Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
779/20.3T9STR-A.E1
Relator: MARIA CLARA FIGUEIREDO
Descritores: CONFIANÇA DO PROCESSO
MANDATÁRIO JUDICIAL
MULTA
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - A aplicação da multa ao mandatário por incumprimento do prazo concedido para confiança dos autos, nos termos do nº 2 do artigo 166º do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 89º, nº 5 do CPP não tem na sua génese a apreciação de uma conduta delituosa, eticamente desvaliosa ou penal ou contraordenacionalmente censurável, mas apenas uma questão processual que o legislador cominou com a aplicação de tal sanção, pelo que não deverá tal incidente ser qualificado como um processo sancionatório.
II - Não são aplicáveis ao ato de restituição do processo as normas processuais contidas no artigo 144º os nºs 7 e 8 e 139º, n.ºs 5 e 6 do CPC e no artigo 107º-A do CPP, uma vez que tais normas se destinam a regular a apresentação de peças processuais, atos que, conforme expressamente resulta do nº 1 do artigo 144º do CPC, deverão ser praticados por escrito, o que não sucede com o ato de entrega física do processo na secretaria.
III - O que releva para se considerar efetuada a devolução do processo após a sua confiança ao mandatário por despacho judicial, é a sua entrega efetiva na secretaria, não valendo como data da devolução a data do registo postal.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - Relatório.
Nos autos de inquérito que correm termos no Juízo de Instrução Criminal de Santarém - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, com o n.º 779/20.3T9STR, foi proferido despacho de condenação do mandatário do assistente na multa de 5 UC pela entrega fora de prazo do processo que lhe havia sido confiado por despacho do Ministério Público.
Inconformado com tal decisão, veio o assistente interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:
“Conclusões:
A) O Assistente AA tem constituídos dois mandatários, um com domicilio em ..., ..., e o signatário, em ....
B) O deceso filho BB, militar da GNR morreu em serviço e, porque pai e mãe não se relacionam, esta assistente é representada por outra mandatária.
C) Que o Tribunal determinou, que fosse mandatária de ambos os assistentes, pese embora se encontrasse numa situação de incompatibilidade de patrocínio, já que patrocinou, em nome da mãe do deceso BB, vários processos contra o pai, assistente AA.
D) Essa situação de impedimento veio a ser reconhecida recentemente pelo Tribunal recorrido, contudo, já depois da notificação da acusação pública, e para deduzir acusação particular e PIC, que,
E) No caso do assistente AA foram feitas na pessoa da Sra. advogada CC, e não na pessoa dos seus advogados.
F) De resto, até a notificação inicial para deduzir PIC foi feita na pessoa do AA e não na dos seus mandatários que, em consequência do despacho referido na precedente alínea C).
G) O Assistente AA e os seus mandatários ficaram alheados de tudo o que se passou no inquérito e, por isso, depois da acusação pública e da notificação pessoal do assistente para deduzir PIC (mas não acusação particular), estes mandatários, em nome do seu constituinte vieram requerer — em virtude dos prazos que estava a decorrer -:
i) O acesso ao processo por via digital ou, verificando-se essa impossibilidade, ii) A consulta do mesmo fora das instalações do tribunal.
H) Em 29.11.2021- segunda-feira- o recorrente contactou a secção do DIAP, telefonicamente, solicitando saber se o requerimento de consulta (apresentado pelo menos há 10 dias) já tinha sido objeto de despacho e, em caso afirmativo se seria possível levantar o processo no fim dessa manhã, para o devolver na tarde do dia seguinte.
Isto porque,
l) O recorrente estava deslocado durante 2 dias na região de ... e poderia digitalizar o processo, devolvendo-o ao DIAP rapidamente.
J) Por motivo alheio ao recorrente o processo só lhe foi disponibilizado na tarde de dia 29.11.2021, quando este já estava em ..., em diligência na PJ.
K) Pelo que só pôde levantar o processo no DIAP ..., no dia 30.11.2021, pelas 15h55m.
L) O despacho que autoriza a consulta do processo nunca foi notificado ao recorrente,
M) Todavia este admite ter assinado uma cota onde consta que a consulta era por 24h.
N) Por esse facto, o recorrente regressou a ... e no dia 01.12.2021, feriado, digitalizou os 4 volumes que compunham o inquérito,
O) Sendo que dia 02.12.2021, por estar impedido em audiência de julgamento na secção genérica de ..., Tribunal da Comarca de ..., remeteu, via postal registado- CTT EXPRESSO- o processo ao DIAP, com um requerimento de devolução, onde para além do mais indicava um erro de numeração de fls e sugeria a sua retificação, o que veio a ocorrer.
P) O recorrente foi notificado via e-mail, dia 03.12.2021 (ao final do dia) para entregar o processo e justificar o atraso na entrega do mesmo,
Q) Ao que respondeu em 04.12.2021 (sábado) para além do mais, informando que o processo já tinha sido remetido por correio em 02.12.2021 e justificou o seu impedimento.
R) Dia 06.12.2021, o processo foi entregue pelos CTT no DIAP ..., desconhecendo porque motivo o atraso se verificou, e a Sra. Dra. DD comprovou documentalmente o envio do processo em 02.12.2021.
S) O recorrente foi multado em 5 UC'S pelo atraso na entrega do processo, seja porque o Tribunal recorrido não considera que o requerimento de 02.12.2021, pudesse ser praticado por correio (pelo contrário entendeu que tinha de ser praticado pessoalmente) e que
T) O impedimento não estava devidamente justificado.
Salvo o devido respeito,
U) Entende o recorrente, com base na jurisprudência referida nos precedentes pontos 35/36/66 e que aqui se dá por integralmente reproduzida que, o Tribunal recorrido, ao aplicar a multa sem notificar o recorrente da promoção do MP (que abraçou na decisão, aliás) incorreu numa nulidade por violação do direito do contraditório, uma nulidade por omissão suscetível de influir no exame e decisão da causa.
De resto,
V) O recorrente entende modestamente que a interpretação dos artigos 167º nº 2 do CPC (invocado como fundamentação legal no despacho recorrido), conjugado com o artigo 27º nº 1 do Regulamento das Custas Processuais e artigo 89º nº 5 e, ainda, (normas que não foram indicadas no despacho recorrido mas aqui se invocam por mera cautela) os artigos 167º, nº 3 e 166º, nº 2 do CPC, quando interpretados no sentido em que é possível aplicar a um advogado uma multa processual sem que lhe sejam asseguradas todas as garantias de defesa, designadamente pronunciar-se sobre as promoções do MP que requeiram a aplicação dessas multas ao Sr. Juiz (in caso JIC), consubstancia uma interpretação inconstitucional de tais dispositivos legais por violação do direito de defesa em processo sancionatório, ou seja, em desconformidade com o texto constitucional escrito no nº 10º do artigo 32º da C.R.P.
