Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1071/18.9T8TMR.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
CADUCIDADE
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 06/17/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I- Não caduca a acção de investigação da paternidade sem que o filho disponha de uma oportunidade real de a exercitar, o que poderá só suceder quando tenha “conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação” ( alínea c) do nº3 do art.º 1817ºdo Cód. Civil).

II- No caso, o fundamento, a causa de pedir, da acção de reconhecimento judicial da paternidade, cingiu-se ao facto natural da procriação, i.e. a A. não invocou (melhor, não pôde invocar) quaisquer outros dentre os previstos no art.º 1871º,nº1 do Código Civil (escrito do pai, posse de estado, abuso de confiança ou de autoridade, sedução ou convivência more uxorio).

III- Por isso, para propor uma acção judicial era imprescindível efectuar e esgotar as diligências possíveis e necessárias para a fundamentar, o que passava por obter tal confirmação por parte da sua mãe, de que o Réu era efectivamente seu pai, perante a recusa do mesmo em admiti-lo.

IV- No contexto enunciado, só a confirmação da identidade do progenitor por parte da sua mãe e por acréscimo a confirmação de que com ele havia mantido relações sexuais no período legal da concepção, possibilitava e justificava a propositura dessa acção com a necessária segurança.

V- Ainda que não se tivesse provado que tal conhecimento adveio à apelante em Setembro de 2015 nem por isso a decisão acerca da improcedência da caducidade seria diferente.

VI- Como determinou o AUJ do Supremo Tribunal de Justiça de 17-9-2020 relatado pelo Conselheiro Bernardo Domingos, o ónus de alegar e provar os factos demonstrativos de que a acção foi intentada decorridos mais de três anos sobre os factos que justificaram a acção compete ao réu. (sumário da relatora)

Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
I – RELATÓRIO
1. H… intentou contra A… acção declarativa com processo comum, para investigação de paternidade, ao abrigo do disposto no artigo 1869º do Código Civil, pedindo que seja declarado que a autora é filha do réu.

Para tanto, invocou, em síntese, que nasceu em 04-05-1972, a sua mãe faleceu em 21-10-2015 e apenas antes da sua morte esta lhe confirmou que o réu era o seu pai.

Regularmente citado, o réu contestou invocando a caducidade do direito da A., por desde Setembro de 2014 a mesma saber que o R. seria o seu pai, e impugnou o demais alegado.
Julgada a causa foi proferida sentença que julgou verificada a excepção de caducidade do direito de propor a acção e, em consequência, absolveu o réu A… do pedido formulado por H….

