Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
6311/13.8TBSTB-B.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
COLIGAÇÃO ACTIVA
Data do Acordão: 03/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - A coligação subsequente do lado activo da demanda, ocorrida em virtude de incidente de intervenção deduzido por um dos réus, é em tudo semelhante à que poderia ocorrer por via de apensação de acções conexas, nos termos do artigo 267.º, n.º 1, do CPC, caso estivéssemos perante acções separadamente instauradas.
II - Em caso de coligação subsequente, a atribuição à causa do valor correspondente à soma de cada um dos pedidos formulados, por despacho transitado, não impede que na taxa de justiça devida por cada uma das partes, se atenda ao valor individual de cada pedido, e não à sua soma.
III - Consequentemente, pagando a ora Recorrente a taxa de justiça correspondente ao valor do pedido que formulou, não tem que efectuar o pagamento de qualquer complemento à mesma, motivado pelo aumento do valor da causa decorrente da referida coligação subsequente.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 6311/13.8TBSTB-B.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal[1]
*****
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – RELATÓRIO
1. A... – Companhia de Seguros, S.A., instaurou a acção supra identificada contra B... e Fundo de Garantia Automóvel, pedindo a respectiva condenação no pagamento da quantia de 10 775,92€, acrescida de juros de mora à taxa legal, montante correspondente às indemnizações que pagou a M... e J..., respectivamente viúva e filho menor de F..., falecido em acidente simultaneamente de viação e de trabalho, em virtude de a responsabilidade se encontrar transferida para a autora e ora recorrente, mediante contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho, por si celebrado com a sociedade denominada “C... – Sociedade de Construção, Lda...”, de que a falecida vítima era sócio-gerente.

2. Regularmente citado, o R. Fundo de Garantia Automóvel contestou, reconhecendo a responsabilidade do condutor B... e o pagamento dos montantes reclamados pela recorrente, mas discutindo se há lugar ao reembolso, em face da jurisprudência que cita, invocando ainda o limite do capital garantido, nos termos do art.º 6º, n.º 1 do DL 522/5, de 31-12, na redacção que lhe foi conferida pelo art.º 1º do DL 301/2001, bem como adiantamentos por conta feitos a diversas entidades, entre as quais a A., que reduziram o capital disponível para 550 786,77€. Assim, invocando o conhecimento de pretensões indemnizatórias que poderão exceder aquele valor, requereu a intervenção principal de M…, J…, MF… e Centro Hospitalar de Setúbal, Epe.

3. Admitidas as intervenções, foram pelos intervenientes deduzidas as suas pretensões indemnizatórias com fundamento no referido acidente, sendo a M…, J…, e MF…, no montante global de 844 430,00€, e a do Centro Hospitalar de Setúbal de 3 070,84€.

4. Findos os articulados, foi proferido despacho que atendendo ao disposto no artigo 297.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[3], cumulando-se vários pedidos principais na mesma acção, o valor da causa será o correspondente à soma dos valores de todos eles, pelo que foi fixado à causa o valor de 857 892,92€.

5. Por acto processual certificado na aplicação Citius em 25-03-2015, com a ref.ª 78203120, foi a recorrente notificada, na qualidade de autora, para, em 10 dias, efectuar o pagamento da taxa de justiça devida, acrescida de multa de igual montante e juntar aos autos o respectivo comprovativo, com a cominação do desentranhamento da alegação, requerimento ou resposta eventualmente apresentada pela parte em falta.
Esta notificação foi acompanhada do despacho datado de 19-02-2015, no qual se determinava à secção que «atento o valor atribuído à acção, verifique se a liquidação da taxa de justiça se mostra realizada em conformidade; na negativa, cobre complemento».

6. A recorrente apresentou reclamação da notificação feita pela secção, bem como da liquidação da multa, sustentando, em suma, que muito embora o valor da acção tenha sido fixado em 857 892,92€, tal não se deveu a qualquer actividade processual desenvolvida pela autora, cujo pedido se mantém o mesmo, nem tais pedidos foram direccionados contra si, pelo que não está a requerente obrigada a pagar qualquer acréscimo de taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais[4], só assim não sendo se tivesse sido deduzida reconvenção, nos termos do artigo 530.º, n.º 2, do CPC.