W) Inconstitucionalidade que desde já expressamente invoca e cuja apreciação requererá a final.
X) Entende o recorrente que, ademais, este incidente deveria ter sido processado por apenso, permitindo e garantindo todos os direitos de defesa.
Y) O recorrente entende que a consulta e devolução do processo, são atos processuais e este em particular, para além de ser regulado pela lei processual penal, teve consequências processuais.
Z) Ademais, não havia arguidos presos e mais nenhuma parte requereu, antes ou depois, a consulta do inquérito pelo que,
AA) Salvo melhor opinião, sugerir como sugere o despacho recorrido que o recorrente fosse de ... a .../..., levar o processo à sua colega para esta o entregar no DIAP ..., sem sequer, se ter apurado se esta estava justamente impedida ou não,
BB) É pelo menos desproporcional, desajustado e até injusto, por isso inaceitável.
CC) Do mesmo modo que o é a sugestão (tal com a anterior) da promoção do MP acolhida no despacho recorrido, que poderia ser um funcionário forense a devolver, pessoalmente, o processo ao DIAP,
DD) Sem se ter apurado se o recorrente tinha ou não funcionário forense, se este tinha carta de condução e automóvel, ou pelo menos saber se havia transportes púbicos para o poder fazer (percorrendo 632KM de ida e volta).”
Termina pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que reconheça a invocada inconstitucionalidade da interpretação das normas legais efetuada pelo tribunal “a quo” e que declare a verificação das nulidades resultantes da violação do contraditório e da omissão de diligências suscetível de influir no exame e decisão do incidente.
*
O recurso foi admitido.
Na 1.ª instância, o Ministério Público respondeu ao recurso, tendo pugnado pela sua improcedência e pela consequente manutenção da decisão recorrida e tendo apresentado as seguintes conclusões:
“1ª - O objeto do recurso consiste em saber se a decisão recorrida fez incorreta interpretação e aplicação da Constituição da República Portuguesa e da lei ao ter condenado em multa de 5 UC´s o Ilustre Advogado, Dr. EE, Mandatário do assistente, por violação do prazo de devolução de processo confiado, no caso o presente processo.
2ª - A decisão recorrida consiste no douto despacho proferido nos autos supra identificados, referência ...17 que, com fundamento no disposto no art. 167º, nº2 do CPP condenou o Ilustre Mandatário do Assistente, Dr. EE, ora recorrente, em multa no valor de 5 Unidades de Conta.
3ª - O mencionado despacho ponderou, no essencial, duas questões:
“a) Se o I. Mandatário que procedeu ao levantamento dos autos procedeu à sua entrega no prazo prescrito e
b) Se não o tendo feito está a sua falta abrangida por justo impedimento.”
4ª – Na douta decisão recorrida concluiu-se que o prazo em causa não foi respeitado e que o atraso na restituição dos autos findo o prazo concedido não está justificado por justo impedimento.
5ª – No caso vertente, ao contrário do alegado pelo recorrente, não está em causa a interpretação do art. 167º, nº2 do CPP, conjugado com o disposto no art. 27º, nº1 do Regulamento das Custas Judiciais e com os arts. 89º, nº5, 167º, nº 3 e 166º, nº2 do CPC no sentido de ser possível aplicar a um advogado uma multa processual sem que lhe sejam asseguradas todas as garantias de defesa e, portanto, uma interpretação inconstitucional de tais dispositivos legais por violação do direito de defesa em processo sancionatório, ou seja, em desconformidade com o texto constitucional escrito no nº 10 do art. 32º da CRP.
6ª – A douta decisão recorrida não enferma de nulidade decorrente da falta de notificação ao recorrente da promoção do Ministério Público subjacente a essa decisão proferida pelo Mº JIC, uma vez que a referida promoção teve como pressuposto a conduta do recorrente, conhecida do próprio e que consistiu na violação do prazo de confiança e devolução do processo pelo que nada justificava o exercício do direito de contraditório.
7ª - Não deveria a questão da aplicação da multa em apreço por violação do prazo da entrega do processo físico no DIAP ... ter sido tratada como incidente autónomo a fim de se permitir ao recorrente a junção do comprovativo do seu impedimento por intervenção em julgamento.
8ª - Com efeito, por um lado, tal não decorre da lei, não está em causa matéria que seja complexa, quer na sua apreensão quer quanto ao número de sujeitos envolvidos: trata-se da aplicação de uma multa por violação de prazo para o exercício da confiança e entrega físicas do processo.
9ª - Por outro lado, cabia ao Ilustre recorrente ter, desde logo, apresentado e enviado, por sua iniciativa, o comprovativo do seu impedimento que era do seu conhecimento e poderia ter obtido e enviado antecipadamente, sem necessidade de qualquer solicitação do Tribunal.
10ª - A devolução de um processo, confiado para consulta, acompanhada de um requerimento onde se indicam falhas na numeração do mesmo não consubstancia um ato processual (art. 103º do CPP) e, nessa medida, não está sujeita ao regime do art. 144º, nº 7 do CPP, ex vi art. 4º do mesmo diploma legal e art. 10º da Portaria nº 280/13, de 26.08.
11ª - A confiança física e a devolução de um processo nas mesmas condições consubstancia um ato instrumental para a prática, ou não, de um ato processual, visando habilitar o sujeito processual requerente à consulta, ponderação dos elementos processuais disponíveis e a uma tomada de posição, designadamente, a apresentar, ou não, um requerimento com consequências na tramitação do processo, desde logo, em termos do seu desenvolvimento, tal como se encontra legalmente estabelecido.
12ª - Ora, um requerimento a indicar lapso na numeração das folhas do processo apenas tem consequência na eventual retificação da numeração das folhas processuais, não consubstanciando em si mesmo a manifestação de uma pretensão ou de uma declaração por parte do requerente. Logo um requerimento a indicar o referido lapso não é um ato processual.
13ª – Mostra-se justo ou proporcional exigir que, no caso concreto, o mandatário recorrente se deslocasse propositadamente de ... a ... para, no dia 02.12.2021, entregar o processo pessoalmente no DIAP ..., tanto mais que anteriormente se mostrou necessária a deslocação ao referido DIAP para se vir buscar o processo, tendo sido fixado um prazo para a sua confiança e devolução.
14ª - No caso vertente apenas e tão só está em causa a violação de um prazo pré estabelecido para confiança e devolução dos presentes autos e a consequente aplicação de uma multa correspondente que veio a ser graduada no máximo.
