele não tem suporte na realidade; é um mau convencimento.
No mais, são considerações genéricas (e boas, diga-se) sobre a prova e sua apreciação, consequências do respectivo ónus, etc. mas a bondade destas considerações não dá valor à omissão de concretos meios probatórios (designadamente, excertos de depoimentos que não terão sido atendidos — cfr. o citado preceito legal, n.º 2, al. a) que determinem solução diferente.
Mais do que uma análise dos depoimentos, a recorrente analisa a fundamentação da decisão, as posições das partes nos articulados, a verosimilhança da versão por si apresentada.
Pode ser verosímil mas não está provada e a recorrente nada traz que altere isto.
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Já os factos que foram dados por provados e que a recorrente entende que devem ser não provados são os seguintes:
26 - Os AA destinavam o imóvel a residência permanente. (39º)
27 - O valor de arrendamento de um apartamento na mesma zona ronda um valor mensal de, pelo menos, €400,00. (40º)
28 - A destruição do imóvel fez com que os AA tivessem que repensar a sua decisão de irem viver para Sines. (42º)
29 – A situação ocorrida deixou os AA abalados. (44º)
Em relação a esta matéria a recorrente afirma que os depoimentos das testemunhas PP e QQ não permitem que aqueles factos sejam provados.
Em relação ao primeiro depoimento e ao primeiro facto, o pai da A. (PP) foi claro, quase logo ao início, que os AA. pretendiam a casa para residência permanente e que nela iriam fazer obras de apenas remodelação pois que o dinheiro de que dispunham (cerca de €30.000,00) não daria para mais. O que se conjuga inteiramente com a formação académica dos AA. e com a sua vontade, na altura, de casarem. Não vemos, pois, como se pode dizer o contrário.
Tudo isto é corroborado pelo depoimento da testemunha SS (que foi omitido pela recorrente na sua alegação), trabalhadora na imobiliária que tratou da compra da cassa pelos AA.. O que estes queriam era «comprar a casa, remodelá-la, casar e viver nela», tanto assim que houve dois empréstimos diferentes (um para a compra e outro para as obras de melhoramentos).
Assim, temos que é seguro que, por um lado, os AA. pretendiam ter na casa que foi demolida a sua residência habitual e que, como não pode deixar de ser, depois da demolição tiveram que repensar a sua decisão de viverem em Sines. Com efeito, tendo já obtido o empréstimo para a compra e para as obras, não seria plausível outra coisa que não o de colocarem a questão de ir ou não morar para aquela terra. Não quer dizer (nem é isso que está perguntado) que tivessem tomado alguma opção; quer só dizer que tiveram que colocar o problema e ponderá-lo.
Em relação ao preço das rendas, a mesma testemunha SS (que, repete-se, trabalha no ramo imobiliário) avançou o valor de €500 para Sines. Ao dar por provado o valor de €400, não vemos que o tribunal tenha incorrido em algum erro. A recorrente defende que tal não é possível: não «existiu o depoimento de qualquer perito, não se apresentaram quaisquer provas documentais, avaliações ou promoções de imóveis semelhantes». Não deixa de ter a sua graça que agora a recorrente defenda tanto rigor, exija tanta prova quase certificada quando atrás, para o que lhe era conveniente, bastava-se com a mera lógica e com a verosimilhança da sua própria versão das coisas. Em todo o caso, uma coisa é certa: não se pode dizer que não tenha havido qualquer prova sobre o facto em si. Por isso, os factos descritos têm apoio probatório suficiente para serem dados como firmes.
Por último, o facto de os AA. terem ficado abalados com esta situação. O tribunal recorrido socorreu-se aqui de «regras de senso comum». A recorrente insurge-se contra isto e com alguma razão formal. O senso comum não é meio de prova, tal como o não são, por si só, as regras de experiência; são antes crivos da apreciação da prova, são as verificações de plausibilidade dos factos alegados no seu contexto que permitem estabelecer presunções naturais (e estas, as presunções, são meio de prova, como é sabido, nos termos do art.º 349.º, Cód. Civil).
