Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
895/17.9T8PTM.E1
Relator: MÁRIO SILVA
Descritores: DIREITO DE PROPRIEDADE
RUÍDO
OBRAS
Data do Acordão: 12/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. No atual estádio da dominialidade dos bens, cada vez mais se acentua a função social do direito de propriedade.
2. Por isso, admite-se que o proprietário de um imóvel oponha-se não só à emissão de fumos, de fuligem, de vapores, de cheiros, de calor ou de ruídos, bem como à produção de trepidações e de outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio donde emanam – art.º 1346º do C. Civil - como invoque a responsabilidade civil do titular do prédio vizinho nos termos gerais.
3. A doutrina e a jurisprudência estão em consonância quanto ao sentido normativo de “prejuízo substancial”. Terá de ser analisado objetivamente, de acordo com a sua natureza e finalidade, dentro do contexto social, económico e cultural em que se localiza. O que quer dizer que só são atendíveis as emissões que causem danos essenciais (que atinjam a essência do uso do prédio), sendo excluídas as que produzem prejuízos não essenciais. Estas enquadram-se dentro da tolerância inerente às relações de vizinhança.
4. Se estiver em presença dum uso anormal do prédio do prédio emissor, já não se exige um dano substancial.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. 895/17.9T8PTM.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

I- RELATÓRIO:
(…) e marido (…) intentaram em 4.04.2017 a presente ação declarativa com processo comum contra (…) e marido (…), pedindo que a presente ação seja julgada procedente por provada, e em consequência, sejam os RR condenados no pagamento aos AA:
a) Da quantia de € 75.921,44 a que se refere o artigo 21, 22, 23;
b) Na quantia de € 60.000,00 relativamente aos prejuízos dos AA no decurso do ano de 2017;
c) No pagamento da quantia referente à reparação da piscina da moradia dos AA que, por não quantificado se relega para execução de sentença na eventualidade de tais danos serem imputáveis aos RR o que após a perícia será determinado e quantificado;
d) As quantias mencionadas em “a” e “b” acrescidas de juros à taxa legal desse a citação até efetivo pagamento;
e) Nas quantias futuras que vierem a ser apuradas no decurso da ação e cuja liquidação se apresentara oportunamente nos autos, em conexão com a factualidade imputada aos RR.
Alegaram em síntese que a autora mulher é proprietária e o autor marido é usufrutuário de uma moradia destinada a alojamento local e que arrendam a turistas através de agências de turismo. Os RR eram proprietários de uma moradia ao lado da moradia dos AA., tendo no dia 4 de julho de 2015, iniciado através da empresa (…) – Construções, Lda. a demolição da moradia, da piscina, calçada, logradouro e demais construções ali existentes, sem deterem, no caso, licença para o efeito. A demolição causou aos vizinhos enormes e graves inconvenientes, pelo barulho e poeiras que causou. Em 2.11.2015, a Câmara Municipal de Lagoa promoveu o embargo da obra, que os RR não respeitaram, tendo demolido integralmente toda a construção existente na sua moradia, incluindo a casa, a piscina, arruamentos e logradouro no período compreendido entre julho de 2015 e data incerta de 2016. Devido ao comportamento dos RR, os AA sofreram prejuízos, decorrentes do constrangimento na utilização da moradia, que quantificaram em € 133.921,44 e outros que ainda não quantificaram, correspondente a rachas e fissuras na piscina dos AA, que os mesmos suspeitam serem originadas pela obra realizada pelos RR. quer com a trepidação da máquina escavadora que utilizaram na reparação e demolição, quer pelas máquinas perfuradoras e cuja avaliação se requer prova pericial para determinar a origem e quantificação dos danos.
Os RR contestaram por exceção, invocando a ineptidão da petição inicial e a ilegitimidade do réu (…) e por impugnação especificada. Deduziram ainda a intervenção provocada da (…) – Construções que foi a empresa que executou a obra em causa.
Em 14.09.2017 foi proferido despacho que admitiu a intervenção principal provocada de (…) – Construções.
A interveniente apresentou contestação, dizendo em síntese que aceita o articulado da contestação dos RR apresentado nos autos, acrescentando ainda que tomou toda providências que teve por adequadas para evitar danos nas propriedades vizinhas.
Em 19.01.2018 foi proferido despacho que fixou como valor da causa € 133.921,44 e decidiu dispensar a convocação da audiência prévia, bem como as tarefas de fixação do objeto do litígio e seleção dos temas de prova. Julgou-se ainda improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial e procedente a exceção de ilegitimidade do réu (…), que foi, assim, absolvido da instância.
Por requerimento de 22.01.2019 vieram os AA ampliar o pedido, com a seguinte redação:
Que sejam os RR condenados solidariamente no pagamento aos AA:
a) Da quantia de € 75.921.44 a que se refere o artigo 21, 22, 23 da “p.i”.
b) Na quantia de € 29.615,90 relativamente ao prejuízo dos AA no decurso do ano de 2017.
c) Na quantia de € 22.878,87, relativo ao ano de 2018.
d) As quantias mencionadas em “a” a “c” acrescidas de juros à taxa legal desde a citação até efetivo pagamento;
e) Nas quantias futuras que os autores vierem a perder no valor de arrendamento do imóvel nos aos anos subsequentes enquanto se mantiver a situação constante da causa de pedir e cuja liquidação se fará em liquidação de sentença dado que não estão quantificados tais danos a esta data embora previsíveis.
Por despacho de 11.02.2019 foi admitida a alteração do pedido.
Foi realizada audiência de julgamento.
Em 11.03.2019 foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e condenou a R. e a interveniente, solidariamente, a pagar aos AA. a quantia de € 12.818,75, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento, absolvendo-os do demais peticionado.
Inconformados com o decidido nesta sentença dela interpuseram recurso a R. (…) e os AA com as seguintes conclusões (que se transcrevem).

Recurso interposto pela R. (…):
I. Os Autores não alegaram e nem tentaram provar se a ré sabia, ou tinha conhecimento que eles têm residência permanente na Alemanha e têm rentabilizado o seu imóvel no arrendamento a turistas nacionais e estrangeiro.
II. O imóvel dos Autores, situa-se numa zona de acesso público, onde circulam pessoas e veículos e onde existem lotes de terreno destinados à construção urbana. Não se situando numa zona vedada ao acesso público.
III. O DL n.º 555/99, de 16 de Dezembro – Regime Jurídico da Urbanização e Edificação – define obras de demolição como: as obras de destruição, total ou parcial, de uma edificação existente, sendo as mesmas legais e constituindo o exercício de um direito.
IV. A ré confrontada com a informação segundo a qual era proprietária de um prédio que: está inserido em espaço público; não tinha sapatas de fundação, nem travamento através de vigas de fundação; cujas lajes de pavimento e vigas estruturais, em contacto com o exterior, apresentavam-se em estado de degradação, com oxidação das armaduras e sem recobrimento regulamentar; no qual se detectou fissuração em paredes e elementos de construção (vigas e pilares) o que indiciava a existência de problemas estruturais; para o qual não havia solução técnico-económica possível que garantisse, no futuro, a segurança dos utentes, pelo que o aproveitamento do lote de terreno, com a sua implantação, localização e vista de Mar, em condições responsáveis e compatíveis com a segurança de quem lá viesse a viver, implicava necessariamente a demolição de todos os elementos estruturais que evidenciassem deterioração ou condições de execução não regulamentares, tinha o dever de ordenar a rápida demolição do mesmo, para salvaguarda da segurança dos que se encontrassem, no espaço onde o mesmo se localizava, dado que assim tinha de agir, por força do previsto no artigo 483.º do Código Civil.
V. O que, igualmente lhe era permitido fazer, devido ao escrito no artigo 1305.º do Código Civil. A ré limitou-se a exercer o direito de proceder a obras de demolição da moradia de sua propriedade, devido à mesma apresentar os defeitos de construção provados.
VI. Neste circunstancialismo, o exercício do direito de demolir o imóvel não gera responsabilidade civil, dado que o mesmo comprime, por um período de tempo limitado, mas legítima e legalmente, o direito de propriedade do titular do prédio confinante.
VII. Igual conclusão é imposta pelas normas dos seguintes diplomas: DL nº 38 382/51, de 07 de Agosto – Regulamento Geral das Edificações Urbanas; o já referido Decreto-Lei n. º 555/99, de 16 de Dezembro, republicado em anexo ao DL n.º 136/2014, de 09 de Setembro; o Regulamento Municipal da Câmara Municipal de Lagoa, n.º 32/2010, aprovado pela Assembleia Municipal, na sua sessão ordinária, de 19 de Julho de 2010: "Regulamento Municipal de Urbanização, Edificação, Taxas e Compensações Urbanísticas".
VIII. A Douta Sentença recorrida, tal como os Autores, optou por ignorar a existência da legislação que regula a produção de ruído em Portugal, constante do Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro. Segundo o qual a empresa contratada pela ré se limitou a proceder a uma: “Actividade ruidosa temporária”.
IX. O artigo 14.º do mesmo regulamento, estatui o que, É proibido o exercício de atividades ruidosas temporárias na proximidade de: a) Edifícios de habitação, aos sábados, domingos e feriados e nos dias úteis entre as 20 e as 8 horas; b) Escolas, durante o respetivo horário de funcionamento; c) Hospitais ou estabelecimentos similares
X. Isto é, a produção de ruído temporário é lícita, nos dias úteis, entre as 8 horas da manhã e as 20 horas da noite.
XI. Sucede que os Autores não alegaram o horário dentro do qual as obras decorreram!
Pelo que é impossível concluir, ou sequer sugerir, que as mesmas ocorreram entre as 8 horas da manhã e as 20 horas da noite, a partir do seu início, em julho de 2015.
