Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2749/15.4T9FAR.E2
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: ÃMBITO DA SENTENÇA
PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE DA AUDIÊNCIA
NULIDADE INSANÁVEL
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSOS PENAIS
Decisão: PROVIDOS
Sumário:
I – Revogada em sede de recurso a sentença recorrida para que fosse proferida nova sentença que conhecesse do pedido cível formulado pelo demandante, mantendo a matéria criminal assente, não pode o julgador omitir na nova sentença toda a parte criminal e restringir o seu conhecimento à parte cível.

II - Seja em que circunstância for, não pode ser subtraída à publicidade da audiência a leitura da sentença.

III - Ao proceder à elaboração da sentença revidenda por escrito, com subsequente notificação da mesma aos sujeitos processuais e sem leitura pública de tal sentença, o tribunal a quo cometeu uma nulidade insanável.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO.

Nos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) nº 2749/15.4T9FAR, do Juízo Local Criminal de Faro (Juiz 3), o Ministério Público e o arguido MM recorrem da sentença proferida nesses autos (sentença datada de 20-02-2019).

Em tal sentença foi decidido:

“Face ao exposto, julgo o pedido de indemnização civil formulado nos autos totalmente procedente, por provado nos termos expostos e, em consequência, condeno os arguidos/demandados no pagamento ao Instituto de Segurança Social, I.P., da quantia de € 37.152,16 (trinta e sete mil cento e cinquenta e dois euros e dezasseis cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados nos termos supra expostos, contabilizando-se os vencidos até setembro de 2016 em € 4.795,79 (quatro mil setecentos e noventa e cinco euros e setenta e nove cêntimos).

Fixo ao enxerto cível o valor de € 41.947,85 (quarenta e um mil novecentos e quarenta e sete euros e oitenta e cinco cêntimos).

Custas referentes ao pedido de indemnização civil a suportar pelos arguidos/demandados.
Deposite e notifique”.
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O arguido MM extrai da motivação do recurso as seguintes conclusões (em transcrição):

“I - Ocorre inconstitucionalidade do artigo 373º, nº 2, do CPP, quando interpretado no sentido de que pode a Mmª Juiz, ao invés de fixar data para a leitura da sentença e de proceder à mesma publicamente, substituir tal formalidade pelo simples envio da decisão escrita aos mandatários.

II - Ocorre nulidade da decisão recorrida, uma vez que a sentença não foi lida publicamente ao arguido, em violação do nº 2 do artigo 373º do CPP.

III - Mesmo que ocorresse apenas irregularidade, desde já se deixa expressamente invocada tal irregularidade, nos termos do artigo 123º, nº 1, do CPP, devendo a mesma ser declarada, com a consequente invalidade do ato a que se refere, no caso a prolação da sentença sem leitura pública, e, bem assim, de todos os seus termos subsequentes.

IV - Porém, existe nulidade. As normas quanto à leitura da sentença têm que ver com aspetos fundamentais da aplicação da justiça, que, sendo feita para a comunidade, esta deve conhecer o resultado da aplicação dela, devendo este resultado ser sempre tornado público. O que decorre do artigo 202º da Constituição da República Portuguesa.

V - E ainda das normas dos artigos 372º, nº 3, e 373º, nº 2, do CPP, de onde decorre que há nulidade, declarada por lei, sempre que, mesmo que fosse em súmula, não seja feita publicamente pelo menos a leitura da fundamentação e do dispositivo.

VI - Ora, no caso vertente, o Tribunal achou dispensável a leitura, substituindo-a por mera notificação escrita aos defensores dos arguidos, o que contende frontalmente com formalidades essenciais da aplicação da justiça, notadamente com o carácter público da revelação do seu resultado, imposto quer pelas normas constitucionais, quer ainda pelo direito ordinário previsto no CPP.

VII - Deixa-se assim invocada e arguida para todos os legais efeitos a referida nulidade, decorrente da falta de leitura da decisão ora notificada ao arguido através dos seus mandatários, devendo a mesma ser declarada neste recurso, e invalidados, por esse motivo, quer a própria notificação, por falta de leitura, quer todos os atos subsequentes que dela dependerem.

VIII - Tudo o que se alega nos termos dos artigos 120º e 122º do CPP.

IX - Ocorre também inconstitucionalidade do artigo 373º, nº 2, do CPP, quando interpretado no sentido de que pode a Mmª Juiz, ao invés de fixar data para a leitura da sentença e de proceder à mesma publicamente, substituir tal formalidade pelo simples envio da decisão escrita aos mandatários.

X - Sempre o Tribunal tinha obrigação de marcar data para a leitura da sentença, não só para o público, mas também para o próprio arguido, que esteve nas anteriores sessões de julgamento e que tem o direito de estar presente, na data que for fixada, para ouvir essa leitura e as explicações e/ou exórdios ou exortações que o Tribunal entenda dever fazer-lhe.