2. Inconformada, dela recorreu a Autora, concluindo a sua apelação nos seguintes termos :
I – DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
1 - Das declarações prestadas pela ora Recorrente em sede de declarações de parte (gravação 20190919151740_2787897_2871728, nomeadamente nos trechos que se situam de 2:13- 6:40; de 7:15- 10:30; 11:42- 12:48; 13:30- 14:08), pela testemunha I… (gravação 20190919144530_2787987_2871728, especificamente no trecho entre 3:15- 10:52), pela testemunha M… (gravação 20190919150535_2787897_2871728, mais especificamente no trecho entre 2:29 – 3:30 e 7:38-9:33), pela testemunha A… (gravação 20201008142124_2787897_2871728, trecho entre 31:44-36:46), e pela testemunha J… (gravação 20201008150011_2787897_2871728 -2:47-3:25) resulta provado que a Recorrente apenas teve certezas sobre a identidade do seu pai em Outubro de 2015.
2 - Antes disso, a Recorrente tinha suspeitas a levaram a encetar as diligências necessárias não só para encontrar tal pessoa, mas para, essencialmente,confirmarem se aquela pessoa era, de facto, o pai da Requerida. A explicação para a contratação do Dr. A…, em Setembro de 2014, para encontrar uma pessoa determinada está, assim, plenamente justificada, não implicando, contudo, que, à data da sua contratação, ou mesmo depois de este ter encontrado aquele que se sabe agora ser o pai da Recorrente, tivesse esta certezas sobre se aquele homem era, de facto, o seu pai.
3 - Relativamente ao depoimento da testemunha A… (que, no fundo, foi o depoimento utilizado pelo tribunal para fundamentar a sua convicção quanto aos factos aqui em análise), importa sublinhar que, não obstante tal testemunha afirmar ter sido contactada em Setembro de 2014, por I…, para tentar encontrar o pai da sua esposa, aqui Recorrente (o que, de resto, corresponde à verdade), não resulta de tal facto, como, aparentemente, o tribunal entendeu resultar, que a Recorrente tivesse já, em tal data, a convicção de que aquela pessoa era o seu pai.
4 - Como resulta dos depoimentos supra indicados, o nome que foi facultado ao Dr. A… resultou das pesquisas feitas pelo marido da Recorrente que, tendo como ponto de partida o primeiro nome do Réu, a data de nascimento da Recorrente e a zona em que a sua mãe estava à data da concepção daquela. Mas não havia qualquer certeza quanto ao facto de aquela pessoa ser efectivamente o seu pai. Não havia nenhuma informação da parte da sua mãe, que se escusava sempre a falar do assunto. Não havia nenhuma confirmação da parte do seu pai – que, de resto, contestou os presentes autos.
5 - A testemunha foi contratada para encontrar uma pessoa, tendo-lhe sido facultado o nome completo da mesma. A Recorrente nunca negou tal facto. Mas considerar que tal facto implica dar como provado, como fez o tribunal a quo, que esta sabia, em Setembro de 2014, que o Recorrido era seu pai é, com todo o respeito, avaliar incorrectamente a prova produzida.
6 - E, mais do que isso, ainda que admitamos que o Dr. A… estava, naquela data, convicto de ser o Recorrido o pai da Recorrente, tal facto não poderia, por si, implicar que o tribunal considerasse como provado o referido facto, pois que a convicção relevante, para tais efeitos, é, apenas e tão somente, a da aqui Recorrente. E ficou provado, através das declarações de parte da Recorrente e das declarações das testemunhas I… e M…, que apenas em Outubro de 2015 teve a Recorrente confirmação, por parte da sua mãe, de que o seu pai era o ora Recorrido.
7 - E o mesmo se diga relativamente à testemunha J…, amigo do Recorrido, que afirmou que, tendo acompanhado o Recorrido á reunião havida com a testemunha A…, no âmbito da qual falou ao telefone com a Recorrente, referiu que este, quando saiu, lhe disse, muito transtornado, que tinha uma filha em Angola.
8 - O facto mais relevante dos presentes autos está provado: o Recorrido é o pai da Recorrente (conforme facto provado n.º 2), sendo, consequentemente seguro assumir que, quando contactado pelo Dr. A…, o Recorrido soube, pelas datas, locais e pessoas envolvidas, que era, de facto, o pai da Recorrente. E também podemos assumir que tenha partilhado tal facto, e a angústia e consternação que o mesmo implicava para si, com o amigo que o havia acompanhado a tal reunião.
9 - Daí a utilizar tal desabafo e tal convicção para considerar como provada a convicção de uma terceira pessoa (a ora Recorrente) vai uma grande distância.
10 - Assim, face a tudo o que ficou exposto, nomeadamente face à prova produzida através das declarações de parte da Recorrente e das testemunhas I… e M…, deve o facto provado n.º 3 (“Desde Setembro de 2014 que a autora sabia que o réu era seu pai”) transitar para os factos não provados e o facto não provado n.º 4 (“A autora apenas teve convicção segura de que o réu era o seu pai em Outubro de 2015, quando M… o confirmou e mostrou papel com nome daquele”) transitar para o elenco dos factos provados.
11 - Já relativamente ao facto provado n.º 4 (“em 07/11/2014, a autora disse ao réu que era filha dele”) deve também o mesmo transitar para o elenco dos factos não provados.
12 - E tal alteração funda-se nas declarações prestadas pela ora Recorrente em sede de declarações de parte (gravação 20190919151740_2787897_2871728, trecho entre 11:42- 12:48), pela testemunha I… (gravação 20190919144530_2787987_2871728, especificamente no trecho entre 15:30- 17:56) e pela testemunha A… (gravação 20201008142124_2787897_2871728, trecho entre 8:44-10:37)).
13 - De facto, resulta claro da prova acabada de especificar que o telefonema existiu mas nenhum dos intervenientes no mesmo afirmou, em momento algum, que a Recorrente tenha dito ao Recorrido ser sua filha.
14- Nem a Recorrente nem a testemunha I… afirmam tal facto. O Dr. A… não ouviu o telefonema, conforme por si admitido, pelo que não poderia nunca atestar tal facto, nem, consequentemente, o tribunal fundar a sua convicção nas suas declarações. O Recorrido não prestou declarações.
15 - Quanto ao depoimento da testemunha J…, amigo do Recorrido, utilizado pela sentença recorrida para motivar a sua convicção, a testemunha limitou-se a relatar o desabafo do amigo que acabara de falar com aquela que sabia ser sua filha, o que não implica que esta tivesse a mesma convicção, até porque, como demonstrado, nunca o Recorrido lhe confirmou tal facto.
16 - Pelo que, mais uma vez, não deveria a convicção do tribunal ter-se fundamentado nos testemunhos daqueles que, tendo contactado directamente com o Recorrido, percepcionaram, ainda que este nunca o tenha admitido, que, de facto, se tratava do pai da Recorrida.