XII. Os autores não cumpriram o ónus estatuído no artigo 552.º do Código de Processo Civil, na alínea d) do seu número 1. O que não poderiam deixar de ter alegado, se quisessem que o Tribunal considerasse a produção desse ruído e poeiras, como ilegal e perturbadora dos seus direitos.
XIII. Contudo, a ré atreve-se a referir que: estando provado que os trabalhos de demolição foram levados a cabo pela empresa: (…) Construções Lda., então, os mesmos foram feitos dentro do horário de trabalho normal, permitido e consentido pela Inspecção-Geral do Trabalho, pois não é de aceitar, que a mesma se sujeitasse, a produzir trabalho clandestino, ou sujeito a fortes coimas aplicadas pela dita inspecção geral.
XIV. O tribunal recorrido identificou, com muita lucidez, o dano ocorrido como traduzido essencialmente na quebra da exploração turística do imóvel dos AA. e inerente perda de rendimento; e não na violação do direito ao descanso, como, mais adiante, veio escrever, em manifesta contradição com esta sua conclusão.
XV. Note-se que o Tribunal e muito bem, num determinado momento da redação da Sentença recorrida escreveu que: “Embora se nos afigure que no caso dos autos seja de fazer uma precisão, atendendo a que os direitos de personalidade só mediatamente estão em causa visto, que estes são os dos ocupantes do imóvel dos autores, turistas, que ali estão de passagem, e o direito que os autores invocam, visto que até os mesmos são residentes no estrangeiro, fazendo apelo a tutela de direitos de personalidade, traduz-se, no fundo, ao direito à exploração de um determinado negócio, o de arrendamento do seu imóvel. “Vista a situação sob este prisma, haverá de convir-se que a diferença entre os direitos se mitiga um pouco, não sendo tão evidente que se possa traçar uma hierarquia entre um ou outro.”
XVI. Porém, depois, ao decidir, acabou por considerar que estava em causa uma colisão de direitos entre o direito ao descanso dos clientes das empresas de turismo, por sua vez clientes dos autores! E o direito de propriedade da ré. E isto, mesmo sem saber, sem conhecer, ignorando por completo, o horário dentro do qual o ruído foi feito; desprezando a realidade resultante da Lei expressamente considerar legitima a produção de ruído, não permanente, entre as 8 e as 20 horas dos dias úteis.
XVII. Este constitui o primeiro erro de compreensão da realidade submetida à aplicação do direito por parte da douta Sentença recorrida. O Tribunal entendeu, que, no presente caso, estava em causa uma colisão entre o direito ao descanso dos clientes das empresas de turismo e o direito de propriedade da ré. Quando não é isso que sucede, nesta ação.
XVIII. E não é isso que sucede, por que: a ré, de acordo com o regulamento do ruído, pode desenvolver a obra de demolição do imóvel de sua propriedade, entre as 8 e as 20 horas dos dias úteis; a ré, não sabe, nem tem obrigação de saber que, no imóvel confinante com a propriedade a demolir se encontram pessoas de férias, que terão pago quantias avultadas, para usufruírem dessa casa, durante uma ou duas semanas, as quais não estão disponíveis, para suportarem a produção de barulhos e de poeiras, entre as 8 e as 20 horas dos dias úteis e vão reclamar à agência de turismo a devolução das quantias pagas, para usufruírem do período de férias em causa.
XIX. O prejuízo resultante dos utentes do imóvel confinante com a propriedade da ré reclamarem da agência de turismo a devolução das quantias pagas, é uma consequência do tipo de contrato de exploração do imóvel aceite e acordado pelos Autores e não o resultado da produção do ruído e das poeiras produzidas pelas rés. Este foi o segundo erro de interpretação da situação em causa, cometido pelo Tribunal recorrido.
XX. Se o imóvel estivesse ocupado por utentes normais, vulgares: os Autores, ou seus arrendatários (que ali vivessem todo o ano) os mesmos, perante a transitoriedade do ruído e do incómodo das poeiras, conformar-se-iam com ela, pois sabiam que a mesma era limitada, no tempo.
XXI. Agora, pessoas que ali se instalam, por uma, ou duas semanas, e pagam pelo uso do imóvel (como resulta do facto n.º 6 dado por provado) de 01 Julho até 31 Agosto 2016: € 3.900,00; sendo certo que a demolição da casa da ré se iniciou, na data de 4 de Julho de 2015, recusam-se a suportar a mínima limitação ao direito de fruírem do local de férias. Mas essa é uma consequência que resulta da natureza do contrato acordado entre os Autores e as companhias de turismo e nunca, da legítima, temporária e legal limitação do direito de propriedade dos Autores, que até se encontram na Alemanha.
XXII. O Tribunal não se apercebeu que a dificuldade em causa resulta de: 1.º) natureza do contrato celebrado pelos Autores com as agências de turismo; 2.º) de os consumidores do imóvel estarem no gozo de férias, durante um período de tempo limitado; 3.º) do preço que os mesmos pagam para usufruírem daquele espaço, no seu período de férias. Tudo circunstâncias que não são oponíveis à ré!
XXIII. Por isso, em erro de aplicação de direito, recorreu à aplicação das regras de vizinhança, só que, em perfeita e manifesta violação da própria regra constante do artigo 1346.º do Código Civil.
XXIV. O tribunal esqueceu-se que o estatuído no artigo 1346.º do Código Civil é limitado, ou comprimido pelo regulamento do ruído, já citado. Além disso, quando nesta norma se menciona O proprietário de um imóvel”, obviamente, visa-se o seu dono, aquele que sobre o imóvel detém a faculdade descrita no artigo 1305.º do Código Civil, e jamais o turista que pagou uma vez, ou duas, o montante de € 3.900,00, para passar 15 dias no interior do mesmo, em período de férias.
Quando a norma foi escrita, em finais da década de sessenta do século XX, esta realidade ainda não existia em Portugal! Iria dar os primeiros passos.
XXV. Contudo, a realidade resultante de o imóvel dos autores ser ocupado, no mês de Julho de 2015, por turistas que pagam uma vez, ou duas, o montante de € 3.900,00, para passarem 15 dias, no interior do mesmo, em férias, não é oponível à ré, dado que ela não sabia, nem tinha obrigação de conhecer esse facto.
XXVI. Além disso, o instituto da responsabilidade civil exige “dolo ou mera culpa” na violação ilícita do “direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios”. O que, no caso concreto, nem sequer foi alegado, quanto mais provado. Sendo impossível de presumir.
XXVII. É verdade que o artigo 483.º do Código Civil apresenta o n.º 2, mas, do mesmo paço, também sucede que a Douta Sentença recorrida, ao procurar encontrar um caso especificado na lei, viu-se forçada a socorrer-se do artigo 1346.º do Código Civil, o qual, seguramente, não é aplicável a um conflito entre a ré e os clientes da agência de turismo, que “ali estão de passagem”.
XXVIII. Ou querendo-se ser mais abrangente, não é aplicável a um conflito entre o direito de propriedade da ré e uma das seguintes circunstâncias: passar 7 ou 15 dias, de férias, no imóvel confinante, pelo preço de 3.900,00 ou 7 800,00 Euros; ou, pensando nos Autores, o direito à exploração comercial do seu imóvel.
XXIX. Além disso, se a demolição do imóvel da ré consistisse numa ofensa a um direito do proprietário do imóvel confinante (o que não sucede,) a mesma não teria a característica de gerar “um prejuízo substancial para o uso do imóvel” do proprietário confinante.
XXX. Por que as poeiras e os ruídos resultaram do uso normal do imóvel da ré, ou seja, foram a consequência da demolição do mesmo, a qual se impunha, perante as patologias dadas como provadas do imóvel e perante os riscos para a segurança das pessoas e veículos que pudessem andar, ou circular, perto do prédio.
XXXI. Pode-se, sem qualquer sarcasmo, escrever que, neste caso, a “utilização normal do prédio (…)” consiste, exatamente, na sua demolição; pois, se assim não fosse, a ré correria o risco de, vir a ser confrontada com uma acusação por homicídio por negligência, por força do previsto e punido no n.º 1 do artigo 137.º do Código Penal, ou mesmo no, n.º 2 do mesmo artigo, por negligência grosseira.
XXXII. Por muito que custe compreender aqueles que praticam o acto de comércio de entregar a exploração do seu imóvel a agências de turismo, que, seguidamente, vendem o uso e fruição do mesmo à semana, a verdade é que sobre a ré recaía o dever de demolir o prédio que adquiriu.
Termos em que:
Revogando a Douta Sentença recorrida e substituindo-a por outra que absolva a ré de tudo o que contra ela foi pedido, se fará
JUSTIÇA
Recurso interposto pelos AA:
1.ª Considerando o exposto na 2.ª questão, o julgamento dos factos provados com os números 23, 24, 25, 26, 27, 30 e 31.º, deverá ser alterada, devendo a reposta única considerar:
Provado apenas que desde o ano de 2014, que a Ré tinha pendente processo para demolição e reconstrução total da moradia e piscina.
Base da Prova:
- Documento n.º 8 junto com a “p.i.” de autoria da CCDR.
2.ª Tendo em vista o exposto na 3.ª questão, deverá ser aditado um novo facto provado com a seguinte redação:
Facto n.º 34
Provado que a moradia dos apelantes a que os autos se referem sem os constrangimentos da obra mencionada no facto n.º 8, teria um rendimento anual mínimo de € 60.000,00.
Base da prova:
a) Documental
Factos provados: 6, 15, 17, 18, 19.
b) Testemunhal
Depoimento das testemunhas:
a) …, a falas: 01:18 a 10:40 acima transcrito.
b) …, a falas: 02:40 a 04:20;05:10 a 08:50 acima transcrito e gravado se encontra no CD áudio a que se refere na ata de audiência de julgamento.
