Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2038/15.4T8TMR.E1
Relator: MÁRIO COELHO
Descritores: VENDA DE COISA FUTURA
PERDA OU DETERIORAÇÃO DA COISA
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. No contrato de compra e venda de eucaliptos verdes, ainda plantados, ocorre a venda de coisas móveis futuras, cuja propriedade se transfere para o adquirente a partir do momento de corte da madeira.
2. A responsabilidade pelo perecimento ou deterioração de madeira cortada, a partir do momento do corte ou separação do solo, corre pelo adquirente da mesma, a não ser que se demonstre que a coisa continuou em poder do alienante em consequência de termo constituído a seu favor.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo Local Cível de Tomar, (…) demandou (…), alegando que, na sua actividade de exploração florestal, em 2004 comprou ao R. eucaliptos verdes e que, em 2008, quando se deslocou ao local para buscar a madeira, tomou conhecimento que tinha ardido.
Pede, pois, a condenação do R. no pagamento da quantia de € 2.750,00, relativa ao preço já pago, acrescida de juros no valor de € 1.014,07, e ainda da quantia indemnizatória de € 24.000,00, relativa ao preço pelo qual revenderia os eucaliptos.
Contestada a acção, realizou-se julgamento e foi proferida sentença de improcedência total do pedido.

Inconformado, o A. recorre e conclui:
1. A factualidade provada, e articulada, permite a condenação do R., ora recorrido;
2. Em sentido contrário, e no n/ entender mal, andou o Tribunal ao decidir, com base nas respostas aos temas de prova que, julgar improcedente a acção proposta pela ora recorrente contra o recorrido quanto à devolução ao A. do preço recebido pela venda de árvores ou no pagamento a este de qualquer quantia a título de indemnização;
3. De facto, nos termos do disposto no art. 662.º, n.º 1, als. a) e b), do NCPC, a decisão do Tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto deve ser alterada se os factos tido como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa;
4. Ora, nos presentes autos, todos os elementos de prova que foram produzidos e que serviram de base à decisão relativa à matéria de facto impõem decisão diversa. Cabe, por isso, fazer a impugnação da decisão nos termos do art. 640.º do NCPC.
5. Para chegar a tal decisão, fundamenta, sumariamente, o Mm.º Juiz a quo que, atenta a prova produzida, (e cita excertos da decisão recorrida).
6. Mais fundamenta que (de novo, cita parte da decisão recorrida).
7. Relativamente à factualidade não provada, entendeu o Mm.º Juiz resultar a mesma de «não se ter feito qualquer prova, ou sendo-o, ser insuficiente ou estar em contradição com os factos provados».
8. Ora, no n/ humilde entendimento, o Mm.º Juiz a quo, fez uma incorrecta apreciação da prova.
9. De facto, salvo o devido respeito, não se nos afigura poder chegar àquelas conclusões em face daqueles depoimentos.
10. Senão vejamos.
11. O A. (…) afirmou que no ano seguinte à compra queimou-se tudo (2:45 - 2:51) e depois do incêndio ter passado, em 2006 quando lá foi (8:13 - 8:34), verificou que já lhe tinham cortado metade de uma propriedade antes daquele se ter dado (3:41 - 3:49). Nesse seguimento, quis saber quem tinha levado a madeira (10:27 - 11:33). Mais, afirmou que acabou por não vender nada porque quem lá foi levou a madeira cortada e a que estava por cortar (12:17 - 13:09). E que o próprio chegou a cortar alguma madeira das árvores queimadas. No seu parecer, na altura com a (re)venda da madeira nunca fariam menos de € 24/25.000,00, porque a tonelada estava nos cerca de € 40,00, com base num cálculo de vista (15:22 - 17:00). Perante instâncias do Mm.º Juiz, o A. afirmou ter-se visto sem a madeira cortada e sem a madeira queimada, sendo que este último facto é que o levou a interpor a acção (28:20 - 28:51). Repetiu, ainda, que só num terreno é que cortou a madeira (28:52 - 29:10), sendo que do bolo a parte que cortou corresponde a um quarto (29:40 - 30:29), tendo iniciado o corte da madeira (queimada) em Julho de 2006, com o filho e um rapaz (31:20 - 32:03).