17 - Face ao exposto, deverá o facto provado n.º 4 (“em 07/11/2014, a autora disse ao réu que era filha dele”) transitar para o rol dos factos não provados.
18 - Alterados os factos provados e não provados em conformidade com o supra exposto, temos que, ainda que tivesse o nome completo do Recorrido desde Setembro de 2014, a Recorrida não sabia que o Recorrido era seu pai desde tal data, apenas tendo obtido tal conhecimento ou certeza em Outubro de 2015, quando a sua mãe, pouco tempo antes de morrer, lhe confirmou o nome completo do mesmo. Não tinha, portanto, a Recorrente certezas ou sequer desconfianças fortes passíveis de desencadear o decurso do prazo de caducidade previsto no n.º3 do artigo 187º.º do CC.
19 - No termos da al. b) do n.º 3 do artigo 1817.º acção de investigação da paternidade pode (ainda) ser proposta nos três anos posteriores ao conhecimento, pelo investigante, após prazo referido no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação.
20 - Entendeu o tribunal a quo que a Recorrente sabia, desde Setembro de 2014, que o Recorrido era seu pai. Tal como demonstrado à saciedade supra, a prova produzida apenas permitiria concluir, e dar como provado, que a Recorrente logrou, em tal data, obter o nome completo daquele que viria a saber depois era, de facto, o seu pai.
21 - Mas tal informação era meramente circunstancial, resultando de investigações feitas na internet e com a ajuda de pessoas residentes em Portugal, investigações essas resultantes do nome próprio do Recorrente e da data e local da sua estadia em Angola. Mesmo depois de encontrar o Recorrido, através do Dr. A…, não teve a Recorrente nenhuma certeza, já que este nunca lhe confirmou tal facto.
22 - Ora, pretender que a Recorrente avançasse com uma acção judicial contra o Recorrido com base apenas em tal informação seria não só excessivamente oneroso para a Recorrida (com todos os custos inerentes à mesma, sem saber se avançava contra a pessoa certa), como também para o próprio Recorrido, com todos os constrangimentos e prejuízos que a propositura da acção poderia trazer para a sua vida - recorde-se que o Recorrido é casado, tendo já uma relação com a sua actual mulher à data da procriação da Recorrente.
23 - Assim, e apenas tendo a Recorrente obtido a confirmação de que o Recorrido era o seu pai em Outubro de 2015, e tendo a acção sido intentada em 03/07/2018, deverá a decisão recorrida ser alterada em conformidade, considerando-se totalmente improcedente, por não provada, a alegada excepção da caducidade, com a consequente condenação do Recorrido no pedido.
Sem prescindir,
II – DA INCONSTITUCIONALIDADE DOS PRAZOS CONSTANTES DO ARTIGO 1817.º DO CC
24 - O prazo de caducidade previsto no n.º 3 do artigo 1817.º do Código Civil, na medida em que é limitador da possibilidade de o filho avançar, a todo o tempo, com uma acção de investigação de paternidade, constitui uma salvaguarda desproporcional dos valores de certeza e segurança jurídica esbarrando contra a defesa de direitos fundamentais como o direito à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade (expressamente previstos no n.º 1 do artigo 26.º da CRP), ou o direito a constituir família (plasmado no n.º 1 do artigo 36.º do mesmo diploma), não se concebendo a limitação de tais direitos por conflituarem com o direito à certeza e segurança jurídicas do pretenso pai, em clara violação, também, do n.º 2 do artigo 18.º da CRP.
25 - De facto, nos termos de tal preceito, a restrição de direitos, liberdades e garantias apenas é permitida nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
26 - Não se pretende negar o direito à segurança jurídica, mas não podemos é conceder que tal direito ganhe na luta com os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à verdade biológica ou a constituir família.
27 - Descendo à concretude dos factos: será proporcional garantir a segurança jurídica de um pretenso pai (no fundo, acautelar a sua tranquilidade por efeito automático do decurso do tempo) atropelando, para o efeito, o direito do pretenso filho de ver reconhecida, em toda a plenitude, a sua ascendência, as suas origens?
28 - Afigura-se-nos claro que, ponderados os interesses em conflito, nos precisos termos previstos no n.º 2 do artigo 18.º da CRP, deve prevalecer o direito à identidade pessoal e o direito a constituir família.
29 - Até porque falamos de um direito de personalidade, que se projecta na própria dignidade humana, nunca podendo o seu exercício considerar-se abusivo como consequência única do decurso do tempo.
30 - É que, e voltando agora ao concreto caso em análise, não podemos esquecer-nos que ficou provado que o “réu procriou a autora” – conforme facto provado n.º2.
31 - Se haverá situações que será relativamente pacífico e socialmente aceite permitir que a verdade material ceda perante outro tipo de interesses e princípios legalmente estabelecidos, já não será assim quando falamos duma paternidade que, apesar de factual e materialmente provada e, portanto verdadeira, não poderá ser reconhecida apenas e somente pelo decurso do tempo.
32 - Inexiste qualquer fundamento legítimo que possa justificar que uma eventual inércia do pretenso filho (inércia que, refira-se, pode ser justificada por motivos eminentemente sérios e atendíveis, tendo em conta que falamos de ligações familiares, onde, muitas vezes rareia a objectividade e a ponderação) seja punida de forma tão dura.
33 - Face a tudo o que ficou exposto, devem ser considerados inconstitucionais os prazos previstos no n.º 3 do artigo 1817º do Código Civil, pois consubstanciam uma excessiva e desproporcionada restrição aos assinalados direitos fundamentais.
34 - Por ser inconstitucional, não deveria o tribunal a quo ter aplicado a referida norma e em consequência ter julgado procedente a exceção peremptória da caducidade.
35 - Violou, assim, o Tribunal a quo, através da sentença de que ora se recorre, o disposto nos artigos, 1817º, n.º 3 do Código Civil, e nos artigos, 26º, nº1, 36º, nº1 e 18º, nº2, todos a Constituição da República Portuguesa.
36 - Pelo que deverá a decisão proferida pelo tribunal a quo ser revogada e alterada por outra que, face a referida inconstitucionalidade, julgue improcedente a alegada excepção da caducidade, com a consequente condenação do Réu no pedido.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogada a decisão recorrida e ordenada a sua substituição por outra em conformidade com as alegações e conclusões supra expostas.
Só assim se fazendo a habitual Justiça.!