3.ª Considerando o exposto na 4.ª e 5.ª questões, dos factos que resultam provados nos autos não se verifica a existência de qualquer colisão de direitos como o entendeu o Mº juiz na decisão recorrida posto que o comportamento das apeladas foi manifestamente ilegal conforme se demonstrou no relatório, porque sem licenciamento para o efeito e depois de ter sido indeferido o pedido (cfr. nº 3 do doc. 8 da CCDR), documento de prova plena e notificado à Ré em 19.3.2015 conforme consta de tal documento.
4.ª Trata-se, no caso em concreto, de pura responsabilidade extracontratual da Ré e da interveniente que as obriga ao ressarcimento integral dos danos que o seu comportamento causou e continuará a causar sendo que à luz do disposto no artigo 483º, 493º, 562º a 564º, 1346º a 1348º, do CC, no caso, verificam-se todos os legais pressupostos da responsabilidade civil, com inteiro nexo de causalidade entre o comportamento das apeladas e o dano causado aos autores, presentes e futuros.
5ª. Aliás, tal como decidido no acórdão do STJ de 10.1.2006 – Pº. 06ª3331, citado no relatório, a expressão “seu autor” a que se refere o nº. 2 do artº. 1348º, do CC significa que o proprietário do prédio em que as obras foram feitas, representando o dever de indemnizar consagrado neste preceito, um caso excecional de responsabilidade civil extracontratual, resultante de uma atividade licita (o que nem sequer foi o caso), em que se prescinde da culpa, tornando-se responsável pelo ressarcimento dos danos causados.
6.ª Considerando o exposto na 6ª questão, os danos materiais causados aos autores até esta data, são os seguintes:
I) Ano de 2016: € 57.100,00
II) Honorários (facto nº. 16): € 1.537,50
II) Ano de 2017: € 29.615,90
III) Ano de 2018: € 22.878,83
SOMA: € 111.132,23, a que acrescem os respetivos juros de mora desde a citação e até efetivo pagamento.
5.ª Tendo em vista que há danos materiais futuros previsíveis, embora não quantificados a esta data, deverá nesta parte, relegar-se para execução de sentença a sua liquidação em face do disposto no artigo 609º, nº 2, do CPC.
7.ª A decisão recorrida, no entendimento dos apelantes, violou as seguintes normas:
a) Do Código Civil.
Artigos: 483º, 493º, 562º a 564º, 1346º a 1348º, bem como o disposto no artigo 335º, a contrário, visto que, no caso, não ocorre qualquer conflito de direitos a justificar a decisão proferida e ora “sub Júdice”.
b) Do Código de Processo Civil.
Artigo 607º, nº. 4 e 5 na medida em que não analisou criticamente a prova de factos provados por documento autêntico caso do documento nº. 8 junto com a “pi”, nem compatibilizou toda a prova que os autos fornecem para a decisão de mérito que dos factos provados merecia outra decisão de mérito substancialmente diferente.
O artigo 609º, nº. 2 na medida em que a decisão “sub Júdice”, deveria condenar os RR no pagamento aos autores e ora apelantes nos danos futuros que vierem a ser liquidados em execução de sentença.
Em face das conclusões acima, requerem a V.Exªs:
1) Que a matéria de facto seja alterada tal como se propôs no relatório e conclusões acima.
2) Que a decisão seja revogada na parte impugnada, julgando-se o recurso procedente, por provado, com as legais consequências.
A R, decisão de V.Exªs. fará JUSTIÇA

A R. (…) apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:
I. O ofício da “Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, que nenhuma das partes pôs em causa em sede de contestação” não é um documento autêntico, por não revelar o que, segundo o artigo 35.º do Código do Notariado, caracteriza tais documentos.
II. Não satisfaz o que é exigido pelo artigo 363.º do Código Civil, pois não está revestido de “fé pública”.
III. A Recorrente não alegou, que a Direcção Geral de onde o dito ofício emanou esteja dotada de fé pública, pelo que o dito documento cai na previsão segundo a qual: “todos os outros documentos são particulares”.
IV. Quanto à prova vinculada, o mesmo documento não satisfaz o exigido pelo artigo 371.º do Código Civil, de onde resulta que a prova vinculada se limita à enunciação dos factos praticados pela autoridade e aos factos por ela atestados.
V. Se o documento em causa fosse um documento autêntico, o que estaria provado pelo mesmo, seria que: em determinada data, hora e local se procedeu a uma inspecção, com a presença de forças da ordem; que a moradia pré-existente no lote n.º 27 já tinha sido demolida e finalmente, que se propunha; “que se aguarde os desenvolvimentos desta situação no terreno e que seja esta informação levada ao conhecimento (…).
VI. Logo, quando a Recorrente pede que se considere provado que o dito ofício, por apresentar a referência (...) faz parte de um processo de 2014, está a reclamar que a sua interpretação e modo de compreender o que se encontra escrito no texto, seja adoptado pelo Tribunal, o que não é compatível com: “(…) factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora”.
VII. As interpretações conclusivas da Recorrente não podem ser transformadas em factos provados. Logo, não pode ser dado como provado que: “Provado que a moradia a que os autos se referem sem os constrangimentos da obra mencionada no facto n.º 8 e segs, teria um rendimento anual mínimo de € 60.000,00.”
VIII. A recorrida procedeu à demolição da sua vivenda, sem ter pedido o prévio licenciamento de tais obras; comportamento pelo qual foi alvo de um processo de contra-ordenação e foi condenada no pagamento de uma coima. Porém, a Recorrente não tem qualquer competência para sindicar esse facto, nem o pode mobilizar a seu favor, como faz, constantemente.
IX. Os tribunais cíveis são, materialmente, incompetentes para discutir esse eventual ilícito.
X. Em nenhum dos números da matéria de facto se deu como provado que, na demolição, tenham sido usados: “máquinas escavadoras giratórias, martelos pneumáticos, compressores, camiões, gruas e até o recurso a explosivos”.
XI. A Recorrente esquece, constante e permanentemente, que, em momento algum do presente processo, alegou que tivesse dado conhecimento à recorrida, que tinha passado a usar a sua casa, como estabelecimento comercial, para turistas passarem férias, por isso reclamando para a mesma, à sua volta, uma cortina de constante silêncio.
XII. Mesmo que tivesse dado conhecimento desse facto à recorrida, ela, a recorrida, não estava obrigada a deixar de demolir a sua vivenda, para não fazer barulho e poeiras susceptíveis de incomodarem os clientes da Recorrente. Contudo, sem estar provado que esse conhecimento lhe foi transmitido, então, a pretensão da Recorrente constitui um verdadeiro e académico “abuso de direito”.
XIII. A recorrida nada tem que ver com os termos dos contratos estabelecidos entre a Recorrente e as agências de turismo, por que: desconhecia os mesmos; não é parte no contrato; o contrato não lhe é oponível; não foi alegado pela Recorrente que as obras de demolição tivessem produzido ruídos, ou poeiras anormalmente elevados e incompatíveis com o facto de se residir no local.
XIV. A Recorrente alegou que o empreiteiro procedeu a uma demolição, que considerou ilícita, devido à falta de licenciamento das obras de demolição; contudo, esse eventual ilícito, se existir, é de direito público, pelo que o mesmo não é controlado, fiscalizado e sindicado pela Recorrente que não constitui um órgão do município de Lagoa. Nem tão pouco pelos Tribunais Cíveis, por total incompetência material, para o efeito.
XV. O ilícito de direito público cometido pela recorrida foi devidamente sancionado, nos termos do mesmo direito público, pelo que a Recorrente nada tem que ver com o mesmo. Não podendo proceder à privatização do direito público, no seu interesse pessoal.
XVI. Embora a Recorrente não o reconheça, a Sentença recorrida foi muito benigna com os seus interesses, tendo-lhes dado uma relevância que não podia atribuir-lhes, dado que a recorrida se limitou a exercer o direito de propriedade, a coberto do regulamento que disciplina a produção de ruído no país.
XVII. O imóvel da Recorrente situa-se na Urbanização (…), n.º 28, numa zona de acesso público, onde circulam pessoas e veículos e onde existem lotes de terreno destinados à construção urbana. Não se situa, nem na Quinta do Lago, nem numa propriedade murada, com um hectare de logradouro.
XVIII. O DL n.º 555/99, de 16 de Dezembro – Regime Jurídico da Urbanização e Edificação – define obras de demolição, apresentando-as como: de destruição, total ou parcial, de uma edificação existente. Logo, tais obras, por que previstas na Lei, integram o exercício do direito de propriedade da recorrida.
XIX. A recorrida confrontada com a informação segundo a qual era proprietária de um prédio que: está inserido em espaço público; não tinha sapatas de fundação, nem travamento através de vigas de fundação; cujas lajes de pavimento e vigas estruturais, em contacto com o exterior, apresentavam-se em estado de degradação, com oxidação das armaduras e sem recobrimento regulamentar; no qual se detectou fissuração em paredes e elementos de construção (vigas e pilares) o que indiciava a existência de problemas estruturais; para o qual não havia solução técnico-económica possível que garantisse, no futuro, a segurança dos utentes, pelo que o aproveitamento do lote de terreno, em condições responsáveis e compatíveis com a segurança de quem lá viesse a viver, implicava necessariamente a demolição de todos os elementos estruturais que evidenciassem deterioração ou condições de execução não regulamentares, tinha o dever de ordenar a demolição do mesmo, para salvaguarda da segurança dos que se encontrassem, no espaço onde o mesmo se localizava, o que lhe era imposto pelo artigo 483.º do Código Civil.
XX. O que, do mesmo modo, lhe era permitido pelo artigo 1305.º do Código Civil, pelo que, a demolição do imóvel não gera responsabilidade civil, dado que a mesma se limitou a comprimir, por um período de tempo limitado, mas legítima e legalmente, o direito de propriedade do titular do prédio confinante.