12. A testemunha (…), aludiu que havia uma propriedade que já tinha sido cortada antes do incêndio, de tal forma que os cepos estavam queimados e havia rebentos queimados; outra propriedade não tinha sido cortada e tinha a madeira queimada (3:40 - 4:08). Começaram a cortar, derramar e empilhar numa propriedade (4:29 - 5:32). Mais acrescentou que foram à propriedade com o Amílcar, várias vezes (5:47 - 6:20). Por fim, referiu que na primeira propriedade que começaram a cortar já não havia madeira e nas outras propriedades também não (7:20 - 8:00), e que a madeira já cortada equivaleria a 1/3 da área total que o A., seu pai, comprou (15:22 - 16:25).
13. (…) referiu ter trabalhado para o Autor, no corte da madeira, na altura do Inverno de 2006, designadamente, para os lados da Carapinheira da Serra, não sabendo ao certo o lugar. Mais, referiu que a madeira foi cortada e não retirada, sendo que a mesma se encontrava queimada. Por fim, perante instâncias, mencionou que o prédio onde andaram era uma “sorte”, não podendo afirmar se era um só terreno mas que era contínuo e, por isso, referia-se como “sorte” (10:22 - 10:39).
14. (…), madeireiro de profissão, aludiu que em 2008 a tonelada de eucalipto posta em fábrica era paga a € 39,00 (7:41 - 7:50). Acrescentou que no caso tratava-se de madeira queimada, pois tinha passado um incêndio. Em todo o caso, esta madeira, desde que seja descascada, possui o mesmo valor. Recorda-se que, no caso, o Autor queria 20.000,00€ pela madeira, mas o depoente não comprou por ter muita madeira já comprada. Em todo o caso, os eucaliptos “valiam o dinheiro”. Recorda-se de haver já eucaliptos cortados no local, empilhados, sendo “um carro dela” ou seja 30 e tal toneladas. Aludiu que, descontado o valor do transporte, a madeira cortada valia 900€ ou 1000,00€. E ainda havia muita madeira para cortar (16:40 17:40).
15. Assim, da factualidade provada (e acima articulada) deveria ter o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, chegado a conclusão diferente, ou seja:
a) Apesar de não se saber exactamente a quantidade de madeira (sem sombra de dúvida, toda queimada) existente nos terrenos objecto de corte, sempre se deverá concluir ter sido uma parte diminuta em comparação com os eucaliptos por cortar;
b) O valor de revenda da madeira, da prova produzida pelos depoimentos prestados, corresponderia a € 39,00 por tonelada.
16. Pelo que, deve ser modificada a decisão proferida sobre a matéria de facto, sendo que foi já entendimento do STJ que “é lícito, neste âmbito, não apenas ao tribunal de primeira instância, mas também à Relação dentro da competência que a lei lhe confere em matéria de facto, fazer uso de presunções judiciais, o que constitui matéria de facto, em princípio insusceptível de ser modificada pelo Supremo” (Ac. de 24/10/1994, in www.dgsi.pt).
17. Parafraseando a Douta Sentença a quo, “em causa está uma compra e venda de árvores (art. 874.º do Código Civil), que é, na realidade, uma venda de coisa móvel futura.”
18. Com efeito, sendo eucaliptos verdes implantados em terrenos, os mesmos consideram-se coisas imóveis (art. 204.º, n.º 1, al. c), do Código Civil), assumindo a qualidade de coisas móveis após se realizar o respectivo corte (art. 205.º do Código Civil). Ou seja, embora as árvores implantadas em terreno sejam consideradas coisas imóveis, dada a sua ligação material ao prédio com carácter de permanência, as mesmas podem ser objecto de negócio jurídico autónomo, enquanto tais, designadamente com vista à separação material do prédio em que se encontram, devendo então ser tratadas como coisas móveis.
19. E, nos termos do art. 880.º do Código Civil, na venda de bens futuros, de frutos pendentes ou de partes componentes ou integrantes de uma coisa, o vendedor fica obrigado a exercer as diligências necessárias para que o comprador adquira os bens vendidos, segundo o que for estipulado ou resultar das circunstâncias do contrato [n.º 1]; se as partes atribuírem ao contrato carácter aleatório, é devido preço, ainda que a transmissão dos bens não chegue a verificar-se [n.º 2].
20. Portanto, no caso da venda de eucaliptos, havendo corte, a propriedade das árvores passa para o comprador; enquanto não houver corte, não ocorre a transferência de propriedade, assistindo ao comprador um direito de crédito a fazer o corte, ou seja, a separar as árvores do terreno e proceder à remoção das mesmas.