15ª-A douta decisão recorrida ponderou a violação desse prazo e as suas circunstâncias e, nessa medida, aplicou uma multa que graduou, em conformidade com os critérios legais atendíveis e os interesses em causa, por um lado, a necessidade de se cumprirem os prazos de confiança e de devolução de processos estabelecidos pela autoridade judiciária e, por outro lado, o imperativo de se permitir aos demais sujeitos processuais a confiança, consulta e devolução em condições tempestivas e de igualdade.
16ª - Conclui-se, pois que a douta decisão recorrida não violou qualquer preceito legal nem constitucional, termos em que deve ser mantida, nada justificando a sua revogação, devendo improceder o recurso interposto pelo recorrente.
17ª - Nesse contexto, no entender do recorrente, deve o despacho recorrido na parte que lhe aplicou uma multa ser revogado.”
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O Exmº. Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado pela total improcedência da improcedência do recurso, subscrevendo os termos da resposta apresentada pelo Ministério Público na primeira instância.
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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada qualquer resposta.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação.
II.I Delimitação do objeto do recurso.
Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.
Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.
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Assim, considerando as conclusões apresentadas pelo recorrente, são as seguintes as questões a apreciar e a decidir, a saber:
A) Determinar se a falta de notificação ao recorrente da promoção do Ministério Público que antecedeu o despacho recorrido consubstancia uma nulidade por violação do direito de contraditório e de defesa e se a interpretação conjugada dos artigos 166º, nº 2, 167ºs nº 2 e 3 do CPC, 27º nº 1 do Regulamento das Custas Processuais e artigo 89º nº 5 do CPP, no sentido de considerar possível aplicar a um advogado uma multa processual sem que lhe seja permitido pronunciar-se sobre a referida promoção, consubstancia uma interpretação inconstitucional dos mencionados preceitos legais por violação do direito de defesa previsto no artigo 32º nº 10º da C.R.P..
B) Determinar se o incidente que culminou na prolação do despacho recorrido deveria ter sido tramitado por apenso e se a sua tramitação nos autos principais foi feita com violação da lei processual.
C) Determinar se a devolução de um processo, acompanhado de um requerimento onde se indicam falhas na numeração do mesmo consubstancia, ou não, um ato processual e se está sujeito ao regime do artigo 144º nº 7 do CPC (aplicável ex vi do artigo 4º do CPP) e do artigo 10º da Portaria 280/13 de 26.8.
D) Determinar se, na situação concreta em causa no presente recurso, se revela adequado e proporcional, exigir que o mandatário recorrente se deslocasse propositadamente de ... a ... para entregar o processo pessoalmente, ou que tivesse que deslocar-se de ... a ... para o entregar à outra mandatária do assistente para que esta o entregasse pessoalmente no dia 02.12.2021 na secção do DIAP onde o processo corre termos.
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II.II - A decisão recorrida.
O requerimento do arguido de prorrogação do prazo para apresentação da contestação mereceu por parte do tribunal a quo a seguinte decisão:
“- Do pedido de condenação do Dr. EE em multa nos termos do artigo 167º, n.º 2 do CPC:
Veio a Dr.ª DD requerer o exame dos autos fora da secretaria, solicitando a sua entrega à mesma ou ao Dr. EE (pois têm procuração conjunta cfr. fls. 60).
Por despacho datado de 29-11-2021, foi deferida a confiança dos autos, por 24 horas. No dia 30-11-2021, pelas 15h55m, foram os autos entregues ao Dr. EE.
No dia 01-12-2021 foram os autos expedidos por via postal para este Tribunal, onde chegaram no dia 06-12-2021.
Notificado para dar conta do atraso, vem o Dr. EE afirmar, no que aqui releva, que:
a) Após ter recolhido os autos deslocou-se para ..., onde tem residência e escritório, onde o consultou e estudou durante o dia 01-12-2021 (feriado);
b) No dia 02-12-2021 esteve impedido em julgamento pelo que deixou o processo no escritório para ser remetido por correio a estes autos;
c) O prazo que lhe foi concedido deve ser contado nos termos dos artigos 279º, al. d) e 296º, do Código Civil;
d) Assim sendo, foi-lhe concedido o prazo de um dia para a entrega dos autos;
e) A sua devolução não poderia ser realizada no dia 01-12-2021, por ser dia em que os tribunais se encontram encerrados (artigo 137º, n.º 1 do CPC);
f) Nos termos do artigo 144º, n.ºs 7, al. b) e n.º 8 do CPP, os atos processuais podem ser praticados por remessa por correio, valendo como data da prática do ato a da efetivação do registo postal;
g) Tendo em conta a distância entre o domicílio profissional do Advogado e o Tribunal, não lhe era exigível que agisse de outro modo, até porque no dia em que terminava o prazo esteve impedido em diligências.
O MºPº entende que ainda assim os autos poderiam ter sido devolvidos atempadamente pela outra mandatária requerente (a Dr.ª DD) ainda que o I. Advogado que levantou o processo estivesse impedido de o fazer.
O artigo 89º, n.ºs 4 e 5, do CPP estatui que:
“4 - Quando, nos termos dos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 86.º, o processo se tornar público, as pessoas mencionadas no n.º 1 podem requerer à autoridade judiciária competente o exame gratuito dos autos fora da secretaria, devendo o despacho que o autorizar fixar o prazo para o efeito.
5 - São correspondentemente aplicáveis à hipótese prevista no número anterior as disposições da lei do processo civil respeitantes à falta de restituição do processo dentro do prazo; sendo a falta da responsabilidade do Ministério Público, a ocorrência é comunicada ao superior hierárquico.”.
Quanto à sansão por não restituição do processo dentro do prazo, estatui o artigo 166º, do CPC que:
“1 - O mandatário judicial que não entregue o suporte físico do processo dentro do prazo que lhe tiver sido fixado é notificado para, em dois dias, justificar o seu procedimento.
2 - Caso o mandatário judicial não apresente justificação ou esta não constitua facto do conhecimento pessoal do juiz ou justo impedimento nos termos do artigo 140.º, é condenado no máximo de multa; esta é elevada ao dobro se, notificado da sua aplicação, não entregar o suporte físico do processo no prazo de cinco dias.”.
São assim duas as questões e resolver, por ordem de precedência:
a) Se o I. Mandatário que procedeu ao levantamento dos autos procedeu à sua entrega no prazo prescrito; e
b) Se não o tendo feito está a sua falta abrangida por justo impedimento.
Ao I. Mandatário foi concedido o prazo de 24 horas para exame dos autos fora da secretaria. Tal reconduz-se ao prazo de um dia, nos termos dos artigos 279º, al. d) e 296º, do Código Civil.