Concluiu, pedindo que se desse sem efeito a notificação para pagamento de eventual diferença do montante da taxa de justiça, bem como a liquidação da multa, por uma e outra não serem devidas, por falta de suporte legal.

7. Por despacho proferido em 06-05-2015, tal reclamação foi desatendida, com os seguintes fundamentos: «Por despacho de 03-12-2014, foi fixado à causa o valor de € 857.892,92. Tal despacho não foi objecto de impugnação, pelo que transitou em julgado. As taxas de justiça são pagas por referência ao valor da causa (art.º 11º do RCJ).

8. Não se conformando com o despacho proferido, a autora interpôs o presente recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões[5]:
«(…) 5 - As custas processuais, incluindo as taxas de justiça que delas fazem parte, oneram a parte na medida em que dá causa a uma determinada actividade processual e, subsidiariamente, naquela em que tira proveito da acção, de tal forma que se mantém uma proporcionalidade entre a actividade da parte e a taxa que paga pela prestação do serviço público de justiça, como decorre dos termos conjugados dos Artºs 527º nº 1 e 2 e 529º nºs 1 e 2 do C.P.C. e Artº 6ª R.C.P.; (…)
8 - … sendo o litisconsórcio decorrente apenas da limitação do capital do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, litisconsórcio aparente ou impróprio, uma vez que cada um dos autores / intervenientes deduz uma pretensão própria, embora com uma causa de pedir comum, nem faria sentido que a requerente fosse onerada com taxas de justiça calculadas por um valor a que não deu causa e não corresponde ao seu interesse processual e por cujas custas não poderá ser condenada, sendo a posição da requerente e dos intervenientes análoga à da coligação, caso em que cada autor é responsável pela respectiva taxa de justiça, nos termos do Artº 530 nº 5 C.P.C.
9 - Mas mesmo que assim não seja, o que se admite tão somente por mera hipótese e sem conceder, o aumento do valor da causa por força da intervenção de terceiros apenas produz efeitos quanto aos actos e termos posteriores à reconvenção ou intervenção, nos termos do art.º 299º, n.º 3 do NCPC, ou seja e quando muito, quando houvesse lugar ao pagamento 2º prestação da taxa de justiça, nos termos do art.º 14º, n.º 2 do RCP.
10 - Acresce que a taxa de justiça cujo pagamento se pretende nem sempre seria reembolsável junto da parte vencida, caso fossem os RR, por o seu decaimento em relação á recorrente ser pelo montante do pedido desta e no caso de sucumbência total, também não seria curial exigir-se-lhe que reembolsasse a taxa de justiça da parte vencedora;
11 - Seja como for, não tem fundamento legal a aplicação de qualquer multa à requerente, muito menos pelo disposto no art.º 642º, n.º 1 do NCPC que, pela letra do n.º 2 e inserção sistemática respeita apenas à fase dos recursos, sendo certo que tal disposição, bem como a análoga contida no art.º 570º, n.ºs 1 e 3 apenas comina multa pela falta de junção do documento comprovativo da taxa de justiça e, neste último caso, quando a omissão é do réu, não podendo ser objecto de interpretação extensiva relativamente à insuficiência ou falta de pagamento do acrescido, dada a sua natureza sancionatória.
12 - Ao invés, salvo melhor entendimento, a ser devido o acréscimo da taxa de justiça, no que se não concede, deveria a secretaria, sem multa, conceder o prazo de 10 dias para regularizar a taxa de justiça, por analogia com o disposto no Artº 560º C.P.C. e conforme o entendimento largamente maioritário da jurisprudência. (…)
14 - Ao não proceder em conformidade com o que aqui se preconiza, o tribunal “a quo” violou os invocados preceitos legais».