21. E a respeito do risco, dispõe o art. 796.º do Código Civil o seguinte:
· Nos contratos que importem a transferência do domínio sobre certa coisa ou que constituam ou transfiram um direito real sobre ela, o perecimento ou deterioração da coisa por causa não imputável ao alienante corre por conta do adquirente.
· Se, porém, a coisa tiver continuado em poder do alienante em consequência de termo constituído a seu favor, o risco só se transfere com o vencimento do termo ou a entrega da coisa, sem prejuízo do disposto no artigo 807.º.
· Quando o contrato estiver dependente de condição resolutiva, o risco de perecimento durante a pendência da condição corre por conta do adquirente, se a coisa lhe tiver sido entregue; quando for suspensiva a condição, o risco corre por conta do alienante durante a pendência da condição.
22. Ora, ainda adoptando as Doutas palavras do Mm.º Juiz a quo, “no presente caso, apurou-se que em 2005 os terrenos onde estavam implantados os eucaliptos vendidos foram varridos por um incêndio florestal. Mas esse facto – que poderia servir para fundamentar uma modificação do contrato por alteração das circunstâncias (art. 437.º do CPC), com possível redução do preço, desde que provados os restantes requisitos – não se mostrou relevante, pois não impediu que o Autor iniciasse o corte das árvores, o que se deve certamente, ao facto da madeira ardida não ter um valor muito díspar da madeira verde.
23. E sucedeu que tendo o Autor procedido ao corte (acrescentamos e sublinhamos, de parte), acrescente-se, deixou a madeira cortada empilhada no terreno, a aguardar transporte. Mas quando a foi buscar, em momento posterior, a mesma já não se encontrava no local, sem que se tenham apurado as concretas circunstâncias do seu desaparecimento.
24. Tratando-se de madeira cortada, a propriedade sobre a mesma transferira-se já para o Autor, pelo que o risco pelo seu perecimento ou desaparecimento corria por conta dele, nos termos do art. 796.º, n.º 1, do Código Civil, não relevando o facto da madeira estar ainda em terreno propriedade do Réu, pois a obrigação do Autor, enquanto proprietário da madeira, era guardar ou retirar os eucaliptos dali.
25. Deste modo, na medida em que não se apurou o envolvimento do Réu no desaparecimento da madeira cortada, nenhuma responsabilidade lhe pode ser imputada”.
26. No entanto, e porque, como atrás referimos, não perfilhamos o entendimento do Douto Tribunal a quo, e, pelo contrário, atentos os depoimentos prestados, provou-se que ficaram árvores por cortar, deveria ter sido o Réu condenado na devolução ao Autor, pelo menos, do preço parcialmente recebido e/ou no pagamento a este de uma quantia a título de indemnização a ser fixada.
27. Até porque, não logrou sequer o R. provar o contrário ao alegado ou contrariar a prova produzida em julgamento, conforme lhe competia, quanto ao valor da madeira e, mais premente, quanto ao corte de apenas parte da madeira antes do seu “desaparecimento” – cerca de 1/3.
28. E não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal recorrido deveria, sempre, julgar em equidade dentro dos limites que deveria ter como provados.
29. Isto porque a fixação da indemnização não pode nunca desprezar a equidade, critério esse ao fim e ao cabo pelo qual o juiz se deve nortear, nos termos e para os efeitos do previsto no art. 566.º, n.º 3, CC.
30. Pelo que, deve ser modificada a decisão proferida sobre a matéria de facto, devendo ser dado como provados os factos constante dos temas de prova e) (madeira retirada pelo A. ou por terceiro e respectivo estado) e f) (prejuízos sofridos pelo A).
31. Acresce que da factualidade provada (e articulada) deveria ter o Tribunal condenado o R..
32. A Douta Sentença violou, assim, as normas dos arts. 342.º, 880.º, 796.º e 566.º, todos do Código Civil, devendo ser revogada, condenando-se o R. do pedido.

Não foi oferecida resposta.
Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.

A decisão recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto:
1- O A. (…) dedicou-se, até meados de 2012, à actividade de exploração florestal.
2- No âmbito da actividade mencionada em 1, o A. comprou ao R. (…), em 27 de Agosto de 2004, eucaliptos verdes situados em terrenos no lugar de (…) – Vale do (…), (…), (…) e (…), pela quantia de € 2.750,00.
3- A. e R. não fixaram dia para se proceder ao corte e retirada dos eucaliptos mencionados em 2.
4- Em data não concretamente apurada, o A. comunicou ao R. que iria proceder ao corte.
5- Em 2005, os locais mencionados em 2 foram varridos por um incêndio florestal.
