Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
981/15.0PBSTR.E2
Relator: ANA BACELAR CRUZ
Descritores: HOMICÍDIO
DETENÇÃO ILEGAL DE ARMA
TENTATIVA IMPOSSÍVEL
RELATÓRIO SOCIAL
Data do Acordão: 11/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário:
I - Quando, reproduzindo-se acriticamente o relatório social, se faz constar dos factos provados ”do relatório social consta”, apenas fica demonstrada a existência do relatório social no processo, com o conteúdo transcrito, sem que fiquem provadas as condições familiares, sociais e económicas que o mesmo visa esclarecer.

II. Tendo o visado permanecido no interior da sua residência enquanto durou o tiroteio produzido pelos arguidos e não sendo provável que se assomasse à janela da sua residência enquanto durou tal tiroteio, ocorre situação de tentativa impossível não punível – por ser evidente, face às regras da experiência comum, a impossibilidade do meio usado pelos arguidos para causarem a morte daquele.

Sumariado pela relatora
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora

I. RELATÓRIO
No processo comum n.º 981/15.0PBSTR do Juízo Central Criminal de Santarém da Comarca de Santarém, o Ministério Público acusou:

(i) AH, solteiro, vendedor ao domicílio, nascido a 20 de fevereiro de 1969, na freguesia de Santa Maria dos Olivais do concelho de Tomar, filho de …, residente na Praceta ….,em Santarém,

pela prática, em autoria material e em concurso real,
- de um crime de homicídio, previsto e punido pelo artigo 131.º do Código Penal, agravado nos termos do disposto no artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro;

- de dois crimes de homicídio, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 131.º, 22.º e 23.º do Código Penal, agravados nos termos do disposto no artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro;

- de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), por referência aos artigos 2.º, n.º 1, alínea az), e 3.º, n.º 3, todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro;

(ii) SM, solteiro, comerciante, nascido a 27 de janeiro de 1974, na freguesia e concelho de Santarém, filho de…, residente na Rua …, em Benfica do Ribatejo,

pela prática, em autoria material e em concurso real,
- de um crime de homicídio, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 131.º, 22.º e 23.º do Código Penal, agravado nos termos do disposto no artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro;

- um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), por referência aos artigos 2.º, n.º 1, alínea az), e 3.º, n.º 3, todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro;

(iii) TL, solteiro, vendedor ambulante, nascido a 25 de setembro de 1975, na freguesia de Alcanena do concelho de Santarém, filho…, residente na Praceta …, em Santarém,

pela prática, em autoria material e em concurso real,

- de um crime de homicídio, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 131.º, 22.º e 23.º do Código Penal, agravado nos termos do disposto no artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro;

- um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), por referência aos artigos 2.º, n.º 1, alínea az), e 3.º, n.º 3, todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.

LR e JL, devidamente identificados nos autos e a primeira neles constituída assistente, pediram a condenação do Arguido AH a pagar:

- € 20 000,00 (vinte mil euros), a título de indemnização pelos danos de natureza moral suportados pelo BL antes da morte;

- € 80 000,00 (oitenta mil euros), a título de indemnização pela perda do direito à vida do BL;

- € 20 000,00 (vinte mil euros) a cada um deles, pela perda de alimentos futuros;

- € 10 000,00 (dez mil euros) a cada um deles, pelos danos de natureza não patrimonial que suportaram;

- € 31 500,00 (trinta e um mil e quinhentos euros) à LR, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial que suportou;

- € 22 500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros) ao JL, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial que suportou, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal.

O Centro Hospitalar de Santarém, EPE, com sede na Avenida Bernardo Santareno, em Santarém, pediu a condenação do Arguido AH a pagar-lhe a quantia de € 5 952,71 (cinco mil novecentos e cinquenta e dois euros e setenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, a título de reembolso do que despendeu com o tratamento prestado ao BL.

O Arguido AH apresentou contestação escrita, onde assume a prática dos factos, em situação de legítima defesa.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Coletivo, por acórdão proferido e depositado em 29 de junho de 2017, foi decidido:

«Responsabilidade penal:
A) Condenar o arguido AH pela prática em autoria singular e concurso real de um crime de homicídio previsto e punido no artigo 131.º do CP, agravado nos termos do disposto no art.º 86.º, n.º 3 da Lei nº 5/2006, de 23.02, na redação dada pela Lei n.º 50/2013, de 24.07 na pena de 16 (dezasseis) anos e 6 (seis) meses de prisão;

B) Condenar o arguido AH pela prática em autoria singular e concurso real de dois crimes de homicídio, na forma tentada, previstos e punidos nos artigos 131.º, 22.º e 23.º do CP, agravados nos termos do disposto no art.º 86.º, n.º 3 da Lei nº 5/2006, de 23.02, na redação dada pela Lei n.º 50/2013, de 24.07 na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão para cada um;

C) Condenar o arguido AH pela prática em autoria singular e concurso real de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), por referência aos arts.º 2.º, n.º 1, al. az) e 3.º, n.º 3 da Lei nº 5/2006, de 23.02, na redação dada pela Lei n.º 50/2013, de 24.07 na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

D) Operando o cúmulo jurídico entre as penas aplicadas, condenar o arguido AH na pena única de 19 (dezanove) anos e 6 (seis) meses de prisão.

E) Condenar o arguido SM pela prática em autoria singular e concurso real de um crime de homicídio, na forma tentada, previsto e punido nos artigos 131.º, 22.º e 23.º do CP, agravado nos termos do disposto no art.º 86.º, n.º 3 da Lei nº 5/2006, de 23.02, na redação dada pela Lei n.º 50/2013, de 24.07 na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão;

F) Condenar o arguido SM pela prática em autoria singular e concurso real de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), por referência aos artigos 2.º, n.º 1, al. az) e 3.º, n.º 3 da Lei nº 5/2006, de 23.02, na redação dada pela Lei n.º 50/2013, de 24.07 na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

G) Operando o cúmulo jurídico entre as penas aplicadas, condenar o arguido SM na pena única de 8 (oito) anos de prisão.

H) Condenar o arguido TL pela prática em autoria singular e concurso real de um crime de homicídio, na forma tentada, previsto e punido nos artigos 131.º, 22.º e 23.º do CP, agravado nos termos do disposto no art.º 86.º, n.º 3 da Lei nº 5/2006, de 23.02, na redação dada pela Lei n.º 50/2013, de 24.07 na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão;

I) Condenar o arguido TL pela prática em autoria singular e concurso real de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), por referência aos arts.º 2.º, n.º 1, al. az) e 3.º, n.º 3 da Lei nº 5/2006, de 23.02, na redação dada pela Lei n.º 50/2013, de 24.07 na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

M) Operando o cúmulo jurídico entre as penas aplicadas, condenar o arguido TL na pena única de 8 (oito) anos de prisão.

N) Condenar os arguidos no pagamento das custas do processo, fixando a taxa de justiça em 5 UC para cada um - artigos 374.º, n.º 4, 513.º, n.º 1, e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8.º e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.

Responsabilidade Civil:
Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pelos demandantes, LR e JL parcialmente procedente e, em consequência, condenar o demandado AH a pagar:

1) Aos demandantes, LR e JL quantia de € 65 000,00, a título da perda do direito à vida, acrescida dos juros de mora legais, calculados sobre essa quantia, desde a data da prolação do presente acórdão até integral e efetivo cumprimento;

2) Aos demandantes, LR e JL quantia de € 20 000,00, a título de dano próprio da vítima, acrescida dos juros de mora legais, calculados sobre essa quantia, desde a data da prolação do presente acórdão até integral e efetivo cumprimento;

3) À demandante LR a quantia de € 10 000,00 a título de danos pessoais em consequência da morte do filho, acrescida dos juros de mora legais, calculados sobre essa quantia, desde a data da prolação do presente acórdão até integral e efetivo cumprimento;

4) Ao demandante JL a quantia de € 10 000,00 a título de danos pessoais em consequência da morte do filho, acrescida dos juros de mora legais, calculados sobre essa quantia, desde a data da prolação do presente acórdão até integral e efetivo cumprimento;

5) À demandante LR a quantia de € 3 000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, vencidos desde a notificação do demandado para contestar e vincendos até integral pagamento;

6) Ao demandante JL a quantia de € 3 000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, vencidos desde a notificação do demandado para contestar e vincendos até integral pagamento;

7) Absolver o demandado do demais peticionado;

8) Custas da instância cível pelo demandado AH e pelos demandantes, LR e JL (artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, ex vi artigo 524.º do Código de Processo Penal).

9) Julgar o pedido de indemnização civil deduzido pelo Hospital Distrital de Santarém, EPE contra o demandado AH procedente e, consequentemente, condenar o demandado a pagar ao demandante a quantia de € € 5 952,71 acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da notificação do demandado para contestarem o pedido até integral pagamento.

Condenar o demandado nas custas desta instância civil.»

Na sequência de recurso interposto pelo Arguido AH, este Tribunal da Relação, por acórdão proferido em 5 de dezembro de 2017, anulou o processado subsequente a decisão que não admitiu exame pericial, ordenando a sua realização e a reabertura da audiência de julgamento.

Devolvido o processo à 1.ª Instância, e realizado o exame pericial, foi proferida nova sentença, em 28 de fevereiro de 2018, onde se manteve a parte decisória já transcrita.

Inconformados com tal decisão, os Arguidos SM e TL dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:

«1ª – Nos presentes autos os arguidos SM e TL foram condenados, cada um, a) Pela prática em autoria singular e concurso real de um crime de homicídio, na forma tentada, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão; b) Pela prática em autoria singular e concurso real de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; c) Em cúmulo jurídico das penas aplicadas, foram condenados na pena única de 8 (oito) anos de prisão.

2ª – A decisão recorrida, a propósito dos critérios para a aplicação da pena única resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares, limitou-se a meras considerações de cariz genérico e abstrato.

3ª – Ora constitui doutrina e jurisprudência pacífica, designadamente do STJ, que, ao efetuar o cúmulo jurídico a decisão deverá conter uma especial necessidade de fundamentação, na decorrência do que dispõem o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, e os artigos 97.º, n.º 5 e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, em aplicação do comando constitucional ínsito no artigo 205.º, n.º 1, da CRP.

4ª – A decisão recorrida não contém sequer uma fundamentação “normal” e, muito menos cumpre a legalmente obrigatória especial necessidade de fundamentação.

5ª – Matérias relevantíssimas, como a pluriocasionalidade ou, ao invés, a prática de factos por “tendência” não foram abordadas quanto aos ora recorrentes. No caso dos arguidos SM e TL tal como consta dos factos provados sob os n.ºs 70º e 71º, os antecedentes que possuem são por crimes de pouca gravidade (bagatelas penais); os factos aqui em causa foram ocasionais, praticados num contexto específico, que mitiga consideravelmente tanto a culpa como a ilicitude das respetivas condutas.

6ª – A inobservância da especial fundamentação determina, de acordo com a jurisprudência maioritária, a nulidade da decisão cumulatória, nos termos do art. 379.º, n.º 1, alínea a) e7ou c), e n.º 2, do CPP, nulidade essa que ora se argui com as legais consequências.

7ª – Entre o que consta do ponto 2 – Fundamentação de direito, 2.1 Enquadramento jurídico da conduta dos arguidos. 2.1.1. Do crime de homicídio, pág. 53, último parágrafo e o que consta do ponto II – Fundamentação de facto, 2.1 Factos provados, ponto 38., verifica-se, manifestamente, o vício previsto na al. b) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, contradição insanável entre a fundamentação da decisão de direito e da matéria de facto provada.