XI - Se tivesse sido marcada essa data e, notificado dela, o arguido tivesse faltado, aí sim, poderia o Tribunal sem reparo fazer a notificação apenas na pessoa do seu defensor, não ocorrendo aí qualquer inconstitucionalidade. Aliás, quanto a esta hipótese já se pronunciou o Tribunal Constitucional, em Acórdão publicado no DR, II Série de 11-11-2008.

XII - Ora, o caso presentemente em recurso é diametralmente oposto àquele que refere o TC no seu Acórdão: no caso presente, nem sequer o Tribunal “a quo” marcou qualquer data para leitura de sentença a que o arguido devesse estar presente. O que significa que mesmo querendo ele estar presente, não teve o arguido sequer essa hipótese.

XIII - Pelo que, a contrario e tendo como referência o douto Acórdão do TC, se concluiu que existe inconstitucionalidade do artigo 373º, nº 2, do CPP, quando interpretado no sentido de que pode a Mmª Juiz, ao invés de fixar data para a leitura da sentença e de proceder à mesma publicamente, substituir tal formalidade pelo simples envio da decisão escrita aos mandatários. Inconstitucionalidade que se deixa aqui invocada para todos os legais efeitos, devendo a mesma ser declarada.

Termos em que deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, devem declarar-se a nulidade e inconstitucionalidade invocadas, com as suas legais consequências, ou, caso assim se não entenda, deve declarar-se a irregularidade invocada; devendo revogar-se a douta decisão recorrida e determinar-se que seja marcada pela Mmª Juiz a quo uma data para a leitura da sentença a prolatar, a qual deverá ser lida publicamente nessa data. Assim se fazendo JUSTIÇA”.
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O Exmº Magistrado do Ministério Público, no seu recurso, apresentou as seguintes (transcritas) conclusões:

“1 - Nos presentes autos, por Douta Sentença proferida em 04.04.2017, foi julgada a acusação totalmente procedente por provada e, em consequência:

a) Condenado o arguido MM, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, previsto e punido nos termos dos artigos 107º, 105º, nºs 1, 4 e 7 do RGIT, em conjugação com o artigo 30º, nº 2, e 79º, nº 1, do Código Penal, na pena de 12 (doze) meses de prisão;

b) Substituída a pena de prisão por 72 (setenta e dois) períodos de prisão em Estabelecimento Prisional, com duração individual de 48 (quarenta e oito) horas, períodos esses que deverão ter início às 20 (vinte) horas de Sexta-feira e termo às 20 (vinte) horas de Domingo, a começar na primeira Sexta-feira decorridos que sejam 30 (trinta) dias após o trânsito da sentença;

c) Condenada a arguida S…, Ldª., pela prática de um crime de abuso de confiança à segurança social, na forma continuada, previsto e punido nos termos dos artigos 107º, 105º, nºs 1, 4 e 7, conjugado com o artigo 7º, nºs 1 e 3, todos do RGIT, e com os artigos 11º, 30º, nº 2, e 79º, nº 1, do Código Penal, na pena de multa correspondente a 300 (trezentos) dias, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros);

2 - No que respeita ao pedido de indemnização civil formulada pelo Instituto de Segurança Social, IP, ao abrigo do disposto no artigo 277º, al. e), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal, foi declarada extinta a instância cível, por inutilidade superveniente da lide.

3 - O arguido MM e o ISS, IP, vieram interpor recurso da Douta Sentença proferida em 04.04.2017, tendo o Venerando Tribunal da Relação de Évora proferido Acórdão em 20.02.2018 que negou provimento ao arguido e concedeu provimento ao recurso interposto pelo ISS, IP, determinado que, em face dos factos sedimentados, fosse apreciado o pedido de indemnização civil formulado.

4 - Após a devolução dos autos à primeira instância, pela Mmª Juiz foi proferido despacho a dispensar a realização de audiência para Leitura de Sentença e proferiu de imediato Sentença tendo por objeto apenas aquele enxerto cível.

5 - Para tanto, o Tribunal a quo proferiu um despacho prévio a justificar os motivos da não designação da data para Leitura da Sentença e que tal apenas configurava uma mera irregularidade.

6 - Ora, contrariamente ao pugnado pela Mmª Juiz, entendemos que a preterição da leitura formal da Sentença configura uma nulidade insanável, por violação da regra da publicidade do processo, e não uma mera irregularidade.

7 - Na verdade, se não é legalmente admissível a realização da leitura mediante participação pelo Mmº Juiz através de videoconferência (conforme Douto Acórdão proferido em 04.12.2018, no Venerando Tribunal da Relação de Évora, no processo 236/17.5T9STC-A.E1, relator João Amaro, disponível em dgsi.pt), por maioria de razão não é admissível a total preterição desse ato.