XXI. Igual conclusão é imposta pelas normas dos seguintes diplomas:
DL n.º 38.382/51, de 07 de Agosto – Regulamento Geral das Edificações Urbanas;
Decreto-Lei n. º 555/99, de 16 de Dezembro, republicado em anexo ao DL n.º 136/2014, de 09 de Setembro;
Regulamento Municipal da Camara Municipal de Lagoa, n.º 32/2010, aprovado pela Assembleia Municipal, na sua sessão ordinária, de 19 de Julho de 2010:
"Regulamento Municipal de Urbanização, Edificação, Taxas e Compensações Urbanísticas".
XXII. E, também, pela legislação que regula a produção de ruído, constante do Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro. Segundo a qual a empresa contratada pela ré se limitou a proceder a uma: “Actividade ruidosa temporária”.
XXIII. O artigo 14.º do regulamento anexo ao Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro, só proíbe a produção de actividades ruidosas temporárias na proximidade de: edifícios de habitação, aos sábados, domingos e feriados e nos dias úteis entre as 20 e as 8 horas; (…) De onde resulta que a produção de ruído temporário é licita, nos dias úteis, entre as 8 horas da manhã e as 20 horas da noite.
XXIV. A Recorrente não alegou, nem provou, o horário dentro do qual as obras decorreram! Pelo que é impossível concluir, ou sequer sugerir, que as mesmas ocorreram entre as 8 horas da manhã e as 20 horas da noite, a partir do seu início, em Julho de 2015. A Recorrente não cumpriu o ónus estatuído no artigo. 552.º do Código de Processo Civil, na alínea d) do seu n.º 1.
XXV. Como os trabalhos de demolição foram levados a cabo pela empresa, (…), Construções Lda., os mesmos foram executados dentro do horário de trabalho normal, permitido e consentido pela Inspecção Geral do Trabalho, pois não se pode presumir que a mesma produzisse trabalho clandestino, ou sujeito às fortes coimas aplicadas pela dita inspecção geral.
XXVI. Na perspectiva dos veraneantes, arrendatários do imóvel confinante com a propriedade da recorrida, o eventual incómodo decorrente do ruído produzido pela demolição do imóvel da recorrida, que os levou a reclamarem da agência de turismo a devolução das quantias pagas, é uma consequência do tipo de contrato de exploração do imóvel aceite e acordado pelos Autores e não o resultado da produção do ruído e das poeiras produzidas pelas rés.
XXVII. Se o imóvel estivesse ocupado por utentes normais, que ali vivessem todo o ano, os mesmos, perante a transitoriedade do ruído e do incómodo das poeiras, conformar-se-iam com o mesmo, pois sabiam que era limitado, no tempo.
XXVIII. Porém, pessoas que ali se instalam, por uma, ou duas semanas, e pagam pelo uso do imóvel (como resulta do facto n.º 6 dado por provado) de 01 Julho até 31 Agosto 2016: € 3.900,00, recusam-se a suportar a mínima limitação ao direito de fruírem do local de férias. Mas essa, repete-se, é uma consequência da natureza do contrato acordado entre a Recorrente e as companhias de turismo e nunca, um efeito da legítima, temporária e legal limitação do direito de propriedade dos Autores, que até se encontram a residir, na Alemanha.
A dificuldade da presente acção resulta da natureza do contrato celebrado pela Recorrente com as agências de turismo; do facto dos consumidores do imóvel estarem no gozo de férias, durante um período de tempo limitado e do preço que os mesmos pagam para usufruírem daquele espaço, no seu período de férias.
Porém, tudo, circunstâncias que, em caso algum, são oponíveis à recorrida.
XXX. O instituto da responsabilidade civil exige “dolo ou mera culpa” na violação ilícita do “direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios”. O que, no caso concreto, nem sequer foi alegado, quanto mais provado (o dito “dolo” foi alegado, agora, pela primeira vez, nas alegações a que se responde).
XXXI. Os ruídos e as poeiras produzidos pela demolição da vivenda da recorrida foram a consequência normal da necessidade de demolição da mesma, a qual se impunha, perante as patologias dadas como provadas do imóvel e perante os riscos para a segurança das pessoas e veículos que pudessem andar, ou circular, perto do prédio.
XXXII. Perante as patologias do imóvel da recorrida, a “utilização normal do prédio (…)” consistia, exactamente, na sua demolição; pois, se assim não fosse, a recorrida correria o risco de vir a ser confrontada com uma acusação por homicídio por negligência, por força do previsto e punido no n.º 1 do artigo 137.º do Código Penal, ou mesmo no, n.º 2 do mesmo artigo, por negligência grosseira.
XXXIII. Perante as patologias de construção da vivenda da recorrida, dadas como provadas, a verdade é que sobre a recorrida recaía o dever de demolir o prédio que adquiriu.
Termos em que:
Negando provimento ao recurso intentado pela Recorrente, se fará JUSTIÇA
TIMBRE DESSE ALTO TRIBUNAL.
Os recursos foram admitidos e foram colhidos os vistos, pelo que cumpre decidir.

II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 663º, nº 2, do CPC é pelas conclusões das alegações de recurso que se delimita o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Este Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, desde que prejudicadas pela solução dada ao litígio.
Em face das conclusões dos recursos, verificamos que em ambos suscita-se a questão dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
No recurso dos AA. suscitam-se ainda outras duas questões:
i) Impugnação da decisão de facto;
ii) Danos;
iii) Conflito de direitos;
iv) Liquidação para execução de sentença.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
A sentença recorrida considerou provada e não provada a seguinte matéria de facto (que se transcreve):
-Factos provados:
1- A autora mulher é titular da nua propriedade do imóvel urbano composto de uma moradia na Urbanização (…), n.º 28, inscrita na matriz urbana da freguesia de Lagoa sob o artigo (…), descrita no Registo Predial sob a ficha (…), da qual o autor marido é usufrutuário (resposta ao art.º 1º da p.i.).
2- Os AA. ultimamente têm residência permanente na Alemanha (resposta ao art.º 2º da p.i.).
3- Os AA. têm rentabilizado o imóvel referido em 1 destes factos provados no arrendamento a turistas nacionais e estrangeiros, que procuram tal produto (resposta ao art.º 3º da p.i.).
4- A moradia em causa, é um imóvel construído em 2003, decorado, com piscina aquecida, vista de mar, 4 quartos e capacidade para 8 pessoas, situado em local tranquilo (resposta ao art.º 4º da p.i.).
5- A moradia dos AA. encontra-se legalizada e licenciada para esta atividade comercial, conforme consta dos documentos juntos como doc. 4 e doc. 5 da p.i., de onde consta a sua composição com Rés-do-chão, primeiro andar, com tipologia Tipo T4, com piscina, capacidade para oito pessoas e quatro quartos (resposta ao art.º 5º da p.i.).
6- Os preços de aluguer por semana, que foram estabelecidos em 10.7.2015 pela Agência (…), com quem os AA. trabalham para o aluguer da sua moradia e com quem as reservas são tratadas com antecedência, para vigorar desde então, são os seguintes:
- de 01 janeiro até 30 junho 2016: € 2.900,00;
- de 01 julho até 31 agosto 2016: € 3.900,00;
- de 01 setembro até 31 dezembro 2016: € 2.900,00;
sendo que a (…) cobra 20% de comissão, consistindo a época normal em 36 semanas, de abril a outubro, e que o acordo com a (…) não é exclusivo daquela agência e tanto os AA. como outras agências promovem o aluguer (resposta aos artºs 6º a 8º e 27º da p.i.).
7- Os RR foram ambos proprietários da moradia implantada no lote 27, ao lado da moradia dos AA., sendo que a 4 de Julho de 2015 já só a R. era dona desse imóvel (resposta ao art.º 9º da p.i.).
8- No dia 4 de Julho de 2015, a R iniciou a demolição da moradia, da piscina e toda a demais construção ali existente, sem deterem, no caso, licença para o efeito (resposta aos artºs 10º e 18º da p.i.).
9- Aquela atividade foi realizada através da empresa “(…) – Construções, Lda.”, cujo painel se encontrava então à data ali fixado (resposta aos artºs 11º da p.i. e 9º e 13º da contestação dos RR.).
10- A atividade de demolição causou no local aos vizinhos inconvenientes, pelo barulho e poeira que emitia (resposta ao art.º 12º da p.i.).
11- Com data de 21.07.2015, os AA. através do seu legal representante, apresentaram na Camara Municipal de Lagoa, uma reclamação (a qual constitui o doc. 9 junto com a p.i, aqui se dando por reproduzido o seu teor), a que se seguiu uma notificação à Ré mulher (resposta aos artºs 13º e 14º da p.i.).
12- Com data de 22/07/2015, o legal representante dos AA enviou à C. M. Lagoa, o requerimento que se encontra junto como doc. 10 da p.i, , aqui se dando por reproduzido o seu teor (resposta ao art.º 15º da p.i.).
13- Com data de 02.11.2015, a Câmara Municipal de Lagoa, promoveu o embargo da obra, conforme consta da notificação que se encontra junta como doc. 11 da p.i., com a instauração do processo contraordenacional contra os RR., sendo que, entretanto, a demolição fora integralmente concluída (resposta aos artºs 16º e 19º da p.i. e 32º da contestação dos RR.).
14- Em 19.12.2016, em Inspeção ao local a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, ali concluiu, nomeadamente, que a moradia dos RR. “…se encontra completamente demolida, com terreno já terraplanado, mas sem ter sido ainda iniciada a construção da nova moradia (resposta ao art.º 20º da p.i.).
15- Devido ao referido em 8 a 10, 13 e 14, destes factos provados, os autores tiveram de devolver a clientes que haviam efetuado reservas para estadia na sua moradia, ou deixaram de rentabilizar a moradia aos clientes que se identificam, nos seguintes valores:
- 18.7.2016 Família (…): € 3.500,00;
- 29.8.2016 (…): € 4.000,00;
- agosto de 2016 (…): € 3.900,00;
- outubro de 2016 (…): € 2.000,00;
- novembro de 2016 (…): € 2.900,00;
- dezembro de 2016 (…): € 5.800,00;
num total de € 22.100,00 (resposta ao art.º 21º da p.i.).