8ª – Na verdade afirmando-se em sede de direito que os disparos dos recorrentes só eram aptos a tingir alguém, se estivesse à janela, o que não ficou provado, mas apenas se encontrava algures no interior da residência, mas ainda assim considerando provado que os recorrentes admitiram como possível atingir MD, a decisão é intrinsecamente contraditória, e ilógica.

9ª – Por outro lado, no mesmo passo, a decisão recorrida incorreu também no vicio previsto na alínea a) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP, ou seja insuficiência da matéria de facto provada, para a decisão de direito.

10ª – Com feito, em sede de direito, o tribunal “a quo” concluiu que a conduta dos recorrentes ao disparar contra o prédio em geral e em particular contra a janela, só era apta a atingir alguém, in casu o mencionado MD, caso este estivesse à janela. Porém, calcorreando os factos assentes, em parte alguma ficou provado esse facto, mas tão só que estivesse no interior da casa. Ainda assim o Tribunal decidiu que os recorrentes admitiram como possível, atingir alguém, vindo a condenar os recorrentes por tentativa de homicídio de MD!

11ª – Cumulativamente, analisando o texto da decisão recorrida, constatamos que na pág. 12, a fls…., no ponto II – Fundamentação, 2. Fundamentação de Facto, 2.1 – factos provados, ponto 38, assim como no ponto 2. – Fundamentação de direito, 2.1. Enquadramento jurídico da conduta dos arguidos, pág. 48, 6º parágrafo, consta que os recorrentes representaram como possível atingir MD em alguma parte do corpo, designadamente na cabeça.

12ª – No ponto 2.2 – Determinação da medida da pena, a decisão recorrida afirmou que os recorrentes agiram com dolo direto.

13ª – Na verdade o Tribunal descreve, na matéria de facto provada, quanto à prática do crime de homicídio na forma tentada, aquilo que é dolo eventual e, surpreendentemente, condena-os pela prática de tal crime com dolo direto, o qual considerou de intensidade elevada o que, mais uma vez constitui contradição insanável entre a decisão de direito e a matéria de facto provada, vício previsto na alínea b) do n.º 2 do art. 410.º do C.P.P..

14ª – Assim deverá ser declarada a existência, no texto da decisão recorrida, dos vícios previstos nas als. a) e b) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP, com as legais consequências, mormente:

A) Ser proferida nova decisão, absolvendo os recorrentes, no que tange à alegada prática de um crime de homicídio tentado, pois não tendo ficado provado que o assistente MD se encontrava à janela, e concluindo-se que só nesse local poderia, eventualmente ser atingido, terá que sucumbir a condenação dos mesmos pela prática de tal crime;

Caso hipoteticamente assim se não entenda, o que se admite embora sem conceder, sempre deverá ser:

B) Convolada a condenação dos recorrentes pela prática do crime de homicídio tentado com dolo direto, para dolo eventual, alteração essa que se deverá repercutir num abaixamento substancial do quantum da pena;

Caso, hipoteticamente, Vªs Exas. entendam não conseguir reparar os vícios supra, deverá ser ordenado:

C) O reenvio do processo para novo julgamento (art.º 426.º do CPP).

À cautela, sem prescindir, os recorrentes desde já interpõem,

15ª – Recurso sobre matéria de facto, e indicam como factos considerados erradamente provados os constantes dos pontos 12, 21, 38, 39, 40 e 41 da matéria de facto provada.

16ª – Indicam como provas que impõem decisão diversa da recorrida as declarações do arguido TL, da assistente LR, da testemunha JL, da testemunha MP, da testemunha NN, da testemunha MH, da testemunha JFF.

17ª – Ao contrário do mencionado no facto provado sob o n.º 12, da prova produzida resulta que os disparos foram iniciados pelo arguido AH do interior do prédio onde residia MD e só depois pelos arguidos SM e TL. Todas as testemunhas supra mencionam que primeiro ouviram dois ou três disparos e só decorridos alguns instantes voltaram a ouvir mais disparos.

18ª – Aliás, tal como consta do ponto 2.3 da motivação de facto, no 3.º parágrafo, da pág. 38, o tribunal, e bem, considerou a versão apresentada pela assistente LR, pelo demandante JL e a testemunha NN, “consentâneas, séria, sentidas, espontâneas e credíveis”.

19ª – Assim, o facto supra deverá ser alterado passando a constar que os disparos efetuados pelos recorrentes o foram apenas depois do arguido AH e o indivíduo que se encontrava no 1.ª andar do prédio o terem feito.

20ª – Quanto aos restantes factos ora impugnados (21 – última parte, 38, 39, 40 e 41) a discordância dos recorrentes prende-se com o facto de ter sido dado como assente que os recorrentes dispararam contra as janelas do prédio e, sobretudo, que ao fazê-lo representaram como possível atingir o “Marujo” em alguma parte do corpo, designadamente na cabeça, e causar-lhe a morte, e que um dos projéteis disparados chegou a entrar pela janela da cozinha e foi embater no azulejo da parede.

21ª - Da conjugação das declarações e depoimentos supra, a correta e isenta análise crítica da prova não permite concluir, pelo menos com o grau de certeza e segurança necessários para efeitos de condenação, que os recorrentes ao efetuarem os disparos da rua, contra a parede de prédio, a uma distância em concreto não apurada, tivessem representado como possível atingir a testemunha “Marujo” em alguma parte do corpo, designadamente na cabeça.

22ª - Acresce que, sempre estaríamos ante a denominada tentativa impossível, pois o ângulo em que se encontravam, não lhes permitia que os disparos entrassem nas divisões. A este propósito consta da fundamentação de direito da decisão pág. 53, último parágrafo e pág. 50 primeiro parágrafo: “Por outro lado, importa também referir que o ângulo de disparo dessas pessoas para o interior da habitação de MD era mínimo e as pessoas no interior dessa habitação só corriam risco de serem atingidas se estivessem à janela, o que só sucederia se pretendessem retribuir fogo. Isso mesmo é claro tendo em conta os danos observados no interior da casa de MD, a fls. 537, pois o único projétil que deixou marcas no interior dessa casa atingiu a parte superior da parede junto à janela”.

23ª – Acresce que não foi feita prova que o vestígio/dano existente na parte superior da parede da cozinha foi provocado por disparos dos recorrentes, nem tão pouco que estes ao disparar da rua, contra a parede de um prédio com três andares, tivessem admitido como possível matar o “Marujo” que alegadamente se encontrava num 3º andar.

24ª – Logo, com base nos elementos apurados, o juízo imposto e suposto pela presunção de que os recorrentes foram os autores do disparo que atingiu a cozinha e previram como resultado da respetiva atuação atingir o dito MD, queda-se fora das possíveis conexões logicamente apreensíveis, e entra no domínio das meras possibilidades hipotéticas, tal juízo é arbitrário ou dominado pelas impressões.

25ª – A fundamentação da decisão recorrida, patenteia uma clara violação de dois princípios basilares do nosso ordenamento processual penal: princípio do “in dubio pro reo” e o da presunção de inocência. A não aplicação destes princípios consubstancia um vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.

26ª – Em face de todo o exposto, devem os factos supra mencionados ser alterados e como corolário lógico de tal alteração deverão os recorrentes ser absolvidos da prática do crime de homicídio tentado, perpetrado na pessoa do assistente MD.

Caso assim se não entenda, subsidiariamente, em sede de:

27ª – Consta do próprio texto da decisão recorrida, na página 37, 3º parágrafo: “Ademais, importa referir que estando várias pessoas armadas do lado da família de BL, o arguido conseguiu evitar ser atingido por qualquer delas, nem sequer resultou prova que tivesse ocorrido qualquer disparo sobre o arguido por banda da família do BL. Portanto, dúvidas não subsistem que o arguido agiu de surpresa, com a intenção de praticar os factos dados como provados e abandonou de imediato o local após ter efetuado os disparos”.

28ª – Este trecho da decisão aponta, inequivocamente, no sentido de os recorrentes terem atuado em legítima defesa, uma vez que apenas reagiram a uma agressão, a tiro, atual e eminente, a qual vitimou BL, que foi atingido e caiu inanimado no solo.

29ª – Ante tal acontecimento, os ora recorrentes atuaram para se defender e defender os seus familiares, que estavam na rua, à mercê dos agressores, os quais se encontravam protegidos e resguardados em casa a disparar em direção aos ora recorrentes e familiares, desprotegidos, vulneráveis, em campo aberto, com um familiar, o BL inanimado no chão e ao qual tinham de prestar assistência e conduzir ao Hospital.

30ª – Aliás, não fora o facto de os recorrentes terem disparado em direção ao prédio, para amedrontar os agressores e afastar a agressão de que estavam a ser vítimas, de modo a terem oportunidade de fugir, levando o BL para o Hospital e teriam sido todos mortos, recorrentes e familiares.

31ª – Pelo que também por este motivo teriam os recorrentes de ser absolvidos, pois atuaram no âmbito de uma causa de exclusão da ilicitude, em legítima defesa.

32ª – Não tendo ficado provado que o assistente MD estava à janela, mas algures dentro de casa e constando da fundamentação que só nesse local os recorrentes teriam, hipoteticamente, ângulo para o atingir, necessariamente terá que cair a condenação pela prática do crime de homicídio na forma tentada.

33ª – “In extremis”, sempre estaríamos ante a denominada tentativa impossível (nº 3 do artº 23.º do CP). Efetivamente o disparo de uma arma do local onde foi, a rua, não permitia em termos de ângulo, atingir quem estivesse no interior da habitação, um 3º andar, sendo certo que não ficou provado que o assistente estivesse à janela. Ora a tentativa impossível, não é punível (o mesmo preceito legal).

34ª – Ainda que se considerasse correta a matéria fática dada como assente pelo Tribunal “a quo”, e bem assim a qualificação jurídica os recorrentes consideram que a pena concreta de 7 anos e 6 meses de prisão que lhes foi aplicada, pela prática de um crime de homicídio tentado, e de 1 ano e 6 meses pela prática de um crime de detenção de arma proibida, exageradas, quer em termos relativos, por comparação com a mesma pena aplicada ao coarguido AH, pela prática de idênticos crimes, mas em circunstâncias muito mais agravantes e tendo este dezenas de antecedentes criminais por factos gravíssimos, quer em termos absolutos;

35ª – Na verdade a aplicação da pena de 7 anos e 6 meses, a cada um dos recorrentes, pela prática de um crime de homicídio, na forma tentada, dentro de uma moldura penal abstrata que varia entre 2 anos, 1 mês e 18 dias e os 14 anos, dois meses e 20 dias, é por demais elevada, pois corresponde quase ao quádruplo do mínimo da moldura penal abstrata.

36ª – Tal pena olvidou as circunstâncias concretas do caso, nomeadamente que não foi atingida a alegada vítima, que os arguidos agiram em estado de grande exaltação e nervosismo, após verem o seu familiar atingido “à queima roupa” pelo arguido AH, apenas tendo disparado por temer pela respetiva vida, da assistente LR e do seu marido JL.

37ª – A pena aplicada também olvidou as atenuantes de que os recorrentes beneficiam, designadamente a estabilidade sócio familiar, o apoio da família, a existência de filhos menores a cargo e a inserção laboral.

