Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ MANUEL BARATA | ||
Descritores: | VENDA POR PROPOSTA EM CARTA FECHADA VENDA POR NEGOCIAÇÃO PARTICULAR | ||
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Data do Acordão: | 09/14/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I.- A lei processual civil atual não permite a realização de uma segunda venda mediante proposta em carta fechada, devendo os autos prosseguir de imediato para a venda por negociação particular (artigo 822.º/2, do CPC). II.- Caso a venda em proposta por carta fechada seja dada sem efeito por outro motivo (oposição à penhora, v.g.), a designação de nova data não corresponde a uma segunda venda, mas sim ao prosseguimento da primitiva venda, logo que se mostre removido o motivo que levou à não realização da venda inicialmente designada, aproveitando-se os atos já praticados, designadamente os previstos no artigo 812.º do CPC. (Sumário do Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc.º 3591/13.2YYPRT-E.E1 Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora Recorrente: AA E BB, habilitadas por óbito de CC Recorrida: (…), S.A. * No Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo de Execução ... - Juiz ..., na execução proposta por (…), S.A. contra CC, entretanto falecido, ocupando o seu lugar na qualidade de Co-Executadas habilitadas, AA e BB, foi proferido o seguinte despacho:O executado CC veio requerer que seja dada sem efeito a venda designada nos presentes autos, por ter sido aproveitada a decisão de 9 de outubro de 2017 do Senhor Agente de Execução e as mesmas notificações aquando da primeira venda. O Senhor Agente de Execução e o exequente opuseram-se a tal pretensão. Ora, entende-se que a decisão de 9 de outubro de 2017, ao não ter sido impugnada, consolidou-se nos presentes autos. Nesta medida, entende-se que é desnecessária uma nova notificação da decisão, podendo a mesma ser aproveitada para a nova venda designada, até mesmo porque não há indicação de ter havido uma alteração dos pressupostos dessa decisão. Pelo que improcede a pretensão do executado. Notifique. * Não se conformando com o decidido, as recorrentes habilitadas apelaram formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608.º/2, 609.º, 635.º/4, 639.º e 663.º/2, do CPC:a. O Tribunal a quo não procedeu a uma correta aplicação do direito ao caso concreto. b. Andou mal o Tribunal a quo ao proferir um despacho com total ausência de fundamentação legal. c. Em virtude de ter sido nomeada para o dia 03/02/2022 a abertura das proposta em carta fechada relativas à venda do bem penhorado – despacho de 06/01/2022, com a ref. citius ...13 – o ora recorrente requereu – ref. citius ...02 – que o douto Tribunal a quo se dignasse dar sem efeito a data designada para 03FEV2022, pelas 10h00m, para abertura das propostas em carta fechada, em virtude de a decisão da venda não ter cumprido com o previsto no artigo 812.º do CPC estando, por isso, ferida de nulidade, atento o disposto nos artigo 195.º e alínea c) do n.º 1 do artigo 839.º do CPC. d. Em tal requerimento, o ora recorrente, fundamentou a sua pretensão quer do ponto de vista legal quer jurisprudencial. Em resposta a tal requerimento a exequente respondeu que deve ser mantida a diligência marcada, não tendo fundamentado legalmente a sua oposição. f. Sobre o requerido pelo ora recorrente foi proferido o douto despacho com a ref. ...94 com o seguinte teor: “(…)Ora, entende-se que a decisão de 9 de Outubro de 2017, ao não ter sido impugnada, consolidou-se nos presentes autos. Nesta medida, entende-se que é desnecessária uma nova notificação da decisão, podendo a mesma ser aproveitada para a nova venda designada, até mesmo porque não há indicação de ter havido uma alteração dos pressupostos dessa decisão. Pelo que improcede a pretensão do executado (…)”. g. Prevê o artigo 154.º do CPC, no seu n.º 1, que “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” e no seu n.