8 - Sendo a leitura da sentença parte integrante da audiência de julgamento, verifica-se que o despacho prévio proferido em 20.02.2019 padece de nulidade insanável, em virtude de ter prescindido da publicidade da audiência de julgamento.

9 - A leitura formal e pública da sentença deve ocorrer mesmo nos casos em que haja anulação parcial de Sentença para decisão de matéria apenas de natureza civil e mesmo que não exista necessidade de produção de prova ou de alegações.

10 - Desta forma, violou o Tribunal a quo o disposto no artigo 206º da CRP e o disposto nos artigos 86º, nº 1, 87º, nºs 1 e 5, 372º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Penal. Tais violações configuram nulidade insanável, de acordo com o definido nos artigos 321º, nº 1, e 119º, nº 1, al. a), do Código de Processo Penal, que se argui para todos os efeitos legais.

11 - Para além disso, a Mmª Juiz devia ter proferido uma sentença completa e integral, respeitando o dispositivo do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal Superior, contendo toda a matéria criminal (já estabilizada) e a matéria de natureza cível.

12 - Tal não foi o entendimento do Tribunal a quo, que proferiu decisão apenas quanto à matéria de natureza civil, ficando a decisão dividida em duas sentenças parciais. A referida omissão determina a nulidade da sentença, nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea c), do CPP, que se argui para todos os efeitos legais.

13 - Acresce que, ao ser proferida Sentença sem referências à matéria de natureza criminal, não foi cumprido o determinado naquele Acórdão proferido por Tribunal Superior, pois a Sentença recorrida deve ser substituída por outra, mas mantendo a matéria criminal assente nesta última.

14 - Sendo proferida uma sentença em separado sobre a matéria de natureza cível, verifica-se que o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 379º, nº 1, e 374º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal, por não analisar toda a matéria objeto de Julgamento e, na prática, não acompanhar o caso julgado formal operado pelos fundamentos desse anterior Acórdão.

15 - Pelos fundamentos expostos, recorre o Ministério Público da Douta Decisão proferida em 20.02.2019, na parte da questão prévia e na parte em que foi proferida Sentença.

16 - Pelo exposto, deverá ser proferido Douto Acórdão que revogue a Decisão proferida em 20.02.2019 e respetiva Sentença recorrida, determinando que seja designada data para Leitura da Sentença e que seja proferida uma única Sentença que englobe a matéria criminal e cível, ainda que respeitando o doutamente decidido nestes autos pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 20.02.2018.

Contudo, Vªs. Exªs. decidirão conforme for de LEI e JUSTIÇA”.
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A arguida “S…, Ld.ª”, apresentou resposta aos recursos, entendendo que deve ser concedido provimento aos mesmos (quer ao recurso interposto pelo arguido MM, quer ao recurso interposto pelo Ministério Público), e, em consequência, deve revogar-se a sentença recorrida e determinar-se que seja designada data para leitura da sentença, e, além disso, ordenar-se que seja proferida uma única e nova sentença (que englobe a matéria criminal e a matéria cível do processo).

O Ministério Público junto do tribunal de primeira instância respondeu também ao recurso do arguido MM, entendendo, em suma, que o mesmo merece provimento.
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Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, em douto parecer, entende que deve ser decidido no sentido proposto pelo Ministério Público junto da primeira instância.

Cumprido o disposto no nº 2 do artigo 417º do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

Foram colhidos os vistos legais e foi realizada a conferência.

II - FUNDAMENTAÇÃO.

1 - Delimitação do objeto dos recursos.
Duas questões são suscitadas nos presentes recursos, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, as quais delimitam o objeto dos recursos e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal:

1ª - Saber se a sentença em causa poderia ter sido apenas notificada (por escrito) aos sujeitos processuais, não tendo o tribunal a quo procedido à leitura pública da mesma.

2ª - Saber se a sentença em questão poderia ter sido restringida apenas à parte cível do processo (omitindo decisão na parte criminal).

2 - A sentença recorrida.

A sentença revidenda é do seguinte teor (integral):

Questão prévia
Sem prejuízo da veracidade da informação constante da referência nº 112153677, consigno que, apenas no dia de hoje, tive acesso ao teor do acórdão do Tribunal da Relação de Évora (o qual em momento algum me foi dado a conhecer) sendo certo que da sua consulta se constata, desde logo, que não é necessária a designação de data para a continuação da audiência de julgamento, mas apenas para leitura de sentença.