38ª – A jurisprudência tem aplicado penas inferiores a arguidos pela prática de vários crimes desta natureza, praticados com dolo direto, em que são efetivamente atingidos vários ofendidos, e inclusive, alguns ficaram privados de órgãos importantes.

39ª – Em face do exposto, entendemos que a correta apreciação crítica de todas as atenuantes supra expostas, à luz e atentas as regras estabelecidas nos artºs 70º e 71º, do CP, deverá conduzir a um abaixamento das penas concretas aplicadas. Assim pela prática em autoria singular e em concurso real de um crime de homicídio, na forma tentada, deverão ser condenados em pena nunca superior a 3 (três) anos de prisão. Pela prática em autoria singular e concurso real de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 1 (um) ano de prisão.

40ª – Quanto à determinação da pena única, no caso dos arguidos SM e TL, embora não sendo primários, os antecedentes que possuem são por crimes de pouca gravidade e os factos foram meramente ocasionais na respetiva vida, fruto de quadro e contexto muito específico, estamos perante, uma pluriocasionalidade, que não radica na personalidade.

41ª – Ao aplicar aos recorrentes uma pena única de prisão de 8 anos, a decisão recorrida violou os princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso, que devem nortear a operação de fixação da pena conjunta, para além de o enfoque dever, frisamos uma vez mais, ser colocado na vertente preventiva, em especial na prevenção especial positiva ou de ressocialização da pena. Tal pena ultrapassou o limite da culpa.

42ª – Tudo ponderado, e sem olvidar o abaixamento das penas parcelares pelo qual pugnamos supra, aos recorrentes, em cúmulo jurídico, deverá ser aplicada pena não superior a 4 anos de prisão.

43ª – O Tribunal “a quo”, porque a pena aplicada aos recorrentes, ultrapassava o limite previsto no artº 50 do CP, não ponderou sequer a possibilidade de suspensão da mesma, todavia após o abaixamento pelo qual pugnamos supra, tal possibilidade terá de ser ponderada.

44ª – Atendendo aos factos provados no ponto 67, relativamente ao arguido SM, e no ponto 68, atinente ao arguido TL, dos quais conforme supra se mencionou e ora se reitera se conclui que, ambos estão integrados em termos familiares e profissionais, são sustentáculo económico do respetivo agregado familiar, agiram com dolo eventual, os disparos contra a parede não atingiram qualquer vítima; tratou-se de uma atuação ocasional, levada a cabo após ver que o familiar havia sido gravemente atingido, e os próprios recorrentes também se encontravam “debaixo de fogo”, logo sob grande comoção, nervosismo e exaltação.

45ª – Deve ser dada aos recorrentes uma oportunidade, ambos os recorrentes reúnem, e ultrapassam até, os pressupostos básicos da aplicação de pena de substituição e o tribunal dispõe de elementos sólidos e objetivos, parte dos quais plasmados no relatório social, que lhe permitam formular um juízo de prognose positivo. Tudo ponderado entendemos que deve ser decretada a suspensão da execução das penas de prisão.

46ª – A decisão recorrida violou, pelo menos, o disposto nos Artigos 40.º, n.º 1, 70.º, 71.º, 77.º, n.º 1 do CP e 97.º, n.º 5 do CPP.

Termos em que, contando o indispensável suprimento de Vªs Exas. deve ser dado provimento ao presente recurso, fazendo-se destarte a mais reta e são justiça!»

O recurso foi admitido.

Respondeu o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:

«1. Os arguidos SM e TL foram condenados no âmbito dos presentes autos, por Acórdão proferido em 28.02.2018,

• pela prática em autoria singular e concurso real de um crime de homicídio, na forma tentada, previsto e punido nos arts.º 131.º, 22.º e 23.º do CP, agravado nos termos do disposto no art.º 86.º, n.º 3 da Lei nº 5/2006, de 23.02, na redação dada pela Lei n.º 50/2013, de 24.07 na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão;

• pela prática em autoria singular e concurso real de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.º 86.º, n.º 1, al. c), por referência aos arts.º 2.º, n.º 1, al. az) e 3.º, n.º 3 da Lei nº 5/2006, de 23.02, na redação dada pela Lei n.º 50/2013, de 24.07, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

Operando o cúmulo jurídico entre as penas aplicadas, foram os arguidos condenados na pena única de 8 (oito) anos de prisão.

2. Em caso de concurso de infrações, o arguido é punido numa pena única, na medida da qual são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, cujo limite máximo é dado pela soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal).

3. No acórdão recorrido, para a determinação da medida da pena, o tribunal a quo atendeu a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuseram a favor e contra os agentes do crime (art.º 71.º do C. Penal), nomeadamente o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (nº 2 do art.º 71.º do C. Penal).

4. E fundamentou devidamente a sua decisão, não sofrendo a mesma de qualquer nulidade.

5. Os factos apurados em julgamento não se reputam insuficientes para considerar como provado que os arguidos TL e SM admitiram como possível, atingir MD.

6. Basta recorrermos à transcrição efetuada pelos próprios recorrentes, na sua motivação, das declarações prestadas em sede de julgamento por TL (cfr. ficheiro áudio: 20170301152953­­_2691839_2871703, de 1.03.2017, inicio: 03:00), confirmado pela assistente LR (cfr. ficheiro áudio: 20170301164817­­_2691839_2871703, de 1.03.2017, inicio: 02:27 até 10:33) e pelo demandante JL (cfr. ficheiro áudio: 20170301174940­­_2691839_2871703, de 1.03.2017, inicio: 01:48).

7. De facto, se estavam a ser disparados tiros de uma varanda, conforme estes referiram, é da experiência comum das coisas e da vida que a pessoa que disparava tinha que ali estar, na varanda ou na janela, perto de algo que desse acesso ao exterior.

8. Sendo que no ponto 22 dos factos dados como provados consta que do interior do prédio onde residia MD, pessoa de identidade não apurada efetuou também disparos com uma arma de calibre 357 mm, na direção dos arguidos SM e TL.

9. Logo, os recorrentes, ao dispararem, admitiram como possível, atingir MD.

10. Tanto mais que um dos tiros disparados pelos recorrentes chegou a entrar pela janela da cozinha e foi embater no azulejo da parede.

11. Consequentemente, a decisão não é intrinsecamente contraditória e ilógica, não se verificando contradição insanável entre a fundamentação da decisão de direito e da matéria de facto provada.

12. Bem como insuficiência da matéria de facto provada, para a decisão de direito.

13. Os recorrentes, ao dirigirem-se para o local onde residia MD, munidos de diversas armas e ao disparar dezenas de tiros para a residência deste, atuaram com intenção de o atingir no seu corpo e causar a sua morte. Só o não tendo conseguido por razões alheias à sua vontade.

14. Bem sabendo que as armas utilizadas são aptas a tirar a vida.

15. Pelo que agiram com dolo direto e não eventual.

16. Da prova testemunhal, designadamente do depoimento dos arguidos AH e TL, dos assistentes LR e MD e das testemunhas JL, MHC, NN, RM, APJ, PD, JFF e SD não foi possível apurar quem disparou em primeiro lugar.

17. Pelo que se encontram corretamente provados os factos constantes do ponto 12. Da matéria de facto dada como provada.

18. O mesmo sucedendo relativamente aos pontos 21, 38, 39, 40 e 41 da matéria de facto provada.

19. Ao contrário do alegado pelos recorrentes, atingir o assistente MD mortalmente, não se trata de uma tentativa impossível.

20. De facto, são os próprios recorrentes que na sua 29ª conclusão referem que “os ora recorrentes atuaram para se defender e defender os seus familiares, que estavam na rua, á mercê dos agressores, os quais se encontravam protegidos e resguardados em casa a disparar em direção aos ora recorrentes (sublinhado nosso).

21. O tribunal a quo apreciou a prova segundo as regras do artigo 127.º do Código de Processo Penal, com respeito pelos limites ali impostos à livre convicção, não só de motivação objetiva segundo as regras da vida e da experiência, e sem que se vislumbre que na apreciação da prova o tribunal tenha incorrido em qualquer erro lógico, grosseiro ou ostensivo.

22. Assim, parece-nos claro, em face do que o tribunal deixou extravasado no acórdão, que logrou convencer-se e convencer-nos da verdade dos factos, que deu como provados “para além de toda a dúvida razoável”.

23. Nada há, pois, a censurar no processo lógico e racional que subjaz à formação da convicção do tribunal, sendo patente a inexistência de quaisquer motivos para se falar em violação dos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo.

24. São requisitos da legitima defesa (Maia Gonçalves, Código Penal Português, Anotado e Comentado, 5 edição, 1990, página 131):

a) A existência de uma agressão a quaisquer interesses, sejam pessoais ou patrimoniais, do dependente ou de terceiro, agressão essa que deve ser atual, no sentido de estar em desenvolvimento ou iminente, e ilícita, no sentido geral de o seu autor não ter o direito de o fazer; não se exige que ele atue com dolo, com uma culpa ou mesmo que seja imputável; e, por isso, admissível a legitima defesa contra atos praticados por imputáveis ou por pessoas agindo com erro;

b) Defesa circunscrevendo-se ao uso dos meios necessários para fazer cessar a agressão paralisando a atuação do agressor. Aqui se inclui, como requisitos da legitima defesa, a impossibilidade de recorrer a força publica, por se tratar de um aspeto da necessidade do meio, tratando-se, como se trata, de afloramento do principio de que deve ser a força publica a atuar, quando se encontra em posição de o poder fazer, sendo a força privada subsidiaria, e este requisito continua a ser exigido pela Constituição da Republica Portuguesa (art.º 21.º, "in fine");

c) "Animus deffendendi" ou seja o intuito de defesa por parte do defendente.

25. Analisando os requisitos para que exista legitima defesa verifica-se que, existia efetivamente uma agressão atual, designadamente um tiro que atingiu a vitima BL. Porém, o autor dessa agressão foi o arguido AH que se encontrava na rua, no lado oposto ao local onde se encontravam os recorrentes. Ora, estes dispararam dezenas de tiros na direção da residência de MD e não na direção da pessoa que havia disparado.

26. Por outro lado, foram os próprios recorrentes que, munidos de diversas armas, se dirigiram à residência de MD.

27. De salientar, ainda, que encontrando-se os recorrentes na rua, bastava-lhes terem-se atravessado a rua e dirigirem-se para baixo da varanda de MD para ser impossível serem atingidos por disparos vindos da residência. Pelo que a sua atuação não figura a utilização dos meios necessários para fazer parar a agressão.

28. Sendo que a sua atuação não teve um carácter de defesa - animus deffendendi – mas sim de ataque, face às armas que transportavam consigo logo que se dirigiram ao local e quando chamaram pelo “Adilon”, alcunha pela qual é conhecido MD.

29. Do exposto resulta que os recorrentes não atuaram em legitima defesa, não se encontrando reunidos os respetivos pressupostos.

30. O crime de homicídio simples agravado, tem uma moldura penal abstrata de 2 anos, 1 mês e 18 dias a 14 anos, 2 meses e 20 dias.

31. A moldura abstrata aplicável ao crime de detenção de arma proibida é de pena de prisão de 1 a 5 anos ou de pena de multa até 600 dias.