2. Contra-alegou o Réu defendendo a manutenção do decidido.

3. OBJECTO DO RECURSO
Ponderando que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 608º, nº2, 609º, 635º nº4, 639º e 663º nº2, todos do Código de Processo Civil – as questões cuja apreciação as mesmas convocam, são as seguintes:
3.1. Impugnação da matéria de facto:

- Se os factos vertidos nos pontos 3) e 4) dos factos provados não o deveriam ter sido e se, ao invés, o facto “não provado” inserto sob o ponto 4) dos “ Não Provados” deveria ter sido dado como provado;

3.2. Se ocorreu caducidade do direito de investigar a paternidade;

3.3. Em caso afirmativo, se devem ser considerados inconstitucionais os prazos previstos no n.º 3 do artigo 1817º do Código Civil por consubstanciarem uma excessiva e desproporcionada restrição de direitos fundamentais pessoais.


II – FUNDAMENTAÇÃO

4. É o seguinte o teor da decisão de facto inserta na sentença recorrida, assinalando-se os factos objecto de dissídio.:
Factos Provados
1) Em 21-10-2015 faleceu M…;
2) O réu procriou a autora;
3) Desde Setembro de 2014 que a autora sabia que o réu era seu pai;
4) Em 07-11-2014, a autora disse ao réu que era filha dele;
5) Esta acção foi intentada em 03-07-2018
Factos não provados
1) A autora nasceu em 4 de Maio de 1972 em Quinzala, Mucaba, Angola e é filha de M…;
2) O réu manteve relações de cópula com M… durante pelo menos três anos antes de Maio de 1972;
3) Nesse período M… não teve relações de cópula com outro homem;
4) A autora apenas teve convicção segura de que o réu era o seu pai em Outubro de 2015, quando M… o confirmou e mostrou papel com nome daquele;
5) Em 6-10-2014, a autora disse ao réu que a mãe lhe tinha dito que este era o seu pai”.

5. Impugnação da matéria de facto

5.1. Insurge-se a recorrente contra a resposta dada pelo Tribunal “a quo” aos factos insertos nos pontos 3) e 4) do rol dos Provados” referindo, para tanto, que apesar de resultar “claro das declarações tanto da Recorrente como das testemunhas que, se é verdade que em 2014 aquela já tinha algumas desconfianças (ou, se quisermos, algumas pistas) que lhe permitiram encetar algumas diligências com vista a obter mais certezas, é também verdade (e nada na prova produzida permite concluir de forma diferente) que apenas em 2015 obteve a Recorrente informações passíveis de desencadearem o decurso do prazo previsto no n.º 3 do artigo 1817.º do CC.”.
Relativamente ao Dr. A… refere: “ A testemunha foi contratada para encontrar uma pessoa, tendo-lhe sido facultado o nome completo da mesma. A Recorrente nunca negou tal facto, pois que, de facto, na sequência das diligências efectuadas fundamentalmente pelo seu marido conseguiu encontrar o nome completo de uma pessoa que tinha o mesmo nome próprio do seu pai e que havia estado na mesma zona da sua mãe na altura da sua concepção. Mas considerar que tal facto implica dar como provado, como fez o tribunal a quo, que esta sabia, em Setembro de 2014, que o Recorrido era seu pai é, com todo o respeito, avaliar incorrectamente a prova produzida.
E, mais do que isso, ainda que admitamos que o Dr. A… estava, naquela data, convicto de ser o Recorrido o pai da Recorrente, tal facto não poderia, por si, implicar que o tribunal considerasse como provado o referido facto, com a consequente procedência da excepção da caducidade, pois que a convicção relevante, para tais efeitos, é, apenas e tão somente, a da aqui Recorrente. Sendo, consequentemente, totalmente irrelevante que a testemunha (ou qualquer outra pessoa, na verdade) estivesse convencida que o Recorrido era pai da Recorrente, importando apenas apurar se esta tinha ou não conhecimento de factos suscetíveis de criarem no espírito aquela certeza. E ficou provado, através das declarações de parte da Recorrente e das declarações das testemunhas I…, que apenas em Outubro de 2015 teve a Recorrente confirmação, por parte da sua mãe, de que o seu pai era o ora Recorrido.
Aliás, as próprias declarações da testemunha vão no sentido de que a convicção com que este ficou nasceu mais da reunião havida com o Recorrido em 07-11-2014 do que propriamente das parcas conferências telefónicas havidas com a Recorrente.