º 2 que “A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”. h. Ora, independentemente de se estar perante um despacho interlocutório e atento o facto de a contraparte ter apresentado oposição, veda-se a possibilidade de a Mmª Juiz a quo poder aderir aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição. i. Na oposição ao requerimento apresentado pelo ora recorrente, a exequente não alegou qualquer fundamentação legal para a posição tomada. j. Atenta esta circunstância de ter havido oposição, resulta a impossibilidade, pela Mmª Juiz a quo, de “simples adesão” aos fundamentos alegados por qualquer das partes. k. Deste modo, atento o supra exposto, sempre o despacho que indeferiu o requerimento do executado teria de ser devidamente fundamentado com o respetivo preceito legal. l. Todavia verificamos que do indeferimento proferido não consta qualquer fundamento legal. m. Assim, o disposto no artigo 154.º prevê a obrigatoriedade de as decisões judiciais serem sempre fundamentadas e, nesta esteira, obriga o n.º 3 do artigo 607.º que, nas decisões judiciais, sejam indicadas, interpretadas e aplicadas as normas jurídicas correspondentes. n. Sendo que esta obrigatoriedade tem assento constitucional no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa. Onde, no seu n.º 1, ordena: As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. o. Como se alcança a uma primeira vista, o douto despacho recorrido não é de mero expediente. p. Daí que, atento aquele preceito constitucional, e restantes normas legais citadas, tenhamos de concluir pela nulidade do douto despacho recorrido. O que se requer. q. Também mal andou o Tribunal a quo ao proferir um despacho onde não reconheceu a nulidade invocada da venda judicial, não tendo, por isso, procedido a uma correta aplicação do direito ao caso concreto. Senão vejamos, r. Através do requerimento com a ref. ...02, o ora recorrente requereu que a Mm.ª Juiz a quo se dignasse dar sem efeito a marcação da venda mediante propostas em carta fechada levando em conta o seguinte, s. Aquando da primeira decisão de venda – ref. ...21 – veio o AE requerer a marcação de dia e hora para aberturas das propostas em carta fechada. t. Juntando o AE, em anexo a tal requerimento, a decisão da venda datada de 09OUT2017 e as respostas – ref. ...80 de 08SET2017 e ref. ...40 de 22SET2017. u. Pelo que, em 23JAN2018, foi proferido douto despacho com a ref. ...91 designando-se o dia 27FEV2018, às 14h., para abertura das propostas em carta fechada. v. Contudo, em 02FEV2018 através do douto despacho com a ref. ...26, veio o Tribunal a dar sem efeito a data designada para a abertura de propostas em carta fechada. w. Motivo pelo qual ficou sem efeito a venda. x. Posteriormente, em 22OUT2021, veio, “novamente”, o AE requerer, a designação de nova data para a abertura de propostas em carta fechada – ref. ...93 – juntando os documentos referidos no supra ponto 30. y. Ou seja, a mesma decisão da venda e as mesmas notificações aquando da PRIMEIRA venda. z. Nesse seguimento, por despacho com a ref. ...28 de 26OUT2021, foi solicitado à secção que verificasse se constavam dos autos todos os elementos referidos no supra ponto 32. aa. Em 19NOV2021 com a ref. ...42, foi o AE notificado para cumprir com o douto despacho suprarreferido com a ref. ...28. bb. O AE em 02DEZ2021 – ref. ...55 – vem, em cumprimento do doutamente determinado, juntar apenas e tão-somente o Auto de Penhora do estabelecimento de farmácia. cc. Após tal resposta do AE, a Mmª Juiz a quo – despacho com a ref. ...65 – ordenou que a secção informasse se efetivamente estavam nos autos todos os elementos indicados no despacho que antecedeu. dd. Pelo Oficial de Justiça em 16DEZ2021 é elaborada COTA nos autos com a ref. ...09, a qual lavra que: “Em ver data certificada pelo sistema, e em cumprimento do despacho que antecede, verifiquei que se encontram todos os elementos referidos no mesmo com a exceção da informação predial, uma vez que o bem penhora é o estabelecimento comercial e não o imóvel, pelo que seram os autos conclusos após a férias de Natal” – Ipsis verbis. ee. Com base nesta informação, a nosso ver errada e que não corresponde à verdade, como supra se demonstrou, em 06JAN2022 é proferido despacho – ref. ...13 – designando a abertura das propostas em carta fechada da modalidade de venda determinada pelo AE para o dia 03FEV2022, às 10h00m. ff. Porém, o AE não cumpriu com o doutamente determinado no despacho suprarreferido com a ref. ...28, datado de 26OUT2021, nem com o previsto no artigo 812.