32. O tribunal a quo considerou que:

o grau de ilicitude dos factos revela-se muito elevado, atendendo que os arguidos dispararam com arma de fogo, inúmeros projéteis contra o prédio de MD, na direção da janela e que este se encontrava na residência;

os arguidos agiram com dolo direto, que se considera de intensidade elevada, atento o circunstancialismo em que os factos foram cometidos. Também os motivos que levaram a tal atuação consideram-se fúteis;

à leviandade do comportamento dos arguidos e ao comportamento posterior dos mesmos.

as exigências de prevenção, sendo as de prevenção especial elevadas, pois, apesar de o arguido SM Oliveira registar apenas um antecedente criminal pela prática de um crime de venda ou ocultação de produtos ou artigos e o arguido TL registar apenas um antecedente criminal pela prática de um crime de coação agravada, contudo os factos praticados são muito graves.

à postura dos arguidos em audiência de julgamento, não demonstrando a interiorização da gravidade das suas condutas.

em desfavor dos arguidos ainda a ausência de atos demonstrativos de arrependimento sincero.

as exigências de prevenção geral, que aqui são muito elevadas, atenta a objetiva gravidade jurídica do crime praticado pelos arguidos e a necessidade de defesa da sociedade perante este tipo de ilícito, que regista atualmente um aumento significativo, sendo enorme o alarme social que provoca.

33. Assim, ponderadas as circunstâncias pessoais, a intensidade do dolo, o grau da ilicitude, a gravidade da culpa e todas as circunstâncias preventivas e retributivas dentro da moldura penal abstrata, entendeu o tribunal a quo por adequado fixar aos arguidos a pena de 7 anos e 6 meses de prisão para o crime de homicídio simples na forma tentada e agravado e a pena de 1 ano e 6 meses para o crime de detenção de arma proibida.

34. Em cúmulo jurídico, a pena única de 8 anos.

35. Decisão com a qual se concorda.

36. Logo, concordando-se com a pena única aplicada, não se coloca a questão da suspensão da execução da pena por ser inadmissível legalmente.

37. No mais, não se mostrará violado qualquer preceito legal nem desrespeitado qualquer direito.

Pelo que deve o Acórdão recorrido ser confirmado.

Assim se fazendo
JUSTIÇA»

û
Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto limitou-se a apor visto.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito –, por obstativas da apreciação de mérito, como são os vícios da sentença previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ou alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal[[2]].

Posto isto, e vistas as conclusões do recurso, a esta Instância são colocadas as questões:

- da nulidade do acórdão por falta de fundamentação da pena imposta em cúmulo jurídico;
- da contradição insanável entre a fundamentação da decisão de direito e a matéria de facto provada;
- da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito;
- da incorreta valoração da prova produzida em julgamento;
- do erro notório na apreciação da prova;
- da atuação em legítima defesa;
- da desadequação das penas impostas – parcelares e única;
- do modo de cumprimento da pena.

No acórdão recorrido foram considerados como provados os seguintes factos [transcrição]:

«1. Em data não apurada mas que se situará na semana anterior ao dia 15.12.2015, verificou-se uma discussão entre o arguido TL e MD, de alcunha “Marujinho”, filho de MRD, de alcunha “Marujo”, relacionado com um contrato de arrendamento.

2. Dias antes, MD, utilizando o nome de Rodrigo, mostrou interesse junto de GI, no arrendamento de um imóvel, tendo, para tanto, entregue um sinal no montante de € 300,00.

3. Porém, como houve dificuldade no contacto com a proprietária do referido imóvel, ao fim de poucos dias, MD exigiu a GI a devolução do sinal em dobro.

4. GI, que seria amigo do arguido TL confidenciou-lhe a situação e este último tentou interceder junto de MD, com vista a evitar a entrega do dobro do valor do sinal, tendo-se então desentendido.

5. No sentido de resolverem a desavença, foram trocados diversos “recados” entre as duas famílias, que não obtiveram êxito.

6. Por tal motivo, os arguidos TL, SM e a vítima BL, combinaram deslocar-se à residência de MRD, de alcunha “Marujo”, onde reside igualmente MD, a fim de os confrontarem.

7. Assim, no dia 15 de Dezembro de 2015, cerca das 17H30, os arguidos TL e SM, juntamente com BL e outros membros da respetiva família dirigiram-se para as imediações do prédio habitado por MD e MRD, sito…, em Vale de Estacas.

8. Os arguidos encontravam-se todos na posse de armas de fogo.

9. A determinada altura começaram a gritar pelo nome “Marujo”.

10. O arguido AH, irmão de MRD também se deslocou ao local, chegando após os demais arguidos, no veículo automóvel marca Renault, modelo Scénic, de cor verde e matrícula -MB, conduzido por pessoa cuja identidade não se logrou apurar, trazendo também consigo uma arma de fogo.

11. Tendo chegado pela Rua Comandante José Carvalho, em direção a Vale de Estacas e parando o veículo antes do Cruzamento com a Rua 1º de Julho, do lado direito, atento o seu sentido de marcha.

12. Cerca das 17h48m iniciaram-se vários disparos de armas de fogo por parte de todos os arguidos cuja sequência exata não foi possível apurar.

13. O arguido AH saiu do interior do veículo onde se fazia transportar e posicionou-se no local id. na fotografia de fls. 621 com a menção “1 a 5” empunhando uma pistola, marca CZ, calibre 7,65, apontou a mesma para BL, na direção da zona id. na mesma fotografia como “6 a 10 e T”.

14. Junto a BL encontrava-se a sua mãe e alguns metros mais à frente na mesma direção encontrava-se JL.

15. Aquando desses disparos, o arguido AH estava posicionado atrás e à direita de BL, tendo-o atingido com dois disparos.

16. Um dos quais penetrou na face lateral direita do seu pescoço, tendo o projétil saído pela zona do lábio inferior, fraturando-lhe a mandíbula e causando a perda de um dente incisivo.

17. E o outro penetrando na face interna direita, no plano posterior da sua perna esquerda, causando fratura da tíbia e alojando-se nesse membro;

18. Após ter disparado, o arguido AH regressou para o veículo onde chegara e entrou para o banco da frente ao lado do condutor.

19. Altura em que aquele veículo arrancou, abandonando o local pela Rua Comandante José Carvalho, agora no sentido oposto, Vale de Estacas – Rotunda do McDonald’s.

20. Por sua vez, os arguidos TL e SM disparam, cada um, com uma pistola calibre 6,35 e fizeram dezenas de tiros contra o prédio de MD.

21. De seguida, dirigiram-se à carrinha Kangoo onde se faziam transportar, de onde retiraram, cada um, a sua espingarda caçadeira, calibre 12 e regressaram ao lado adjacente ao prédio de MD, continuando a fazer disparos na direção das janelas daquele.

22. Do interior do prédio onde residia MD, pessoa de identidade não apurada efetuou também disparos com uma arma de calibre 357 mm, na direção dos arguidos SM e TL;

23. Foram disparados dezenas de tiros.

24. Posteriormente, os arguidos TL e SM dirigiram-se de novo para a carrinha Kangoo vermelha, onde guardaram as caçadeiras e arrancaram para apanhar BL que, entretanto, havia sido auxiliado pela mãe que o conduzira até ao passeio frente a uma marisqueira ali existente, onde ficou caído no solo.

25. De seguida dirigiram-se para o Hospital de Santarém, seguindo pela Rua Comandante José Carvalho.

26. Como consequência direta e necessária dos tiros disparados pelo arguido AH, que o atingiram, BL sofreu:

- fratura multiesquirolosa da sínfise mandibular;
- múltiplos fragmentos no corpo da língua e pavimento bucal;
- edema e enfisema do pescoço;
- fratura cominutiva do terço proximal da tíbia esquerda.

27. No pré-operatório da intervenção maxilo-facial no procedimento EOT foi constatada via aérea difícil, bradicardia estrema e foi realizado SAV durante 10 minutos com recuperação de pulso. Foi feita cricotirotomia seguida de traqueostomia.

28. Sofreu ainda edema cerebral difuso no contexto de encefalopatia hipoxi-isquémica com lesões vasculares das cabeças dos núcleos caudados e provavelmente dos núcleos pálidos. Posição baixa das amígdalas ultrapassando o buraco occipital.

29. Tendo estado internado por um período de 13 dias.

30. Após o que, no dia 28.12.2015, se veio a verificar o seu óbito, devido a pneumonia pós-traumática, que sobreveio após encefalopatia hipóxica por lesão traumática da face.

31. O arguido AH quis desferir os referidos tiros e matar BL, resultado que visou produzir.

32. Ao atuar da forma descrita, o arguido pretendeu tirar a vida a BL, utilizando para o efeito um meio idóneo à produção de tal resultado - pistola -, sabendo que ao disparar na sua direção iria atingi-lo em zona do seu corpo e que poderia provocar a morte da vítima, o que quis e conseguiu.

33. Sabia e representou, igualmente, que ao disparar cinco tiros naquela direção poderia, igualmente atingir LR, que se encontrava junto do BL e, ainda, JL que se encontrava na mesma linha mas uns metros mais à frente, causando-lhes a morte.

34. O que não o impediu de o fazer.

35. E que só não veio a suceder por razões alheias à sua vontade.

36. Sendo que um dos tiros passou sobre a cabeça de José Limas e foi partir uma montra atrás de si.

37. O arguido agiu sempre livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

38. Por sua vez, os arguidos TL e SM, ao dispararem na direção da janela de MRD, que se encontrava no interior da sua residência, representaram como possível atingi-lo em alguma parte do corpo, designadamente na cabeça, e causar-lhe a morte, o que não os impediu de o fazer.

39. Só não o tendo atingido, provocando-lhe a sua morte, por razões alheias à sua vontade.

40. Sendo que um dos projéteis disparados chegou a entrar pela janela da cozinha e foi embater no azulejo da parede.

41. Ao atuar da forma supra descrita, os arguidos TL e SM agiram livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

42. O arguido AH, no dia 15.12.2015, detinha na sua posse a pistola com as inscrições “CZ 83”, calibre 7.65 Browning, Made in Czech Republic, com respetivo carregador, que utilizou e que veio a ser apreendida.

43. Porém, o mesmo não é titular de qualquer licença de uso e porte de arma que lhe permitisse trazer consigo aquela arma e carregador e munições utilizadas.

44. O arguido conhecia as características da referida arma, sabendo, igualmente que lhe estava vedada a sua detenção, o que quis e conseguiu.

45. Sabia, igualmente, que a sua conduta era proibida e punida por lei e, tendo capacidade de determinação segundo as legais prescrições ainda assim não se inibiu de a realizar.

46. O arguido SM, no dia 15.12.2015, detinha na sua posse a pistola semiautomática, calibre 6.35, marca e modelo “Astra Cub”, com o n.º 1189665, que utilizou e que veio a ser apreendida.

47. Porém, o mesmo não é titular de qualquer licença de uso e porte de arma que lhe permitisse trazer consigo aquela arma e carregador e munições utilizadas.

48. O arguido conhecia as características da referida arma, sabendo, igualmente que lhe estava vedada a sua detenção, o que quis e conseguiu.

49. Sabia, igualmente, que a sua conduta era proibida e punida por lei e, tendo capacidade de determinação segundo as legais prescrições ainda assim não se inibiu de a realizar.

50. O arguido TL, no dia 15.12.2015, detinha na sua posse a pistola semiautomática, marca “FN”, modelo não referenciado, de calibre 6.35 Browning, com n.º série 251094, que utilizou e que veio a ser apreendida na Praceta Habijovem, junto à pastelaria/padaria “Sentidos”, em Santarém.

51. Porém, o mesmo não é titular de qualquer licença de uso e porte de arma que lhe permitisse trazer consigo aquela arma e carregador e munições utilizadas.