9. Não foram apresentadas contra-alegações.
10. Observados os vistos, cumpre decidir.
*****
II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[6], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, vistos os autos, as únicas questões que cumpre apreciar no presente recurso são as de saber se a recorrente é ou não responsável pelo pagamento da taxa de justiça na proporção do actual valor da causa, e, em caso afirmativo, se é ou não devida multa pelo seu não pagamento.
*****
III – Fundamentos
III.1. – De facto
A tramitação processual relevante para a presente decisão é a que consta no relatório supra, importando ainda considerar que a recorrente tem o estatuto de grande litigante, nos termos do artigo 13.º, n.º 2, do RCP.
*****
III.2. – O mérito do recurso
Invoca a Recorrente nas respectivas conclusões recursórias que as custas processuais, incluindo as taxas de justiça que delas fazem parte, oneram a parte na medida em que dá causa a uma determinada actividade processual e, subsidiariamente, naquela em que tira proveito da acção, de tal forma que se mantém uma proporcionalidade entre a actividade da parte e a taxa que paga pela prestação do serviço público de justiça; sendo o litisconsórcio decorrente apenas da limitação do capital do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, litisconsórcio aparente ou impróprio, uma vez que cada um dos autores / intervenientes deduz uma pretensão própria, embora com uma causa de pedir comum, nem faria sentido que a requerente fosse onerada com taxas de justiça calculadas por um valor a que não deu causa e não corresponde ao seu interesse processual e por cujas custas não poderá ser condenada, sendo a posição da requerente e dos intervenientes análoga à da coligação, caso em que cada autor é responsável pela respectiva taxa de justiça, nos termos do Artº 530 nº 5 C.P.C.
Entendeu o Senhor Juiz que, tendo sido fixado à causa o valor de 857 892,92€ por despacho transitado em julgado, as taxas de justiça são pagas por referência ao valor da causa, em face do preceituado no artigo 11.º do RCP, pelo que não atendeu a reclamação.
A Recorrente não coloca em causa o valor que foi fixado à causa por despacho transitado, nem evidentemente que a base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, nos termos definidos na primeira parte do artigo 11.º do RCP. Aquilo que a Recorrente pretende é, no fundo, que se atenda à segunda parte desse preceito, ou seja, que sejam aplicadas as regras previstas na lei de processo respectivo.
Para o efeito convoca o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, 528.º, 529.º, n.ºs 1 e 2, e 530.º, n.º 5, todos do CPC, e ainda o artigo 6.º do RCP, de cuja interpretação conjugada decorre, em seu entender, que a ora Recorrente apenas suporta o pagamento da respectiva taxa de justiça.
Vejamos.
Como à guisa de introdução, já salientava o Conselheiro Salvador da Costa aquando da entrada em vigor do referido Regulamento das Custas Processuais «o conceito de custas é agora pensado na tríplice vertente de taxa de justiça, encargos e custas de parte. A taxa de justiça continua a ser a prestação pecuniária que o Estado, em regra, exige aos utentes do serviço judiciário no quadro da função jurisdicional por eles causada ou da qual beneficiem, ou seja, trata-se do valor que os sujeitos processuais devem prestar como contrapartida mínima relativa à prestação daquele serviço»[7].
Conforme salientado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24 de Março de 2011, «este novo regime das custas processuais assenta, por um lado, na transferência das regras de cariz substantivo (regras gerais sobre a responsabilidade pelas custas, i.e., conceito de custas, princípios gerais sobre a matéria, titularidade da responsabilidade por custas) para o Código de Processo Civil e para o Código de Processo Penal, os quais serão aplicáveis subsidiariamente a outros tipos de processos; e, por outro lado, na concentração de todas as regras sobre custas num só diploma - Regulamento das Custas Processuais – o qual contém as regras fundamentais sobre a matéria, designadamente, a quantificação da taxa de justiça, o modo de pagamento das custas ou o processamento da correspectiva conta»[8].
Acresce que, «atendendo ao princípio da proporcionalidade a que toda a actividade pública está sujeita, a taxa de justiça deverá ter tendencial equivalência ao serviço público prestado, concretamente, ao serviço de justiça a cargo dos tribunais, no exercício da função jurisdicional, devendo a mesma corresponder à contrapartida pecuniária de tal exercício»[9].