º do CPC. gg. Em rigor, o AE não efetuou as notificações às partes, conforme o doutamente ordenado pelo respetivo despacho, nem aos trabalhadores que, posteriormente à primeira decisão de venda, vieram reclamar os seus créditos. hh. Na verdade, tendo os credores (trabalhadores) apresentado a sua reclamação de créditos apenas em 29JUL2020 tal traduz uma alteração das circunstâncias relativamente à anteriormente existente à primeira data da decisão de venda que é de 09OUT2017. ii. Sendo certo que o AE não procedeu a tal junção pelo facto de não terem sido realizadas tais notificações – e deveriam tê-lo sido. jj. Aos credores de créditos laborais em momento algum, lhes foi dada a possibilidade de se pronunciarem quanto à modalidade da venda. kk. Pelo que, a “nova” decisão da venda que se impunha não existiu e, não existindo, não foi notificada às partes, nem aos credores com garantia, mas apenas o despacho que designou o dia 03FEV2022 para a abertura das propostas em carta fechada. ll. Assim, dúvidas não restam que, posteriormente à decisão da primeira venda, que foi dada sem efeito, vieram aos autos credores trabalhadores reclamar os seus créditos laborais e não foram ouvidos sobre esta matéria conforme determina o artigo 812.º do CPC. mm. Situação esta, nova, que se traduz inequivocamente numa alteração dos pressupostos existentes à data da primeira data designada para a venda – apesar de o douto despacho recorrido dizer que os pressupostos se mantêm. nn. Concluindo-se assim que a venda cuja abertura das propostas foi designada para o dia 03FEV2022 está ferida de nulidade por não respeitar o previsto no artigo 812.º do CPC, ex vi do previsto no artigo 195.º do CPC e alínea c) do n.º 1 do artigo 839. do CPC. oo. Foi com base nestes termos que o ora recorrente, intercedeu junto do Tribunal a quo que se dignasse dar sem efeito a data designada para 03FEV2022, pelas 10h00m, para abertura das propostas em carta fechada, em virtude de a decisão da venda não ter cumprido com o previsto no artigo 812.º do CPC estando, por isso, ferida de nulidade, atento o disposto nos artigos 195.º, 613.º, n.º 3, 615.º, n.º 1, b) e alínea c) do n.º 1 do artigo 839.º do CPC. pp. Ao não ter decidido assim, o douto despacho que ora se recorre, está ferido de nulidade o que faz com que a venda judicial levada a cabo posteriormente, e todos os atos praticados após, estejam feridos do mesmo vício de nulidade, qq. Verificando-se, dessa forma, uma total omissão dos procedimentos legais para efeitos de realização da venda judicial, pelo que, nunca se poderia marcar data para aberturas das propostas em carta fechada. rr. Devendo considerar-se, também por este motivo, a nulidade da venda judicial, o que, sendo do conhecimento oficioso, determina a anulação de todo o processado posteriormente. ss. Por conseguinte, em consequência, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se assim o despacho recorrido, com as necessárias consequências legais, e anulada a venda judicial assim como os posteriores atos. tt. Devendo assim ser ouvidas as partes e os credores, através de notificação, nos termos do previsto no artigo 812.º do CPC, para exercerem os seus direitos quanto à (segunda) decisão de venda, pois só assim se poderá compor uma decisão de venda que seja legal, justa e perfeita. uu. Pelo que foram violados os artigos 154.º, n.º 1 e n.º 2, 195.º, 613.º, n.º 3, 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 839.º do CPC e 205.º da Constituição da República Portuguesa. Termos em que deverá ser revogada a douta decisão proferidas pelo Tribunal a quo de que aqui se recorre, bem como todos os atos processuais subsequentes, ordenando-se a notificação da exequente, executados e credores para os termos do previsto no artigo 812.º do CPC e seguindo-se, depois, os demais atos processuais, fazendo-se assim a costumada justiça. * A recorrida contra-alegou, mas não ofereceu conclusões, defendendo que deve ser proferido Acórdão que julgue integralmente improcedente o Recurso de Apelação apresentado pelo Recorrente, nessa medida mantendo a decisão do Tribunal a quo quanto à validade da venda executiva com data de 03.02.2022 e, consequentemente, dos atos preparatórios e antecedentes, em concreto, a decisão de venda judicial e o despacho que marcou a diligência da venda judicial.* As questões que importa decidir são:1.- A nulidade do despacho por falta de fundamentação. 2.- A nulidade da venda por proposta em carta fechada, por incumprimento do que dispõe o artigo 812.º do CPC. * A matéria de facto a considerar é a que consta do relatório inicial e a seguinte:A.