16- Despenderam os AA. custo com honorários de advogado para defesa dos seus interesses na Câmara Municipal de Lagoa, no valor de € 1.537,50 (resposta ao art.º 23º da p.i.).
17- Devido ao problema havido nos anos de 2015 e 2016, a (…) tirou a casa dos AA. do mercado, até a situação estar resolvida (resposta aos artºs 24º a 26º da p.i.).
18- Pese embora os AA. terem perdido os valores acima referidos referente ao ano de 2016, naquele ano, os AA. ainda obtiveram de receita o valor anual de € 27.000,00 (resposta ao art.º 28º da p.i.).
19- Os AA. já foram contactados por clientes que pretendem voltar, quando não houver obras, barulho ou pó, mas a atividade de arrendamento ainda não foi retomada (resposta ao art.º 30º da p.i.).
20- Surgiram, entretanto, rachas e fissuras na piscina dos AA. (resposta ao art.º 33º da p.i.).
21- A (…) comunicou aos RR. que estava habilitada a proceder às obras, que tudo estava autorizado e que acatava, em todas as suas obras, os regulamentos de segurança e de salvaguarda do ruído e direito ao silêncio, nunca produzindo ruídos, ou barulhos, fora dos horários permitidos por lei (resposta aos artºs 10º, 11º, 28º, 29º e 41º da contestação dos RR.).
22- Os réus não se encontravam na obra e não a dirigiam (resposta aos artºs 30º da contestação dos RR. e 22º da contestação da interveniente …).
23- A ré viu-se forçada a demolir o seu edifício, porque o mesmo evidenciava, aos olhos dos técnicos de construção que alguns elementos estruturais verticais (pilares) estavam apoiados, diretamente, no terreno, ou sobre blocos de betão (resposta aos artºs 26º, 42º e 43º da contestação dos RR. e 19º, 31º e 32º da contestação da interveniente …).
24- A constatação deste facto levou a que se procedesse a uma inspeção mais rigorosa, para verificar os restantes elementos estruturais, tendo-se constatado que, na generalidade, vários pilares não tinham sapatas de fundação, nem travamento através de vigas de fundação (resposta aos artºs 44º da contestação dos RR. e 33º e 52º da contestação da interveniente …).
25- A fim de se proceder ao isolamento térmico e impermeabilização dos terraços e cobertura do piso superior, onde se verificavam, também, vestígios de infiltrações, procedeu-se na inspeção ao edificado, tendo-se concluído que as lajes de pavimento e vigas estruturais, em contacto com o exterior, apresentavam-se em estado de degradação, com oxidação das armaduras e sem recobrimento regulamentar (resposta aos artºs 45º da contestação dos RR. e 34º e 53º da contestação da interveniente …).
26- Detetou-se, ainda, fissuração em paredes e elementos de construção (vigas e pilares) o que indiciava a existência de problemas estruturais (resposta aos artºs 46º da contestação dos RR. e 35º e 54º da contestação da interveniente …).
27- Perante estes factos, os técnicos que assessoram os réus concluíram que não havia solução técnico-económica possível que garantisse, no futuro, a segurança dos utentes, pelo que o aproveitamento do lote de terreno, com a sua implantação, localização e vista de Mar, em condições responsáveis e compatíveis com a segurança de quem lá viesse a viver, implicava necessariamente a demolição de todos os elementos estruturais que evidenciassem deterioração ou condições de execução não regulamentares (resposta aos artºs 47º, 48 e 65º da contestação dos RR. e 36º, 37º, 55º e 69º da contestação da interveniente …).
28- A (...) tem como objeto social “a construção, manutenção, renovação, e remodelação de edifícios, moradias e piscinas” (resposta ao art.º 46º da contestação da interveniente …).
29- E exerce a atividade de construção civil licenciada para o efeito, titulada pelo respetivo Alvará de Construção Civil e Obras Públicas (resposta ao art.º 47º da contestação da interveniente …).
30- A execução dos trabalhos contratados pela Ré consistia na remodelação interna do Lote 27, com substituição de pavimentos e revestimento de paredes, instalações de abastecimento, de águas e de drenagem de águas residuais, eletricidade e telecomunicações e incluía para efeitos de garantia de acessibilidades e de mobilidade dos Réus, a execução de trabalhos de supressão dos desníveis existentes no piso inferior, sendo que só ao iniciar a execução dos referidos trabalhos, concretamente a supressão dos desníveis existentes no piso inferior, os quais obrigaram em média a uma escavação de 25 cm abaixo da cota de soleira, a (…) verificou que alguns elementos estruturais verticais (pilares) estavam apoiados diretamente no terreno ou sobre blocos de betão, o que poderia causar uma derrocada iminente, com eventual perda de vidas humanas, pelo que, perante tal constatação, foi feita uma inspeção no sentido de avaliar os restantes elementos estruturais (resposta aos artºs 48º a 51º da contestação da interveniente …).
31- A (…) deu conhecimento da situação à Ré, que se decidiu pela demolição de todos os elementos estruturais que evidenciassem deterioração condições construtivas não regulamentares, o que veio a acontecer (resposta ao art.º 56º da contestação da interveniente …).
32- A urbanização onde se incluem ambos os lotes, de AA. e R., é constituída por prédios urbanos, maioritariamente de um só piso, destinados a habitação, em estilo de moradia, limitados por muros (resposta aos artºs 57º e 58º da contestação da interveniente …).
33- A (…) procurou minimizar o impacto da emissão de poeiras, designadamente, regando o entulho que tirava da obra e carregava para ser removido e colocando tapumes (resposta ao art.º 79º da contestação da interveniente …).
Factos não provados:
A matéria dos artigos 22º da p.i., 55º da contestação dos RR., 44º e 45º, na parte em que se refere que só com a citação a interveniente teve conhecimento do pedido formulado pelos autores (sendo o demais conclusivo) e 61º da contestação da interveniente (…).

IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
i) Impugnação da decisão de facto:
Os autores/Recorrentes põem em causa a decisão sobre a matéria de facto incluída na decisão recorrida, sustentando o seguinte: i) devem ser alterados os factos provados com os números 23, 24, 25, 26, 27, 30 e 31, devendo a resposta única considerar: provado apenas que desde o ano de 2014, que a Ré tinha pendente processo para demolição e reconstrução total da moradia e piscina ii) deve ser aditado um novo facto provado com a seguinte redação: “provado que a moradia dos apelantes a que os autos se referem sem os constrangimentos da obra mencionada no facto nº 8, teria um rendimento anual mínimo de € 60.000,00”.
Dispõe o artigo 662.º do Código de Processo Civil, no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Esta reapreciação da decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto deve, de forma a assegurar o duplo grau de jurisdição, ter a mesma amplitude que o julgamento efetuado na 1.ª instância, o que importa a apreciação da prova produzida, com vista a permitir à Relação formar a sua própria convicção.
Factos postos em causa:
23- A ré viu-se forçada a demolir o seu edifício, porque o mesmo evidenciava, aos olhos dos técnicos de construção que alguns elementos estruturais verticais (pilares) estavam apoiados, diretamente, no terreno, ou sobre blocos de betão.
24- A constatação deste facto levou a que se procedesse a uma inspeção mais rigorosa, para verificar os restantes elementos estruturais, tendo-se constatado que, na generalidade, vários pilares não tinham sapatas de fundação, nem travamento através de vigas de fundação.
25- A fim de se proceder ao isolamento térmico e impermeabilização dos terraços e cobertura do piso superior, onde se verificavam, também, vestígios de infiltrações, procedeu-se na inspeção ao edificado, tendo-se concluído que as lajes de pavimento e vigas estruturais, em contacto com o exterior, apresentavam-se em estado de degradação, com oxidação das armaduras e sem recobrimento regulamentar.
26- Detetou-se, ainda, fissuração em paredes e elementos de construção (vigas e pilares) o que indiciava a existência de problemas estruturais.
27- Perante estes factos, os técnicos que assessoram os réus concluíram que não havia solução técnico-económica possível que garantisse, no futuro, a segurança dos utentes, pelo que o aproveitamento do lote de terreno, com a sua implantação, localização e vista de Mar, em condições responsáveis e compatíveis com a segurança de quem lá viesse a viver, implicava necessariamente a demolição de todos os elementos estruturais que evidenciassem deterioração ou condições de execução não regulamentares.
30- A execução dos trabalhos contratados pela Ré consistia na remodelação interna do Lote 27, com substituição de pavimentos e revestimento de paredes, instalações de abastecimento, de águas e de drenagem de águas residuais, electricidade e telecomunicações e incluía para efeitos de garantia de acessibilidades e de mobilidade dos Réus, a execução de trabalhos de supressão dos desníveis existentes no piso inferior, sendo que só ao iniciar a execução dos referidos trabalhos, concretamente a supressão dos desníveis existentes no piso inferior, os quais obrigaram em média a uma escavação de 25 cm abaixo da cota de soleira, a (…) verificou que alguns elementos estruturais verticais (pilares) estavam apoiados diretamente no terreno ou sobre blocos de betão, o que poderia causar uma derrocada iminente, com eventual perda de vidas humanas, pelo que, perante tal constatação, foi feita uma inspeção no sentido de avaliar os restantes elementos estruturais.
31- A (…) deu conhecimento da situação à Ré, que se decidiu pela demolição de todos os elementos estruturais que evidenciassem deterioração condições construtivas não regulamentares, o que veio a acontecer.
O Tribunal a quo formou a sua convicção relativamente a estes factos da seguinte forma:
“Do ponto de vista da versão apresentada pela defesa, relevaram no essencial as declarações do legal representante da interveniente (…), o qual confirmou o estado em que se encontrava e moradia da ré, as obras que ali se pretendiam efetuar e a necessidade, que repentina e surpreendentemente, se colocou de a moradia ser demolida, por não cumprir com os requisitos mínimos de segurança para ali se poder estar.