Por isso, entendemos que a razão apresentada não é suficiente mas não é completamente errada. Como diz a recorrente, «a referência a um determinado estado psíquico, deve ter algum suporte ou prova concreta que permita chegar a tal conclusão». No caso dos autos, temos factos bastantes para concluir que os AA. ficaram abalados.
Repare-se:
Os AA. compraram a casa porque nela pretendiam viver depois de casar; para isso, pediram empréstimos para a compra e para as obras de reparação; a casa é demolida e eles ficam impávidos e serenos. É isto que a r. quer afirmar? É notório que os AA. tinham algum plano de vida que incluía aquela casa; esta vai abaixo, de surpresa, e eles não sentem nada?
Utilizando a palavra da recorrente que foi usada noutro momento, qual é a «verosimilhança» disto?
Existem factos bastantes para a presunção de que os AA. ficaram abalados. Não se afirma que ficaram muito ou pouco abalados; apenas que ficaram.
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Por estes motivos, nada se altera.
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A matéria de facto é a seguinte:
1. Na Conservatória do Registo Predial de Sines encontra-se descrito sob o nº (…), da freguesia de Sines, o prédio urbano sito na Rua (…), nºs 20 a 24, cuja aquisição a favor dos AA, por compra, está averbada pela ap. 3920, de 2009/01/08. (A)
2. Na Conservatória do Registo Predial de Sines encontra-se descrito sob o nº (…), da freguesia de Sines, o prédio urbano sito na Rua (…), nºs 8 a 18, cuja aquisição a favor dos primeiros RR, por compra, está averbada pela ap. 3, de 2008/07/24, e que resulta da anexação dos números (…) e (…). (B)
3. O pai do A. tinha perguntado em tempos (momento não apurado) ao R. HH quanto poderia custar a demolição do imóvel. (C)
4. A A. BB escreveu uma carta ao segundo R. em que, além do mais referia “ vimos reiterar o nosso mais profundo descontentamento e revolta pelos atos por si praticados” … “No dia 24 de Maio, quando um dos proprietários, CC, se deslocou à sua casa, sita na Rua (,,,) nº 20 a 24 em Sines, deparou-se, estupefacto, com o desaparecimento da mesma, a qual tinha sido totalmente demolida”…”Tendo indagado quem teria sido o autor de tal ato de vandalismo viemos a apurar que teria sido o Sr. HH” … “Tendo confrontado o Arq.º JJ sobre a ocorrência dos factos, a única pessoa a contactar consigo antes do sucedido, este referiu-nos que, em conversa havida com o Sr., aventou a hipótese de lhe vir a pedir orçamento de uma demolição do imóvel, mas não lhe deu ordem de demolição” … “Mais tarde no dia 7 de Junho quando pela primeira vez nos reunimos no local a nosso pedido e com a presença do Arqº JJ, veio V. Exª a admitir frente a este que ninguém o tinha incumbido do trabalho” … “Mas tudo isto não passa de uma desculpa esfarrapada pois não passa na cabeça de ninguém que se proceda à demolição de uma cas sem ter uma adjudicação, sem estar autorizado pelo proprietário, sem ter combinado preços, sem acordar o início da obra, sem lhe ser dado acesso ao interior do imóvel” …” A casa estava mobilada e também não cabe na cabeça de ninguém que se proceda à demolição de uma casa sem ter acesso ao seu interior e, seguramente que durante a demolição se terá apercebido dos móveis e demais recheio da mesma, o expresso consentimento dos proprietários, sem ter combinado preços, sem adjudicação da empreitada e sem a obtenção das devidas licenças camarárias” …” Mais: pedia esclarecimentos sobre o recheio da casa, dos materiais de construção passíveis de reutilização”…. “Continuando: Que tal demolição por se tratar de um imóvel situado no centro histórico estava sujeita a licença camarária e do IGESPAR”. (D)