No mais, acresce salientar que a signatária se encontrou incapacitada para o trabalho, por força de uma gravidez de risco, desde 28.07.2017 até 08.03.2018. Seguiu-se o gozo de licença de maternidade e férias até ao pretérito dia 17.10.2018. No dia 18.10.2018, tomou posse no Juízo de Execução de Alcobaça, onde exerce atualmente funções. Sucede, porém que, no dia de hoje, a signatária encontra-se com trinta e uma semanas de gestação e com indicação médica de que deverá suspender o exercício de funções já a partir da próxima segunda-feira, dia 25.02.2019.

Considerando a data previsível para o parto, o subsequente gozo de licença de maternidade e férias, não se vislumbra possibilidade de regresso ao serviço em momento anterior ao ano de 2020.

Aqui chegados, lê-se no dispositivo do douto acórdão proferido pelo Tribunal na Relação de Évora que se revoga a sentença recorrida e proferida nestes autos "no segmento em que decreta a extinção da instância cível determinando-se que a Mm.ª Juiz do Tribunal recorrido, em face dos factos sedimentados, aprecie o pedido formulado pelo demandante".

Nessa sequência, atendendo que já se consolidou a condenação proferida em matéria criminal, e sem prejuízo de sermos conhecedores do teor do disposto no artigo 373º, nº 2, do Código de Processo Penal, cujo incumprimento implica uma mera irregularidade, consideramos que a prolação de sentença, por escrito, com a subsequente notificação dos intervenientes processuais, não colide com as garantias de defesa do arguido e minimiza os prejuízos processuais decorrentes do agendamento de uma leitura de sentença, sem necessidade de produção de prova suplementar, apenas no ano 2020 (ou seja, quase dois anos após a data da prolação do acórdão do Tribunal da Relação de Évora).

Por todos os motivos aduzidos iremos, de imediato, dar cumprimento ao acórdão que antecede, proferindo sentença, não se procedendo à sua leitura pública mas determinando-se a notificação da mesma a todos os intervenientes processuais.

SENTENÇA
I - RELATÓRIO
Em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o Ministério Público deduziu acusação contra:

MM, nascido a 17.10.1957, natural de Pombal, filho de …, divorciado, com residência …Santa Bárbara de Nexe, Faro, e S…, LDA, pessoa coletiva com o nº ----, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Faro, com sede ---- Santa Bárbara de Nexe, em Faro

Imputando-lhes:
- ao arguido MM a prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 107º e 105º, nºs 1, 4 e 7, do RGIT, em conjugação com o disposto nos artigos 30º, nº 2, e 79º, nº 1, do Código Penal;

- já a arguida S…, Lda. é criminalmente responsável por um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 107º e 105º, nºs 1, 4 e 7, conjugado com o artigo 7º, nºs 1 e 3, todos do RGIT e, bem assim, com os artigos 11º, 30º, nº 2, e 79º, nº 1, do Código Penal.

A fls. 302 a 306, o Instituto da Segurança Social, I.P. deduziu pedido de indemnização civil contra os aqui arguidos, peticionando a sua condenação solidária no pagamento da quantia de € 37.152,16 (trinta e sete mil cento e cinquenta e dois euros e dezasseis cêntimos) atinente ao montante das cotizações retidas e não entregues e, bem assim, no valor de € 4.795,69 (quatro mil setecentos e noventa e cinco euros e sessenta e nove cêntimos) a título de juros vencidos, acrescido, ainda, do montante relativo aos juros vincendos até efetivo e integral pagamento.

Juntou documentos e requereu a produção de prova testemunhal.

Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal.

Foi proferida sentença que declarou extinta a instância cível, por inutilidade superveniente da lide, e condenou os arguidos pela prática dos crimes de que vinham acusados.

Dessa decisão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Évora.

Por acórdão desse Venerando Tribunal foi decidido revogar a sentença recorrida no segmento em que decreta a extinção da instância cível, determinando-se a apreciação do pedido formulado pelo demandante em face dos factos sedimentados.

II - FUNDAMENTAÇÃO
A. Factos provados

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1. A arguida pessoa coletiva é uma sociedade comercial por quotas que tem como objeto social a exploração de estabelecimentos de restauração e de bebidas, nomeadamente restaurantes, snack-bares, pastelaria, gelataria e padaria com fabrico próprio; e serviço de take-away e catering.

2. Desde a data da sua constituição até final, foi gerente único da sociedade o arguido MM, obrigando-se a mesma, perante terceiros, com a sua intervenção.

3. Era ele que efetuava os pagamentos a fornecedores e a entidades bancárias, que ordenava a faturação, que contratava empregados e que detinha poderes para processamento de salários e pagamentos à Administração Fiscal e à Segurança Social.

4. No período temporal que abaixo releva, a empresa arguida encontrava-se inscrita como contribuinte na Segurança Social no Regime Geral dos Trabalhadores por Conta de Outrem.

