Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MÁRIO COELHO | ||
Descritores: | OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO EFEITOS PRECLUSÃO | ||
Data do Acordão: | 01/13/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | 1. Destinando-se a acção executiva ao cumprimento coercivo da obrigação exequenda, se não for deduzida oposição, essa obrigação mantém-se, prosseguindo a execução os seus regulares termos. 2. Poderá conceber-se que, por requerimento avulso, os executados invoquem vícios cuja demonstração não careça de prova, nomeadamente os que poderiam ter determinado o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo. 3. Mas não poderão utilizar essa via para invocar vícios que carecem de alegação e prova, que apenas pode ter lugar em sede de oposição à execução. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | Sumário: (…) Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo de Execução de Silves, pende execução para pagamento da quantia de € 8.005,65 e respectivos juros, proposta em 19.02.2008 por BBVA Instituição Financeira de Crédito, S.A. contra (…) e (…). Os executados foram citados e não deduziram oposição à execução. Em 14.07.2009 foi penhorado imóvel pertencente aos executados. Em 15.11.2010 as partes juntaram acordo de pagamento da quantia exequenda em prestações. Incumprido esse acordo, a execução prosseguiu os seus termos e foram reclamados créditos pelo Instituto da Segurança Social, I.P., e por Arrow Global Limited, os quais foram reconhecidos e graduados por sentença de 24.11.2017, transitada em julgado. Foi determinada a venda do imóvel penhorado em leilão electrónico, com encerramento a 02.09.2020. Nesta data de 02.09.2020, os executados apresentaram requerimento invocando a nulidade do contrato de mútuo que constitui o título executivo e requerendo a extinção da instância executiva. O despacho recorrido indeferiu tal requerimento, argumentando, no essencial, o seguinte: «A validade do título executivo, em si, e do contrato que o mesmo incorpora são questões que os Executados deveriam ter suscitado logo em sede de oposição à execução, cuja oportunidade decorreu, assim, há muito. Outrossim, a oposição à penhora, deveria ter sido apresentada quando do conhecimento desta, oportunidade que também já passou.» Do dito despacho recorrem os executados, concluindo: A. O douto despacho de que se recorre, decidiu pelo indeferimento da arguição de nulidade substantiva, do título executivo, apresentada pelos Executados, aqui Apelantes, com fundamento em que, “A validade do título executivo, em si, e do contrato que o mesmo incorpora são questões que os Executados deveriam ter suscitado logo em sede de oposição à execução, cuja oportunidade decorreu, assim, há muito.”, no entanto dos presentes Autos encontram-se documentalmente demonstrados os factos seguintes. B. Os Executados / Apelantes assinaram em 12.01.2006, um impresso contendo uma proposta de crédito, e uma autorização de débitos em conta bancária por débito directo, para ver se era possível obterem um empréstimo de € 6.000,00 euros, sem que nunca tenham negociado qualquer ponto ou condição relativamente ao impresso que assinaram aplicáveis à referida proposta de crédito, designadamente, sobre a taxa de juro aplicável ou sobre a existência de qualquer período de reflexão. C. Nunca mais tendo sido entregue pelos serviços do Exequente aos Executados / Apelantes, nenhuma cópia daquela proposta de contrato de crédito que haviam assinado em 12.01.2006. D. Percorrendo-se o contrato de crédito assinado pelos Executados / Apelantes, em 12.01.2006, retira-se com simplicidade das cláusulas 1ª, 3ª e 4ª, que o referido contrato de crédito se rege pelo Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, sobressaindo assim com alguma segurança que o título executivo consubstancia um contrato de crédito ao consumo, cujos efeitos são regulados pelo referido Decreto-Lei, em vigor à data das respectivas assinaturas. E. Abdicando de analisar os verdadeiros fundamentos pelos quais se invocava a referida nulidade do título executivo, entendeu o douto despacho indeferir sem invocar qualquer norma legal, no entanto esses fundamentos encontram-se previstos no artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 359/91, onde se determina que “1 - O contrato de crédito deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, sendo obrigatoriamente entregue um exemplar ao consumidor no momento da respectiva assinatura”. F. Sancionando-se o incumprimento daquela obrigação, por via do artigo 7.º do mesmo diploma, onde se estatui que “1 - O contrato de crédito é nulo quando não for observado o prescrito no n.º 1 ou quando faltar algum dos elementos referidos nas alíneas a), c) e d) do n.º 2, nas alíneas a) a e) do n.º 3 e no n.º 4 do artigo anterior”. G. Ora, sendo inexistente naquele Decreto-Lei n.