5 – Em resposta à carta anteriormente referida os AA receberam carta em papel timbrado da 3ª R. e assinada pelo segundo R., onde se diz: “A posição da empresa foi já transmitida a V.Exªs. na reunião havida e à qual V.Exªs fazem referência na Vossa carta. Na mesma, como foi explicado, entendemos que nos foi de facto solicitada a demolição, foram inclusive efetuadas medições e até explicações, por parte do Sr. CC, no local, de como seria efetuada” …” Como já deixamos claro ao Sr. Arquiteto JJ, para além de um claro aproveitamento da boa-fé, da relação de amizade e do conhecimento e consideração pessoal existente entre o gerente desta empresa e o Sr. Arquiteto JJ” …”Mais, sabem V.Exªs o que pretendiam (e pretendem) efetuar no local, pelo que é inútil afirmarem, como o fazem, de que vos foi destruída uma propriedade ou que ficaram sem a mesma” …”Assim, entende a empresa que lhe foi solicitada a demolição nas circunstâncias e da maneira por vós conhecida, pelo que consideramos este assunto encerrado, ficando obviamente em aberto a questão do pagamento do custo da demolição”. (E)
6 - O prédio para ser habitado carecia de obras de reparação e remodelação, mas não oferecia perigo iminente de ruína. (1º e parte do 2º)
7 – No interior do imóvel encontravam-se diversos móveis e eletrodomésticos, sem valor venal (parte do 3º e 4º)
8 – Em data não concretamente apurada de Maio de 2009 o A. deslocou-se ao local e constatou que o prédio tinha sido demolido. A casa confinante, do lado direito de quem a visiona de frente, estava também em demolição. (5º e 6º)
9 - O A. ficou admirado com a situação. (7º)
10 - Face ao que inquiriu um trabalhador que se encontrava no local, que informou que quem tinha procedido à demolição fora o seu patrão, ora 2.º R. (HH). (8º)
10/a) - Este alegou posteriormente, em reunião onde também estava presente o pai dos AA, que tinha sido abordado por aquele, que além do mais lhe tinha perguntado quanto poderia custar a demolição daquela casa (9º)
10/b) Os autores optaram por fazer obras de remodelação no citado prédio. (12º)
11 - Aquando da demolição os AA não conheciam o 2º R., sendo que a existência dos bens era do conhecimento dos 2º e 3º RR (13º e 14º)
12 - Em data não concretamente apurada de 2009 os AA. demarcaram o seu terreno com estacas de ferro e de madeira, as quais constataram mais tarde terem sido retiradas (18º e parte do 21º)
13 – Vieram também a verificar que o terreno estava a ser utilizado para estaleiro e “garagem” para a obra ao lado, sem que para tal tivessem dado autorização. (19º)
14 - A qual tinha sido adjudicada à R. sociedade. (20º)
15 – A pedido dos autores foram apresentados levantamentos topográficos com reporte anterior e posterior à demolição, que dão resultados diferentes, designadamente na parte da frente, que antes da demolição foi orçada como tendo 6,99 metros e depois, apenas, 6,60 m. (22º a 25º)
16 - O imóvel situa-se no centro histórico de Sines. (26º)
17 - A demolição do imóvel confinante obrigava a que o imóvel dos AA fosse “escorado” (27º e 31º)
18 - Esse escoramento tinha que ser efetuado com técnicas apropriadas dado que o imóvel, de construção antiga, foi construído segundo um processo que não utilizava o sistema pilar-viga (28º)
19 - As suas paredes exteriores eram autoportantes e contíguas às paredes do imóvel vizinho (29º e 30º)
20 - Os imóveis situam-se numa rua estreita da cidade, com apenas um sentido de circulação viária (32º)
21 - A efetivação de todos os trabalhos, quer de demolição, quer de construção, quer de estaleiro, seriam mais complexas e dispendiosas sem a demolição do prédio dos AA. (33º)
22 – A remodelação pretendida pelos AA compreendia trabalhos de pintura de paredes interiores e exteriores, reparação de cobertura, substituição de vãos e pavimentos e reparação de fachadas exteriores (34º).
