Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
5420/21.4T8STB-L.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: RECTIFICAÇÃO DE ERROS MATERIAIS
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
APENSAÇÃO DE PROCESSOS
VALOR DA CAUSA
Data do Acordão: 04/17/2023
Votação: DECISÃO SINGULAR
Texto Integral: S
Sumário:
1 - A rectificação de erros materiais, oficiosa ou a requerimento de uma das partes, não tem qualquer reflexo sobre o decurso do prazo de interposição de recurso, que não se suspende.
2 - A rectificação apenas incide sobre elementos complementares à decisão, e não sobre a sua substância.
3 - A apensação de processos destina-se a proporcionar a economia de actividade processual e a uniformidade de julgamento, não perdendo, porém, cada uma das acções a respectiva autonomia.
4 - Logo, o seu valor processual não é o que resulta da soma dos valores das acções apensadas, mas sim o valor próprio de cada uma dessas acções.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Não admissão do recurso interposto do despacho que fixou o valor da causa em que é trabalhador despedido AA:
Para a decisão desta questão, importa atentar no seguinte iter processual:
· Vários trabalhadores, entre eles AA, propuseram, em separado, acções de impugnação de decisões de despedimento, com fundamento disciplinar, decididas pela empregadora NAVIGATOR PULP SETÚBAL, S.A.;
· Foi proferido despacho determinando que todas as acções fossem apensadas ao processo n.º 5420/21.4T8STB, com a consequente tramitação conjunta;
· O trabalhador AA interpôs recurso do despacho saneador na parte que julgou improcedente a excepção peremptória de nulidade da nota de culpa;
· Este recurso foi admitido como apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo;
· Por despacho de 05.09.2022, o Relator solicitou à primeira instância que, de acordo com o art. 98.º-P n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, proferisse despacho de fixação do valor de cada uma das causas em que eram parte os trabalhadores Recorrentes;
· Por despacho de 08.09.2022, a primeira instância fixou à causa em que era trabalhador despedido AA, o valor de € 9.469,34;
· Este despacho foi notificado aos Ilustres Mandatários por comunicações electrónicas expedidas via Citius no próprio dia 08.09.2022;
· Por requerimento de 21.09.2022, a Ré NAVIGATOR PULP SETÚBAL, S.A., requereu a rectificação do despacho, argumentando que o valor da causa deveria ter sido fixado de acordo com outros critérios jurídicos;
· Por despacho de 09.10.2022, foi o aludido requerimento indeferido, mantendo-se o valor da causa respeitante ao trabalhador AA em € 9.469,34;
· Também por despacho de 09.10.2022, foram fixados os valores das causas em que eram parte outros dois trabalhadores despedidos (BB e CC), que igualmente haviam interposto recurso do despacho saneador na parte que julgou improcedentes excepções que haviam arguido;
· Este despacho foi notificado aos Ilustres Mandatários por comunicações electrónicas expedidas via Citius no dia 10.10.2022;
· Por requerimento de 31.10.2022, a Ré NAVIGATOR PULP SETÚBAL, S.A., interpôs recurso do despacho que fixou o valor das acções apensadas, pedindo a final a alteração dos valores das causas de cada um dos trabalhadores AA, BB e CC.
Aplicando o Direito.
Consta do preâmbulo do DL 303/2007, de 24 de Agosto, que procedeu à revisão do regime de recursos e de conflitos em processo civil, que entre os seus objectivos estava: “iv) a concentração em momentos processuais únicos dos actos processuais de interposição de recurso e apresentação de alegações e dos despachos de admissão e expedição do recurso e, ainda, v) a revisão operada no regime de arguição dos vícios e da reforma da sentença, ao estabelecer-se que, cabendo recurso da decisão, o requerimento de rectificação, esclarecimento ou reforma é sempre feito na respectiva alegação.”
Deste modo, entre outras alterações, passou a prever-se que, em caso de recurso, a rectificação de erros materiais podia ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à rectificação. E este é o regime que transitou para o actual art. 614.º n.º 2 do Código de Processo Civil.
Consequentemente, a rectificação de erros materiais, oficiosa ou a requerimento de uma das partes, não tem qualquer reflexo sobre o decurso do prazo de interposição de recurso, que não se suspende.