5. O arguido, na qualidade de gerente de facto e de direito da sociedade e no interesse desta, procedeu ao desconto das cotizações para a Segurança Social no âmbito das remunerações dos trabalhadores por conta de outrem (Regime Contributivo Geral).

6. Entre o mês de Março de 2013 e o mês de Novembro de 2014, no montante total de € 37.152,16 (trinta e sete mil cento e cinquenta e dois euros e dezasseis cêntimos).

7. Contudo, não entregou à Segurança Social o mencionado valor, que havia efetivamente descontado das remunerações pagas.

8. Não o fez nem até ao dia 15 do mês subsequente àquele a que respeitavam, nem nos 90 dias subsequentes ao termo desse prazo.

9. Em cada um dos períodos mensais, dentro do assinalado âmbito temporal, foram regularmente entregues as folhas de remuneração aos trabalhadores.

10. Em virtude disso, o arguido MM foi notificado no dia 15 de Janeiro de 2016 - quer pessoalmente, quer enquanto representante da sociedade - que teria o prazo de 30 dias para proceder ao pagamento das contribuições em dívida. Não o fez - nem no referido prazo, nem até hoje.

11. O arguido MM quis agir do modo descrito, fazendo-o em nome e no interesse da sociedade arguida e enquanto entidade patronal, sabendo que introduzia no acervo patrimonial da empresa as quantias deduzidas das remunerações pagas.

12. Sabia que tais contribuições pertenciam à Segurança Social e que, com isso, colocavam em crise o regular funcionamento desse sistema.

13. Fê-lo, porém, com o intuito de manter a empresa em atividade, utilizando aqueles valores no pagamento das despesas correntes, designadamente no pagamento dos salários dos trabalhadores e das dívidas bancárias.

14. Agiu na sequência da crise económica que o país atravessou desde o ano de 2011 e motivado pela falta de liquidez da sociedade.

15. Atuou sempre da mesma forma, de todas as vezes que não efetuou a entrega mensal das contribuições à Segurança Social, e repetindo as descritas condutas enquanto foi conseguindo, tendo encontrado essa atuação facilitada pela inércia dos serviços da Segurança Social.
(...)
42. A sociedade arguida foi declarada em estado de insolvência, por sentença datada de 24.03.2015, proferida no âmbito do processo ---/15.2T80LH, que corre termos na Instância Central de Comércio de Olhão, já transitada em julgado.

B. Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.

Designadamente não se provou que:
a) A sociedade arguida tinha inúmeros créditos a receber que não lhe foram pagos, sendo essa a razão que levou ao incumprimento perante a Segurança Social.

IV - DO DIREITO
Em obediência ao decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Évora cumpre, pois, apenas apreciar o pedido de indemnização civil deduzido pelo Instituto da Segurança Social, I.P.

Dispõe o artigo 129º do Código Penal que a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil.

Na verdade, e nas palavras do Prof. Germano Marques da Silva, o pedido de indemnização civil deduzido no processo penal é uma verdadeira ação civil transferida para o processo penal por razoes de economia processual e cautela no que respeita a possíveis decisões contraditórias se as ações civil e penal fossem julgadas separadamente.

Na perspetiva civilista, os factos podem constituir os demandados na obrigação de indemnizar os lesados (in casu, o Instituto de Segurança Social) pelos danos alegadamente sofridos, conquanto se verifiquem, cumulativamente, os pressupostos legais da responsabilidade civil extracontratual (artigo 483º do Código Civil ex vi artigo 129º do Código Penal), os quais se passam sumariamente a indicar:

- A existência de um facto (uma ação ou omissão humana) de natureza voluntária;

- Ilícito, dado que atinge diretamente direitos alheios;

- Atribuível ao agente a título de culpa, que será apreciada nos termos do artigo 487º, nº 2;

- Um dano sofrido pelo lesado, o qual pode ser de índole patrimonial ou não patrimonial;

- E que é imputável, segundo um nexo de causalidade, o qual é analisado segundo a teoria da causalidade adequada - o facto será causa do dano, sempre que o mesmo se mostrar, de acordo com as circunstâncias do caso e de acordo com os conhecimentos do lesante e da experiência comum, objetivamente adequado à produção daquele (artigo 563º do CC).

Dispõe, assim, o artigo 42º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social que:

"1 - As entidades contribuintes são responsáveis pelo pagamento das contribuições e das quotizações dos trabalhadores ao seu serviço.

2 - As entidades contribuintes descontam nas remunerações dos trabalhadores ao seu serviço o valor das quotizações por estes devidas e remetem-no, juntamente com o da sua própria contribuição, à instituição de segurança social competente".

Mais se pode ler no artigo 43º do mesmo diploma legal que "o pagamento das contribuições e das quotizações é mensal e é efetuado do dia 10 até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que as contribuições e as quotizações dizem respeito".