Tal prazo tem como termo inicial a data do levantamento dos autos (30-11-2021) e terminaria portanto no dia seguinte, (01-12-2021). No entanto, como este dia é não útil (feriado), o termo do prazo transfere-se para o primeiro dia útil seguinte (dia 02-12-2021), nos termos do artigo 138º, n.º 2 do CPC.
Nesta data, os autos deveriam ter sido devolvidos aos serviços do Ministério Público de onde haviam sido levantados.
Resta saber se a remessa por via postal dos autos a juízo nessa data deve equivaler à sua entrega física para efeito da prática desse ato.
A este respeito o I. Advogado invoca o disposto no artigo 144º, n.ºs 7 e 8 do CPC, que têm a seguinte redação:
“7 - Sempre que se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, e a parte não esteja patrocinada, a apresentação a juízo dos atos processuais referidos no n.º 1 é efetuada por uma das seguintes formas:
a) Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva entrega;
b) Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do ato processual a da efetivação do respetivo registo postal;
c) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do ato processual a da expedição.
d) Entrega por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato a da respetiva expedição.
8 - Quando a parte esteja patrocinada por mandatário, havendo justo impedimento para a prática dos atos processuais nos termos indicados no n.º 1, estes podem ser praticados nos termos do disposto no número anterior.”.
Ora as normas em causa não são aplicáveis ao ato a que estava obrigado o I. Advogado.
Tais normas são aplicáveis aos atos previstos no n.º 1 desse artigo ou seja “aos atos que devam ser praticados por escrito”, nomeadamente a apresentação de peças processuais como requerimentos, articulados, acusações, contestações, recursos, etc…
No caso, está em causa a entrega física de um processo na secretaria, ato que não exige qualquer peça escrita.
Não é aplicável a este ato nem a norma citada, nem a norma do artigo 139º, n.ºs 5 e 6 do CPC (e artigo 107º-A do CPP), exigindo-se que os autos regressem fisicamente ao Tribunal (ou aos serviços do MºPº) logo que termine o prazo fixado para o efeito, sendo que em caso de atraso, o I. Mandatário que levantou os autos deve responder em dois dias.
Isto porque a falta do processo na secretaria pode causar entraves significativos na tramitação dos autos e pode impedir outros sujeitos processuais de os consultar.
Tal é ainda mais relevante no caso de processos de natureza penal, sendo que nas fases de inquérito e instrução não é aplicável a sua tramitação digital.
Assim sendo, o prazo em causa não foi respeitado.
Resta saber se foi invocado e provado justo impedimento à entrega atempada do processo.
O artigo 140º, do CPC estatui que:
“1 - Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.
2 - A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
3 - É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.º 1 constitua facto notório, nos termos do n.º 1 do artigo 412.º, e seja previsível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo.”.
Ora a este respeito, devemos notar que:
O serviço judicial do I. Mandatário que levantou os autos no dia do término do prazo (do qual não foi oferecida prova), não é em si mesmo justo impedimento tendo em conta que este já era conhecido do mesmo quando procedeu ao levantamento do processo. Se o I. Mandatário já sabia de antemão que não poderia restituir os autos no prazo fixado, então não os deveria ter levantado nessa data.
Por outro lado, como nota o Mº Pº, o I. Mandatário poderia ter articulado com a outra mandatária constituída (Dr.ª DD) de modo a que fosse esta a devolver os autos, tal como poderia ter encarregue funcionário forense dessa tarefa.
Mesmo a considerar-se que no dia 2 de dezembro o I. Mandatário estava impedido de devolver os autos, este deveria tê-lo feito logo que cessasse esse impedimento (artigo 140º, n.º 2, in fine, do CPC), ou seja, no dia seguinte.
Assim sendo, o atraso na restituição dos autos findo o prazo concedido não está justificado por justo impedimento.
*
Deve assim o I. Mandatário que procedeu ao levantamento dos autos ser condenado em multa a graduar “no máximo” (artigo 167º, n.º 2 do CPP) sendo aplicável quanto ao quantitativo o disposto no artigo 27º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais, que estatui que “Sempre que na lei processual for prevista a condenação em multa ou penalidade de algumas das partes ou outros intervenientes sem que se indique o respectivo montante, este pode ser fixado numa quantia entre 0,5 UC e 5 UC.”.
O montante da multa deve assim ser fixado em 5 Unidades de Conta. *
Pelo exposto, e ao abrigo do artigo 167º, n.º 2 do C.P.P., aplicável ex vi do disposto no artigo 89º, n.º 5, do C.P.P., condeno o Dr. EE em multa no valor de 5 Unidades de Conta.
Notifique e devolva ao Mº Pº.”.
***
II.III - Apreciação do mérito do recurso.
Compulsados os autos, constatamos que, para análise das questões que somos chamados a apreciar, releva a seguinte factualidade, consignada na decisão recorrida e extraída do processado dos autos principais:
- Por requerimento autónomo veio a Dr.ª DD – que tem nos autos, a fls. 60, procuração conjunta com o advogado recorrente – requerer o exame do processo fora da secretaria, solicitando a sua entrega à mesma ou ao recorrente, Dr. EE.
- Por despacho datado de 29.11.2021, foi deferida a confiança dos autos por 24 horas. - No dia 30.11.2021, pelas 15h55m, foram os autos entregues ao Dr. EE.
- No dia 02.12.2021 foram os autos expedidos por via postal para o Tribunal, onde chegaram no dia 06.12.2021.
- Notificado para justificar o atraso na entrega do processo, apresentou o recorrente o requerimento datado de 06.12.2021, no qual, sumariamente alegou, no que releva para os termos do recurso[1], que:
a) Após ter recolhido os autos deslocou-se para ..., onde tem residência e escritório, onde o consultou e estudou durante o dia 01-12-2021 (feriado);
b) No dia 02-12-2021 esteve impedido em julgamento pelo que deixou o processo no escritório para ser remetido ao tribunal por correio;
- No dia 07.12.2021 foi proferido despacho pelo Procurador titular do inquérito, no qual foi determinada a remessa dos autos ao JIC, com a promoção de que o mandatário agora recorrente fosse condenado em multa por desrespeito do prazo que lhe havia sido fixado para consulta dos autos fora da secretaria.
- Em 20.12.2021 foi proferido o despacho recorrido que, entre o mais, procedeu a tal condenação.