- O executado CC, formulou o seguinte requerimento: “CC, executado nos epigrafados autos, no seguimento da notificação do douto despacho de ref. ...13 que designou o dia 03FEV2022, pelas 10h00m para abertura das propostas em carta fechada da modalidade de venda determinada pelo Agente de Execução (artigo 817.º, n.º 1, do Código Processo Civil) vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte: 1º Conforme resulta dos autos, em 17JAN2018 através de requerimento com a ref. ...21 veio o Senhor Agente de Execução requerer a marcação de dia e hora para aberturas das propostas em carta fechada. 2º Para o efeito, o Senhor Agente de Execução juntou, em anexo a tal requerimento, a decisão da venda datada de 09OUT2017 e as respostas da exequente (ref. ...80 de 08SET2017) e dos executados DD, DD, EE e FF (ref. ...40 de 22SET2017). 3º Nesse seguimento, em 23JAN2018, foi proferido douto despacho com a ref. ...91 designando-se o dia 27FEV2018, às 14h., para abertura das propostas em carta fechada. 4º Contudo, em 02FEV2018 através do douto despacho com a ref. ...26 veio o tribunal a dar sem efeito a data designada para a abertura de propostas em carta fechada. 5º Motivo pelo qual ficou sem efeito a venda. 6º Posteriormente, em 22OUT2021, através do requerimento com a ref. ...93 veio o Senhor Agente de Execução requerer, “novamente”, a V. Exa. que se dignasse designar nova data para a abertura de propostas em carta fechada. 7º Para o efeito e conjuntamente com tal requerimento o Senhor Agente de Execução junta os seguintes documentos: a) Decisão da venda datada de 09OUT2017 com as respostas da exequente (ref. ...80 de 08SET2017) e dos executados DD, DD, EE e FF (ref. ...40 de 22SET2017); b) Notificação do douto Tribunal a Agente de Execução com a ref. …88, de 30JAN2018; c) Douto despacho com a ref. ...91 de 23JAN2018 (que havia designado a data de 27FEV2018, pelas 14h., para a abertura das propostas em carta fechada); d) Douto despacho com a ref. ...26 de 02FEV2018 (que deu sem efeito a venda). 8º Ou seja, a mesma decisão da venda e as mesmas notificações aquando da PRIMEIRA venda. 9º Nessa sequência, em 26OUT2021 foi proferido douto despacho com a ref. ...28, através do qual foi solicitado à secção que verificasse se constavam dos autos: “- auto de penhora do bem objeto da venda; - comprovativos da respetiva notificação às partes; - comprovativos da convocação dos credores preferentes; - comprovativos das notificações às parte para pronúncia sobre o valor e a modalidade da venda; - informação predial atualizada do bem em causa. Caso falte alguns dos elementos, com a exceção do último ponto, notifique o Senhor Agente de Execução para os juntar (…)”. 10º Através da notificação datada de 19NOV2021, com a ref. ...42, foi o Senhor Agente de Execução notificado para cumprir com o douto despacho supra referido com a ref. ...28, datado de 26OUT2021. 11º Em resposta datada de 02DEZ2021, através do requerimento com a ref. ...55, vem o Senhor Agente de Execução, em cumprimento do doutamente determinado, juntar apenas e tão-somente o Auto de Penhora do estabelecimento de farmácia. 12º Após tal resposta por parte do Senhor Agente de Execução, determinou ainda V. Exa., Mmª Juiz, através do despacho com a ref. ...65, que a secção informasse se efetivamente estavam nos autos todos os elementos indicados no despacho que antecedeu. 13º Conforme determinado, foi elaborada, pelo Oficial de Justiça, COTA nos autos, à qual corresponde a ref. ...09 com a data de 16DEZ2021, a qual lavra que: “Em ver data certificada pelo sistema, e em cumprimento do despacho que antecede, verifiquei que se encontram todos os elementos referidos no mesmo com a exceção da informação predial, uma vez que o bem penhora é o estabelecimento comercial e não o imóvel, pelo que serão os autos conclusos após a férias de Natal”. 14º É então que V. Exa., doutamente, mas com base nesta informação errada e que não corresponde à verdade, como supra se demonstrou, em 06JAN2022 profere despacho com a ref. ...13 em que designa para o próximo dia 03FEV2022, às 10h00m, a abertura das propostas em carta fechada da modalidade de venda determinada pelo Senhor Agente de Execução. 15º Porém, a verdade é que, como ressalta à vista, o Senhor Agente de Execução não cumpriu com o doutamente determinado no despacho supra referido com a ref. ...28, datado de 26OUT2021. 