Vejamos então.

O recurso sistemático ao princípio da livre apreciação das provas (art.º607º, nº 5 do CPC) impõe-nos a certificação de que a versão alcançada resultou da conjugação harmoniosa de todos os meios de prova, entre si e com os ditames de experiência comum, sem prejuízo do recurso a ilações plausíveis que possam ser formuladas (art.ºs 350º e 351º do Cód. Civil).

Enveredámos por ouvir toda a prova de modo a obtermos tal comprovação.

A audiência iniciou-se com o depoimento de I…, marido da Autora, que começou por explicar que a sua mulher não sabia quem era o pai e que em meados de 2014 a testemunha começou a fazer averiguações tendentes a saber a identidade dos militares que tinham estado colocados na altura do nascimento da mesma e se havia algum de nome A…, já que constava na aldeia ser esse o nome do pai da sua mulher.
Contactou então um advogado para investigar o seu paradeiro em Portugal, advogado esse que era irmão de um senhor que vivia lá em Angola e que o sugeriu.
Enfatizou que até perto da data do falecimento da sogra não tiveram a certeza de ser o Réu o pai da Autora pois só a mesma o podia confirmar, o que até então não tinha feito.
Assentiu que, anteriormente, o Dr. A… lhes forneceu a identidade do R. e que chegaram a falar com ele ao telefone mas que só em Outubro de 2015 é que o viram aquando da sua deslocação a Portugal, depois de o Senhor M… ter ajudado a localizá-lo.

Seguiu-se o depoimento de M…, que também vive em Angola mas que vinha regularmente a Portugal, que se ofereceu para ajudar a encontrar o pai da Autora numa dessas deslocações pois tinha um amigo em Ermesinde, onde o R. também vivia, tendo-o contactado no final de 2014 e também no início de 2015 mas sem que o R. tivesse revelado qualquer interesse no assunto (acerca da paternidade da Autora).
Só aquando do falecimento da mãe é que a Autora contactou pessoalmente o R., o que, segundo a testemunha, terá ocorrido em Outubro de 2015, facto que o mesmo presenciou.

Prestou declarações de parte a Autora que começou por explicar que o marido, sabendo do seu desejo de conhecer o seu pai biológico, começou a fazer diligências nesse sentido, sendo que se sabia apenas que chamava A… e que supostamente servira como militar no Uíge entre 1969 e 1971/72
Através de um amigo, contactaram o Dr. A… para fazer mais investigações sobre o caso em Portugal e que este passado uns tempos disse-lhes ter localizado um A… em Trofa e que para ele “achava que batia”.
Na sequência dessa informação, o Dr. A… arranjou forma de os pôr em contacto, o que a declarante fez telefonicamente, tendo o R. rejeitado a hipótese de ser seu pai (e a declarante referiu também não ter tal certeza naquele momento).
A certeza surgiu mesmo quando a mãe, perto do fim da sua vida, lhe confirmou ser esse senhor, o que a levou a Portugal - em Outubro de 2015- para se encontrar com ele, o que fez acompanhada de seu marido e da testemunha M…. O R. não se mostrou minimamente receptivo quanto à sugerida filiação, “não tinha como fazer qualquer coisa por ela, pois tinha família constituída”.
Aliás, atendeu-os na rua, e disse que havia de ligar para eles, para o Porto, para dizer qualquer coisa, o que não fez. Acrescentou que o falecimento da mãe ocorreu enquanto estavam aqui em Portugal.
A certeza acerca da paternidade , disse com convicção, só a teve quando a mãe o confirmou (reforçada pelo teste de ADN que a corroborou). Até então estavam em “busca de evidências”.
A decisão de propor a acção foi confessadamente motivada pela postura do R. naquele encontro .
Por seu turno, o Dr. A…, advogado em Penafiel, começou por dizer ter mandado uma carta ao R. em Setembro de 2014 propondo uma reunião para assunto de interesse dele.
Só cerca de 20 dias depois é que o R. ligou para o escritório e a testemunha lhe referiu ter sido contactado por uma pessoa em Angola que o queria conhecer “por ser filha dele”.
O R. revelou-se inicialmente resistente a uma reunião mas depois anuiu em encontrar-se com a testemunha no Porto, o que sucedeu no dia 7.11.2014. Esclareceu que o R. nunca admitiu ser o pai da Autora e que a postura que teve foi de manifestação do transtorno (“a chatice”) que a situação lhe iria causar, uma vez que tinha família constituída.
Mais disse a testemunha que o convenceu a falar com a Autora por telefone tendo estabelecido nesse momento a ligação mas se ausentado da sala de reuniões para que pudessem ter privacidade, tendo a chamada durado 12 minutos.
Contextualizou as circunstâncias da sua intervenção no assunto: foi contactado telefonicamente pelo marido da Autora que lhe disse que a Autora era filha de um militar português que durante a guerra havia engravidado a mãe e regressado a Portugal e que lhe pediu para o encontrar. Esclareceu que nessa ocasião lhe disseram o nome do Réu.
Falou várias vezes com o marido da Autora e uma vez com ela, que lhe agradeceram ter conseguido encontrar o senhor A….
Por último, foi ouvido J… que revelou ser amigo do R. há mais de 40 anos e que o levou ao Porto à reunião com o Dr. A… mas que a nada assistiu porque ficou cá fora.
Esclareceu que quando o R. saiu do escritório vinha muito transtornado e por insistência da testemunha revelou-lhe que “Acabei de saber agora que tinha uma filha …”. Porém, do depoimento da testemunha resultou que essa convicção foi afinal gerada pelo próprio R. que bem sabia o que se tinha passado (e feito) enquanto esteve em Angola a cumprir serviço militar, conforme confessou à testemunha, e que o grande transtorno era ter de revelar isso à sua família e que, por isso, se recusou a admiti-lo.
Posto isto, temos que:
- Quanto ao facto vertido em 4) ( Em 07-11-2014, a autora disse ao réu que era filha dele ) : como está bem de ver não foi feita qualquer prova sobre o mesmo, i.e. o teor da conversa telefónica havida entre a Autora e Réu nesse dia não foi presenciada por ninguém, já que o Dr. A… referiu expressamente ter saído da sala de reuniões nessa ocasião.
Ademais, não é crível que a Autora o tivesse afirmado com a certeza que lhe está ínsita e que lhe permitisse logo aí demandá-lo com vista a esse reconhecimento judicial.
Por isso, não podemos deixar de dar razão à apelante quando refere que “o telefonema existiu mas nenhum dos intervenientes no mesmo afirmou, em momento algum, que a Recorrente tenha dito ao Recorrido ser sua filha.
Nem a Recorrente nem a testemunha I… afirmam tal facto. Afirmam sempre, de resto, que, naquela data, a Recorrente não tinha certezas sobre a paternidade, de onde resulta que não poderia aquele referir-se ao Recorrido como seu pai. O Dr. A… não ouviu o telefonema, conforme por si admitido, pelo que não poderia nunca atestar tal facto, nem, consequentemente, o tribunal fundar a sua convicção nas suas declarações. O Recorrido não prestou declarações.”