23 - Cujo custo foi orçamentado em Abril de 2009 no montante de €17.206,20, acrescido de IVA. (35º)
24 - O novo levantamento topográfico teve o custo de € 300,00, acrescido de IVA. (36º)
25 - Em 13.10.09 foi apresentado orçamento de construção de moradia unifamiliar, com tradução em € 115.389,79 (a que acresce IVA à taxa legal em vigor). (38º)
26 - Os AA destinavam o imóvel a residência permanente. (39º)
27 - O valor de arrendamento de um apartamento na mesma zona ronda um valor mensal de, pelo menos, €400,00. (40º)
28 - A destruição do imóvel fez com que os AA tivessem que repensar a sua decisão de irem viver para Sines. (42º)
29 – A situação ocorrida deixou os AA abalados. (44º)
30 – O R. HH estabeleceu contatos não concretamente apurados com o arquiteto JJ, seu conhecido de longa data e pessoa com quem havia colaborado em vários projetos, designadamente na obra pertencente aos primeiros RR e executada pela 3ª R., tendo ficado convencido que ele pretendia a demolição da casa dos AA. (52º e 53º).
31 – O R. procedeu à referida demolição, enquanto representante da sociedade HH – Sociedade Unipessoal, Lda. (61º).
32 – O R. tinha o Arquiteto JJ como pessoa honesta e íntegra. (62º)
32/a – Após a demolição, em contexto não concretamente apurado, a Autora manifestou o seu desagrado pela demolição. (64º).
32/b) - Ao que o R. HH respondeu que atuou no cumprimento das instruções do Arquiteto JJ. (65º)
33 - O imóvel estava absolutamente inabitável, com ar de abandono (68º)
34 - E com os bens a que já se aludiu no ponto 7 ( art.º 69º)
35 - O Arquiteto que assina o projeto dos primeiro réus para o local, é o Sr. Arquiteto JJ, pai do ora A. CC; no projeto atesta-se as dimensões, áreas e confrontações do projeto dos réus e do edifício a construir no local (71º e 72º)
36 – Foi junto aos autos relatório de medição que refere que o espaço propriedade dos autores apresenta de frente 6,89m, tardoz 6,54m, poente 7,19m e nascente 8,16m, donde resulta a área de 51,29m2, e onde foram considerados 0,62 da parede a poente e 0,30 da parede a norte (tardoz), o que resulta na área de 51,29m2 ( artºs 76º e 77º)
37 - As paredes têm normalmente 50 a 60cm (78º)
38 - O orçamento e valores acordados para a execução entre os Primeiros RR e a Terceira R., já previam a execução das obras naquelas sem a demolição do prédio dos AA (79º)
39 – Provado apenas que a 3ª R. já fez outras demolições e construções na zona histórica de Sines (80º)
40 - Os AA, adquiriram a moradia em causa pelo montante de € 45.000,00 (81º)
41 – JJ acedeu a ajudar os AA nos contactos a estabelecer com o segundo R., a quem conhecia profissionalmente. (83º).
42 – Não foi atribuída qualquer licença de demolição para o prédio dos AA., sendo que o pedido de demolição do imóvel dos autores carecia de parecer favorável da Direção Regional de Cultura do Alentejo.
43 – O R. HH é o único sócio e gerente da R. HH, Sociedade Unipessoal, Lda., que tem por objeto a construção civil e obras públicas.
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Em relação à solução jurídica encontrada na sentença, a recorrente alega desta forma:
Entende a R. e ora Recorrente que a sentença em apreço na questão da privação de uso andou mal quando condenou a R., porquanto condenou a R. e ora recorrente em indemnização por privação de uso a favor dos AA, no montante de €15.600,00.