52. O arguido conhecia as características da referida arma, sabendo, igualmente que lhe estava vedada a sua detenção, o que quis e conseguiu.

53. Sabia, igualmente, que a sua conduta era proibida e punida por lei e, tendo capacidade de determinação segundo as legais prescrições ainda assim não se inibiu de a realizar.

54. No dia 16.12.2015 foram localizados e apreendidos:

• Na Rua Comandante José Carvalho (junto à Rua do Bairro Camarário):

- cinco (5) cápsulas deflagradas cal. 7.65 Browning da marca “LE”,

•Na Rua Comandante José Carvalho (junto ao estabelecimento “Rematil”, em Santarém:

- um (1) fragmento de blindagem de um projétil;
- um (1) cartucho deflagrado, marca “Fiocchi”, cal. 12, sem indicação de carregamento percetível;
- uma (1) cápsula deflagrada, deformada, cal. 6.35 Browning, marca “PPU”,
- um (1) projétil deformado, calibre não referenciável, no parapeito interior da janela do estabelecimento “Rematil”;

• Na Rua Comandante José Carvalho, em Santarém:

- quatro (4) cápsulas deflagrada cal. 6.35 Browning da marca “GECO”;
- duas (2) cápsulas deflagradas cal. 6.35 Browning da marca “S&B”;
-treze (13) cápsulas deflagradas calibre 6.35 Browning da marca “PPU”;
- um (1) projétil deformado de calibre não referenciável;
- um (1) cartucho de caça deflagrado, cal. 12, marca e indicação de carregamento não referenciável;
- uma (1) cápsula deflagrada cal. 6.35 Browning da marca “RP”;
- uma (1) cápsula deflagrada cal. 6.35 Browning da marca não referenciável;

• Na Rua Comandante José Carvalho (junto ao lote 05) em Santarém:

- três (3) cartucho de caça deflagrado, cal. 12, marca “Fiocchi”, com as inscrições “Polivichumbo” com indicação de carregamento com 9 bagos de zagalote;
- um (1) cartucho de caça deflagrado, cal. 12, marca “Novel Sport”, com as inscrições “Caza Mayor JG” com indicação de carregamento bala;
- um (1) cartucho de caça deflagrado, cal. 12, marca “Novel Sport”, com as inscrições “Caza Mayor JG Excopesa”;
- um (1) cartucho de caça deflagrado, cal. 12, marca “Winchester ”, com as inscrições “Winchester Special D”;
- um (1) cartucho de caça deflagrado, cal. 12, marca “Melior”, com as inscrições “Super Veloz Melior” com indicação de carregamento com chumbo 7 1/2;
- uma (1) blindagem deformada de um projétil;
- um (1) cartucho de caça deflagrado, cal. 12, marca não referenciável;
- um (1) cartucho de caça deflagrado, cal. 12, marca não referenciável, C “miratiro rocket” com indicação de carregamento chumbo 5;
- dois (2) cartucho de caça deflagrado, cal. 12, marca não referenciável, com as inscrições “GB Trap”, com indicação de carregamento chumbo 7 1/2;
- um (1) cartucho de caça deflagrado, cal. 12, marca “Fiocchi”, com as inscrições “Excelsior” com indicação de carregamento com bagos zagalote 12;

• Na Rua Comandante José Carvalho (junto ao lote 4) em Santarém:

- oito (8) buchas plásticas cal. 12 com sinais de terem sido submetidas a disparo;
- dois (2) fragmentos de bucha plástica cal 12 com sinais de terem sido submetidas a disparo;
- um (1) fragmento de blindagem de um projétil;

• Na Rua Comandante José Carvalho (junto ao lote 024) em Santarém:

- um (1) cartucho de caça deflagrado, cal. 12, marca não referenciável;
- um (1) cartucho de caça deflagrado, cal. 12, marca “Melior”, com as inscrições “Super Veloz Melior” com indicação de carregamento com chumbo 7 1/2;

• Na Rua Comandante José Carvalho (junto ao estabelecimento “Rematil”) em Santarém:

- duas (2) zaragatoas de algodão contendo vestígios supostamente biológicos.

• Na Praceta Habijovem (junto à pastelaria/padaria “Sentidos”) em Santarém:

- uma (1) pistola semiautomática, marca “FN”, modelo não referenciado, de calibre 6.35 Browning, com n.º série 251094, sem carregador;
- um (1) cartucho de caça, calibre 12, marca “Nobel Sport”, com indicação de carregamento com chumbo n.º 4 e as inscrições “FOB SUPER 36;

55. E, ainda, em ambiente hospitalar
- um projétil recuperado em ambiente hospitalar do corpo de BL.

56. Nesse mesmo dia foram recolhidos no interior do veículo marca Renault, modelo Kangoo, com a matrícula -MN:

- um (1) cartucho de caça, calibre 12, marca “Nobel Sport”, com indicação de carregamento com bala e as inscrições “JG excopesa”, entre outras, recolhido no chão junto ao banco traseiro do lado esquerdo (interior);

- cinco (5) cartuchos de caça, calibre 12, sendo três (3) marca “Nobel Sport” e com indicação de carregamento com bala e as inscrições “JG excopesa”, entre outras; um (1) de marca “Global Shot”, com as inscrições “RIO ROYAL” entre outras e um (1) marca “Fiocchi” com indicação de carregamento com 9 bagos de zagalote e as inscrições “POLVICHUMBO”, recolhidos no banco traseiro, lado esquerdo;

- um (1) cartucho de caça calibre 12, marca “Nobel Sport” e com indicação de carregamento com bala e as inscrições “JG excopesa” entre outras, recolhido no interior da bagageira.

57. No dia 17.12.2015, foram apreendidas:
- Espingarda caçadeira semiautomática, calibre 12, da marca “Benelli”, com o n.º M 223893 e n.º no cano – n.º C333085;

- Um (1) livrete n.º L54416, emitido em 4.02.97, em nome de JCD; e
- Pistola semiautomática, calibre 6.35 mm, marca e modelo “Astra Cub”, com o n.º 1189665, que foram entregues pelos arguidos TL e SM.

Dos Pedidos de indemnização civil:
58. O BL nos 13 dias que mediaram entre ter sido atingindo com a arma até à morte suportou enormes dores e foi submetido a intervenções cirúrgicas que lhe causaram sofrimento físico.

59. Manifestou enorme angústia e tristeza por estar gravemente ferido.

60. Tinha 36 anos de idade e era saudável, alegre e trabalhador.

61. Tinha o curso de eletromecânico de refrigeração e climatização e exercia funções nessa área na empresa “Rybenerg”. Auferia mensalmente € 600,00.

62. Era um bom filho, meigo e amigo dos pais. Vivia com estes e contribuía para as despesas domésticas.

63. Os demandantes após a sua morte ficaram tristes, depressivos, pouco saíam à rua e foram medicados para o efeito.

64. Quando saem à rua ficam nervosos e com receio de serem atingidos por alguma arma.

65. O Hospital Distrital de Santarém prestou assistência médica à vítima BL no montante de € 5 952,71, que ainda não foi pago.

66. Do relatório social do arguido AH consta que” O arguido de etnia cigana, nasceu em Tomar, sendo o mais novo de um grupo de cinco irmãos. Os progenitores eram vendedores ambulantes e após a morte da mãe, que ocorreu quando AH contava 11 anos de idade, a avó paterna assumiu um papel primordial na sua educação e dos seus irmãos, assegurando-lhe a satisfação das necessidades mais elementares o que lhes permitiu a manutenção. Por compromissos familiares, o seu agregado mudou-se para Lamego, quando AH tinha 8 anos de idade, prosseguindo a sua escolaridade até à conclusão do ensino primário e à aquisição de conhecimentos aos níveis da leitura e da escrita, que o arguido considerava suficientes para a sua formação. Gradualmente, foi sendo inserido na atividade da venda ambulante, acompanhando o progenitor até à sua autonomização. AH contraiu matrimónio segundo os costumes da sua etnia há mais de 25 anos com uma mulher natural de Palmela. Da relação afetiva, nasceram três filhos, tendo o processo de socialização decorrido em Lamego. Com 26 anos de idade, o arguido envolveu-se no consumo de estupefacientes, submetendo-se por sua iniciativa, poucos anos depois, a um tratamento de desintoxicação e de substituição à base de metadona, no CRI de Vila Real e depois de Viseu. Com 33 anos de idade, AH teve os primeiros contactos com o sistema prisional, tendo cumprido uma longa pena de prisão, por crimes contra o património e crimes estradais. Esta reclusão, que se prolongou por 10 anos, foi marcada por várias sanções disciplinares e por outras condenações no EP, inclusivamente, contra um elemento da vigilância. Foi restituído à liberdade aos cinco sextos da pena, em 2012, tendo fixado residência em Santarém, com a companheira e o único dos filhos ainda integrante do agregado familiar por aliança. O casal e o filho do meio, de 21 anos de idade, viviam num apartamento arrendado em Santarém e estavam abrangidos pelo rendimento social de inserção (RSI) que complementava com alguma atividade na venda ambulante. Enquanto esteve a ser acompanhado no âmbito da liberdade condicional, seguia as consultas de toxicodependência no CRI, situação que terá cessado por sua iniciativa após a extinção do processo de liberdade condicional. Atualmente, o arguido mantém o apoio da mulher e do filho que se mudaram há cerca de 6 meses para Lamego, cidade onde AH está recluído. Os dois outros filhos já estão autonomizados. A família organiza-se em torno do rendimento social de inserção, o que se repercute numa situação económica carenciada. Em Santarém, cidade onde o arguido vivia com a família, o agregado residia num bairro social. AH tinha uma imagem desfavorável entre os residentes, sendo indiciado por se envolver em determinados atos ilícitos e de conviver com indivíduos em situação idêntica”.

67. Do relatório social do arguido SM consta que “O processo de desenvolvimento de SM efetuou-se no seio do agregado familiar de origem, composto pelos progenitores e dois irmãos mais novos, sendo a progenitora de etnia cigana, sendo uma família com alguma estruturação e organização do ponto de vista relacional, profissional e social. Durante a sua infância e adolescência foram-lhe facultadas condições materiais de vida suficientes a um modo de vida sem dificuldades relevantes em termos materiais, tendo os pais desempenhado a atividade de vendedores ambulantes, de artigos de vestuário em feiras e mercados. Em termos escolares, o arguido concluiu o 9º. ano de escolaridade, inserido no ensino regular. Segundo o mesmo ainda frequentou o programa de reconhecimento, validação e certificação de competências tendo em vista a sua certificação com o 12º. ano de escolaridade, mas que não concluiu. Em termos profissionais, foi referido ter iniciado o percurso laboral com cerca de 18 anos, como vendedor ambulante, por conta própria, desempenho laboral que tem mantido com continuidade ao longo do seu percurso de vida. Foi apenas referida uma outra curta experiência profissional na Holanda, onde trabalhou cerca de três meses numa estufa de flores. Em termos familiares, iniciou união de facto há cerca de 20 anos, com companheira também de etnia cigana, que mantém na atualidade, tendo resultado desta relação o nascimento de três descendentes com dezasseis, catorze e seis anos de idade. Segundo o mesmo foi condenado anteriormente, ao pagamento de uma pena de multa, pelo crime de aproveitamento de obra contrafeita. SM à data dos factos integrava o atual agregado familiar composto pela companheira, ALS, 37 anos, comerciante, e pelas três filhas do casal, Diana, 16 anos, desocupada, Sandra, estudante e Iris, 6 anos, que vai iniciar a escolaridade no próximo ano letivo. A família habita na localidade onde nasceu o arguido e viveu com o seu agregado familiar de origem, um apartamento arrendado, composto por quatro assoalhadas, de construção dispondo o agregado familiar de condições favoráveis de habitabilidade. Em termos profissionais, o arguido desempenha a atividade de comerciante, de roupa e calçado por conta própria, fazendo descontos para a segurança social em nome individual, atividade que desenvolve em feiras e mercados essencialmente no distrito de Santarém, e na qual é ajudado pela companheira. Segundo o mesmo o valor auferido pelo desempenho desta atividade é variável, dependendo do número de vendas realizado, mas considerado suficiente para fazer face às despesas que considerou essenciais da sua família. Socialmente o arguido mantém uma inserção comunitária positiva, sendo-lhe associados comportamentos adequados e aceites a este nível, situação que se tem verificado ao longo de todo o seu percurso de vida, não existindo junto da GNR da sua área de residência participações criminais referentes ao arguido”.