Assim, uma interpretação conforme à Constituição da legislação ordinária que rege sobre as custas processuais, nelas se incluindo as taxas de justiça, há-de sempre reger-se pelos princípios da igualdade, da causalidade e da proporcionalidade, encontrando-se este na ponderação, por um lado, de qual o valor da acção, e, por outro, de que o custo a suportar pela prestação do serviço público de justiça deve ser proporcional ao serviço prestado[10].
Enformados por estes princípios, vejamos então o que nos diz o legislador ordinário que importe à decisão do caso em apreço.
Dispõe o artigo 529.º, n.º 1, do CPC que «as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte», acrescentando o n.º 2 que «a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais».
Concordantemente, o artigo 6.º, n.º 1, do RCP, estabelece que «a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento».
Assim, estes preceitos encontram-se em harmonia com os sobreditos princípios, porquanto extrai-se dos mesmos que as custas processuais, incluindo as taxas de justiça que delas fazem parte, oneram a parte na medida em que dá causa a uma determinada actividade processual tendo por base a proporcionalidade entre a actividade da parte, no dizer da lei o impulso processual do interessado, e a taxa que paga pela prestação do serviço público de justiça, que é fixada por referência não só ao valor da causa como à respectiva complexidade.
Por seu turno, o princípio da causalidade emerge da regra geral em matéria de custas actualmente estabelecida no artigo 527.º do CPC, cujo n.º 1 refere que, “a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condenará em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito”, entendendo-se por força do respectivo n.º 2 “que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for”.
Mas, o legislador não se basta com estas regras gerais, estabelecendo regras especiais relativas ao litisconsórcio e à coligação, em decorrência do princípio da igualdade, regendo especificamente quanto a estas distintas situações o artigo 528.º do CPC que dispõe:
«1 - Tendo ficado vencidos, na totalidade, vários autores ou vários réus litisconsortes, estes respondem pelas custas em partes iguais.
2 – Nos casos de transacção de algum dos litisconsortes, aqueles que transigirem beneficiam de uma redução de 50% no valor das custas.
3 – Quando o vencimento de algum dos litisconsortes for somente parcial, a responsabilidade por custas toma tal circunstância em consideração, nos termos fixados no Regulamento das Custas Processuais.
4 – Quando haja coligação de autores ou réus, a responsabilidade por custas é determinada individualmente nos termos gerais fixados no n.º 2 do artigo anterior».
Por seu turno, e concretamente quanto ao pagamento da taxa de justiça, também verificamos que o legislador distingue o referido impulso processual do interessado, dispondo o artigo 530.º do CPC que:
1 – A taxa de justiça é paga apenas pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente e recorrido, nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais.
2 – No caso de reconvenção ou intervenção principal, só é devida taxa de justiça suplementar quando o reconvinte deduza um pedido distinto do autor.
3 – Não se considera distinto o pedido, designadamente, quando a parte pretenda conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter ou quando a parte pretenda obter a mera compensação de créditos.
4 – Havendo litisconsórcio, o litisconsorte que figurar como parte primeira na petição inicial, reconvenção ou requerimento deve proceder ao pagamento da totalidade da taxa de justiça, salvaguardando-se o direito de regresso sobre os litisconsortes.
5 – Nos casos de coligação, cada autor, reconvinte, exequente ou requerente é responsável pelo pagamento da respectiva taxa de justiça, sendo o valor desta o fixado nos termos do Regulamento das Custas Processuais»(…).
Também no artigo 13.º, n.º 6, do RCP, verificamos que o legislador trata diversamente os responsáveis passivos nos casos de coligação, sendo a taxa de justiça fixada nos termos da tabela I-B.
Assim, da conjugação destes normativos é importante reter que «de acordo com as novas tabelas, o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da acção, não sendo este apenas o elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial»[11], por outras palavras, o legislador introduziu um «sistema misto, assente, por um lado, no valor da causa até determinado limite, e, por outro, na sua correcção em casos de processos especialmente complexos»[12].