Entendendo o tribunal a quo que o ressarcimento não está dependente de prova, em concreto, de prejuízo efectivo;
Consta dos factos provados que o imóvel carecia de obras de reparação e remodelação, não oferecendo perigo eminente de ruína (ponto 6 dos factos provados) e o imóvel estava absolutamente inabitável, com ar de abandono (ponto 33), donde é lógico concluir que o imóvel em causa não podia ser habitado e portanto os AA. não o podiam utilizar com o fim a que se propunham (habitação);
Também percorrendo a matéria de facto, não resulta dos autos, nos factos provados, qualquer outro facto concreto, nem está sequer alegado pelos AA (a única matéria vertida a esse respeito pelos AA., foi dada como não provada na alínea k), qualquer facto ou prova donde se retire a conclusão que os AA., sofreram um prejuízo material efectivo ou um dano concreto resultante dessa privação;
Ora sendo o dano patrimonial o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado e desconhecendo-se esta, como é o caso, deve concluir-se que não tendo demonstrado esse facto ou o dano concreto ocorrido, como foi o caso dos presentes autos, não deve a R. ser condenada no pagamento de qualquer indemnização aos AA., a título de privação de uso, por violação do artº483º do C.C.
Assim não o entendeu o tribunal a quo, socorrendo-se o mesmo, na sua motivação, da tese de que a simples privação de uso constitui, por si só, um dano indemnizável, independentemente de puderem os AA., utilizar ou não o bem durante esse período, mas também aqui mal andou o tribunal a quo nesta sua decisão;
Porquanto, mesmo aderindo a essa tese (de que a mera privação de um bem, independentemente de ser ou não utilizado) acarreta a obrigação de indemnizar, não deve nem pode resultar em modo automático nem em modo abstracto, a aplicação da mesma como fez o tribunal a quo, devendo antes e sim resultar expressamente do processo, com factos concretos, que permitam demonstrar que, não fora a privação, o lesado a utilizaria normalmente (veja-se o acórdão proferido pelo Supremo tribunal de Justiça no proc.1247/07.4TJVNF.P1.S1 de 9/3/2010 anteriormente transcrito).
No caso concreto dos presentes autos, o imóvel estava absolutamente inabitável, carecendo de obras para a sua reabilitação que tornasse o mesmo habitável, daqui resulta inequivocamente que os AA., ainda que o quisessem fazer, não podiam utilizar o imóvel para habitação (o bem estava insusceptível e impossível de utilizar), pelo que, e salvo melhor opinião, os factos revelam pois uma simples privação de uso ou mera impossibilidade objectiva e não a privação da possibilidade de uso (que os AA. não tinham) e apenas essa deverá ser fundamento de indemnização;
Pelo exposto, resultando do processo a impossibilidade concreta de utilização da coisa (a qual estava inabitável), independentemente do facto ilícito gerador da responsabilidade civil, por parte do réu, não constitui dano indemnizável, para efeitos de aplicação do artº483º do CC, quando está em causa a mera privação do uso do bem. Tendo o tribunal a quo interpretado e aplicado incorrectamente o direito aos factos, no caso o artº483º e 1305º do C.C., não havendo na situação em concreto, quanto à mera privação de uso, direito por parte dos AA., a tal indemnização, devendo a sentença em apreço ser revogada quanto ao ponto 2 da decisão, e o R. absolvido do pedido formulado a esse titulo.
Quando assim se não entenda:
A presente sentença decidiu que a R. terá de reconstruir o imóvel com as exactas características que o mesmo possuía, contra o pagamento por parte dos AA., da quantia de €17.206,00, considerando igualmente nos factos provados no ponto 40, que: «os AA. adquiriram na moradia em causa pelo montante de €45.000,00», que a moradia estava absolutamente inabitável e com ar de abandono (ponto 33), dando como não provado que as paredes do edifício estivessem sólidas.