16º Isto é, o Senhor Agente de Execução não juntou os comprovativos da respetiva notificação às partes nem juntou os comprovativos das notificações às partes para pronúncia sobre o valor e a modalidade da venda. 17º E não procedeu a tal junção pelo facto de não terem sido realizadas tais notificações. 18º Por outro lado, a “nova” decisão da venda também não foi notificada às partes, mas apenas o douto despacho que designou o dia 03FEV2022 para a abertura das propostas em carta fechada. 19º Ora, assim sendo, lavra o n.º 1 do artigo 812.º do CPC que: “1 – Quando a lei não disponha diversamente, a decisão sobre a venda cabe ao agente de execução, ouvidos o exequente, o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender.” 20º E o n.º 2 que: “2 – A decisão tem como objeto: a) A modalidade da venda, relativamente a todos ou a cada categoria de bens penhorados; b) O valor base dos bens a vender; c) A eventual formação de lotes, com vista à venda em conjunto de bens penhorados.” 21º Ditando o seu n.º 6 que: “6 – A decisão é notificada pelo agente de execução ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender, preferencialmente por meios eletrónicos.” 22º Por conseguinte, pelo que ficou supra demonstrado, o Senhor Agente de Execução não cumpriu com o previsto no artigo 812.º do CPC, n.º 1, n.º 2 e n.º 6, nem com o doutamente determinado no despacho com a ref. ...28. 23º Pelo que, resumindo, as partes não foram notificadas para se pronunciarem quanto à modalidade e valor da venda nem existiu decisão sobre a “nova venda”. 24º Sobre estas questões, apenas a título de exemplo já que é vasta a jurisprudência no mesmo sentido, veja-se o que lavra no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação Lisboa, datado de 19/02/2019, Processo 104/09.4TCSNT-C.L1.7, com o N.º de Documento RL, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/54e222d6b81baa68802583c90032c92a?OpenDocumen t “I – O ato de venda pode ser anulado, nos termos do artigo 195.º do Código de Processo Civil, ou seja,quer por nulidade da própria venda, quer por nulidade de ato anterior de que dependa absolutamente, conforme estatuído no artigo 839.º, n.º 1, c), daquele diploma legal. II – Constituem casos de anulação do ato de venda, entre outros, a falta de audição do exequente, do executado e dos credores com garantia sobre os bens a vender sobre a modalidade e o valor base dos bens, a falta de notificação ao executado do despacho que ordene a venda, a falta de notificação das partes ou de um terceiro interessado para a venda executiva, a omissão de formalidades essenciais no âmbito do processo de venda, tais como a falta de publicidade do bem a ser vendido ou a omissão de alguma formalidade legal nesse ato, como a não observância do prazo mínimo de dez dias de antecedência em relação à data da venda, falta de afixação de edital ou de publicitação do valor base.” 25º Por outro lado e como bem se refere no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 29/09/1993, Processo 078783, com o n.º de documento SJ1993092900070783, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/1FDB6B6F033D1554802575CF003052D7, mutatis mutandis, determina que: “A notificação a que se refere o n.º 2 do artigo 882.º do Código de Processo Civil deve incluir a indicação do dia, hora e local da venda por arrematação em hasta pública e tem de repetir-se caso haja adiamento ou realização de segunda ou terceira praças.” 26º Pelo que, quando não realizada a primeira venda, a segunda, tem que seguir as mesmas regras e proceder-se a nova notificação nos termos do previsto no artigo 812.º do CPC, o que não ocorreu. 27º Por conseguinte, a venda cuja abertura das propostas foi designada para o próximo dia 03FEV2022 está ferida de nulidade por não respeitar o previsto no artigo 812.º do CPC, ex vi do previsto no artigo 195.º do CPC e alínea c) do n.º 1 do artigo 839.º do CPC. Pelo exposto, requer-se a V. Exa. se digne dar sem efeito a data designada para 03FEV2022, pelas 10h00m, para abertura das propostas em carta fechada, em virtude de a decisão da venda não ter cumprido com o previsto no artigo 812.º do CPC estando, por isso, ferida de nulidade, atento o disposto nos artigo 195.º e alínea c) do n.º 1 do artigo 839.º do CPC. P. e E. Deferimento.” B.