º 359/91 a previsão de efeitos decorrentes da nulidade do n.º 1 do artigo 7.º, teria necessariamente de se recorrer à aplicação do artigo 285.º do Código Civil, onde se prevê que “Na falta de regime especial, são aplicáveis à nulidade e à anulabilidade do negócio jurídico as disposições dos artigos subsequentes”, e o artigo subsequente, 286.º do Código Civil, determina que “A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal”. H. E a nulidade estatuída no n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 359/91 é uma pura nulidade, ainda que se entenda a mesma como atípica, o que, de acordo com a doutrina, a torna numa nulidade invocável por qualquer pessoa interessada, insanável pelo decurso do tempo ou mediante confirmação, operando ipso iuris ou ipso vi legis (A título de exemplo, cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, página 611). I. E, na lúcida decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, no seu acórdão de 2017-04-27 (Processo n.º 406/12.2TBBBR-A.C1), “III - Este conjunto de formalidades impostas por este tipo de contrato tem a ver com a protecção dos seus destinatários, pessoas nem sempre preparadas e eventualmente sem conhecimentos suficientes para uma apreciação imediata do referido tipo de contrato, pelo que necessitarão de algum tempo para reflectir e se poderem aconselhar sobre o mesmo. IV - Assim, a parte mais débil (consumidor) não só deve ficar logo com a prova do contrato, como também ficar com a possibilidade de se poder retractar (direito de retractação), ou seja, no período de reflexão (7 dias) pode revogá-lo – cfr. artigo 8.º/1, do DL 359/91”. J. Por outro lado, antevendo-se a previsível alegação de abuso de direito, por parte do Exequente, sobre a arguição de nulidade dos Apelantes, salienta-se que estes, após a citação, só em 2020 tiveram intervenção verdadeiramente relevante nos presentes Autos quando constituíram mandatário, porquanto a desprotecção dos Executados, enquanto consumidores, em nada se relaciona com qualquer intenção de se furtarem ao pagamento dos valores contratados inicialmente. K. Reiterando-se, respeitosamente, que aos Executados nunca foi entregue qualquer cópia da proposta de crédito que assinaram, o que os impediu de conhecer o âmbito das respectivas vinculações. L. O abuso de direito, eventualmente invocável pelo Exequente, deverá ser prudentemente ponderado, conforme entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, que no acórdão de 28.02.2012, alertava para que a “A invocação do abuso de direito não pode redundar, com subversão do escopo das exigências de forma, em mero instrumento de convalidação de negócios que a lei declara inválidos” (Proc. n.º 349/06.8TBOAZ.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj). M. O douto despacho de que aqui se recorre, a concluir, julgou ainda que a matéria alegada pelos Executados também não sustentaria qualquer causa de suspensão daquela diligência, no entanto a suspensão, quer da diligência, quer da instância, seria sempre admissível por via do disposto na parte final do n.º 1 do artigo 272.º do C.P.C., quando ali se permite a referida suspensão pela ocorrência de outro motivo justificado. N. A arguição de nulidade pelos efeitos que poderá vir a comportar integra o que poderá ser entendido como outro motivo justificado, pelo que salvo superior entendimento, nada impedia assim, a suspensão quer da diligência, quer da instância. O. Os Apelantes entendem, respeitosamente, que o Tribunal a quo, ao decidir no seu douto despacho que “A validade do título executivo, em si, e do contrato que o mesmo incorpora são questões que os Executados deveriam ter suscitado logo em sede de oposição à execução, cuja oportunidade decorreu, assim, há muito”, violou o n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, onde se previa que “O contrato de crédito é nulo quando não for observado o prescrito no n.º 1 ou quando faltar algum dos elementos referidos nas alíneas a), c) e d) do n.º 2, nas alíneas a) a e) do n.º 3 e no n.º 4 do artigo anterior”, por referência aos artigos 285.º e 286.º do Código Civil. P. Os fundamentos pelos quais o douto despacho se decidiu pelo indeferimento do pedido dos aqui Apelantes, encerram erro na apreciação dos factos conhecidos, porquanto, a decisão que deveria ter recaído sobre a pretensão dos Apelantes, deveria ter sido no sentido de declarar a nulidade, com todos os efeitos daí decorrentes, ou, a realização de uma audiência de julgamento para a produção de prova tendente a demonstrar ou infirmar os fundamentos da referida nulidade. Q. O douto despacho violou ainda o n.º 1 do artigo 272.º do C.P.C., ao indeferir a suspensão da diligência. R. O douto despacho poderia ter declarado a suspensão quer da diligência, com fundamento na parte final do n.º 1 do artigo 272.º do Código de Processo Civil.
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