Admitimos, aliás, como plausível, que a apelante se tenha limitado a aventar tal hipótese e o apelado sabido, como a mesma salienta “pelas datas, locais e pessoas envolvidas, que era, de facto, o pai da Recorrente. E também podemos assumir que tenha partilhado tal facto, e a angústia e consternação que o mesmo implicava para si, com o amigo que o havia acompanhado a tal reunião.
Daí a utilizar tal desabafo e tal convicção para considerar como provada a convicção de uma terceira pessoa (a ora Recorrente) vai uma grande distância. Até porque, sublinhe-se, nunca o Recorrido assumiu perante a Recorrida a sua paternidade – como facilmente se constata com a contestação da presente acção”.

Por conseguinte, tal facto, perante a ausência de prova bastante para o efeito, terá de ser dado como não provado, o que se decide.

Quanto ao facto vertido em 3) (Desde Setembro de 2014 que a autora sabia que o réu era seu pai ):
O conhecimento que aqui está pressuposto é o conhecimento que permite com a necessária segurança a uma pessoa propor uma acção judicial tendente ao reconhecimento da paternidade por outra, sobretudo, como é o caso, com o exclusivo fundamento na ocorrência de relações sexuais do Réu com a mãe da Autora no período legal da concepção.
Tal conhecimento, como está bem de ver, não se basta, portanto, com a mera suposição, baseada em rumores, dele o ser por se chamar A… e ter cumprido serviço militar em Angola entre 1969 e 1972.
E era inequivocamente isso que a apelante sabia tão-só em Setembro de 2014 quando o Dr. A… mandou a carta ao R. convidando-o para uma reunião para discutir “assunto do seu interesse”.
Não restam quaisquer dúvidas de que a informação de que a Autora dispunha em Setembro de 2014 acerca do Réu era ainda incipiente e manifestamente insuficiente para propor uma acção de reconhecimento da paternidade pois, como bem evidencia a prova produzida, circunscrevia-se ao seu nome e local de residência.
Concordamos portanto com a apelante quando afirma que:”(…) pretender que a Recorrente avançasse com uma acção judicial contra o Recorrido com base apenas em tal informação seria não só excessivamente oneroso para a Recorrida (com todos os custos inerentes à mesma, sem saber se avançava contra a pessoa certa), como também para o próprio Recorrido, com todos os constrangimentos e prejuízos que a propositura da acção poderia trazer para a sua vida - recorde-se que o Recorrido é casado, tendo já uma relação com a sua actual mulher à data da procriação da Recorrente”.