No caso vertente, cabe ainda atentar nos preceitos legais que regem a matéria do litisconsórcio e da coligação, actualmente vertidos respectivamente nos artigos 35.º e 36.º do CPC.
Assim, quanto ao litisconsórcio e a acção, diz-nos o referido preceito legal que: «no caso de litisconsórcio necessário, há uma única acção com pluralidade de sujeitos; no litisconsórcio voluntário, há uma simples acumulação de acções, conservando cada litigante uma posição de independência em relação aos seus compartes»; e quanto à coligação de autores e de réus, estatui o n.º 1 do indicado artigo que «é permitida a coligação de autores contra um ou vários réus e é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência».
Ensinam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora que no litisconsórcio, há uma pluralidade de partes, mas unicidade da relação material controvertida; na coligação, à pluralidade das partes corresponde a pluralidade de relações materiais litigadas, sendo a cumulação permitida em virtude da unicidade da fonte dessas relações, da dependência entre os pedidos ou da conexão substancial entre os fundamentos destes[13].
Por seu turno, nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa, a coligação pressupõe uma pluralidade de partes principais e uma pluralidade de pedidos que são formulados diferentemente por cada um dos autores ou contra cada um dos réus.
Tendo presentes estes ensinamentos, e revertendo ao caso dos autos não podemos deixar de concordar com a Recorrente quando refere que a sua posição e a dos intervenientes é análoga à da coligação, inicial, entenda-se. Expliquemo-nos:
A presente acção foi instaurada pela ora Recorrente contra os RR B... e Fundo de Garantia Automóvel, para destes haver a quantia de 10 775,92€, que pagou aos sucessores de F…, falecido no acidente de viação dos autos, enquanto beneficiários e no âmbito de um contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado entre a seguradora recorrente e o falecido.
Por isso, de harmonia, aliás, com o preceituado nos artigos 296.º, 297.º e 299.º do CPC, pretendendo obter uma quantia certa em dinheiro, a autora atribuiu à causa o valor correspondente à quantia peticionada no momento em que a acção foi proposta, pagando a 1.ª prestação da taxa de justiça por referência ao valor devido pelo respectivo impulso processual. De facto, «o que a lei pretende significar é que o interessado deve pagar a taxa de justiça devida no momento em que desencadeia a respectiva actividade processual»[14].
Acontece que, por força da admitida intervenção de terceiros, que ocorreu a requerimento do Réu Fundo de Garantia Automóvel, vieram M…, por si e em representação de seus filhos menores, e o Centro Hospitalar de Setúbal, deduzir as suas pretensões indemnizatórias contra aquele Réu, sendo que por via da dedução de tais pedidos, o valor da acção foi fixado em 857 892,92€, de acordo com o estabelecido nos artigos 297.º, n.º 2 e 299.º, n.º 2, do CPC.
Portanto, ainda que se concordasse com o despacho recorrido - e não concordamos, pelas razões que expenderemos -, em face do disposto no n.º 3 do referido artigo 299.º do CPC, o aumento do valor da causa ocorrido na sequência da intervenção, só produziria efeitos quanto aos actos e termos posteriores à mesma, ou seja, no caso vertente, quando houvesse lugar ao pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça, nos termos do artigo 14.º, n.º 2, do RCP.
Prosseguindo, então.
Dos autos decorre cristalinamente que o referido aumento do valor processual da causa não se deveu a qualquer actividade processual desenvolvida pela ora recorrente A... , cujo pedido se mantém exactamente o mesmo que havia formulado na petição inicial, relevando ainda salientar que tais pedidos não foram direccionados contra a autora por via de reconvenção em que tenha sido deduzido um pedido distinto, nos termos do artigo 530.º, n.º 2, do CPC, nem por qualquer forma a posição processual da mesma será atingida pela dedução dos pedidos formulados pelos intervenientes.