Isto mesmo foi manifestado também pelo seu funcionário (…), o qual também testemunhou a respeito dos cuidados postos, nomeadamente, na remoção do entulho, e colocação de tapumes, embora também tinha admitido que tal possa não ter logrado minorar sensivelmente os efeitos das obras, referindo textualmente que “não há obras sem pó”.
Ainda a respeito do licenciamento da obra, sobre o qual também se referiu o representante legal da interveniente, a testemunha que exerce funções na Câmara Municipal de Lagoa, (…), acrescentou que não houve licenciamento da obra porque, numa fase inicial, as obras que era necessário fazer não requereriam esse licenciamento, sendo que quando se colocou a necessidade de demolição, a mesma foi feita de forma repentina, rápida, como era aconselhável.
Os intervenientes referidos, de um modo geral, depuseram de modo bastante claro, de forma lógica e denotando espontaneidade, o que abonou a favor da credibilidade dos seus depoimentos, ponderados tendo em conta as posições das partes e também a demais prova, nomeadamente, documental junta aos autos”.
Cumpre decidir:
Segundo os AA/Recorrentes o doc. 8 junto com a petição inicial é um documento autêntico e de prova vinculada de autoria da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve e que nenhuma das partes pôs em causa em sede de contestação nem em qualquer outro incidente foi suscitado que pudesse por em causa a força probatória de tal documento. Consta do referido documento que desde 2014 – data da pendência do processo, que os réus pretendiam a demolição e reconstrução da nova moradia e da piscina, pelo que as respostas aos factos nº 23, 24, 25, 26, 27, 30 e 31 colidem com a força probatória de tal documento, e que como tal devem ser alterados porque ali se tenta dar como provados factos com base em prova testemunhal, que contrariam a prova documental de força vinculada que tal documento da CCDR produz.
A R./apelada sustenta que tal documento não pode ser qualificado como documento autêntico.
Nos termos do artigo 363º, nº 2, CC, são autênticos os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de atividades que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública.
E de acordo com o artigo 369º, nº 1, CC, o documento só é autêntico quando a autoridade ou oficial público que o exara for competente, em razão da matéria e do lugar, e não estiver legalmente impedido de o lavrar, acrescentando, porém, o nº 2 deste artigo que se considera exarado por autoridade ou oficial público competente o documento lavrado por quem exerça publicamente as respetivas funções, a não ser que os intervenientes ou beneficiários conhecessem, no momento da sua feitura, a falsa qualidade da autoridade ou oficial público, a sua incompetência ou a irregularidade da sua investidura.
O artigo 370º, nº 1, CC, consagra uma presunção de autenticidade, ao estabelecer que se presume que o documento provém da autoridade ou oficial público a quem é atribuído, quando estiver subscrito pelo autor com assinatura reconhecida por notário ou com o selo do respetivo serviço.
Esta presunção de autenticidade pode ser ilidida, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, mediante prova em contrário, e pode ser excluída oficiosamente pelo tribunal quando seja manifesta pelos sinais exteriores do documento a sua falta de autenticidade; em caso de dúvida, pode ser ouvida a autoridade ou oficial público a quem o documento é atribuído.
Estes normativos reportam-se à autenticidade do documento, ou seja, à sua proveniência (força probatória formal).
A falta de reconhecimento da assinatura ou a aposição de selo branco não afasta automaticamente a autenticidade do documento; significa apenas que o documento não beneficia da presunção legal de autenticidade.
Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 4ª edição, pág. 327:
«Ao estabelecer-se uma presunção de autenticidade (consagrando assim expressamente a velha máxima jurídica do scripta publica probant se ipsa) não quer dizer que não possa, noutros casos, considerar-se o documento como autêntico. O que não existe é uma presunção legal; mas pode inclusivamente existir uma presunção de facto suficiente para formar a convicção do tribunal».
O documento foi exarado em papel timbrado do CCDR, sendo por essa razão legítimo presumir a sua autenticidade.
O artigo 371º, nº 1, CC, regula a força probatória dos documentos autênticos: os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como os factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.
Esta força probatória apenas pode ser abalada através da prova do contrário a produzir em sede de incidente de falsidade, por força do disposto no artigo 372º, nº 1, CC, incidente que não foi oportunamente deduzido (i).
O documento em causa deve ser qualificado como documento autêntico, porque foi subscrito por uma entidade dotada de autoridade pública – artigos 4º do Decreto-Lei n.º 134/2007, de 27 de Abril e 363.º, n.º 2, do CC.
Assente que está que o documento de fls. 8 faz prova plena dos factos aí atestados, importará determinar o seu alcance, isto é, interpretá-lo.
1. Foi efetuado, pelas 11:20H de 19-12-2016, uma ação de fiscalização ao local, conjuntamente com elementos do Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) da GNR de Silves.
2. Nesta ação de fiscalização verificou-se que a moradia preexistente no lote n.º 27, o qual incide integralmente em área da Reserva Ecológica Nacional (REN), na tipologia «Praias, Arribas e respetivas Faixas de Proteção», se encontra já completamente demolida, com o terreno já terraplanado, mas sem ter sido ainda iniciada a construção da nova moradia com piscina, apresentando um aterro no setor sul do mesmo lote, mas que, aparentemente, grande parte já existiria previamente à demolição.
3. De relevar que, com esta ação no terreno se pretendia verificar se a nova moradia efetivamente correspondia à implantação e número de pisos previstos no projeto aprovado e/ou se a nova piscina se situava dentro do polígono de construção inicialmente aprovado para o lote em questão, ou se fora dele, situação que constitua uma infração, porquanto tal contexto tinha merecido a “definitiva decisão de rejeição” da comunicação prévia por esta CCDR, nos termos do regime jurídico da REN, conforme N/Informação nº (…), de 19-03-2015.
4. Deste modo, uma vez que as novas construções ainda não tinham sido iniciadas, mas apenas concluída a demolição da moradia preexistente, não se verifica qualquer ilegalidade associada ao lote de terreno em causa, pelo que não foi levantado qualquer auto de notícia e, muito menos, seria aplicável ao momento qualquer embargo.
5. Assim, propõe-se superiormente que se aguarde os desenvolvimentos desta situação no terreno e que seja esta informação levada ao conhecimento da Camara Municipal de Lagoa e da Administração da Região Hidrográfica (ARH) do Algarve da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), para os devidos efeitos, bem como da reclamante, a título de resposta às reclamações oportunamente apresentadas nesta CCDR”.
Constatamos assim que este documento autêntico, não é suscetível de por em causa os factos nº 23, 24, 25, 26, 27, 30 e 31 já que a simples referência que consta do mesmo “(…)” não permite a interpretação pretendida pelos AA/Recorrentes.
Os AA./Recorrentes pretendem ainda que seja aditado um novo “facto provado” com a seguinte redação: “provado que a moradia dos apelantes a que os autos se referem sem os constrangimentos da obra mencionada no facto nº 8, teria um rendimento anual mínimo de € 60.000,00.
Na decisão sobre a matéria de facto apenas devem constar os factos provados e os factos não provados, com exclusão de afirmações genéricas, conclusivas e que comportem matéria de direito.
Na verdade, dispõe o art.º 607.º, n.º 4, do CPC, “Na fundamentação (da sentença) o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados (…)” – os factos, repete-se, que não conclusões, generalidades ou matéria de direito.
O pretendido aditamento contém uma conclusão, pois era necessário terem sido alegados factos materiais (e só estes podiam constar da decisão de facto) para se poder concluir pelo rendimento anual mínimo de € 60.000,00. Conclui-se assim pela improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto.

II) Pressupostos da responsabilidade civil extracontratual
No caso dos autos, está em causa a emissão de barulho e poeira causada pela atividade de demolição da moradia da Ré (facto 10).
Alega, a R/Recorrente que não se encontram preenchidos os requisitos da responsabilidade extracontratual, porquanto limitou-se a exercer o direito de proceder a obras de demolição da moradia de sua propriedade, devido à mesma apresentar os defeitos de construção provados; não houve dolo ou mera culpa na violação ilícita do direito de outrem ou de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios; assim como não houve prejuízo substancial para o uso do imóvel do proprietário confinante. Acresce que os AA. não alegaram o horário dentro do qual as obras decorreram, sendo certo que a produção de ruido temporária é licita, nos dias úteis entre as 8 horas da manhã e as 20 horas da noite, nos termos do DL nº 9/2007, de 17 de janeiro.
Por sua vez, os AA/Apelantes entendem que o comportamento das apeladas foi manifestamente ilegal, porque sem licenciamento para o efeito e depois de ter sido indeferido o pedido, pelo que se verificam todos os pressupostos da responsabilidade extracontratual da ré e da interveniente que as obriga ao ressarcimento integral dos danos que o comportamento causou e continuara a causar.
Cumpre decidir:
Estamos no domínio da responsabilidade civil por facto ilícito, cujo princípio encontra-se consagrado no art.º 483º do Cód. Civil: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação (nº 1), acrescentando-se que “só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei” (nº 2).
Em correlativo com os referidos aspetos, apontam-se na terminologia técnica corrente, como elementos constitutivos da responsabilidade civil extracontratual: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
O facto voluntário que lesa interesses alheios só obriga a reparação havendo ilicitude- que consiste na infração de um dever jurídico.
A ilicitude pode revestir duas modalidades: a) a violação de um direito de outrem, ou seja, na infração de um direito subjetivo, nomeadamente os direitos reais e os direitos de personalidade; b) violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios, e que poderíamos designar por normas de proteção. Esta categoria de ilicitude exige os seguintes pressupostos:
a) A não adoção de um comportamento, definido em termos previstos pela norma;
b) Que o fim dessa imposição seja dirigido à tutela de interesses particulares;
c) A verificação de um dano no âmbito do círculo de interesses tutelados por esta via.