***
A consulta dos autos de processo penal pelos mandatários fora da secretaria encontra-se expressamente regulada no artigo 89.º do CPP, nos seguintes termos:
“Artigo 89.º
Consulta de auto e obtenção de certidão e informação por sujeitos processuais
1 - Durante o inquérito, o arguido, o assistente, o ofendido, o lesado e o responsável civil podem, mediante requerimento, consultar o processo ou elementos dele constantes, obter, em formato de papel ou digital, os correspondentes extratos, cópias ou certidões e aceder ou obter cópia das gravações áudio ou audiovisual de todas as declarações prestadas, salvo quando, tratando-se de processo que se encontre em segredo de justiça, o Ministério Público a isso se opuser por considerar, fundamentadamente, que pode prejudicar a investigação ou os direitos dos participantes processuais ou das vítimas.
(…)
4 - Quando, nos termos dos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 86.º, o processo se tornar público, as pessoas mencionadas no n.º 1 podem requerer à autoridade judiciária competente o exame gratuito dos autos fora da secretaria, devendo o despacho que o autorizar fixar o prazo para o efeito.
5 - São correspondentemente aplicáveis à hipótese prevista no número anterior as disposições da lei do processo civil respeitantes à falta de restituição do processo dentro do prazo; sendo a falta da responsabilidade do Ministério Público, a ocorrência é comunicada ao superior hierárquico. (…)”
*
Sobre as consequências da falta de restituição do processo dentro do prazo dispõe o artigo do 166º do CPC – para o qual remete expressamente o nº 5 do artigo 89º do CPP acima transcrito – da seguinte forma:
“Artigo 166.º
Falta de restituição do suporte físico do processo dentro do prazo
1 - O mandatário judicial que não entregue o suporte físico do processo dentro do prazo que lhe tiver sido fixado é notificado para, em dois dias, justificar o seu procedimento.
2 - Caso o mandatário judicial não apresente justificação ou esta não constitua facto do conhecimento pessoal do juiz ou justo impedimento nos termos do artigo 140.º, é condenado no máximo de multa; esta é elevada ao dobro se, notificado da sua aplicação, não entregar o suporte físico do processo no prazo de cinco dias.
3 - Se, decorrido o prazo previsto na última parte do número anterior, o mandatário judicial ainda não tiver feito a entrega do suporte físico do processo, o Ministério Público, ao qual é dado conhecimento do facto, promove contra ele procedimento pelo crime de desobediência e faz apreender o suporte físico do processo.
4 - Do mesmo facto é dado conhecimento à respetiva associação pública profissional.”
*
Por seu turno, o artigo 140º do CPC, referenciado na norma que acabámos de transcrever, estabelece o regime processual regulador do justo impedimento, estatuindo que:
“Artigo 140.º
Justo impedimento
1 - Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.
2 - A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
3 - É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.º 1 constitua facto notório, nos termos do n.º 1 do artigo 412.º, e seja previsível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo.”
*
Tendo presentes as disposições processuais que regulam a matéria que nos ocupa, analisemos cada uma das questões que constituem objeto do recurso e que acima enunciámos.
A) Da nulidade da decisão recorrida por violação do direito de contraditório e de defesa e da inconstitucionalidade da interpretação conjugada dos artigos 166º, nº 2, 167º nº 2 e 3 do CPC, 27º nº 1 do Regulamento das Custas Processuais e 89º nº 5 do CPP efetuada na referida decisão.
A este propósito, defende o arguido no seu recurso dever ser revogada a decisão recorrida porquanto: “No dia 7 de dezembro de 2021, a fls 839-840, é elaborada uma promoção que o recorrente desconhece — porque nunca lhe foi notificada — e o Sr. JIC, a fls 843 a 849, sem nunca ter ouvido o recorrente, no despacho de que se recorre, condena o mesmo em 5Uc's.
30- Salvo o devido respeito, que é sempre o mais elevado, entende o recorrente, modestamente que o Sr. JIC, apesar de ter nos autos a resposta do recorrente à Sra Procuradora da República não podia, antes de condenar o recorrente em multa, deixar de dar ao recorrente o direito de contraditório.
31-0 Sr. Juiz de Instrução, ao assim ter procedido, violou o direito do contraditório do recorrente (artº 3º n | do CPC ex vi, art.º 40 do CPP) pois não lhe deu a oportunidade de se pronunciar sobre o teor (que ainda se desconhece) da promoção da Sra. Procuradora da República.
De resto,
32-0 artigo 32º nº 10 da CRP é bem claro afirmando: (...) bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa".
33-Ainda que com as devidas adaptações, apesar de o recorrente ser advogado, dúvidas não podem subsistir que foi objeto de um processo sancionatório, com a aplicação de uma multa de valor muito elevado, até.
34- Sorte pela qual, desde iá deixa claro que. a interpretacão dos artigos 167º nº 2 do CPP (invocado como fundamentação legal no despacho recorrido), conjugado com o artigo 27º no 1 do Regulamento das Custas Processuais e artigo 89º nº 5 e, ainda, (normas que não foram indicadas no despacho recorrido mas aqui se invocam por mera cautela) os artigos 167º, 3 e 166º, nº 2 do CPC, quando interpretados no sentido em que é possível aplicar a um advoqado um multa processual sem que lhe seta asseguradas todas as garantias de defesa, designadamente pronunciar-se sobre as promoções do MP que requeiram a aplicação dessas multas ao Sr. Juiz ( in caso JIC), consubstancia uma interpretação inconstitucional de tais dispositivos legais por violação do direito de defesa em processo sancionatório, ou seja em desconformidade com o texto constitucional escrito no nº 10 do art.º 320º da C.R.P..”
Cremos, porém, que não lhe assiste razão.
Vejamos.
Primeiramente, importa assentar em que a condenação do recorrente ocorreu no âmbito do procedimento relativo à confiança dos autos para consulta fora da secretaria, que prevê que a não entrega dos autos dentro do prazo fixado seja sancionada com multa, exceto se a justificação apresentada para tal conduta constituir facto do conhecimento pessoal do juiz ou justo impedimento. É o que expressamente resulta do no nº 2 do artigo 166º do CPC acima transcrito.
Ora, para além de a inclusão da situação em análise na categoria de processos sancionatórios não se nos afigurar rigorosa – quando é certo que a aplicação da multa ao recorrente não tem na sua génese a apreciação de uma conduta delituosa, eticamente desvaliosa ou penal ou contraordenacionalmente censurável, mas apenas uma questão processual que o legislador cominou com a aplicação de tal sanção – a verdade é que, ainda assim, o direito ao exercício do contraditório, foi, a nosso ver, claramente assegurado.
De facto, a análise do processado, acima sumariado, permite-nos verificar que, em estrito cumprimento do preceituado no artigo 166º, nº 1 do CPC, constatada a não entrega do suporte físico dos autos no prazo de 24 horas que havia sido concedido para a sua consulta fora da secretaria, o mandatário recorrente foi notificado para, em dois dias, justificar o seu procedimento. Assim, em resposta a tal notificação, teve aquele a oportunidade de se pronunciar sobre o sucedido e de apresentar as justificações que entendeu relevantes e adequadas. E foi, aliás, o que aconteceu através da apresentação do requerimento datado de 06.12.2021.