Efectivamente, a única conexão existente no caso que nos ocupa é o facto de todos os pedidos formulados terem a sua origem, ou causa de pedir, no mesmo evento da vida real: o acidente de viação que vitimou o segurado da ora Recorrente mediante contrato de seguro do ramo “acidentes de trabalho”. Porém, quer a autora quer cada um dos intervenientes pretendem fazer valer em juízo uma pretensão distinta e diferenciada relativamente à qual, apenas cada um deles e pela respectiva qualidade, tem legitimidade activa.
Assim, o ensinamento de Alberto dos Reis mantém plena actualidade no caso que nos ocupa. De facto, na situação vertente, apesar de a autora e os identificados intervenientes se encontrarem do lado activo da demanda não estão nessa posição «(..) para fazerem valer a mesma pretensão ou para formularem um pedido único, mas para fazerem valer, cada um deles, uma pretensão distinta e diferenciada», ocorrendo consequentemente uma «multiplicidade de pedidos e colectividade de litigantes»[15]. Aproveitamos ainda as palavras do mesmo Ilustre Autor quando afirmou que «a coligação traduz-se praticamente na acumulação de acções conexas»[16], para nos reportarmos à razão pela qual afirmámos que concordávamos com a Recorrente quando refere que estamos perante um caso análogo à coligação.
Conforme ressalta do disposto nos artigos 36.º, n.º 1 e 37.º, n.ºs 1 e 4, do CPC, a coligação de autores talqualmente se mostra definida na lei é uma faculdade que estes podem usar no momento em que instauram a acção – daí termos referido, análoga à coligação inicial -, só sendo permitida quando se mostrem verificados os requisitos legais e, mesmo quando estes se encontrem preenchidos, pode o tribunal entender que há inconveniente grave em que as causas sejam discutidas e julgadas conjuntamente.
Pretende-se assim reforçar a referida ideia de que estamos perante interesses individuais e, portanto, cindíveis. Daí a termos ilustrado com a citada frase do Ilustre Autor que salienta a similitude entre a coligação e a situação das acções conexas, isto porque, no caso vertente não estamos perante uma coligação inicial dos sujeitos processuais que se encontram nesta fase do processo do lado activo da demanda, mas sim de uma coligação subsequente ou sucessiva. Por isso que, esta coligação subsequente é em tudo semelhante à que poderia ocorrer por via de apensação de acções conexas, nos termos do artigo 267.º, n.º 1, do CPC, caso estivéssemos perante acções separadamente instauradas pela ora Recorrente, pelos herdeiros da falecida vítima, e pelo Centro Hospitalar, e cuja apensação fosse determinada.
Ora, nessa situação dúvidas não existiriam de que, tendo cada um dos autores efectuado o pagamento da taxa de justiça devida no momento oportuno, caso fosse determinada a apensação de cada uma das acções, aqueles não seriam notificados para procederem ao pagamento de qualquer taxa de justiça complementar, isto porquanto, «apesar da unificação da tramitação, as acções mantêm a sua autonomia para os demais efeitos, designadamente no que tange à determinação em cada uma do seu valor, a fixar no momento oportuno»[17].
Caso paralelo ao presente podemos encontrar na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que sucessivamente tem vindo a afirmar que «traduzindo-se a coligação voluntária ativa na cumulação de várias ações conexas, que não perdem a respetiva individualidade, para aferição dos requisitos de recorribilidade, há que atender ao valor de cada um dos pedidos e não à sua soma»[18].
Aplicando-se as sobreditas considerações ao caso presente, atentos os indicados princípios e preceitos legais, urge concluir que, a actividade processual desencadeada pela ora Recorrente, corresponde apenas ao valor do respectivo pedido, sendo absolutamente desproporcional que seja obrigada a pagar qualquer acréscimo de taxa de justiça, pela actividade processual desencadeada pelos intervenientes no processo, porquanto não só tal actividade não corresponde ao respectivo impulso processual, como contra si não foi deduzido pedido reconvencional. Consequentemente, pagando a ora Recorrente a taxa de justiça correspondente ao valor do pedido que formulou, não tem que efectuar o pagamento de qualquer complemento à mesma, motivado pelo aumento do valor da causa decorrente da referida coligação subsequente.
