Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
377/03.6GBCCH-B.E1
Relator: MARIA FERNANDA PALMA
Descritores: CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO SUBSIDIÁRIA
NOTIFICAÇÃO
Data do Acordão: 03/11/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I – O despacho que, ao abrigo do disposto no art. 49.º, n.º1, do Código Penal, converte a pena de multa em pena de prisão subsidiária, deve ser notificado ao próprio arguido, bem como ao respectivo defensor.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora


Nos presentes autos de Processo Comum Singular que com o nº 377/03.6GBCCH correm seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Coruche, datado de 08-03-2013, foi proferido o seguinte despacho:
Considera-se o arguido devidamente notificado na pessoa do seu advogado, nos termos do disposto no artigo 113º, nº 9, do Código de Processo Penal.”

Tratava-se da notificação de um despacho proferido posteriormente à sentença, cuja cópia consta de fls. 3 e 4 dos presentes autos de recurso em separado, que ordenava o cumprimento dos dias de prisão subsidiária, num total de 101, caso o arguido não procedesse ao pagamento da multa, esta no montante global de 760 euros, nos termos do disposto no artigo 49º, nº 3, do Código de Processo Penal.

Inconformado com o teor do decidido, recorreu o arguido, concluindo nos seguintes termos:

1- O recorrente não se conformando com o douto despacho que considerou o arguido devidamente notificado na pessoa do seu advogado, nos termos do art° 113°, n° 9 do CPP, apresentou o presente recurso.

2 - Foi o arguido A. condenado na pena de multa de 190 dias à razão de 5,00€/dia, no total de 950,00€ (fls. 387 a 410 e 471 a 503).

3 - Foi autorizado o pagamento da multa em 5 prestações mensais de 190,00 €/cada.

4 - O arguido pagou a primeira prestação, permanecendo em divida o montante de 760,00 €.

5 - Foi a pena de multa convertida em pena de prisão subsidiária, nos termos do art.° 49.°, n.°1 do CP, conforme douto despacho de fls.617/618.

6- Promoveu o Digníssimo Magistrado do Ministério Público a fls. 640 “se considere o arguido notificado, do douto despacho de folhas 617/618, na pessoa do seu defensor, nos termos do previsto no art.° 113.°, n.°9, do CPP.”113°, n.°9 do Código de Processo Penal.

8 - O despacho que converte a pena de multa em pena de prisão nos termos do art.° 49.°, n.°1 do CP deve ser notificado tanto ao defensor como ao próprio condenado, veja-se neste sentido Ac. Relação do Porto, P. 18/08.5PHMTS-B.P1, de 23/02/2011 in www.dasi.pt.

9 - Ao contrário do decidido, a notificação do despacho que converte a multa em prisão subsidiária deve ser notificado ao arguido por contacto pessoal.

10 - Ao decidir como decidiu a douta decisão violou os art°s. 49.° do CP e 113 do CPP.

Termos em que, e nos do douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo ser o douto despacho recorrido ser anulado e substituído por outro que ordene a notificação pessoal do arguido.

O Ministério Público veio responder, fazendo-o nos seguintes termos: O arguido veio recorrer do despacho proferido nos autos a fls. 641 que considerou o arguido notificado na pessoa do seu defensor, nos termos do disposto no artigo 113.º, n.º 9 do Código de Processo Penal, do despacho que converteu em prisão subsidiária a pena de multa remanescente em que havia sido condenado.

Analisada toda a motivação que lhe está subjacente, cremos que de facto assiste razão ao Recorrente, razão pela qual nos dispensamos de chamar aqui à colação senão os argumentos que discordamos e que é tão só quando invoca o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 6/2010.

Sendo certo que fixou jurisprudência no sentido de que a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado e que a notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de «contacto pessoal» como a «via postal registada, por meio de carta ou aviso registados» ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso», sempre se dirá que o mesmo se refere a situação diversa da vertente, não se configurando in casu possível o recurso a analogia e, por essa via, fazer decorrer daquele Acórdão efeitos no caso sub judice.

Na verdade, não está aqui em causa a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, antes a conversão da pena de multa em prisão; por outro lado, a força interpretativa de um acórdão para fixação de jurisprudência esvazia-se na questão que nele é abordada, devendo os argumentos nele utilizados ser apenas ponderados em questões similares, não valendo para integrar tais situações por recurso à analogia.


Neste Tribunal da Relação de Évora, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu, igualmente, o seu desenvolvido parecer, no qual conclui pela procedência do recurso, por motivos similares aos já avançados pelo Ministério Público na 1ª Instância.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir:

Como o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelos recorrentes nas respectivas motivações de recurso, nos termos preceituados nos artigos 403º, nº 1 e 412º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal, podendo o Tribunal de recurso conhecer de quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida, cumprindo cingir-se, no entanto, ao objecto do recurso, e, ainda, dos vícios referidos no artigo 410º do referido Código de Processo Penal, - v. Ac. do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19 de Outubro - vejamos, pois, se assiste razão ao arguido recorrente no que respeita à questão que suscitou nas conclusões do presente recurso.

Vejamos então:

Efectivamente, uma interpretação literal do estabelecido no artigo 113º, nº 9 do Código de Processo Penal, levar-nos ia a concordar com o decidido.

Com efeito, a notificação de despacho da natureza daquele que está em causa não consta do elenco dos despachos cuja notificação ao arguido é obrigatória, isto para além da notificação ao seu defensor.

Porém, trata-se de um despacho que eventualmente poderá vir a bulir com a liberdade do arguido, já que, caso o mesmo não proceda ao pagamento da multa, vem desde logo ordenado o cumprimento da prisão subsidiária.

Ora, a liberdade individual constitui um dos direitos fundamentais, quiça, o mais importante a seguir ao direito à vida.

Para além das Convenções Internacionais, a importância do direito à liberdade resulta desde logo do estatuído no artigo 27º da Constituição.

E daí que as suas limitações obedeçam a estrito rigor constitucional e legal, quer substantiva quer adjetivamente.

Como tal, a necessidade de notificação ao arguido de despacho que eventualmente possa colidir com a sua liberdade colhe o seu fundamento nestes argumentos, não obstante a crua letra do preceito adjetivo acima citado.

Assim sendo, e sem necessidade de mais considerações, entende-se que o recurso deverá de proceder.

Assim, e pelo exposto, acordam os juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora, em conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido o qual deverá de ser substituído por outro que ordene a sua notificação ao próprio arguido, para além da necessária notificação ao seu defensor.
Sem tributação.

Évora, 11-03-2014

MARIA FERNANDA PEREIRA PALMA

MARIA ISABEL GONÇALVES DUARTE