Perante as razões apresentadas pelo mandatário agora recorrente, o Ministério Público determinou a remessa dos autos para ato jurisdicional, tendo tomado, a propósito das razões por aquele invocadas, a posição que entendeu adequada. E já se vê que, tendo-lhe os autos sido apresentados para apreciação da conduta do mandatário, devidamente instruídos com as justificações daquele e com a posição do Ministério Público sobre tais justificações, o JIC dispunha de todos os elementos para decidir sem necessidade de ouvir novamente o autor da conduta sindicada. Ouvi-lo novamente, sem voltar a ouvir o Ministério Público, teria, ademais, como consequência, o desequilíbrio da “igualdade de armas” a que se alude no recurso e que foi absolutamente assegurada com a tramitação constante dos autos. Como bem sinaliza o Ministério Público na sua resposta ao recurso, a promoção em causa não surge de facto que não fosse do conhecimento do mandatário recorrente, emergindo, ao invés, da conduta daquele e da análise da justificação subsequentemente apresentada.
A invocação da violação do direito ao contraditório carece, pois, em nosso entender, de qualquer sustentação, pelo que se não verifica qualquer nulidade, nem qualquer inconstitucionalidade resultante da interpretação conjugada dos artigos 166º, nº 2, 167º nº 2 e 3 do CPC, 27º nº 1 do Regulamento das Custas Processuais e 89º nº 5 do CPP efetuada na referida decisão.

B) Da tramitação do incidente nos autos ou por apenso.
Quanto à questão da tramitação do incidente, defende o recorrente que:
“35- Com o maior respeito por opinião distinta, o recorrente, uma vez mais com toda a humildade, crê que o que se acaba de alegar entronca, diretamente com a necessidade de, antes de ter proferido a condenação de que se recorre, o modo de ter processado este incidente era, efetivamente, por apenso a estes autos de inquérito, assegurando, assim, todos os direitos de defesa do recorrente.”
Também quanto a este fundamento do recurso, entendemos que lhe não assiste razão.
De facto, nenhum fundamento válido, de natureza processual ou substantiva, vislumbramos para justificar a imposição da tramitação do incidente relativo à não devolução atempada do processo por apenso aos autos principais, nos termos reclamados pelo recorrente. Trata-se de uma questão incidental de simples tramitação que no presente caso não reveste contornos que lhe confiram a complexidade que eventualmente pudesse justificar, por questões de clareza de boa gestão da tramitação processual, a criação de um apenso próprio. Diferentemente da situação factual subjacente ao recurso apreciado pelo Tribunal da Relação de Coimbra no acórdão citado pelo recorrente, datado de 07.05.2013, prolatado no processo 529/03.9TBGRD.C1 e relatado pela Desembargadora Maria Inês Moura[2], na situação que nos ocupa a factualidade apresentada pelo recorrente para justificar a sua conduta não se apresenta controvertida. Ao invés, a mesma foi aceite e tida em conta pelo “juiz a quo” na sua decisão. O que sucedeu foi que o juízo formulado sobre as justificações apresentadas, pelas razões constantes do despacho recorrido, não se revelou favorável ao recorrente.
Assim, não havendo lugar à produção de prova, por desnecessária – sendo certo que toda a factualidade com relevância que havia sido invocada pelo mandatário, foi aceite pelo julgador – a criação de um apenso para tramitação do incidente revelar-se-ia absolutamente inútil por desnecessária, improcedendo também tal fundamento do recurso.

C) Da qualificação da devolução de um processo, acompanhado de um requerimento onde se indicam falhas na numeração do mesmo como ato processual.
A tese defendida no recurso a respeito da questão enunciada é a seguinte:
“(…) entende o recorrente que o ato que praticou com a devolução do processo é um ato processual e que, poderia ser praticado pessoalmente ou através da remessa postal, como fez, no dia 02.12.2021.(…)
53-0 recorrente recolheu o processo no DIAP dia 30.11.2021, pelas 15h 55m.
54-Nos termos do artigo 279º b) do C. Civ, ex vi artigo 104ºdo CPP, na contagem do prazo em horas, não se inclui o dia nem a hora em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr.
55-Atento o disposto na alínea d) da mesma disposição legal, um prazo de 24h é havido como o prazo de 1 dia.
56-0u seja, parece resultar destas normas que, o prazo para consulta do processo teve início às 0h do dia 1 de dezembro de 2011 e terminou às 24h desse mesmo dia.
57-Contudo, por ser feriado e aos feriados não se praticarem atos processuais o prazo transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, ou seja 02.12.2021.
58-A Consulta de auto e obtenção de certidão e informação por sujeitos processuais, consubstanciam atos processuais e, como tal previstos no artigo 89º da Lei adjetiva processual penal que regula o modo da consulta do processo fora da secretaria.
59- O prazo para consulta pode ser fixado porque o CPP o prevê, mas este Código não determina que a remessa com envelopes e taxas postais pagas pela parte que requer a consulta do processo ou a sua devolução não possam ser feitas por correio.
(…)
62-Ora, sendo a consulta nestas condições uma sucessão de atos processuais regulados pelo CPP e não sendo possível praticar tais atos por via eletrónica, outro modo não há que praticá-los pelo correio postal.
63-Entende o recorrente, por isso, com muita humildade, aliás, que no caso concreto, ao invés do decidido no despacho recorrido, a devolução do processo ao DIAP acompanhado de requerimento, consubstancia um ato processual regulado no CPP e é-lhe aplicável o regime previsto no artigo 144º, nº 7, alínea b) do CPC.
64- Ou seja, em caso de remessa pelo correio sob registo, vale como data da prática do ato processual a da efetivação do respetivo registo postal.
65- In caso, dia 02.12.2021, às 14h 55m.”
Não subscrevemos, porém, tal entendimento.
Tal como acima explanámos, o regime processual aplicável à confiança dos processos na jurisdição criminal é o que se encontra previsto no artigo 89º do CPP, regime que apenas remete para a lei processual civil, concretamente para o artigo 166º do CPC, no que tange às consequências da não restituição do processo dentro do prazo fixado.