“Se a norma for dirigida a proteger o interesse público e só reflexamente atingir interesses particulares, estará naturalmente excluída a possibilidade de um particular exigir indemnização” (ii).
A culpa, lato sensu, abrange a mera culpa e o dolo. Aquela consiste no simples desleixo, imprudência ou inaptidão. No dolo, o agente tem a representação do resultado danoso, sendo o ato praticado com a intenção malévola de produzi-lo, ou apenas aceitando-se reflexamente esse efeito (iii).
Atendendo ao disposto no art.º 487º, nº 2, do Código Civil, na falta de outro critério legal, a culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.
O dano pode ser patrimonial ou não patrimonial, conforme seja ou não suscetível de avaliação pecuniária.
Dentro do dano patrimonial cabe não só o dano emergente, como o lucro cessante.
O art.º 1305.º do Código Civil, que trata do conteúdo do direito de propriedade, estabelece que “O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”.
As limitações emergentes do direito público, que procuram combinar o direito de propriedade com o interesse coletivo, são diversas, em correspondência com os diferentes fins relevantes a salvaguardar, como é o caso da "fixação de regras mínimas a observar na construção de edifícios, por razões de segurança, salubridade e higiene e ainda de ordem estética, ligadas nomeadamente, à boa ordenação urbanística das povoações" (iv).
Como esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela (v),
“As restrições a que se refere a parte final do dispositivo em questão, podem ser de interesse público e de interesse privado, sendo estas últimas as que resultam das relações de vizinhança. “Têm elas em vista regular os conflitos de interesses que surgem entre vizinhos, em consequência da solidariedade dos seus direitos, ou seja, em virtude da impossibilidade de os direitos de propriedade serem exercidos plenamente sem afetação dos direitos dos vizinhos”.
As limitações emergentes do direito público constam, nomeadamente, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), aprovado pelo DL n.º 555/99, de 16 de dezembro e procuram combinar o direito de propriedade com o interesse coletivo.
O proprietário de qualquer dos edifícios confinantes goza dos poderes gerais, entre os quais se inclui o de demolição e de reconstrução de acordo com as normas urbanísticas, mas na execução dessas ou de outras obras necessariamente terão de ser tomadas em consideração tanto as circunstâncias anteriormente existentes, como as consequências que previsivelmente possam afetar o edifício confinante (vi).
Dispõe o art.º 1346º do CC com a epígrafe “Emissão de fumo, produção de ruídos e factos semelhantes”:
“O proprietário de um imóvel pode opor-se, designadamente, à emissão de ruídos provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam”.
Com efeito, deve “entender-se que, além de estar sujeito às restrições ou limitações que a lei lhe impõe (dever de abstenção), o proprietário tem a obrigação de adotar as medidas adequadas (dever de conteúdo positivo) a evitar o perigo criado pela sua própria atuação, ou decorrente, por outros motivos, das coisas que lhe pertencem (dever de prevenção do perigo)” – vide os mesmos autores, pág. 95.
Há assim que conciliar o gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição da coisa atribuídos ao proprietário no art.º 1305º com o direito do proprietário do prédio vizinho de proibir nesse prédio, intromissões alheias.
Da interpretação do citado artigo 1346º resulta a proibição de todas as emissões que:
-importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel;
-não resultem de utilização normal no prédio de que emanam.
“O prejuízo substancial para o uso do imóvel constitui um conceito indeterminado de preenchimento valorativo segundo as circunstâncias do caso concreto. De todo o modo, ele pressupõe a análise do fim a que o imóvel se encontra afeto e a constatação que a sua prossecução fica comprometida com as emissões do prédio vizinho, causando danos ao titular ou titulares de direitos reais sobre o prédio atingido” (vii).
Ensinam Pires de Lima e Antunes Varela (viii) “para que seja fundada a oposição, exige o art.º 1346º que se verifique um de dois casos: que as emissões importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel vizinho, ou que não resultem da utilização normal do prédio de que emanam. Não se exige a verificação conjunta dos dois requisitos. Basta que ocorra um deles, pois que funcionam em alternativa. Se houver um prejuízo substancial para o prédio vizinho, pouco importa que as emissões resultem da utilização normal do prédio donde emanam. E se não corresponderem à utilização normal deste, pouco adianta também que o prejuízo causado pelas emissões não seja substancial.
Exigindo-se um prejuízo substancial, põem-se de lado as emissões que produzam um dano não essencial. O prejuízo deve ser apreciado, além disso, objetivamente, atendendo-se à natureza e finalidade do prédio, e não segundo a sensibilidade do dano”.
Referem ainda estes autores que (ix) “As emissões desnecessárias, seja qual for o prejuízo que causem aos prédios vizinhos, devem considerar-se sempre ilícitas, quer porque traduzem uso anormal do prédio de que emanam, quer porque envolvem, na maior parte dos casos, um abuso de direito (vide Vaz Serra, na R.L.J., 103º, pág. 378).
Conforme refere José Alberto C. Vieira (x) “Logo, porém, que do uso anormal do prédio resultem emissões que causem danos, ainda que estes não representem um “prejuízo substancial” no sentido do art.º 1326º, essas emissões são ilícitas, podendo ser impedidas pelos titulares de direitos reais de gozo sobre o prédio afetado, havendo ainda lugar à imputação dos danos, a título de responsabilidade civil extracontratual, ao seu autor”.
Por outro lado, ainda que decorram de uso normal do prédio, são ilícitas as emissões que causam um prejuízo substancial ao prédio vizinho. A teleologia do preceito é a de salvaguardar o gozo da coisa pelos titulares dos direitos reais, pelo que, ainda que o uso que desencadeia as emissões seja um uso normal da coisa, as emissões que causam um prejuízo substancial são ilícitas”.
No caso em apreço, a ré viu-se forçada a demolir o seu edifício, porque o mesmo evidenciava, aos olhos dos técnicos de construção que alguns elementos estruturais verticais (pilares) estavam apoiados, no terreno, ou sobre blocos de betão (facto 23); a constatação deste facto levou a que se procedesse a uma inspeção mais rigorosa, para verificar os restantes elementos estruturais, tendo-se constatado que, na generalidade, vários pilares não tinham sapatas de fundação, nem travamento através de vigas de fundação (facto 24); a fim de se proceder ao isolamento térmico e impermeabilização dos terraços e cobertura do piso inferior, onde se verificavam, também, vestígios de infiltrações, procedeu-se na inspeção ao edificado, tendo-se concluído que as lajes de pavimento e vigas estruturais, em contacto com o exterior, apresentavam-se em estado de degradação, com oxidação das armaduras e sem recobrimento regulamentar (facto 25); detetou-se, ainda, fissuração em paredes e elementos de construção (vigas e pilares) o que indiciava a existência de problemas estruturais (facto 26); perante estes factos, os técnicos que assessoram os réus concluíram que não havia solução técnico-económica possível que garantisse, no futuro, a segurança dos utentes, pelo que o aproveitamento do lote de terreno, com a sua implantação, localização e vista de mar, em condições responsáveis e compatíveis com a segurança de quem lá viesse a viver, implicava necessariamente a demolição de todos os elementos estruturais que evidenciassem deterioração ou condições de execução não regulamentares (facto 27); a execução dos trabalhos contratados pela ré consistia na remodelação interna do lote 27, com substituição de pavimentos e revestimento de paredes, instalações de abastecimento, de águas e de drenagem de águas residuais, eletricidade e telecomunicações e incluía para efeitos de garantia de acessibilidades e de mobilidade dos réus, a execução de trabalhos de supressão dos desníveis existentes no piso inferior, sendo que só ao iniciar a execução dos referidos trabalhos, concretamente a supressão dos desníveis existentes no piso inferior, os quais obrigaram em média a uma escavação de 25cm abaixo da cota da soleira, a (…) verificou que alguns elementos estruturais verticais (pilares) estavam apoiados diretamente no terreno ou sobre blocos de betão, o que poderia causar uma derrocada iminente, com eventual perda de vidas humanas, pelo que, perante tal constatação, foi feita uma inspeção no sentido de avaliar os restantes elementos estruturais (facto 30).
Entendemos assim, que a emissão de ruído e poeira causada pela demolição de uma moradia que indiciava a existência de problemas estruturais, não se pode considerar desnecessária.
Sustenta a R./Recorrente que o comportamento das Apeladas foi manifestamente ilegal porque sem licenciamento para o efeito e depois de ter sido indeferido o pedido.
Relativamente a esta questão, cumpre começar por afirmar que a ilicitude que aqui está em causa não é a licitude ou ilicitude de natureza administrativa, da violação ou não de normas de conteúdo administrativo, que regulem o exercício da atividade da construção civil, ainda que no limite essas normas se traduzam (ainda) na proteção e defesa de direitos individuais (para além dos coletivos).
Assim sendo, não é decisivo saber em que horário se produziu o ruido, e se infringiu o disposto no DL nº 9/2007, de 17 de janeiro (sustentado pela R./Recorrente), assim como a falta de licenciamento prévio para a obra de demolição de moradia, exigido pelo artigo 76º do DL 555/99 (sustentada pelos AA/Recorrentes).
O que importa averiguar e decidir é apenas se a emissão de barulho e poeira resultante das obras de demolição da moradia da R. violou o direito de outrem, no caso o direito de propriedade dos autores, cumprindo esclarecer que não foi alegado a violação de qualquer direito de personalidade.
Importa, pois, analisar se a emissão de barulho e poeira decorre das obras de demolição importou um prejuízo substancial para o uso de prédio vizinho que tem como fim o arrendamento para turistas.