- Em resposta a este requerimento a exequente/recorrida requereu o seguinte: “(…), S.A., Exequente, nos autos acima identificados, em que são Co-Executados GG E OUTROS, tendo sido notificada Requerimento apresentado pelo Co-Executado CC, a requerer a desmarcação da diligência de venda agendada para o próximo dia 03.02.2022 vem, expor e requerer a V. Exa.. 1. Argumenta o Co-Executado que a diligência de venda agendada para o próximo dia 03.02.2022, deve ser dada sem efeito, porquanto a Decisão da Venda dos bens penhorados nos autos, não terá cumprido com as formalidades previstas no artigo 812.º do CPC, “estando, por isso, ferida de nulidade”. 2. Ora, não podemos estar mais em desacordo com o entendimento defendido pelo Co-Executado, o qual julgamos tratar-se de mais um expediente dilatório do Executado para impedir a concretização da venda dos bens e, por conseguinte, a possibilidade de a Exequente se ver ressarcida (ainda que parcialmente) do seu crédito. 3. Compulsados os autos, facilmente se verifica que não existe qualquer nulidade processual. 4. O Agente de Execução proferiu a sua Decisão de Venda em 2018, uma vez ouvidos o Exequente e o Executado, pelo que a referida Decisão se cristalizou, salvo se que alguma das partes viesse solicitar a alteração da modalidade de venda e/ou do valor base, 5. O que não se verificou! 6. Não resulta nem da Lei nem da jurisprudência que, para cada diligência de venda, seja necessário o Sr. Agente de Execução promover por nova Decisão de Venda. 7. Assim sendo, o Exequente adere aos esclarecimentos prestados pelo Sr. Agente de Execução e juntos por este aos presentes autos no passado dia 27.01.2022 (mediante requerimento com a referência citius n.º ...03). 8. Face ao exposto, e por não se encontrar verificada qualquer nulidade processual, desde já se requer a V. Exa. que se digne a manter a diligência de venda agendada para o próximo dia venda designada para o dia 03/02/2022, às 10 horas, o que se requer.” C.- Após, foi proferido o despacho que é objeto do recurso. D.- No Apenso de Reclamação de Créditos foi proferida sentença em 20-01-2022, tendo a partes sido notificadas em 24-01-2022. E.- O reclamado na Reclamação de Créditos faleceu em .../.../2022, tendo a tramitação do apenso respetivo sido suspensa. F.- O despacho que ordenou a repetição da venda mediante proposta em carta fechada foi proferido em 06-01-2022. *** Conhecendo.1.- A nulidade do despacho por falta de fundamentação. A fundamentação das decisões judicias constitui um eixo fundamental na administração da justiça, sendo mesmo considerado uma das fontes da legitimidade do poder judicial, uma vez que é um poder soberano não eleito (tal como o governo), sendo a outra fonte a obediência à lei produzida pelo poder legislativo e restantes poderes soberanos, mormente a Assembleia da República e o Presidente da República, estes sim, eleitos. Por isso, a nossa lei fundamental (artigo 205.º da CRP) obriga a que as decisões produzidas pelos tribunais sejam devidamente fundamentadas, o que o legislador ordinário acolheu nos artigos 154.º e 607.º do CPC, sendo nulas as decisões que careçam de fundamentação, à exceção dos despachos de mero expediente. Contudo, conforme tem entendido a doutrina e a jurisprudência, a fundamentação das decisões judiciais não pode medir-se pelo seu volume ou extensão, mas sim pelo seu conteúdo substancial, sendo diversa a exigência quando se trata de uma sentença ou um despacho interlocutório; quanto a estes últimos, admite-se a remissão para os fundamentos alegados no requerimento, desde que não tenha havido oposição ou se a questão se revelar de manifesta simplicidade. Para além disso, não sofre igualmente contestação de que só a falta absoluta de fundamentação dá origem à nulidade da decisão e já não a fundamentação exígua. Ora, no caso dos autos, a fundamentação pode classificar-se de parca ou exígua, mas não de falta ou inexistência de fundamentação, na medida em que se descreveu o que foi requerido e a oposição, decidindo-se então a questão com fundamento na consolidação do que havia sido decidido nos autos pelo sr. Agente de Execução em 09-10-2017, sendo, por isso, desnecessária uma nova notificação da decisão que já havia sido notificada aos sujeitos processuais. Neste sentido, cfr. Ac. RP de 19-10-2015, Proc. n.º 1643/15. O que implica a improcedência das conclusões nesta arte. * 2.- A nulidade da venda por proposta em carta fechada, por incumprimento do que dispõe o artigo 812.