6- Na altura mencionada em 2, o A. fazia da exploração florestal a sua fonte principal de rendimento.
7- O A. pretendia revender a madeira comprada.
8- Com tal revenda, o A. obteria valor não concretamente apurado.
9- O Autor iniciou o corte das árvores após o incêndio mencionado em 5, tendo deixado a madeira cortada empilhada, no terreno, a aguardar transporte.
10- Quando o A. foi buscar a madeira cortada, em momento posterior, a mesma já não se encontrava no local.
11- Em 30 de Dezembro de 2010, o A. requereu a notificação judicial avulsa do R., dando-lhe conhecimento de que pretendia a restituição dos bens por si comprados no prazo máximo de 8 dias úteis.
12- Nada tendo sido restituído pelo R., o A. instaurou acção executiva em 2013, que porém foi rejeitada por falta de título executivo.
13- Em 2009, o R. vendeu os prédios mencionados em 2 ao seu cunhado (…).

Por seu turno, a sentença declarou não provado que:
- tenha sido em 2008 que o A. comunicou ao R. que iria proceder ao corte dos eucaliptos;
- só nessa data é que o mesmo tomou conhecimento que o local dos eucaliptos tinha ardido;
- o A. tenha telefonado várias vezes ao R.;
- com a revenda da madeira o Autor contasse obter o valor de € 24.000,00;
- a madeira em causa equivalesse a cerca de “12 camiões trelados”;
- o A. soubesse que o corte das árvores teria de ocorrer antes do inverno, por forma a que a rebentação pudesse ocorrer de forma saudável;
- o A. se tenha comprometido no próprio dia da contratação, a cortar as árvores até ao inverno;
- após o negócio, o R. não se tenha deslocado aos terrenos onde ocorreu a venda dos eucaliptos, estando convencido que o A. havia procedido ao corte no mesmo ano;
- o R. tenha contactado o A. após 2005 para retirar a madeira, por pretender vender os prédios;
- o R. tenha assentido que o A. cortasse a madeira quando quisesse, uma vez que já tinha sido pago;
- o A. não tenha conseguido contactar o R., quando constatou o desaparecimento da madeira;

Aplicando o Direito.
Da impugnação da matéria de facto
Garantindo o sistema processual civil um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, como previsto no art. 640.º do Código de Processo Civil, continua a vigorar o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz – art. 607.º, n.º 5, do mesmo diploma, ao dispor que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.”
A reapreciação da prova passa pela averiguação do modo de formação dessa “prudente convicção”, devendo aferir-se da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova[1].
Por outro lado, o art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil permite à Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Trata-se de uma evolução em relação ao art. 712.º da anterior lei processual civil, consagrando uma efectiva autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto, competindo-lhes formar a sua própria convicção, podendo, ainda, renovar os meios de prova e mesmo produzir novos meios de prova, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância.
Entrando na análise da impugnação de facto, o Recorrente pretende que se considere provado que a quantidade de madeira cortada era “uma parte diminuta em comparação com os eucaliptos por cortar.” Para além do carácter impreciso da formulação proposta, a própria causa de pedir descrita na petição inicial assenta na circunstância da madeira que tinha depositado no local ter ardido (arts. 4.º e 7.º daquela peça). Por outro lado, e como bem se aponta na extensa fundamentação de facto da decisão recorrida, a versão dos factos apontada pelas testemunhas (…) e (…) aponta no sentido da madeira ter sido cortada no Verão de 2006, tendo parte dela sido deixada empilhada no local, por falta de meios para o seu transporte, e quando voltaram ao local, depois do Inverno, verificaram o seu desaparecimento. Ponderando que inexiste qualquer prova consistente de terem sido deixados eucaliptos por cortar no local, esta parte da impugnação é desatendida.
Pretende o Recorrente, ainda, que se considere provado que o valor de revenda da madeira correspondia a € 39,00 por tonelada. Para além de estar em causa matéria não alegada na petição inicial – ali apenas se afirma que o A. pretendia revender a madeira e que a revenda valeria cerca de € 24.000,00 – também se aponta que a testemunha (…) referiu que, no ano de 2008, o preço da tonelada de eucalipto posta em fábrica era de € 39,00. Mas este é o valor à entrada da fábrica, a madeira ainda no local de onde foi retirada, tem outro valor, porquanto é necessário deduzir as despesas de transporte – como esta testemunha referiu, descontado o valor do transporte, a madeira cortada valia € 900,00 a € 1.000,00. De todo o modo, tratando-se de matéria que não integra a causa de pedir apresentada pelo A. na sua petição inicial e face à incerteza acerca do valor da madeira empilhada no local de corte, também aqui se desatende a impugnação.