Na situação dos presentes autos de inquérito, o Ministério Público, na qualidade de titular da ação penal, dando aplicação do regime constante do 89º do Código de Processo Penal, concedeu ao advogado do assistente um prazo de 24 horas para exercer o seu direito à consulta dos autos fora da secretaria. Ora, a interpretação de tal despacho, enformada pela consideração das razões subjacentes à regulamentação da confiança dos autos e das especiais reservas e cautelas associadas a tal ato, não poderia conduzir a outro entendimento que não fosse o de que o processo deveria encontrar-se fisicamente na secretaria do tribunal no final do prazo concedido, ou seja, 24 horas a pós o seu levantamento.
Ressalvado o devido respeito por entendimento diverso, estamos em crer que o recorrente confunde os atos por si praticados – e que afirma consubstanciarem atos processuais para os quais reclama a aplicação das normas processuais civis relativas ao modo da sua prática e à data em que se consideram praticados – com as realidades com relevância processual na situação em análise, nos seguintes termos:
- Atribui relevância ao envio do processo pelo correio, quando o que verdadeiramente releva para efeitos de cumprimento do prazo fixado é a chegada física dos autos à secretaria;
- Associa o envio dos autos ao envio de um requerimento para correção da numeração como se se tratasse de um único ato processual.
São efetivamente atos e realidades diversas, que reclamam tratamento diferenciado. Assim, no que diz respeito à devolução do processo, nenhuma dúvida deverá restar, pelas razões interpretativas do despacho que fixou o prazo de confiança do mesmo que acima consignámos, que o que releva para cumprimento de tal prazo é a chegada física do processo à secretaria. O que bem se compreende, considerando que os processos deverão estar no tribunal para poderem ser consultados por todos os sujeitos processuais, devendo a sua confiança, ou seja, a sua permanência fora da secretaria, limitar-se ao período estritamente indispensável fixado no despacho que o autoriza.
A questão não se coloca relativamente à forma como o processo chega ao tribunal – entregue pessoalmente pelo mandatário ou por outra pessoa em seu nome, enviado pelo correio, ou por qualquer outra via – mas sim quanto ao momento em que o mesmo aí é fisicamente entregue. E, ao contrário do propugnado pelo recorrente, a entrega física do processo na secretaria, seja pelo mandatário, seja pelo distribuidor postal, não é, obviamente um ato processual no sentido que lhe é atribuído no recurso, nem a sua prática se revela compatível com as regras processuais aí invocadas, concretamente com o artigo 144º, nº 7, alínea b) do CPC, conquanto, reiteramos, pese embora o processo pudesse ter sido remetido pelo correio, o que releva para se considerar efetuada a sua devolução é a sua entrega efetiva na secretaria, não valendo como data da devolução a data do registo postal.
Comungamos, assim, do entendimento constante do despacho recorrido no sentido de que não são aplicáveis ao ato de restituição do processo as normas processuais invocadas pelo recorrente – concretamente os nºs 7 e 8 do artigo 144º do CPC, o 139º, n.ºs 5 e 6 do CPC e artigo 107º-A do CPP – uma vez que tais normas se destinam a regular a apresentação de peças processuais, atos que, conforme expressamente resulta do nº 1 do artigo 144º do CPC [3], deverão ser praticados por escrito, o que, consabidamente, não sucede com o ato de entrega física do processo na secretaria a que o recorrente estava obrigado.
Por outro lado, conforme acima enunciámos, o mandatário recorrente associa o envio dos autos ao envio de um requerimento para correção da numeração como se se tratasse de um único ato processual. Mas fá-lo, a nosso ver, erradamente. Na realidade, estamos em presença de atos distintos: uma coisa é a entrega física do processo – ato que não exige qualquer peça escrita – outra coisa é o requerimento a sinalizar a incorreção da paginação, este sim um verdadeiro ato processual, necessariamente praticado por escrito, ao qual são aplicáveis as normas processuais acima indicadas. O que não pode é estender-se o regime processual aplicável ao requerimento apresentado por escrito ao ato de entrega física do processo apenas porque o recorrente decidiu praticar ambos os atos pela mesma via (remessa pelo correio) e em simultâneo. Tal raciocínio, a mais de insustentado, não se revela, a nosso ver, compatível com observância do princípio da boa fé processual.
Poderia o mandatário recorrente ter discordado do despacho que lhe concedeu o prazo de 24 horas para consulta dos autos fora da secretaria. Não o tendo feito, conformou-se com o prazo fixado, o que acarretou a natural consequência de ter ficado adstrito ao seu cumprimento, a não ser que razão ponderosa – que integrasse justo impedimento reconhecido judicialmente – viesse a justificar um eventual incumprimento.

D) Da proporcionalidade da exigência de deslocação dos mandatários para entrega do suporte físico dos autos.
Afirma o recorrente finalmente que:
“(…) sugerir como sugere o despacho recorrido que o recorrente fosse de ... a .../..., levar o processo à sua colega para esta o entregar no DIAP ..., sem sequer, se ter apurado se esta estava justamente impedida ou não,
BB) É pelo menos desproporcional, desajustado e até injusto, por isso inaceitável..”

Antes de mais, importa clarificar que no despacho recorrido não se afirma que o recorrente devesse ter procedido da forma consignada no excerto transcrito. O que aí se refere é que cabia ao mandatário encontrar uma solução que lhe permitisse concretizar a entrega do processo na secretaria dentro do prazo, sendo certo que o seu impedimento noutras diligências judiciais já era do seu conhecimento antes de ter levantado o processo. As soluções mencionadas no despacho – articulação com a colega ou atribuição da tarefa a um funcionário forense – são meras sugestões, sem qualquer valor vinculativo. De todo o modo, sempre diremos que a deslocação pessoal do mandatário ou de qualquer outra pessoa ao tribunal para efetuar a devolução dos autos se nos afigura perfeitamente adequada e proporcional com vista a alcançar o fim pretendido, à semelhança, aliás, do que se verificou com a deslocação para levantamento do processo.
Consignamos, por último, quanto ao conteúdo do despacho recorrido, no que diz respeito à improcedência da justificação da conduta do recorrente, que o mesmo se revela fundado, pois que, de forma alguma poderemos entender que as justificações apresentadas[4] se subsumem à figura do justo impedimento prevista no artigo 140º do CPC e convocada pelo artigo 166º, nº 2 do CPC.
Nos termos do artigo 140º do CPC, que acima transcrevemos, deverá considerar-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato. São assim requisitos de tal figura processual: o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários; que obste à prática atempada do ato.