Em suma: A prova produzida não é de molde a dar como provado o facto em apreço ( o 3) ) que se dá , pelo exposto, como não provado.

5.2. Cuidemos agora de saber se o facto inserto em 4) do rol dos “ Não Provados” (A autora apenas teve convicção segura de que o réu era o seu pai em Outubro de 2015, quando M… o confirmou e mostrou papel com nome daquele ) poderá, ao invés, ter-se como provado com fundamento nas declarações de parte da Autora ( corroboradas pelas do seu marido) e que afirmou ter tido confirmação por parte de sua mãe em Setembro de 2015, perto do seu decesso, que ocorreu em finais de Outubro de 2015.
Cremos que por estar em causa um facto eminentemente pessoal não se poderá deixar de relevar este meio de prova.
Aliás, na “Exposição de Motivos” do NCPC acentuou-se a “possibilidade de prestarem declarações em audiência as próprias partes, quando face à natureza pessoal dos factos a averiguar tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão.»
Ademais, tais declarações mostram-se plausíveis com as demais circunstâncias apuradas de acordo com a avaliação global da prova produzida.
Com efeito, o que da conjugação de todos os elementos probatórios, entre si e com dados da experiência comum e normalidade social, resulta é que a Autora quis num determinado momento da sua vida conhecer o seu progenitor e sabendo apenas tratar-se de um militar, de nome A…, que esteve no período que antecedeu o seu nascimento a prestar serviço militar no Uíge encetou diligências tendentes a apurar a sua identidade e paradeiro.
Descoberta localização de um indivíduo que reunia tais requisitos, foi-lhe colocada a hipótese de ser pai da Autora, o que o mesmo enjeitou.
Apesar do constrangimento que, até então, a mãe da Autora tinha em falar do assunto, a situação de doença e possivelmente a antevisão da brevidade da morte, levaram-na a confirmar à Autora ser esse o indivíduo que a engravidara.
Obtida tal confirmação, aprestou-se a Autora a deslocar-se de Angola a Portugal para o confrontar pessoalmente na expectativa de que na sua presença o mesmo inflectisse a sua atitude, o que afinal não fez, levando-a, por isso, a trilhar a via judicial.

Por conseguinte, no contexto enunciado, admite-se, como a mesma o declarou, que só a confirmação da identidade do progenitor por parte da sua mãe tenha permitido à Autora gerar a segurança necessária para o demandar pedindo tal reconhecimento.

Termos em que se dá como provado tal facto com a seguinte redacção:
“A Autora apenas teve a convicção segura de que o Réu era seu pai em Setembro de 2015, quando sua mãe lho confirmou”.

6. Da caducidade do direito de investigar a paternidade.
Suscitou o Réu na sua contestação a excepção de caducidade do direito de propor acção de investigação de paternidade por terem decorrido mais de 3 anos “após o conhecimento pela Autora das circunstâncias que a levaram a suspeitar da paternidade” do mesmo Réu, sendo certo que “não o fez nos dez anos seguintes à sua maioridade”.

Apesar de o Tribunal “a quo” não ter dado como provada a data de nascimento da Autora por ausência de prova bastante para o efeito, ter-se-á de admitir, perante a sua confissão no interrogatório inicial, de que tinha mais de 28 anos à data da propositura da acção.

Por conseguinte, é incontroverso que nesse momento já há muito que se mostrava ultrapassado o “prazo regra” estabelecido no nº1 do art.º 1817º do Código Civil.

Sem embargo, a questão que se coloca é se ,ainda assim, poderia ter proposto tempestivamente a acção em apreço por o n.º 3 estabelecer [1]que a acção ainda pode ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos: a) ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a paternidade do investigante; b) quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pelo pretenso pai; c) e em caso de inexistência de paternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação.

Este nº3, oriundo da Lei nº 14/2009, de 1.4. , para além de ter ampliado e uniformizado a duração de todos os prazos especiais para três anos, estabeleceu previsões de alcance genérico, “ de textura muito aberta “ autênticas cláusulas gerais que não deixam de fora nenhuma causa da esfera subjectiva do investigante que possa justificar a acção dentro do prazo geral”[2].

O prazo geral e os prazos especiais decorrem autonomamente não caducando o direito de propositura da acção antes de esgotados todos eles.

Portanto, ainda que já tenham decorrido dez anos a partir da maioridade ou emancipação, a acção pode ser interposta no prazo especial de três anos; inversamente, se o prazo geral ainda não tiver decorrido, a ultrapassagem do prazo de qualquer previsão especial não o impede de instaurar a acção.

“O que resulta deste regime, na percepção unitária de todas as alterações introduzidas pela Lei nº 14/2009, é que a acção só deixa de ser exercitável depois de o interessado ter tido a possibilidade real e um fundamento concreto para recorrer a juízo.
Não apresentando agora as normas sobre um prazo especial qualquer lacuna de previsão, a efectivação do direito ao reconhecimento judicial da paternidade está assegurada, mesmo quando ultrapassado o prazo geral de dez anos, se só então o investigante tiver conhecimento dos factos ou estiverem reunidas as circunstâncias que que a justificam ou possibilitam.
A acção não caduca quando as circunstâncias subjectivas impossibilitavam ou não justificavam a instauração, no decurso daquele prazo, da acção de investigação da paternidade.”.[3]

Não caduca a acção sem que o filho disponha de uma oportunidade real de a exercitar, o que poderá só suceder quando tenha “conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação” ( alínea c) do nº3 do art.º 1817º).