Assim, decorrendo daquele quadro normativo que sob os arguidos, ora demandados, impendia a obrigação de proceder à entrega, junto da Segurança Social, a título de contribuições, dos montantes deduzidos do valor das remunerações dos trabalhadores por conta de outrem, no período legalmente previsto para o efeito, preenchidos ficaram com essa conduta os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, já que se tratam de ações humanas (no caso praticada pela omissão da entrega das contribuições), dominadas pela vontade, culposas (no caso, sob a modalidade de dolo) e ilícitas (dado que se consubstancia numa violação de norma legal), que constituíram causa única e adequada dos danos patrimoniais sofridos pela Segurança Social.

Resulta do artigo 806º, nº 1, do Código Civil que "na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora".

Decorre, ainda, do plasmado no artigo 211º, nº 1, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, que "pelo não pagamento de contribuições e quotizações nos prazos legais, são devidos juros de mora por cada mês de calendário ou fração".

Assim, considerando que estamos perante uma obrigação com prazo certo, é inegável a constituição dos demandados em mora e, bem assim, a inerente obrigação de reparar os danos causados ao credor, nos termos conjugados dos artigos 804º e 805º, nº 2, aI. b), do Código Civil.

Quanto a este conspecto, realce-se ainda que nos termos do disposto no artigo 212º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social "a taxa de juros de mora é igual à estabelecida no regime geral dos juros de mora para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas e é aplicada nos mesmos termos".

Por fim, nos termos do artigo 7º, nº 3, do Regime Geral das Infrações Tributárias, os arguidos são solidariamente responsáveis pelo pagamento dos montantes supra mencionados.

Concluindo, deve o presente pedido de indemnização civil ser julgado procedente, sendo os demandados condenados a pagar a título de indemnização a quantia de € 37.152,16, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados nos termos supra expostos, contabilizando-se os vencidos até setembro de 2016 em € 4.795,79.

V - DISPOSITIVO
Face ao exposto, julgo o pedido de indemnização civil formulado nos autos totalmente procedente, por provado nos termos expostos e, em consequência, condeno os arguidos/demandados no pagamento ao Instituto de Segurança Social, I.P., da quantia de € 37.152,16 (trinta e sete mil cento e cinquenta e dois euros e dezasseis cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados nos termos supra expostos, contabilizando-se os vencidos até setembro de 2016 em € 4.795,79 (quatro mil setecentos e noventa e cinco euros e setenta e nove cêntimos).

Fixo ao enxerto cível o valor de € 41.947,85 (quarenta e um mil novecentos e quarenta e sete euros e oitenta e cinco cêntimos).

Custas referentes ao pedido de indemnização civil a suportar pelos arguidos/demandados.

Deposite e notifique”.

3 - Elementos relevantes para a decisão.
Com relevância para a decisão a proferir há que considerar os factos seguintes:

a) Por sentença proferida nos presentes autos, em 04-04-2017, foi julgada a acusação totalmente procedente, por provada, e, em consequência, o arguido MM foi, em conjunto com a sociedade arguida, condenado pela prática de um crime de abuso de confiança à segurança social, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 107º, 105º, nºs 1, 4 e 7, conjugado com o artigo 7º, nºs 1 e 3, todos do RGIT, e com os artigos 11º, 30º, nº 2, e 79º, nº 1, do Código Penal, sendo a sociedade arguida condenada em pena de multa e o arguido em pena de prisão a cumprir em regime de dias livres.

b) O arguido MM e o Instituto de Solidariedade e Segurança Social, IP, interpuseram recurso da referida sentença (datada de 04-04-2017), tendo este Tribunal da Relação de Évora proferido acórdão, em 20-02-2018, que negou provimento ao recurso do arguido e concedeu provimento ao recurso interposto pelo Instituto de Solidariedade e Segurança Social, IP, determinado que, em face dos factos sedimentados, fosse apreciado o pedido de indemnização civil formulado.

c) Após a devolução dos autos ao tribunal de primeira Instância, para os efeitos determinados no aludido acórdão, a Exmª Juíza exarou “despacho” a dispensar a realização da audiência para leitura de sentença (“despacho” que qualificou como “questão prévia”, a anteceder a sentença propriamente dita - tudo nos termos acima transcritos -), e proferiu, de imediato, a sentença revidenda, a qual teve por objeto apenas o pedido de indemnização civil formulado pelo Instituto de Solidariedade e Segurança Social, IP.

d) A sentença assim proferida foi, depois, notificada por escrito aos sujeitos processuais, não tendo sido feita leitura pública da mesma (a sentença não foi lida em audiência pública, nem foi lida na presença do arguido).

e) Além disso, a sentença recorrida não englobou a matéria criminal e cível, apenas decidindo sobre o pedido de indemnização civil formulado nos autos pelo Instituto de Solidariedade e Segurança Social, IP.