68. Do relatório social do arguido TL consta que “TL nasceu em Santarém e é o mais velho no total de quatro filhos. O agregado familiar estabeleceu residência em Alcanena, onde morou até aos 22 anos de idade. O seu processo de desenvolvimento decorreu no seio de uma família de etnia cigana, sendo a atividade laboral dos progenitores vendedores ambulantes. Em termos escolares, o arguido iniciou os estudos aos 6 anos de idade, acabando por concluir o 7.º ano de escolaridade. Com 18 anos de idade, deu início à atividade laboral junto do progenitor. Mais tarde, passou a exercer a mesma atividade laboral, embora por conta própria. O agregado constituído por 4 filhos habita um apartamento – Duplex, situado na cidade de Santarém, o qual segundo o arguido é bastante espaçoso, e apresenta condições favoráveis de habitabilidade. Em termos laborais, o arguido continua a trabalhar por sua conta, realizando vários mercados municipais, onde vende peças de vestuário e também era proprietário de uma loja de roupa em Santarém, onde se encontra a trabalhar a ex-companheira. Em termos económicos, o agregado subsiste do valor auferido pelo arguido na realização dos mercados municipais e na venda da roupa na loja, não nos tendo referido um valor fixo. Como despesas, apresenta a prestação da casa, que se encontra a pagar ao banco, cujo valor ronda os €400,00/mês, além das despesas relacionadas com os bens essenciais. Nos tempos livres não referiu ter qualquer ocupação lúdica, contudo, refere já ter jogado futebol. Em termos sociais, o arguido dispõe de uma imagem desfavorável, sendo-lhe associado um modo de vida ilícito. Segundo informação enviada pelos órgãos de Policia Criminal da área de residência, existem os seguintes NUIPC`s: ---/16.8PBSTR; --/16.5PESTR; ---/16.3PBSTR; --/16.2PBSTR e ---/16.8T9STR”.

69. O arguido AH regista os seguintes antecedentes criminais:
No processo n.º ---/99.9PTSTR, por sentença, de 05.01.2000, transitada em 30.01.2000, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de multa.

No processo n.º ---/99.4GBALD, por sentença, de 30.10.2000, transitada em 29.09.2003, foi o arguido condenado pela prática de um crime de passagem de moeda falsa, na pena de 8 meses de prisão suspensa por igual período.

No processo n.º ---/99.8TBTCS, por sentença, de 21.09.1999, transitada em 04.01.2002, foi o arguido condenado pela prática de um crime de burla na obtenção de alimentos, em pena de multa.

No processo n.º --/00.6GBTCS, por sentença, de 07.03.2002, transitada em 19.04.2002, foi o arguido condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física em pena de multa, substituída por prisão subsidiária.

No processo n.º ---/00.4TBSTR, por sentença, de 20.03.2002, transitada em 09.07.2004, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal em pena de multa.

No processo n.º ---/01.4GBPRG, por sentença, de 10.05.2002, transitada em 29.09.2003, foi o arguido condenado pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade na pena de 18 meses de prisão.

No processo n.º ---/02.4GBPRG, por sentença, de 06.06.2002, transitada em 21.06.2002, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal em pena de multa.

No processo n.º ---/02.5GBPRG, por sentença, de 18.06.2002, transitada em 03.07.2002, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 7 meses de prisão.

No processo n.º --/01.7PBLMG, por sentença, de 14.03.2003, transitada em 24.03.2004, foi o arguido condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida e de recetação na pena única de 11 meses de prisão.

No processo n.º ---/05.2TACTX foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada em pena de prisão, tendo-lhe sido concedida a liberdade definitiva em 21,09.2016.

No processo n.º --/00.1PTSTR, por sentença, de 22.10.2003, transitada em 06.11.2003, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 7 meses de prisão.

No processo n.º ---/03.5TAPRG, por sentença, de 16.11.2004, transitada em 15.12.2004, foi o arguido condenado pela prática de um crime de falsidade de depoimento na pena de 7 meses de prisão suspensa por 3 anos.

No processo n.º ---/02.2GBPRG, por sentença, de 04.05.2005, transitada em 19.05.2005, foi o arguido condenado pela prática de um crime de roubo na pena de 6 anos e 6 meses de prisão.

No processo n.º --/04.0JELSB, por sentença, de 06.10.2005, transitada em 31.10.2005, foi o arguido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente na pena de 15 meses de prisão.

70. O arguido SM foi condenado no processo n.º ---/05.0ECLSB, por decisão de 06.11.2009, transitada em 30.09.2010, pela prática de um crime de venda, ocultação, circulação de produtos ou artigos em pena de multa.

71. O arguido TL foi condenado no processo n.º --/16.2PBSTR por decisão de 25.01.2016, transitada em 24.02.2016 pela prática de um crime de ameaça agravada em pena de multa.

Com relevância para a decisão da causa, não resultaram provados quaisquer outros factos, sem prejuízo do tribunal não atender a alegações conclusivas ou de direito quer da contestação quer do pedido de indemnização civil.»

Relativamente a factos não provados, consta do acórdão que [transcrição]:

«Não se provaram, de entre os factos descritos na acusação, os factos acima não descritos e os factos contrários àqueles que resultaram provados, sendo certo que o Tribunal debruçou-se especificadamente sobre cada um dos factos não provados.

Assim, não se provou (da pronúncia, do pedido de indemnização civil e da contestação do arguido AH) que:

a) O BL se encontrava na posse de arma de fogo;
b) Os demandantes ficaram doentes e impossibilitados de trabalhar.
c) O arguido AH regressava do supermercado;
d) Parou o veículo a fim de deixar a sua companheira sair do mesmo;
e) E parou o veículo uns metros mais à frente, tendo saído do mesmo quando a mãe do BL o viu e gritou por este, dizendo “está aqui o Adilon”;
f) O BL ao ouvir os gritos da sua mãe, correu na direção desta, armado de pistola e começou a fazer fogo na direção do arguido AH;
g) Ao chegar ao local viu 4 indivíduos a efetuarem disparos em direção à casa do irmão MD;
h) O BL ao ver que o arguido estava armado optou por fugir, virando-se de costas para este;
i) O arguido sentiu a sua vida em perigo ao ver o BL avançar para si armado e a disparar;
j) Foi a ação iniciada pelo Bl – ao disparar contra o arguido e familiares – ao dispararem contra a casa do irmão - que provocaram a sua atuação.
k) Agiu com a intenção de se defender.
l) Os arguidos SM e TL agiram com a intenção de se defender.»

A convicção do Tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, encontra-se fundamentada nos seguintes termos [transcrição]:
«O artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa estabelece que as decisões dos Tribunais são fundamentadas na forma prevista na lei.

O Código de Processo Penal consagra a obrigação de fundamentar a sentença nos artigos 97.º, n.º 4 e 374.º, n.º 2, exigindo que sejam especificados os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção.

A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade: o juiz lança-se à procura do “realmente acontecido” conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objeto impõe à sua tentativa de o “agarrar” e, por outro, os limites que a ordem jurídica lhe marca, derivados da(s) finalidade(s) do processo – veja-se Cristina Líbano Monteiro, in “Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo”, Coimbra, 1997, pág. 13.

A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser de forma diferente (artigo 127.º do Código de Processo Penal).

Daqui resulta, como salienta a doutrina, um sistema que obriga a uma correta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do objeto do processo, de modo a permitir-se um efetivo controle da sua motivação – veja-se Marques Ferreira, in Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 228.

Como é referido pela jurisprudência, quando está em causa a questão da apreciação da prova, não pode deixar de ser dada a devida relevância à perceção que a oralidade e a mediação conferem ao julgador.

Na verdade, a convicção do Tribunal é formada, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos – veja-se, para maiores desenvolvimentos sobre a comunicação interpessoal, "A comunicação como processo social", de Ricci Bitti e Bruna Zani, editorial Estampa, Lisboa, 1997.

Um testemunho não é necessariamente infalível nem necessariamente erróneo, como salienta Carrington da Costa, advertindo para que "todo aquele que tem a árdua função de julgar, fuja à natural tendência para considerar a concordância dos testemunhos como prova da sua veracidade”. Deve, antes, ter-se bem presente as palavras de Bacon: “os testemunhos não se contam, pesam-se" – veja-se “Psicologia do testemunho", de Rui Abrunhosa e Carla Gonçalves, pág. 337.

No que concerne à análise crítica da prova, o Ac. do STJ de 27.02.2003, proferido no processo n.º 140/03, em que é relator o conselheiro Carmona da Mota, diz: “O valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte do facto delituoso imputado ao arguido, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade. A credibilidade da prova por declarações depende essencialmente da personalidade, do carácter e da probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos, em princípio, não são apreensíveis ou detetáveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as declarações se encontram documentadas, mas sim através de contacto pessoal e direto com as pessoas”.

A livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância. Como ensinava o Prof. Alberto dos Reis, "a oralidade, entendida como imediação de relações (contacto direto) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a atuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal". E concluía aquele Professor, citando Chiovenda, que "ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar" — veja-se Código do Processo Civil Anotado, vol. IV, pags. 566 e ss.

Finalmente, o velho aforismo “testis unus testis nullus”, carece, pois, de eficácia jurídica num sistema como o português em que a prova já não é tarifada ou legal mas antes livremente apreciada pelo Tribunal, Já Alberto dos Reis no domínio do processo civil português afirmara, que “No seu critério de livre apreciação o Tribunal pode dar como provado um facto certificado pelo testemunho duma única pessoa, embora perante ela tenham deposto várias testemunhas” – veja-se Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, reimp., Coimbra, 1981, pág. 357.

No caso em apreço, a convicção do Tribunal, quanto à matéria de facto provada, formou-se com base nos seguintes meios de prova, analisados criticamente, à luz das regras da experiência comum, da lógica, da razão e da livre convicção do julgador:

- Declarações do arguido AH. Relatou que no dia 15 de Dezembro estava em casa e foi ao supermercado “Pingo Doce”, perto do “Mc Donalds”, quando de repente começou a ouvir disparos e apercebeu-se que estavam a disparar na direção da casa do irmão. Dirigiu-se imediatamente para lá, indo ele a conduzir e a esposa ao lado e estacionou o carro no cruzamento do Continente. No final desse passeio estava a mãe do Bl, concretizando que devia ser por volta das 17:45h. Disse que a mãe do Bl, logo que o viu, chamou imediatamente o filho Bl, ao que o BL (vítima) saiu debaixo dos prédios – estava a disparar debaixo do prédio do irmão para cima - e disparou contra ele 4 tiros, de frente para o arguido, pelo que ele disparou 5 tiros para ele. Apercebeu-se que atingiu o Bl. De imediato, abandonou o local com receio de que lhe fizessem mal e ele e à família e fugiram para Espanha. Referiu que quando chegou ao local viu o pai do TL junto à Marisqueira e o TL e o SM com pistolas e espingardas a disparar na direção do prédio do irmão. Afirmou que o irmão não efetuou qualquer disparo e ele só disparou depois destes. Prestou declarações após o depoimento do Inspetor da Polícia Judiciária referindo que o Bl tinha um revólver e por isso as cápsulas não caem. Referiu também que da casa do irmão não se consegue ver a “Marisqueira”.