Por sua vez a edificação do novo imóvel ascenderá, seguramente, a um valor próximo dos €115.000,00 (ponto 25 dos factos provados) donde emergirá uma diferença de €70.000,00 resultante do valor que os AA. perdem (valor do imóvel €45.000,00) e o valor do custo da reconstrução (€115.000,00).
A obrigação de indemnização compreende em primeiro lugar a reconstituição natural (artº562º do C.C.) e deverá ter como limite relativamente aos danos, apenas aqueles «que o lesado provavelmente não teria sofrido não fora a lesão» (artº563º do C.C.), referindo a este propósito Prof. Antunes Varela: «o objectivo essencial da indemnização força, além do mais, a reparar os danos de que o facto foi causa adequada (artº563º) e a deduzir, por outro lado, as vantagens que o lesado não teria tido, se não fora aquele facto (compensatio lucri cum damno).
Tratando-se de um bem usado, que foi destruído, e a sua reposição por um bem completamente novo e por aplicação deste princípio (de que terá de ser deduzidas as vantagens que o lesado não teria tido, não fora a lesão) deverá haver uma dedução no preço ou no valor de aquisição do bem novo, do valor da coisa usada ou inutilizada, como a este respeito refere o Prof. Antunes Varela. A este respeito, refere Antunes Varela in “Das Obrigações em geral” Vol I, 5ª Edição, Almedina, pág.869, a propósito do objecto da reparação: «pode suscitar algumas dificuldades de ordem prática a aplicação do critério nos casos em que o dano se traduza na destruição ou deterioração de coisas já usadas. È o caso do empregado que, por descuido, deixa cair umas nódoas de tinta que inutilizam, por completo o sobretudo muito caro do cliente. Nestes casos, quando se torne indispensável, para indemnizar devidamente o lesado, facultar-lhe a aquisição de uma nova coisa, da mesma qualidade da inutilizada, haverá que deduzir no preço a cargo do lesante, o valor da cosia, mesmo inutilizadas (se o tiver: caso do veiculo que possa ser vendido para o armazém de sucata), ou que determinar a entrega dela ao devedor da indemnização, para que o indemnizado se não enriqueça à custa dele.»
No caso presente e aplicando este entendimento ao valor de reconstrução a efectuar pela R., deverá ter como contrapartida por parte dos AA. o pagamento por estes do valor que o bem tinha no estado de usado e que era de €45.000,00 e não apenas o valor de €17.260,00;
A não ser assim, verifica-se um enriquecimento ilícito e sem causa por parte dos AA. no montante de €70.000,00, o que seria injusto e desajustado, violador do artº563º do C.C., em face do bem novo que passariam a possuir em substituição do bem usado, absolutamente inabitável e com ar de abandono, no que antes possuíam.
A sentença recorrida não teve em conta o acréscimo patrimonial que representa para os AA. uma moradia nova, interpretando e aplicando incorrectamente o artº483º e 563º do C.C., à situação em preço.
Pelo exposto, deverá a sentença proferida na parte respeitante á reconstituição do imóvel, e — caso não procedam as conclusões anteriormente apresentadas — ser revogada e substituída por outra decisão que à reconstrução do imóvel por parte da R. tenha como contrapartida o pagamento por parte do AA., a quantia dos €45.000,00, valor esse correspondente ao valor do bem, no estado de usado, que antes estes possuíam.
Quando assim doutamente se não entenda:
Da sentença proferida resulta que o tribunal a quo considerou o comportamento da R,. não como doloso, mas culposo.
Analisando os pontos 32, 30, 35 da matéria de facto provada, resulta claro que a R. em momento algum pretendia ou pretendeu a demolição da casa dos AA., sendo certo que estes alegam tratar-se de uma conduta dolosa o que o tribunal assim não o entendeu, enquadrando antes a conduta da R em negligência, sendo esta segundo o ensinamento do Prof. Antunes MM: «a mera culpa (quer consciente, quer inconsciente) expresse assim uma ligação da pessoa com o facto menos incisivo do que o dolo (…)».