Assim se decidiu no Acórdão da Relação do Porto de 30.11.2015 (Proc. 855/08.0TTVFR.P1), no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.10.2017 (Proc. 40/11.4TTSTR.L2-A.S1), no Acórdão da Relação de Guimarães de 04.04.2019 (Proc. 2030/17.4T8VRL.G1) e no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.11.2020 (Proc. 6854/18.7T8PRT-F.P1.S1), todos publicados em www.dgsi.pt.
Por outro lado, o Tribunal Constitucional já decidiu: “Não julgar inconstitucional a norma segundo a qual «o prazo de interposição de recurso de apelação pelo réu não se interrompe ou suspende por força do pedido de rectificação de erro de cálculo constante da sentença recorrida formulado por um dos autores, contando-se a partir da data da notificação de tal decisão judicial e não a partir da data da proferição do despacho que posteriormente se pronuncie sobre a pretendida rectificação», decorrente dos artigos 613.º, 614.º e 638.º do NCPC” – Acórdão n.º 413/2015, de 29.09.2015.
Haverá a notar, por outro lado, que a rectificação incide apenas sobre erros materiais, como a omissão do nome das partes ou da decisão sobre custas ou de algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, “ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto” – art. 614.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
Ou seja, a rectificação incide sobre “elementos complementares à decisão, que não incidem na sua substância e é isso que justifica que possam ser rectificados nestes termos” – cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.10.2017, supra citado.
Notoriamente, o requerimento da Ré de 21.09.2022 não incidia sobre tais aspectos complementares da decisão, mas revelava uma discordância sobre os critérios jurídicos que foram utilizados na decisão de fixação do valor da causa, que podia e devia invocar em sede de recurso, como apenas veio a fazer no requerimento de recurso que apresentou em 31.10.2022.
Note-se, ainda, que a apensação de processos destina-se a proporcionar a economia de actividade processual e a uniformidade de julgamento, não perdendo, porém, cada uma das acções a respectiva autonomia.
Logo, o seu valor processual não é o que resulta da soma dos valores das acções apensadas, mas sim o valor próprio de cada uma dessas acções.[1] De tal modo que, mesmo em caso de recurso, cada uma das partes vencidas poderá interpor recurso individualmente (poderá até suceder que, entre os autores, ou entre os réus, cada um deles manifeste posições díspares em relação às suas co-partes quanto à interposição de recurso), e a sua admissibilidade será apreciada com referência a cada acção e ao seu valor individual, e não com referência ao valor total das acções apensadas.[2]
Mantendo cada uma das causas apensadas a sua autonomia, a Ré podia, e devia, ter interposto recurso individual do despacho de 08.09.2022 que fixou o valor da causa em que é trabalhador despedido AA, tanto mais que o incidente de verificação do valor da causa é um “incidente processado autonomamente”, para os fins do art. 79.º-A n.º 1 al. a) do Código de Processo do Trabalho e do art. 644.º n.º 1 al. a) do Código de Processo Civil – neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2016, pág. 168, e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.07.2022 (Proc. 4332/21.6T8CBR-B.C1.S1), também em www.dgsi.pt.
Deste modo, tendo a Ré apenas em 31.10.2022 interposto recurso do despacho de 08.09.2022 que fixou o valor da causa em que era parte o trabalhador despedido AA, fê-lo muito para além do prazo de 30 dias prescrito no art. 80.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, motivo pelo qual é extemporâneo.
Decido, pois, não admitir o recurso na parte que respeita ao despacho que fixou em € 9.469,34 o valor da causa em que é trabalhador despedido AA.
Custas deste recurso pela Ré.
Notifique.
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Recurso do despacho que fixou os valores das causas em que são partes os trabalhadores despedidos BB e CC:
Quanto a estes trabalhadores, o recurso é tempestivo e foi admitido na forma e efeito adequados.
Estão dispensados os vistos.
Inscreva em tabela, para o próximo dia 20 de Abril.

Évora, 17 de Abril de 2023
a) Mário Branco Coelho

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[1] Acórdão da Relação de Coimbra de 27.02.2007 (Proc. 819/05.6TBOHP.C1), disponível em www.dgsi.pt.
[2] Neste sentido, os Acórdãos da Relação de Guimarães de 07.12.2016 (Proc. 171/13.6TBTMC.G1), e do Supremo Tribunal de Justiça de 13.11.2002 (Proc. 02S2772) e de 05.05.2015 (Proc. 1805/08.0TBVIG.P1-A.S1), igualmente em www.dgsi.pt.