- Declarações do arguido TL. Relatou que tudo começou com uns problemas de arrendamento de um imóvel entre um seu amigo e o filho do irmão do arguido Ah. Soube que ocorreram ameaças do sobrinho do arguido Ah contra o seu amigo. Explicou, que um dos hábitos da etnia cigana é os mais velhos falarem entre eles para solucionarem os problemas. E foi com esse intuito que o seu pai (ancião mais velho), acompanhado da sua família (como é hábito) se deslocou ao local onde habitava o irmão do arguido AH. Chegaram numa viatura de marca “Renaul Kangoo”, tendo estacionado o mesmo ao pé dos prédios. Saíram do veículo e dirigiram-se ao café. O pai estava relativamente perto da mãe e o irmão BL saiu do carro e atravessou a estrada na direção da mãe sem ter consigo qualquer arma. Explicou que o BL vinha do trabalho. Disse, ainda, que antes do arguido AH chegar não ocorreram quaisquer disparos. Quando o irmão foi atingido, em simultâneo, ouviu e viu alguém a atirar da varanda. De seguida, foi ao seu veículo buscar armas e atirou para o prédio do irmão do arguido AH.

- O arguido SM não prestou declarações usando do seu direito ao silêncio.

- Declarações de LR. Assistente nos presentes autos, referiu ser mãe do arguido TL e da vítima BL. Relatou, visivelmente emocionada e por vezes tendo mergulhado num choro profundo, que no dia 15 de Dezembro ia na direção da “Marisqueira” com o filho BL, quando sentiu um barulho de uma viatura a parar por trás e viu o arguido AH sair da mesma com a pistola na mão e atirou na direção dela e do filho. De imediato, o filho BL gritou “já me atingiram mãe”, tendo-se agarrado à mãe. Sentiu que dois tiros passaram por cima da sua cabeça e foram parar no vidro da “Marisqueira”. Referiu que começou a gritar e caminhou com o filho agarrado a ela até à beira da estrada, no outro lado da rua. A primeira pessoa a chegar perto deles foi o marido. De imediato, iniciaram os disparos e ouviu que alguns vinham de cima, mas não viu. Após, o que o TL e o SM levaram o BL para o hospital. Esclareceu, ainda, que o arguido AH quando chegou na viatura saiu do lado do pendura e vinha o filho dele a conduzir. Concretizou, ainda, que o carro nunca foi desligado, continuando a trabalhar, sendo que proferiu os seguintes termos “à espera que o arguido fizesse o serviço”. Disse, ainda, que o BL era técnico de ar condicionado e vivia com os pais por ser solteiro. Referiu, ainda, que ele contribuía para as despesas domésticas tendo referido que o BL foi transferido para o Hospital de São José e de pois voltou ao Hospital de Santarém, onde faleceu após 13 dias de ter sido atingido. Disse, ainda, que no dia dos factos teve medo e também temeu pela sua vida. Após a morte do filho deixou de trabalhar, enquanto vendedora ambulante em feiras, por não ter condições físicas e psicológicas. Esclareceu, ainda, que nas feiras e mercados ganhava cerca de € 500,00 ou € 600,00 por mês.

- Declarações de JL. Demandante nos autos, referiu ser pai do TL e da vítima BL. Relatou ao Tribunal que enquanto mais velho (o ancião) e por o filho TL ter sido ameaçado, deslocou-se ao local para tentar resolver as divergências da melhor forma. Referiu que estava ao pé da “Marisqueira”, de costas para esta e sentiu os tiros passar pela cabeça, que vinham de uma das janelas. Quase em simultâneo, ouviu a esposa gritar a dizer que o filho BL tinha sido atingido. De seguida, e após verem o BL no chão, o TL e o SM dispararam contra o prédio. Esclareceu, que o filho BL não tinha na sua posse qualquer arma. Disse, ainda, que o filho BL e a mulher estavam parados na rotunda e só viu o arguido AH (de alcunha Adilon) com a arma na mão e a disparar na direção deles – a mulher, o BL e ele. Disse também que quando o arguido AH chegou já tinham sido disparados tiros de uma das janelas do prédio do irmão do arguido AH. Disse, ainda, que enquanto vendedor ambulante em feiras auferia cerca de € 700,00 por mês. Desde a morte do filho esteve muito tempo com incapacidade temporária para o trabalho e passou a ganhar cerca de € 300,00 mensais.

- Declarações de MRD. Assistente nos presentes autos, referiu ser irmão do arguido AH. Relatou que no dia 15 de Dezembro à tarde estava deitado em casa a ver televisão, quando o filho entrou em casa e lhe disse que viu chegar ali o SM, o Nélinho e o falecido. Foi à janela do seu andar – 3.º esquerdo - e viu que eles se foram embora e ele voltou para dentro de casa, concretizando que era por volta das 16:00h. Passados 30 minutos voltaram todos com o pai e começaram a chamar “Marujo”, esclarecendo que é a sua alcunha. Foi de imediato à varanda de gatas e espreitou por entre os ferros e viu o TL ao pé da oficina com um revólver e o SM com uma espingarda do outro lado da estrada, tendo o TL começado a disparar na direção da sua janela. Disse que o BL nessa altura se encontrava debaixo da varanda. Nega ter efetuado quaisquer disparos, afirmando não ter armas e disse, ainda, que desconhecia que o irmão esteve no local naquele dia. Referiu que o tiroteio demorou cerca de 5 minutos, após o que foi à varanda e já não viu ninguém, apenas a polícia.

- Depoimento da testemunha MAP. Referiu ser inspetor da Polícia Judiciária e que conhece os arguidos do exercício das suas funções. Referiu que a Polícia Judiciária tem uma equipa de prevenção, tendo conhecimento que ocorreu um tiroteio em Santarém por volta das 18:00h ou 18:30h e que havia uma pessoa ferida com arma de fogo. Relatou que quando chegou ao local - Vale de Estacas –, por volta das 19:00h, viu dezenas de cartuchos disparados. Procederam à recolha de todos os vestígios e identificaram testemunhas. Descreveu como se encontrava o local, nomeadamente, ter observado impactos de disparos quer no prédio em frente, mais abaixo, ao de MD, quer na cervejaria bem como no prédio onde reside o MD. Disse, ainda, que nesse mesmo dia foram à habitação de MD, à qual não lhes foi logo permitido o acesso e apenas sendo permitida a entrada algum tempo depois, cerca e três horas após os factos. Esclareceu também que se estiver baixo na varanda do prédio onde reside o MD é impossível ver que está por debaixo do prédio, mas apenas as zonas da frente. Disse, ainda, que da inspeção ao local e de acordo com os vestígios das cápsulas deflagradas – 5 cápsulas junto ao passeio do continente, um pouco antes da Rotunda – pode-se concluir pelo posicionamento do arguido AH. No que concerne à vítima BL, apenas conseguiram apurar vestígios de sangue da mesma junto ao passeio da cervejaria. Disse não haver quaisquer vestígios de disparos efetuados por parte da vítima BL nas imediações do local onde este se encontrava ou outro, o que o leva a concluir que este não tinha na sua posse qualquer arma. Também não há vestígios que o arguido AH tivesse sido alvejado pela vítima BL ou por outros. De acordo com os danos observados na roupa da vítima BL à qual foi feito exame, pode-se concluir que o mesmo foi atingindo pelas costas no pescoço, tendo o projétil saído pela boca e numa perna. Referiu também que os 5 disparos efetuados a cerca de 7 ou 8 metros são na direção do BL e das pessoas que ali estavam. Reafirmou não haver quaisquer vestígios de disparos por parte da vítima. Disse, ainda, que recuperaram as armas, conforme consta do auto de apreensão e não conseguiram apreender a arma de calibre 357, correspondente aos disparos que existiam nos prédios à frente da residência de MD e no local onde se encontravam o TL e os outros. Porém, se dispararam da casa de MD não possível encontrar vestígios, por terem limpo tudo até entrarem. Relatou também que a reconstituição dos factos foi feita de acordo com os vestígios hemáticos, cápsulas e a versão apresentada pelos intervenientes, explicando que o relevante para o posicionamento dos intervenientes foi o momento dos disparos. Disse, ainda, que de acordo com a experiência balística, as cápsulas caem a cerca de 1,5 metros do local da pistola de mão. E que quando chegou ao local os vestígios estavam preservados, explicando que o pânico foi enorme pelo que as pessoas recolheram e não houve mais movimentos. Referiu, ainda, que já estavam no local elementos da PSP que vedaram todo o local e o trânsito estava cortado. Referiu que não foi efetuada a reconstituição dos factos com as duas famílias devido ao risco de segurança e conflituosidade existente entre ambas. De acordo com as fotografias nos autos (fls. 260 e seguintes) é possível dizer que o tiroteio ocorreu entre as 17:20 e as 18:00h.

- Depoimento da testemunha MHC. Disse ser Chefe da PSP, a desempenhar funções na Esquadra da PSP de Santarém. Referiu conhecer os arguidos do exercício das suas funções. Referiu que estava a prestar serviço no trânsito e ouviu um tiro. De seguida, ouviu mais dois disparos e depois ouviu 3 ou 4 minutos disparos sucessivos. Comunicou via rádio com a central para os colegas virem de imediato ao local, que aí chegados muito rapidamente, cortaram as ruas da rotunda e do “McDonald´s”. Recorda-se de ouvir gritar, que lhe parecia choro, tendo-se seguido uma sucessão de disparos que pareciam de metralhadora.

- Depoimento da testemunha DGI. Referiu que não conhece os arguidos nem os assistentes. Relatou que procedeu à venda a um individuo de etnia cigana, de Vale de Estacas, do veículo da sua ex-esposa de matrícula --DN em Novembro de 2015 (entregou-o ao individuo com a declaração de venda para ser concretizado o negócio no prazo de 15 dias). No dia seguinte ao tiroteio o individuo telefonou-lhe a dizer que lhe tinham furtado o veículo. Sabe que este veículo foi apreendido pela PSP.

- Depoimento da testemunha VL. Referiu conhecer os arguidos por ser irmão do TL, primo do SM e conhecer o AH de vista. Referiu que não estava no local onde ocorreram os factos e na data dos mesmos. Tem conhecimento que os pais e o irmão tinham ido ao local e o irmão BL tinha ido trabalhar. Disse que o BL não tinha arma, era uma pessoa calma, pacífica e trabalhadora. Constatou que o irmão estava em sofrimento e o BL tinha consciência, pois este ao vê-lo desabou a chorar. Esclareceu, ainda, o local onde o mesmo trabalhava, o montante por este auferido e que contribuía para as despesas domésticas porque vivia com os pais. Disse, que ele também por vezes trabalhava à noite (fins de semana) como segurança e auferia € 50,00 por cada noite.