Tudo para dizer que, em caso de coligação subsequente, a atribuição à causa do valor correspondente à soma de cada um dos pedidos formulados, por despacho transitado, não impede que na taxa de justiça devida por cada uma das partes, se atenda ao valor individual de cada pedido, e não à sua soma.
Nestes termos, procede a pretensão da Recorrente quanto à revogação do despacho recorrido, por não ser a mesma responsável pelo pagamento da taxa de justiça na proporção do actual valor da causa, não sendo consequentemente também devido o pagamento da correspondente multa.
*****
III.3. Síntese conclusiva:
I - A coligação subsequente do lado activo da demanda, ocorrida em virtude de incidente de intervenção deduzido por um dos réus, é em tudo semelhante à que poderia ocorrer por via de apensação de acções conexas, nos termos do artigo 267.º, n.º 1, do CPC, caso estivéssemos perante acções separadamente instauradas.
II - Em caso de coligação subsequente, a atribuição à causa do valor correspondente à soma de cada um dos pedidos formulados, por despacho transitado, não impede que na taxa de justiça devida por cada uma das partes, se atenda ao valor individual de cada pedido, e não à sua soma.
III - Consequentemente, pagando a ora Recorrente a taxa de justiça correspondente ao valor do pedido que formulou, não tem que efectuar o pagamento de qualquer complemento à mesma, motivado pelo aumento do valor da causa decorrente da referida coligação subsequente.
*****
IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar procedente o presente recurso de apelação, revogando o despacho recorrido, por não ser a Recorrente responsável pelo pagamento da taxa de justiça na proporção do actual valor da causa, não sendo consequentemente também devido o pagamento da correspondente multa.
Sem custas por a elas não ter dado causa a Recorrente.
*****
Évora, 9 de Março de 2017
Albertina Pedroso [19]
Tomé Ramião
Francisco Xavier
__________________________________________________
[1] Instância Central, Secção Cível, Juiz 4.
[2] Relatora: Albertina Pedroso;
1.º Adjunto: Tomé Ramião;
2.º Adjunto: Francisco Xavier.
[3] Doravante abreviadamente designado CPC, na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.
[4] Doravante abreviadamente designado RCP, aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais e procedeu à revogação do Código das Custas Judiciais, rectificado através da Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril de 2008, considerando-se apenas as alterações introduzidas até à data relevante, in casu, as efectuadas pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro.
[5] Restringem-se as mesmas à parte que não consta dos antecedentes pontos do relatório, não se reproduzindo também as que citam jurisprudência.
[6] Doravante abreviadamente designado CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
[7] Cfr. Regulamento das Custas Processuais, 5.ª edição, Almedina 2010, págs. 6 e 7.
[8] Processo n.º 891/09.0TBLNH.L1-2, disponível em www.dgsi.pt.
[9] Cfr., por todos, o recente Acórdão do STJ de 22-11-2016, Revista n.º 200/14.6T8LRA-A.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 421/2013, de 15-07-2013, Diário da República, 2.ª série, N.º 200, de 16 de Outubro de 2013, págs. 31096 a 31098.
[11] Cfr. citado Acórdão do TRL, e Ac. TRL de 21-04-2015, proferido no processo n.º 2339/05.0TCSNT.L1-7, também disponível em www.dgsi.pt.
[12] Cfr. Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, 2.ª edição, Almedina, 2010, pág. 188.
[13] Cfr. in Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora 1985, pág. 161.
[14] Cfr. Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, 2.ª edição, Almedina, 2010, pág. 188.
[15] In Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, Coimbra Editora, 1946, pág. 146.
[16] In Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, 1982, pág. 99.
[17] Cfr. o recente Acórdão deste TRE de 30-11-2016, proferido no processo n.º 620/06.0TBABF.E1, disponível em www.dgsi.pt.
[18] Cfr. a título exemplificativo o Ac. STJ de 01-09-2016, processo n.º 2653/13.0TTLSB.L1.S1, no sentido já anteriormente expresso no Ac. STJ de 18-12-2012, processo n.º 352/07.1TBALQ.L1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.
[19] Texto elaborado e revisto pela Relatora.