A doutrina e a jurisprudência estão em consonância quanto ao sentido normativo de “prejuízo substancial”. Terá de ser analisado objetivamente, de acordo com a sua natureza e finalidade, dentro do contexto social, económico e cultural em que se localiza, sendo indiferente a sensibilidade do seu proprietário. O que quer dizer que só são atendíveis as emissões que causem danos essenciais (que atinjam a essência do uso do prédio), sendo excluídas as que produzem prejuízos não essenciais. Estas enquadram-se dentro da tolerância inerente às relações de vizinhança. Mas claro está, dentro dum uso normal do prédio emissor.
Do acervo dos factos dados como provados, retiram-se, com utilidade para esse efeito, os seguintes:
- no dia 4.07.2015, a R. iniciou a demolição da moradia, da piscina e toda a demais construção ali existente, sem deterem, no caso, licença para o efeito;
- aquela atividade foi realizada através da empresa (…) – Construções, Lda.;
- a atividade de demolição causou no local aos vizinhos inconvenientes, pelo barulho e poeira que emitia;
- a (…) procurou minimizar o impacto da emissão de poeiras, designadamente, regando o entulho que tirava da obra e carregava para ser removido e colocando tapumes;
- com a data de 2.11.2015, a Câmara Municipal de Lagoa promoveu o embargo da obra, com a instauração de processo contraordenacional contra os RR, sendo que entretanto a demolição fora integralmente concluída;
- a moradia dos AA encontra-se legalizada e licenciada para esta atividade comercial;
- os autores tiveram de devolver a clientes que haviam efetuado reservas para estadia na sua moradia, ou deixaram de rentabilizar a moradia aos clientes que se identificam, nos seguintes valores:
- 18.7.2016 Família (…): € 3.500,00;
- 29.8.2016 (…): € 4.000,00;
- agosto de 2016 (…): € 3.900,00;
- outubro de 2016 (…): € 2.000,00;
- novembro de 2016 (…): € 2.900,00;
- dezembro de 2016 (…): € 5.800,00;
Num total de € 22.100,00.
- os AA. despenderam com honorários de advogado para defesa dos seus interesses na Câmara Municipal de Lagoa, o valor de €1.537,50;
-devido ao problema havido nos anos de 2015 e 2016, a (…) tirou a casa dos autores do mercado, até a situação estar resolvida;
-pese embora os autores terem perdido os valores acima referidos referente ao ano de 2016, naquele ano, os autores ainda obtiveram receita o valor anual de € 27.000,00;
-os autores já foram contactados por clientes que pretendem voltar, quando não houver obras, barulho ou pó, mas a atividade de arrendamento ainda não foi retomada.
Cumpre referir que não estamos perante uma área protegida, na qual seja proibida as obras de construção e demolição, pelo que a generalidade das pessoas residentes no local pode estar sujeita ao ruido e poeiras resultante destas obras, não tendo sido provado (e não foi alegado) quais os valores dos ruídos e das poeiras causados pela demolição em causa, para se poder aquilatar da gravidade dos inconvenientes.
Decorre dos factos provados, que o prédio dos AA. continua apto para poder ser utilizado para arrendamento turístico, dado que a demolição foi uma atividade ruidosa, mas temporária (limitada provavelmente a alguns meses de 2015).
Acresce dizer que não decorre dos factos provados qual foi a duração da demolição, apenas sabendo que se iniciou no dia 4.07.2015 e que em 2.11.2015 quando a Câmara Municipal de Lagoa promoveu o embargo da obra já se encontrava completamente concluída (facto 13) e que os danos que resultaram provados referem-se a reservas de 2016 (facto 15); ou seja, referentes ao ano seguinte ao da demolição.
Faltam, assim, os requisitos de gravidade, continuidade ou até de periodicidade na emissão de barulho e poeira para o prédio vizinho, pois só nesta medida é que a concreta perturbação se pode configurar como excessiva e, por isso, intolerável.
Entendemos, assim, que os factos provados não traduzem um prejuízo substancial para o uso do prédio, afetando de forma grave o uso deste como local de arrendamento para turistas.
Também não é possível afirmar que a emissão de ruido e poeira resultem de um uso anormal do prédio da R.
Vejamos agora se verifica o dolo ou mera culpa exigidos pelo instituto da responsabilidade civil.
Na sentença recorrida, considerou-se como de partida a respeito da responsabilidade a aplicabilidade ao caso dos autos do disposto no art.º 493º do CC, que tem como consequência a aplicação de um regime mais simples e evidentemente penalizador para o proprietário do prédio que causar danos ao vizinho, o que desde já, discordamos.
Dispõe o artigo 493º, nº 1, do CC que: “Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar,…, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”, por seu turno o nº 2 do mesmo artigo diz: “Quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de o prevenir”.
A distinção entre o nº 1 e o nº 2 do art.º 493º reside em que no nº 1 se pressupõe a detenção material da coisa causadora do dano ou um dever de vigilância da parte do imputado responsável, no nº 2 é o carácter perigoso da atividade exercida que produz só por si a responsabilidade de quem a exerce.
Em qualquer dos casos, como ensina o Prof Antunes Varela (in Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 488 e seguintes) “as pessoas atingidas pela obrigação de indemnizar não respondem por facto de outrem, mas por facto próprio, visto a lei presumir que houve falta (omissão) de vigilância adequada”
A responsabilidade a que se refere o art. 493º do CC assenta sobre a ideia de que não foram tomadas as medidas de precaução necessárias para evitar o dano, “a presunção recai em cheio (diz o mesmo mestre) sobre a pessoa que detém a coisa com o dever de a vigiar”.
Ainda que no artigo 486º do Código Civil se reconheça a existência de um dever genérico de prevenção do perigo ou um dever de segurança relativamente aos donos de coisas privadas, este dever não se estende à prevenção de perigos ou deveres de segurança que estejam a cargo de outros, como é o caso, no contrato de empreitada, da execução da obra, a obrigação do empreiteiro que goza de autonomia técnica e funcional na realização da obra contratada.
A culpa da ré, ora Apelante não se presume nem ao nível do disposto no nº 1 do art. 493º nem ao nível do seu nº 2, pois, não foi o dono da obra mas quem operava e vigiava a execução dos trabalhos, ou seja a interveniente (empreiteira) (xi).
Acresce que decorre dos factos provados que a (…) comunicou aos RR que estava habilitada a proceder às obras, que tudo estava autorizada e que acatava, em todas as suas obras, os regulamentos de segurança e de salvaguarda do ruído e do direito ao silêncio, nunca produzindo ruídos, ou barulhos, fora dos horários permitidos por lei (facto 21); os réus não se encontravam na obra e não a dirigiam (facto 22). Acresce que conforme consta do facto 11 a ré foi notificada da reclamação dos AA., mas desconhece-se se nessa data, a demolição ainda estava em curso ou já tinha cessado, já que não foi alegado e como tal provado, a data da conclusão da demolição, sendo certo que o ónus da prova recaia sobre os autores, nos termos do artigo 342º, nº 1, do Código Civil.
Não é assim possível concluir que a R/Recorrente agiu com dolo ou mera culpa.
Não se encontram assim preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
x
Tendo em conta o decidido, fica assim prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas e acima enunciadas – artigo 608º, nº 2, do CPC.
x
Dispõe o artigo 634º, nº 2, do CPC que “Fora do caso do litisconsórcio necessário, o recurso interposto aproveita ainda os outros se tiverem sido condenados como devedores solidários, a não ser que o recurso, pelos seus fundamentos, respeite unicamente à pessoa do recorrente”.
No caso presente, a ré e a interveniente principal foram condenadas solidariamente, pelo que sendo agora a ré absolvida dos pedidos por não se verificaram os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, nomeadamente o facto ilícito, essa absolvição estende-se à interveniente principal (xii).
x
Em suma, procede a apelação interposta pela ré e improcede a apelação interposta pelos autores.
x
Nos quadros do art.º 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo a ré/Apelante obtido vencimento, as custas devidas pelos dois recursos serão suportadas pela parte vencida; ou seja, pelos autores/apelantes/apelados.

Sumário elaborado nos termos do 663º, nº 7, do CPC:
(…)
V- DECISÃO:
Com fundamento no atrás exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em:
a) Julgar improcedente a apelação interposta pelos autores (…) e (…).
b) Julgar procedente a apelação interposta pela ré (…) e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida que é substituída por outra que absolve a ré e a interveniente principal dos pedidos.
Custas de ambos os recursos pelos autores (Recorrentes e Recorridos).
Évora, 5 de dezembro de 2019
Mário Rodrigues da Silva - relator
José Manuel Barata
Conceição Ferreira

________________________
(i) Ac. do TRL de 18-06-2009, proc. 10786/2007-6, relatora Márcia Portela, www.dgsi.pt.
(ii) Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 15ª edição, Almedina, pp. 293-294.
(iii) Mário Júlio Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição, Almedina, p. 582.
(iv) Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 4a ed., pág. 201).
(v) C. Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 94 e 95).
(vi) Ac. do STJ de 29-03-2012, proc. 150-06.2TBALM.L1.S1, relator Abrantes Geraldes, www.dgsi.pt.
(vii) José Alberto C. Vieira, Direitos Reais, Coimbra Editora, pp. 342-343.
(viii) Código Civil Anotado, Volume III, 2ª Edição, Coimbra Editora, pp. 178-179.
(ix) Código Civil Anotado, Volume III, 2ª edição, Coimbra Editora Limitada, p. 179.
(x) Direitos Reais, Coimbra Editora, pp. 342-343.
(xi) Ac. do STJ de 21-04-2016, proc. 20/10.7TBBAO.P1.S1, relator Orlando Afonso, www.dgsi.pt.
(xii) Ac. do STJ de 8-10-2015, proc. 893/08.3TCSNT.L1.S1, relatora Maria dos Prazeres Beleza, www.dgsi.pt: “Tendo a ré e a interveniente principal sido condenadas solidariamente no pagamento de uma quantia indemnizatória, o recurso interposto pela primeira aproveita à segunda não recorrente, sem que haja necessidade de adesão ao recurso por parte desta – art. 634.º, n.º 2, do NCPC”.