Em resumo, julga-se improcedente a impugnação da matéria de facto.

Da responsabilidade pelo risco de desaparecimento de madeira cortada
As conclusões 17.ª a 25.ª do Recorrente são mera cópia da fundamentação de direito constante da sentença, e a apenas a partir da 26.ª conclusão se pretende discutir o aspecto jurídico da questão, embora com fundamento em matéria não provada, de ter sido deixada madeira por cortar no local e pedindo-se a condenação do R. na devolução de parte do preço recebido ou de uma quantia indemnizatória a ser fixada segundo o critério da equidade.
A causa de pedir apresentada na petição inicial baseava-se na circunstância de ter ardido a madeira depositada no local – art. 7.º da petição inicial. Já na réplica, o A. apresenta uma versão diferente – quando foi buscar a madeira ardida, deparou-se com o seu desaparecimento (art. 10.º dessa peça processual). Para além de estar uma alteração inadmissível da causa de pedir – art. 265.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – o articulado de réplica apenas foi admitido como meio de contraditório ao pedido de condenação como litigante de má-fé e sobre a excepção de abuso de direito, conforme despacho proferido em audiência prévia e não impugnado.
Assente, pois, que a causa de pedir a apreciar assenta na alegação de ter ardido a madeira depositada no local, está demonstrado que o A. iniciou o corte das árvores e deixou a madeira cortada empilhada no terreno, a aguardar transporte.
As árvores apenas integram o imóvel enquanto estiverem ligadas ao solo – art. 204.º, n.º 1, al. c), do Código Civil – passando a ser consideradas coisas móveis a partir do seu corte ou separação, momento a partir do qual se opera a transferência de propriedade, caso tenham sido objecto de um contrato de compra e venda – art. 408.º, n.º 2, do Código Civil.
Tendo as partes acordado na venda de eucaliptos verdes situados em determinados terrenos, ocorreu a venda de coisas móveis futuras[2], cuja propriedade se transferiu para o A. a partir do momento em que procedeu ao corte da madeira.[3]
Ora, a responsabilidade pelo perecimento ou deterioração da madeira cortada, a partir do momento do corte, corre pelo adquirente da mesma, por força do artigo 796.º, n.º 1, do Código Civil, a não ser que se demonstre que a coisa continuou em poder do alienante em consequência de termo constituído a seu favor – n.º 2 do mesmo artigo – circunstância esta que não se apurou no caso.
Discutindo uma questão semelhante, relativa à responsabilidade pelo perecimento de cortiça extraída e deixada no local, onde foi destruída por um incêndio, vide o Acórdão desta Relação de Évora de 02.06.2010, igualmente concluindo que neste caso, a responsabilidade corre por conta do adquirente da cortiça.[4]
Estando demonstrado que a madeira estava cortada e empilhada no terreno, cabia ao A. providenciar pela sua retirada e transporte – se não o fez, sibi imputat, não pode é atribuir culpas ao R. pelo facto dessa madeira ter eventualmente ardido, sendo certo que nem sequer está demonstrada qual a exacta perda de valor do eucalipto ardido (tanto mais que a testemunha …, madeireiro e com conhecimento do negócio, referiu que o eucalipto ardido, desde que descascado, possui o mesmo valor).
Em suma, não se vislumbram fundamentos jurídicos para divergir da bem fundamentada decisão recorrida, que assim se confirma.

Decisão.
Destarte, decide-se negar provimento ao recurso, com confirmação da decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Évora, 8 de Março de 2018
Mário Branco Coelho (relator)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
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[1] Cfr. os Acórdãos da Relação de Guimarães de 04.02.2016 (Proc. 283/08.8TBCHV-A.G1), e do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016 (Proc. 1572/12.2TBABT.E1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt.
[2] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., pág. 197, correctamente citado na decisão recorrida.
[3] Neste sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.10.2009 (Proc. 1645/07.3TBCSC.S1), publicado em www.dgsi.pt, decidindo que “as árvores a separar do solo são tratadas como coisas móveis (como coisas móveis futuras)” e que “a propriedade das árvores, alienadas como coisas móveis futuras, só se transfere com a separação do prédio.”
[4] Proferido no Proc. 3110/01.4TBLLE.E1 e igualmente publicado em www.dgsi.pt.