Donde resulta que, perante as circunstâncias concretas dos factos, e tratando-se de um conduta negligente, poderia e deveria o tribunal A Quo ter aplicado ao Artº494º do C.C., não o tendo feito, a presente sentença mostra-se dessa forma injusta e desadequada, ao condenar simultaneamente a R. na reconstrução do imóvel, cujo valor seria de €45.000,00, com a indemnização de privação de uso e de danos não patrimoniais, requerendo-se dessa forma (equitativamente por aplicação de tal norma) a redução das referidas indemnizações caso não procedam as conclusões anteriormente referidas.
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Em resumo, são três as questões: indemnização por privação do uso da casa demolida, o valor a repor pelos AA. deverá ser o preço da casa e não o custo das obras que iriam realizar e, por último, o comportamento não doloso da R. e aplicação do art.º 494.º, Cód. Civil.
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A recorrente alega que a casa estava inabitável e que, por isso, os AA., ainda que o quisessem fazer, não podiam utilizar o imóvel para habitação.
Pois não mas isso é restringir o uso da casa unicamente à habitação, unicamente à circunstância de os AA. morarem lá.
Mas o caso não é este pois que os AA. sabiam que a casa estava inabitável e o uso de que se viram privados aqui é outro: a possibilidade de fazerem as obras que permitissem residir lá. O ac. do STJ, de 9 de Março de 2010 (citado nas alegações) não leva a outra conclusão. O que nele se afirma é que para «efeito de atribuição de indemnização pela privação do uso não será de exigir a prova de danos efectivos e concretos (situação vantajosa frustrada/teoria da diferença), mas a ressarcibilidade também não pode ser apreciada e resolvida em abstracto, aferida pela mera impossibilidade objectiva de utilização da coisa (independentemente de que a utilização tenha ou não lugar durante o período de privação), emergindo como critério de atribuição do direito à indemnização a demonstração no processo que, não fora a privação, o lesado usaria normalmente a coisa, vendo frustrado esse propósito». O STJ atende, como cremos que não podia deixar de atender, à utilização normal da coisa. E esta utilização normal é, no nossa situação de uma casa inabitável, melhorar a casa, dar-lhe condições de habitabilidade.
E era isso mesmo que os AA. iam fazer e que só não fizeram porque entretanto a recorrente demoliu a casa.
Além disto, existe um outro uso para os bens que não estão em condições de serem imediatamente utilizados: a sua venda. Da mesma maneira que os AA. a compraram, também era perfeitamente possível (embora contrário aos seus planos de vida na altura) venderem-na pois que as coisas existem também para serem compradas e vendidas. Agora vender uma casa que não existe é que não é possível e ela deixou de existir porque a R. a demoliu.
Por isso, existe aqui privação do uso como dano indemnizável.
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Em relação ao segundo tema, a sentença argumentou o seguinte:
«No caso vertente os AA. pretendem, além do mais, ser indemnizados no montante de € 120.765,81, tradução do diferencial entre as obras de reparação que pretendiam efetuar e o valor das obras de construção de raiz que terão de ser efetuadas.
«A tal propósito apurou-se que em 13.10.09 foi apresentado orçamento de construção de moradia unifamiliar, com tradução em €115.389,00 ( a que acresce IVA à taxa legal em vigor) e que o custo da remodelação pretendida pelos AA era de € 17.206,20, acrescido de IVA.
«Somos a crer que a reparação do dano em causa – demolição da casa – à luz do preceito e princípios legais enunciados (reconstituição no equivalente), não passa pelo pagamento de tal importância, mas sim, pela reconstrução de uma casa, com as precisas caraterísticas da casa demolida, e não outras quaisquer «um automóvel danificado deve ser consertado, o muro destruído deve ser levantado» - ibidem, já que não foram invocadas quaisquer das circunstâncias que justificam a indemnização em dinheiro (artigo 566º, nº 1 do CC).