4 - Apreciação do mérito do recurso.

a) Da leitura pública da sentença.

A primeira questão que se coloca à nossa apreciação (e é suscitada em ambos os recursos interpostos) consiste em saber se a sentença em causa poderia ter sido apenas notificada (por escrito) aos sujeitos processuais (como fez o tribunal a quo), ou se, pelo contrário, tal sentença tinha, necessariamente, de ser lida publicamente, em audiência designada para o efeito.
Cumpre decidir.

Dispõe o artigo 86º, nº 1, e nº 6, al. a), do C. P. Penal:

1 - O processo penal é, sob pena de nulidade, público, ressalvadas as exceções previstas na lei.
(….)

6 - A publicidade do processo implica, nos termos definidos pela lei e, em especial, pelos artigos seguintes, os direitos de:

a) Assistência, pelo público em geral, à realização do debate instrutório e dos atos processuais na fase de julgamento”.

A publicidade do processo constitui, pois, regra em processo penal.

Significa isto que, excluídas as hipóteses taxativamente previstas na lei, em todas as situações o processo penal está sujeito à regra da publicidade, com especial (e compreensível) relevância para a audiência de discussão e julgamento.

Aliás, a Constituição da República Portuguesa consagra, expressamente, o que acabámos de dizer. Com efeito, estabelece o artigo 206º da nossa Lei fundamental que “as audiências dos tribunais são públicas, salvo quando o próprio tribunal decidir o contrário, em despacho fundamentado, para salvaguarda da dignidade das pessoas e da moral pública ou para garantir o seu normal funcionamento”.

Mais: se a publicidade for desrespeitada na audiência de discussão e julgamento, tal acarreta nulidade insanável, como preceitua o artigo 321º, nº 1, do C. P. Penal (“a audiência de julgamento é pública, sob pena de nulidade insanável, salvo nos casos em que o presidente decidir a exclusão ou a restrição da publicidade”).

Um dos conteúdos concretos do princípio da publicidade é o “direito de assistência”, pelo público em geral, à realização dos atos processuais (como previsto no acima transcrito artigo 86º, nº 6, al. a), do C. P. Penal - e como enunciado também no artigo 87º, nº 1, do mesmo diploma legal -), maxime o “direito de assistência” à audiência de discussão e julgamento, cujo culminar é, obviamente, o ato da leitura da sentença.

A publicidade do processo é, bem vistas as coisas, um instrumento de controlo da Justiça pelo povo (em nome do qual os tribunais administram a Justiça - artigo 202º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa -), e, além disso, é um instrumento de fortalecimento da confiança do povo nos tribunais.

Mesmo nas hipóteses (taxativamente previstas na lei - repete-se -) em que os atos processuais podem não ser públicos, “a exclusão da publicidade não abrange, em caso algum, a leitura da sentença” (artigo 87º, nº 5, do C. P. Penal).

Seja em que circunstância for, não pode ser subtraída à publicidade (nela incluída o acima referido “direito de assistência” do público em geral) a leitura da sentença.

Ora, em nosso entender, este “direito de assistência” implica, necessariamente, que qualquer pessoa possa estar presente no ato de leitura da sentença, podendo ouvir e ver tal leitura.

Por isso, o Juiz não pode elaborar uma sentença por escrito e, sem a ler publicamente, notificá-la aos sujeitos processuais.

Ou seja, a presença física do Juiz é obrigatória em toda a audiência de discussão e julgamento, incluindo o ato de leitura da sentença (a propósito de questão semelhante, o presente coletivo de juízes já se pronunciou, entendendo que não é legalmente admissível a realização da leitura de sentença através de videoconferência - cfr. Ac. deste T.R.E. de 04-12-2018, Proc. nº 236/17.5T9STC-A.E1, in www.dgsi.pt, acórdão, aliás, citado e parcialmente transcrito na motivação do recurso interposto pelo Ministério Público -).

Em conclusão: ao proceder à elaboração da sentença revidenda por escrito, com subsequente notificação da mesma aos sujeitos processuais e sem leitura pública de tal sentença, o tribunal a quo violou o disposto no artigo 206º da Constituição da República Portuguesa, e nos artigos 86º, nºs 1 e 6, al. a), 87º, nºs 1 e 5, e 321º, nº 1, todos do C. P. Penal, por preterição da publicidade da audiência, o que acarreta a existência de nulidade insanável (tal como previsto no citado artigo 321º, nº 1, do C. P. Penal).

Em conformidade com esta nossa conclusão, ambos os recursos são de proceder, tendo de ser declarada a nulidade da sentença sub judice.

b) Do âmbito da sentença.
A segunda questão colocada à apreciação deste tribunal ad quem (questão que é suscitada no recurso interposto pelo Ministério Público) consiste em saber se a sentença em causa poderia ter sido restringida apenas à parte cível do processo (omitindo decisão na parte criminal).