No dizer do acórdão do STJ de 2.2.2017 : “Não restam dúvidas de que o conhecimento superveniente de que cuida este normativo será aquele que se verifique depois de integralmente decorrido o prazo objectivo de dez anos previsto no n.º 1 do preceito e o seu preenchimento não se basta com todo e qualquer facto ou circunstância, antes exigindo que o tal conhecimento superveniente se reporte a factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação ou, dito de outro modo, a factos que justifiquem que tenha sido apenas nesse momento (e não antes – isto é, dentro do prazo geral de dez anos após a maioridade ou a emancipação) que o investigante tenha lançado mão da acção com vista a exercer o seu direito de ver estabelecido o vínculo da filiação”.

No caso, o fundamento, a causa de pedir da acção de reconhecimento judicial da paternidade, cingiu-se ao facto natural da procriação, i.e. a A. não invocou ( melhor, não pode invocar) quaisquer outros dentre os previstos no art.º 1871º,nº1 do Código Civil (escrito do pai, posse de estado, abuso de confiança ou de autoridade, sedução ou convivência more uxorio).

Por isso, para propor uma acção judicial era imprescindível efectuar e esgotar as diligências possíveis e necessárias para o fundamentar, o que passava por obter tal confirmação por parte da sua mãe, de que o Réu era efectivamente seu pai, perante a recusa do mesmo em admiti-lo.

No contexto enunciado, só a confirmação da identidade do progenitor por parte da sua mãe e por acréscimo a confirmação de que com ele havia mantido relações sexuais no período legal da concepção, possibilitava e justificava a propositura de uma acção de investigação.

Só tal facto, à míngua da existência de quaisquer outros integradores de presunções de paternidade, teria a virtualidade de justificar que tenha sido apenas a partir desse momento que a investigante/A. tenha podido exercer o seu direito de ver estabelecido o vínculo da filiação relativamente ao R. com a necessária segurança.

Provou-se, aliás, que a Autora apenas teve a convicção segura de que o Réu era seu pai em Setembro de 2015, quando sua mãe lho confirmou.

Só a partir de então se iniciou o prazo de três anos para propor a acção de investigação da paternidade.

O que significa que ao tê-la proposto em 03-07-2018 o fez antes do termo do prazo de caducidade.

Donde, a única conclusão a retirar é a de que não ocorreu a caducidade do direito de investigar a paternidade e que a excepção deduzida pelo R. apelado se tem de julgar improcedente, o que se decide.

Sem embargo, sempre se diga que ainda que não se tivesse provado que tal conhecimento adveio à apelante em Setembro de 2015, nem por isso a decisão acerca da improcedência da caducidade seria diferente.

Como doutrina expressa pelo AUJ do Supremo Tribunal de Justiça de 17-9-2020 relatado pelo Conselheiro Bernardo Domingos, o ónus de alegar e provar os factos demonstrativos de que a acção foi intentada decorridos mais de três anos sobre os factos que justificaram a acção compete ao réu.

Não o tendo este demonstrado e tendo por seu turno a A. demonstrado a paternidade biológica do investigado entendeu-se, aí, como aqui se entende, que a acção teria sempre de proceder.

7. Não tendo ocorrido a caducidade excepcionada, fica naturalmente prejudicado o conhecimento da inconstitucionalidade suscitada, impondo-se, todavia, conhecer do mérito da acção.

Ora, ficou sobejamente provado com “base no relatório de exame para investigação de parentesco biológico, no qual se concluiu por uma probabilidade de 99,99% do réu ser pai da autora, sendo que inexiste qualquer dado, de cariz técnico, passível de abalar as conclusões aí vertidas”que “o réu procriou a autora”, ou seja, que a mesma foi gerada em consequência das relações sexuais havidas entre ele e a sua mãe no período legal da concepção.

O que nos leva à conclusão de que o objectivo do legislador de tornar possível a identidade pessoal e o estabelecimento da filiação, direitos fundamentais de assento constitucional , foi alcançado neste processo.

Em suma: conclui-se com segurança que H… é filha de A….
É o que se impõe decidir e declarar para todos os efeitos.

III- DECISÃO
Por todo o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, revogando a sentença recorrida, declara-se que H… é filha de A….
Custas pelo apelado.
Évora, 17 de Junho de 2021
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Florbela Moreira Lança
Elisabete Valente
(1] Numa leitura devidamente adaptada mercê da remissão do art.º 1873º do Cód. Civil.
[2] Cfr. Joaquim Sousa Ribeiro in RLJ nº 4009, pag.220.
[3] Idem, autor cit.