A redação do nº 1 do artigo 140º do CPC sofreu modificações com o DL nº 125/98, de 12/05, pois anteriormente considerava-se ainda um outro requisito: o de o evento ser normalmente imprevisível. Daí que deva hoje colocar-se o acento tónico, não na imprevisibilidade do evento, mas na impossibilidade absoluta da pessoa de praticar o ato por si, ou por mandatário, em virtude de facto independente da sua vontade, sendo ainda de ponderar se um cuidado e diligência normais não teriam permitido praticá-lo. Substituiu-se, assim, a noção nuclear de acontecimento normalmente imprevisível pela nova noção de acontecimento não imputável à parte ou ao seu mandatário, em virtude de os mesmos não terem tido culpa na sua produção. Logo, a parte ou o seu mandatário podem ter tido participação na ocorrência, desde que essa participação não envolva, nos termos gerais, um juízo de censurabilidade.
De acordo com o preâmbulo do referido Decreto-Lei, pretendeu-se com esta alteração flexibilizar «a definição conceitual de “justo impedimento”, em termos de permitir a uma jurisprudência criativa uma elaboração, densificação e concretização, centradas essencialmente na ideia de culpa, que se afastem da excessiva rigidificação que muitas decisões proferidas com base na definição constante da lei em vigor, inquestionavelmente revelam». Por outras palavras, procurou-se atenuar “a rigidez do anterior sistema de invocação e aceitação do justo impedimento, assente no princípio da imprevisibilidade e da impossibilidade de prática dos atos, centrando agora o instituto na ideia da culpabilidade das partes, dos seus representantes ou mandatários»[5].[6]
Analisado o iter processual acima relatado e a factualidade invocada para justificar a conduta do mandatário recorrente – a saber, impedimentos dos mandatários noutras diligências e incómodos causados pela deslocação ao tribunal atendendo à distância física – afigura-se-nos que a figura do justo impedimento não tem efetivamente aplicação à situação que nos ocupa. De facto, se é certo que as razões invocadas pelo recorrente poderão ter dificultado a sua tarefa, não é menos verdade que tais razões não justificam a falta de entrega atempada do processo na secretaria, pois que, sabendo o mesmo antecipadamente que o prazo que lhe havia sido concedido para consulta dos autos terminava no dia 02.12.2021, e sabendo ainda que em tal dia se encontraria impedido em diligências anteriormente agendadas em processos judiciais, emerge como absolutamente incompreensível que aquele não tivesse cuidado de, atempada e prudentemente, diligenciar, da forma que reputasse mais adequada, pela entrega efetiva do processo na secretaria do tribunal no referido dia.
O que se revelou absolutamente desadequado em termos processuais, colidindo, a nosso ver, com o especial dever de diligência e organização que recai sobre os profissionais do foro no acompanhamento das causas, foi a conduta do recorrente, que, tendo descurado o decurso do prazo que lhe havia sido concedido para consultar o processo fora da secretaria, optou por proceder ao seu envio pelo correio no dia em que o mesmo deveria ser entregue no tribunal, concretamente no dia 02.12.2021. E nem se diga, como afirma o recorrente no recurso, com o propósito de justificar a sua conduta, que “(…) não fosse a falha dos CTT — que se atrasou mais um dia útil na distribuição postal, do que aquilo que é habitual (…)”, o prazo teria sido cumprido, pois que, conforme também refere o recorrente, ainda que não tivesse existido tal atraso, sempre o processo teria sido entregue fora de prazo, pois “(…) teria chegado ao DIAP ... na sexta-feira dia 3, de manhã(…)”, quando é consabido que o prazo de confiança dos autos terminava no próprio dia de envio dos autos pelo correio, ou seja no dia 02.12.2021.
Nesta conformidade e atentas as razões expostas, somos a concluir que a não devolução atempada do processo é censurável e imputável ao mandatário recorrente, não se verificando na situação vertente a figura do justo impedimento, como bem foi decidido no despacho recorrido.
*
III- Dispositivo.
Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e, consequentemente, em manter integralmente a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC. (art.º 513.º, n.º 1 do CPP e art.º 8.º, n.º 9 / Tabela III do Regulamento das Custas Processuais)

(Processado em computador pela relatora e revisto integralmente pelas signatárias)
Évora, 13 de julho de 2022
Maria Clara Figueiredo
Maria Margarida Bacelar
Fernanda Palma
________________

[1] As restantes alegações constantes de tal requerimento e reproduzidas no requerimento de interposição do recurso – designadamente as relativas às intercorrências processuais atinentes ao reconhecimento da representação do assistente pelo advogado recorrente e, bem assim as relativas aos contactos estabelecidos com a secretaria entre o requerimento para confiança dos autos e o despacho que veio a deferi-lo – são meramente circunstanciais e reportam-se a matéria factual que em nada releva para a economia do presente recurso.
[2] No qual estavam em causa os factos invocados pelo mandatário como justificação para a não entrega atempada do processo, o que determinou a necessidade de produção de prova e tornou conveniente, em termos de gestão processual e com vista assegurar as garantias de defesa inerentes à produção e valoração de tal prova, a criação de um apenso próprio para tramitação do incidente.
[3] “Artigo 144.º
Apresentação a juízo dos atos processuais
1 - Os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva expedição. (…)
[4] Relativas aos impedimentos dos mandatários noutras diligências e aos incómodos causados pela deslocação ao tribunal atendendo à distância física.
[5] António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume, Almedina, Lisboa, 1998, p. 87
[6] No mesmo sentido se pronunciaram, entre outros, os acórdãos dos tribunais superiores, disponíveis em www.dgsi.pt, cujos sumários passamos a transcrever:
- Ac. do TRG de 20.03.2017 “I) O justo impedimento exige a verificação de dois requisitos:1º Que o evento não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatário; 2º Que o evento determine a impossibilidade de praticar atempadamente o ato.
II) Não integra justo impedimento a situação retratada nos autos, na qual uma funcionária de escritório de uma advogada, mandatária da ofendida, comete um lapso ainda que involuntário e, por conseguinte negligente, que guardou no dossier de um outro processo, em que a recorrente é arguida, o comprovativo da entrega na Segurança Social de proteção/apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, com a finalidade de constituição de assistente, comprovativo esse que deveria ter sido junto aos presentes autos.”
- Ac. TRP de 05.03.2018 “I - A aferição dos pressupostos do “justo impedimento” envolve um “juízo de censura” em cuja avaliação não se pode prescindir do critério enunciado no n.º 2 do artigo 487.º do CC, de acordo com o qual a culpa é o não cumprimento de um dever jurídico: o dever de diligência, de conteúdo indeterminado, mas determinável em cada situação concreta, sendo a diligência juridicamente devida a que teria um bom pai de família colocado nas circunstâncias concretas em que se encontrava o agente.(…).”
- Ac. do TRG de 10.07.2018 “I - São requisitos cumulativos do justo impedimento a não imputabilidade do evento à parte ou aos seus representantes ou mandatários e a consequente impossibilidade de praticar o ato em tempo”.