º do CPC.Este preceito estipula que: 1 - Quando a lei não disponha diversamente, a decisão sobre a venda cabe ao agente de execução, ouvidos o exequente, o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender. 2 - A decisão tem como objeto: a) A modalidade da venda, relativamente a todos ou a cada categoria de bens penhorados; b) O valor base dos bens a vender; c) A eventual formação de lotes, com vista à venda em conjunto de bens penhorados. 3 - O valor de base dos bens imóveis corresponde ao maior dos seguintes valores: a) Valor patrimonial tributário, nos termos de avaliação efetuada há menos de seis anos; b) Valor de mercado. 4 - Em relação aos bens não referidos no número anterior, o agente de execução fixa o seu valor de base de acordo com o valor de mercado. 5 - Nos casos da alínea b) do n.º 3 e do número anterior, o agente de execução pode promover as diligências necessárias à fixação do valor do bem de acordo com o valor de mercado, quando o considere vantajoso ou algum dos interessados o pretenda. 6 - A decisão é notificada pelo agente de execução ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender, preferencialmente por meios eletrónicos. 7 - Se o executado, o exequente ou um credor reclamante discordar da decisão, cabe ao juiz decidir; da decisão deste não há recurso. Compulsados os autos, verificamos que não oferece contestação a designação de venda do bem penhorado (estabelecimento comercial) por proposta em carta fechada, por decisão do sr. agente de execução datada de 09-10-2017 e a realizar por decisão do tribunal em 27-02-2017, tendo sido cumprido o que dispõe o citado artigo 812.º do CPC. Porém, esta venda veio a ser dada sem efeito, por decisão do tribunal proferida em 02-02-2018, em face do objeto da oposição à penhora, entretanto deduzida, no apenso E (oposição que veio ser julgada improcedente por sentença de 09-11-2020, transitada). A questão agora a dilucidar é a de saber se, tendo sido dado cumprimento ao que dispõe o artigo 812.º do CPC e não se tendo realizado a venda judicial por incidente processual que veio a ser julgado improcedente, se os atos praticados para a primeira venda se devem repetir ou se, não se tratando de uma segunda venda, (porque esta não está já prevista pela atual lei processual civil, artigo 822.º/2, do CPC), estamos em presença da continuação da primeira venda, o que implica não deverem repetir-se os atos já praticados, porque a tal obriga a lei processual no seu artigo 130.º. Já se vislumbra qual a solução a adotar. No anterior regime processual previam-se sucessivas vendas por proposta em carta fechada, caso a primeira ficasse deserta, podendo realizar-se até três vendas (cfr. Eurico Lopes-Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª. Ed. 1992, págs. 561-564). Mas a lei processual em vigor não permite tal repetição de atos, o que implica não estarmos em presença de uma segunda venda, mas da continuação da venda mediante proposta em carta fechada que não se chegou a realizar e, acerca da qual, todas as formalidades impostas pelo artigo 812.º do CPC foram cumpridas. Note-se que nenhuma das partes coloca em causa que estamos em presença da venda mediante proposta em carta fechada, o que, a ser assim, implica aceitarem não se tratar de uma segunda venda, mas da continuação da venda inicial. Argumentam os recorrentes que a decisão é nula porque os credores que reclamaram créditos no apenso C não foram notificados, como o impõe o citado preceito legal, porque só reclamaram os créditos após a primeira decisão que designou a data para a venda. Ora, os recorrentes olvidam que a sentença que graduou os créditos apenas foi proferida em 20-01-2022, sendo que o despacho que ordenou o prosseguimento da venda, designando nova data, foi proferido em 01-01-2022, o que sempre inviabilizaria a notificação dos credores porque não se sabia ainda se os seus créditos seriam ou não graduados, em que lugar e com que garantias. Assim sendo, o despacho em crise não nos merece censura, o que implica a sua manutenção e a improcedência do recurso. *** Sumário:(…) *** DECISÃO.Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação improcedente e confirma o despacho recorrido. Custas pelos recorrentes – artigo 527.º do CPC. Notifique. *** Évora, 14-09-2023José Manuel Barata (Relator) Tomé de Carvalho Rui Machado e Moura |