Cabe decidir.
A nosso ver, a Exmª Juíza devia ter proferido uma sentença completa e integral, contendo não apenas a matéria cível, mas, isso sim, toda a matéria (cível e criminal).

Muito embora respeitando (aparentemente) o decidido, nestes autos, pelo acórdão proferido neste Tribunal da Relação em 20-02-2018, a sentença agora recorrida tinha, obrigatoriamente, de conter também a parte criminal (já estabilizada), e não apenas a parte respeitante à matéria de natureza civil.

Com efeito, a nossa lei processual penal não prevê, em situações como a agora em apreço, que o tribunal de primeira instância prolate nova sentença apenas quanto à matéria de natureza civil, ficando a decisão proferida nos autos dividida em duas sentenças parciais (uma visando a parte criminal e outra atendendo apenas à parte cível).

A omissão assim cometida determina a nulidade da sentença em causa, nos termos do preceituado no artigo 379°, n° 1, al. c), do C. P. Penal (omissão de pronúncia).

Aliás, e bem vistas as coisas, a sentença revidenda nem sequer cumpriu, em toda a sua substância, o decidido no acórdão proferido por este Tribunal da Relação em 20-02-2018, porquanto nele se determinou que fosse proferida uma nova sentença, em substituição da anterior, mantendo a matéria criminal assente e apreciando o pedido de indemnização civil formulado nos autos pelo demandante.

Por isso, não faz qualquer sentido, com o devido respeito pelo entendimento do tribunal de primeira instância, elaborar uma nova sentença “em separado” da anterior, versando apenas sobre a matéria de natureza civil.

Ou seja, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 379º, nº 1, e 374º, nº 2, do C. P. Penal, pois não explanou toda a matéria objeto do julgamento e, no fundo, não respeitou o caso julgado formal operado pelo acórdão proferido neste Tribunal da Relação em 20-02-2018.

Em consequência, e também com estes fundamentos, a sentença revidenda enferma de nulidade insanável.
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Sob a epígrafe “efeitos da declaração de nulidade”, estabelece o artigo 122º do C. P. Penal:

1 - As nulidades tornam inválido o ato em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afetar.

2 - A declaração de nulidade determina quais os atos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição, pondo as despesas respetivas a cargo do arguido, do assistente ou das partes civis que tenham dado causa, culposamente, à nulidade.

3 - Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os atos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela”.

As nulidades acima detetadas afetam, necessariamente, a validade da sentença proferida e de todo o processado que se lhe seguiu, o qual se resumiu, em substância, à tramitação dos presentes recursos.

Mais complexa será a questão de saber se a nulidade da sentença prejudica apenas a validade do ato decisório isoladamente considerado, ou se, pelo contrário, inquina a própria audiência de discussão e julgamento, no termo da qual tal ato foi proferido.

É que, existe uma íntima conexão entre a audiência de discussão e julgamento e a sentença, podendo dizer-se, com inteiro rigor, que a segunda é o último ato da primeira.

Porém, em nosso entender, as nulidades aqui verificadas não acarretam a invalidação da audiência de discussão e julgamento, porquanto tais nulidades não radicam na produção da prova ou na discussão da causa, antes emergindo, por um lado, da circunstância de a sentença não ter sido lida publicamente e, por outro lado, do facto de a sentença ter “omitido” toda a parte criminal do processo.

Isto é, torna-se possível salvaguardar a validade da audiência de discussão e julgamento, na medida em que seja possível a prolação, pela Exmª Juíza que subscreveu a sentença agora invalidada, de nova decisão, com a correção das anomalias detetadas.

Há que determinar, pois, a repetição do ato processual que foi ilegalmente praticado, devendo a Exmª Juíza proceder à seguinte atividade judicativa:

1º - Elaboração de nova sentença, com leitura pública da mesma;

2º - Consideração, na nova sentença a proferir, da parte criminal (já estabilizada) e da parte civil do processo.

Em face de tudo o que vem de dizer-se, e nos seus estritos termos, os recursos interpostos são de proceder, declarando-se nula a sentença sub judice.

III - DECISÃO.

Nos termos expostos, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento aos recursos interpostos pelo arguido MM e pelo Ministério Público, nos termos sobreditos, e, consequentemente, em declarar nula a sentença revidenda, devendo a Exmª Juíza proceder à elaboração de nova sentença, com leitura pública da mesma, e com consideração, na nova sentença a proferir, da parte criminal (já estabilizada) e da parte civil do processo.

Sem tributação.
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Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 11 de julho de 2019

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(João Manuel Monteiro Amaro)

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(Laura Goulart Maurício)