«Considerando, ainda, que a casa se encontrava em notório estado de degradação, carecendo de obras de reparação e remodelação e que a ser reconstruída na atualidade, não enfermará dessas circunstâncias, a reconstrução terá como contrapartida o pagamento pelos AA da quantia que despenderiam com a sua remodelação, i. é, € 17.206,20».
Pelo contrário, a recorrente alega desta forma, no essencial:
«A situação real que existia à data era de uma moradia, cujo valor era à data de €45.000,00 (foi pelos AA. avaliado nesse montante), pelo que o valor a repor pelos autores, numa hipotética situação de edificação de uma moradia nova deverá ser de pelo menos €45.000,00, porque correspondente ao valor do bem (que já tinham) e não apenas só €17.260,00 (obras de melhoramento), sendo certo que até esse valor peca por escasso, face ao valor que o bem adquirirá após a construção: de um bem de €45.000,00 para €160.000,00».
Concordamos com a sentença.
A situação que existia à data não era só de uma moradia cujo valor era de €45.000; era a de uma moradia em que iriam ser feitas obras de reconstrução no valor de €17.206,20. A situação patrimonial dos AA. era de um dispêndio de cerca de €62.000 e deste valor ficaram privados; por outro lado, a situação patrimonial dos AA., depois de feitas as obras, não seria deste valor pois que não é a soma das duas parcelas que determina o valor da casa reconstruída.
A reposição da situação patrimonial que os AA. teriam se não se verificasse a demolição implica que a sua despesa seria a de €17.000. Era o que eles iriam gastar para ter a casa em condições. Claro que a casa depois valeria mais (tal como a sua reconstrução é mais cara) mas este aumento de valor não resulta do evento danoso; resulta da situação que existiria caso este não se tivesse verificado.
Considerando a teoria da diferença entre a situação em que o evento deixou o lesado (sem casa) e a situação em que ele se encontraria sem o dano traduz-se naqueles €17.000, na despesa que ele teria tido.
Alega a recorrente que haverá um enriquecimento ilícito em face do bem novo que passariam a possuir (por força da indemnização) em substituição do bem usado, inabitável. Não é bem assim porque a casa que os AA. teriam estaria em condições por virtudes das obras que a demolição impediu.
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A questão da culpa.
Tanto a recorrente como a sentença afirmam que não houve dolo por parte da R..
Temos algumas dúvidas a este respeito. Se não há dolo há culpa grave e bastante grave.
Que assim é basta pensar no próprio acto de demolição e os termos em que foi feito. Referimo-nos, em concreto a duas circunstâncias que revelam bem que a R. nada quis cuidar a respeito deste assunto.
Por um lado, a demolição foi feita, segundo a sua versão, pelo pai do A., pessoa que não é o dono da casa. Sabendo-se que no requerimento da licença para a demolição se deve indicar «a qualidade de titular de qualquer direito que lhe [ao requerente] confira a faculdade de realizar a operação urbanística» [art.º 9.º, n.º 1, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação; cfr. também o seu art.º 2.º, al. g)], temos de perguntar: quem viria a ser indicado como o titular? Terá sido até por isto que a R. fez a demolição sem a devida licença?
É que, por outro lado, foi assim que aconteceu.
E, no entanto, trata-se de uma empresa de construção de obras públicas e particulares que conhece as regras da sua actividade.
Só com negligência muito grave, a roçar o dolo, a vontade de fazer mal, é que se pode compreender como a demolição foi feita. A diferença entre o comportamento devido e o tido é de tal forma grande que afasta qualquer possibilidade de outra conclusão.
O grau de culpa do agente, a que alude o art.º 494.º, Cód. Civil, apenas pode levar a excluir a redução da indemnização neste caso pois a culpa da R. foi bastante grave.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pela apelante.
Évora, 12 de Fevereiro de 2015
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Xavier