- Depoimento da testemunha NN. Referiu conhecer os arguidos por ser irmão do SM, primo do TL e conhecer o AH de vista. Disse que no dia dos factos, viu os tios a pé, na zona do hospital. Deu-lhes boleia e deixou-os perto do “Continente” – na passadeira – por volta das 17:00h, para irem falar com o “Marujo”, dizendo que o tio assumia o papel de “ancião”. Quando os deixou, viu o irmão ao pé da “Marisqueira” e foi estacionar a viatura na estrada do bairro ao pé do “Continente”. Quando ia a subir, viu um individuo que era o “Adilon” (arguido AH) sair da viatura “Renaul Scénic”, com uma arma empunhada e efetuar 3 ou 4 tiros. Esclareceu que a viatura dele circulou na parte da estrada que passa em frente ao “Continente” e parou na primeira passadeira de peões. Disse que só após estes disparos ocorreram mais disparos que vinham do mesmo sítio e não sabe quem os fez. Viu a vítima BL caída do outro lado da estrada e estava a tia e o tio junto a ele e quem o levou ao hospital foram o irmão e o TL e os tios também os acompanharam. Quando chegou ao local ainda viu o SM e o TL com as caçadeiras na mão.

- Depoimento da testemunha IL. Referiu conhecer os arguidos por ser irmão do SM, primo do TL e conhecer o AH de vista. Referiu que recebeu um telefonema do VL a dizer que o irmão tinha sido atingindo por um tiro, tendo-se deslocado imediatamente para o hospital. Quando aí chegou, já o irmão estava a ser transferido para um Hospital em Lisboa. Disse que o irmão BL era calmo e não tinha qualquer arma. Disse que acompanhou o período de internamento do irmão e este sofreu bastante. Esclareceu, ainda, o local onde o mesmo trabalhava, o montante por este auferido e que contribuía para as despesas domésticas porque vivia com os pais. Disse, que ele também por vezes trabalhava à noite (fins de semana) como segurança e auferia € 50,00 por cada noite. Referiu, também, que os pais sofreram bastante e continuam em sofrimento, não conseguindo trabalhar.

- Depoimento da testemunha MJD. Referiu ser sobrinho do arguido AH e conhecer os arguidos SM e TL de Santarém. Disse não ter presenciado os factos em discussão. Esclareceu que arrendou uma casa na imobiliária e não se identificou com o seu nome, porque não celebram contratos de arrendamento com pessoas de etnia cigana. Disse, ainda, que efetuou o pagamento da caução e da prestação. Depois, recusaram-se a arrendar a casa por motivos de racismo. Disse que o arguido TL lhe ligou a ameaçá-lo. Após o que os mais velhos, pai dele e do TL, falariam para resolver a situação. Disse, também, que o tio tinha conhecimento da situação.

- Depoimento da testemunha RJB. Referiu que não conhece os arguidos. Disse que conhece a vítima BL, porque lhe fez uma entrevistas para ele trabalhar na sua empresa, o que veio a acontecer. O BL exercia as funções de ajudante na instalação de ar condicionado e o horário de trabalho era das 8:30h às 13:00h e depois das 14:30 às 18:00h. Este trabalhou no dia 15.12.2015 e recorda-se que saíram mais cedo em virtude de terem terminado o trabalho do dia. Esclareceu que saíram do trabalho nesse dia por volta das 17:00h e como acontecia todos os dias, deu-lhe boleia até à Rotunda de São Domingos, tal como fazia de manhã, que ia buscá-lo ao mesmo local. Afirmou tê-lo deixado na Rotunda entre as 17:20h e as 17:30h. Quando o deixou na Rotunda ele ficou sozinho. Disse, ainda, que o BL era trabalhador, educado e cumpria as ordens dadas, auferindo € 600,00 mensais. Disse que nunca viu o BL com uma arma, não tinha viatura e levava uma mochila para o trabalho com a refeição.

- Depoimento da testemunha GI. Referiu conhecer o arguido TL por ser seu cliente, explicando que já procedeu ao arrendamento de alguns imóveis que ele é proprietário. Disse, também, que não tem problema em arrendar imóveis a pessoas de etnia cigana. Disse que não conhecia o MD, recordando-se apenas de uma situação que ocorreu em Novembro/Dezembro de 2015. Referiu que alguém procedeu ao arrendamento de um imóvel e identificou-se com outro nome – Rodrigo -, para não perceberem que era de etnia cigana. O imóvel foi sinalizado com um mês de renda e passado um mês a proprietária informou que tinha familiares que precisavam do espaço e que ela dava preferência a estes. Comunicaram ao senhor, tendo ele sido agressivo ao telefone e que queria o dobro do montante entregue, ao que acederam, porque ficou com medo dos comportamentos do mesmo. Começou a receber inúmeras chamadas de uma pessoa que se identificou como Mário a ameaçar e chegaram a deslocar-se ao escritório um grupo de pessoas de etnia cigana. Telefonou ao TL, pedindo-lhe para intervir, de forma a que a outra pessoa compreendesse o sucedido. Disse, ainda, que no dia 11 de Dezembro foi assinado o documento de devolução do dinheiro.

- Depoimento da testemunha RM. Referiu viver em união de facto com o arguido AH e conhecer os arguidos TL e SM de Santarém. Relatou que no dia 15 de Dezembro de 2015, o marido (arguido AH) chegou a casa e deslocaram-se às compras ao supermercado “Pingo Doce”, por volta da 16:00h ou 17:00h. Quando saíram do supermercado após terem feito as compras o marido disse-lhe para passar na casa do irmão MD. Quando estão chegar à descida do supermercado “Continente” apercebeu-se do tiroteio contra a casa do cunhado MD, assumindo que do local onde estava não conseguia ver o prédio do cunhado, porém, não sabe explicar porque inferiu que o tiroteio seria contra o prédio do cunhado, afirmando que não receberam qualquer telefonema a comunicar nada, quando tinha dito o contrário em sede de inquérito (cfr. resulta das declarações de fls. 822 que foram lidas com a concordância de todos os intervenientes processuais). O marido disse-lhe para sair da viatura e fugir, ao que ela acedeu. Referiu que o marido passou o lancil e que na “Marisqueira” viu o pai do BL (vítima) e do TL (arguido). A mãe deles estava no lancil e que quando a viu a ela e ao marido começou a chamar o filho BL. Este saiu de baixo dos prédios e atirou 3 ou 4 tiros ao marido (arguido AH) com uma arma que lhe pareceu ser uma pistola e estava de frente para o marido. Após, o marido atirou-lhe 4 ou 5 tiros, continuando o BL (vítima) de frente para o marido e depois dirigiu-se para os pais. Ainda ouviu a mãe gritar por socorro para o outro filho. De seguida, o marido entra na viatura e vai dar a volta à Rotunda e chamou-a, tendo ela entrado para a viatura, perto do “McDonald´s” para o banco traseiro desta. Referiu que se baixou porque a carrinha do TL vinha atrás deles. Foram buscar o filho a casa e fugiram. Referiu, ainda, que não tinha o telemóvel na sua posse e que o marido não costuma andar com uma arma. Explicando que o marido levou a arma naquele dia, porque já tinham ocorrido desavenças com esta família. Depois, referiu que não conseguiu ver a arma na mão do BL, apenas ouviu disparos e já era de noite.

- Depoimento da testemunha APJ. Referiu conhecer o arguido AH por ser seu cunhado e os arguidos TL e SM de Santarém. Relatou que no dia 15 de Dezembro de 2015, o TL. O SM, o falecido e o pai deles (de alcunha Macedo) foram à porta da casa desta com vista a apaziguar as coisas porque tinham ocorrido desavenças por causa do arrendamento de uma casa. Disse que o filho os viu à porta da “Marisqueira” da parte da tarde. O marido foi à varanda e viu o TL e o falecido a entrar para uma viatura. E ela viu da janela da sua marquise o falecido e o SM à porta da “Marisqueira”, por volta das 17:00h ou 18:00h, tendo os mesmos entrado na viatura do SM (carrinha vermelha) todos juntos. Voltaram passados cerca de 30m e chamaram pelo “Marujo” – que é a alcunha do marido MD – e começaram a evocar os defuntos. O marido deitou-se no chão e espreito na varanda e viu o TL e o SM na rua. Disse que ela foi à janela da marquise e viu o SM com uma espingarda na mão ao pé da oficina, o TL com uma pistola na mão e, quando ela espreita, começaram a atirar, tendo até entrado para casa um projétil. Fugiu para o quarto com o filho, a nora e o neto. Disse que o marido não tem armas e não foram disparados tiros do prédio dela. Disse, ainda, que os tiros terminaram quando ouviram 4 ou 5 tiros da parte de baixo do seu prédio. Entre o momento em que pararam os tiros e chegou a Polícia Judiciária, passaram cerca de 40m e ninguém saiu de sua casa. Disse, ainda, que não telefonaram ao cunhado, mas se não fosse ele estavam todos mortos.

- Depoimento da testemunha VJD. Referiu conhecer o arguido AH por ser seu tio e os arguidos TL e SM disse conhecer de Santarém. Referiu desconhecer os factos por não estar presente. A mãe telefonou-lhe a contar que estavam a disparar contra o prédio deles e disse que não se recorda se telefonou ao tio.

- Depoimento da testemunha PD. Referiu conhecer o arguido AH por ser seu tio e os arguidos TL e SM disse conhecer de Santarém. Relatou que no dia 15 de Dezembro de 2015 estava sentado no banco da rua, perto de casa (filho do assistente MD), por volta das 18:00h ou 19:00h, mas disse não se recordar muito bem da hora (foi talvez 20m antes do tiroteio). Nessa altura chegaram o SM, o Nélinho, o BL (a vítima) e o TL numa carrinha vermelha à porta da “Marisqueira”. O TL e o SM saíram e foram para o café. O Nélinho foi para trás da viatura e o BL ficou junto à mesma. Começaram a olhar para ele, pelo que ele foi avisar o pai (de alcunha Marujo). O pai foi à janela e eles foram-se embora. Passados cerca de 20m voltaram e começaram a chamar pelo “Marujo” e a evocar os defuntos. O pai foi de rasto até à varanda e estes começaram a disparar. Refugiaram-se no quarto e o pai ficou na sala. Disse que a Polícia Judiciária chegou rapidamente. Disse, ainda, que o pai não tinha armas em casa.

- Depoimento da testemunha JFF. Referiu ser militar da PSP a desempenhar funções na Esquadra de Trânsito da PSP de Santarém. Recorda-se de ter ocorrido um tiroteio junto ao “McDonald´s” em Santarém. Nesse dia tinha ido a esse local com a Chefe efetuarem a remoção de um veículo. Chegou ao local por volta das 18:00 e ouviu um barulho muito grande imediatamente seguido de 2 ou 3 disparos. Passados momentos uma quantidade de disparos durante alguns minutos. Referiu que só tinha visibilidade dos prédios ao nível do 1.º andar para cima. Do local onde se encontrava apercebeu-se que os disparos eram da rua e de uma janela do prédio. No seu ângulo de visão viu, com uma arma caçadeira, de uma janela, um Senhor a disparar. Esclareceu que estava a cerca de 50m e a janela tinha a luz acesa, o que permitia ver quem estava a disparar. Disse, ainda, que a pessoa tinha uma camisola às riscas vermelhas grossas. Nesse andar, que talvez fosse o 1.º, viu uma senhora e duas crianças. Voltou a referir que o 1.º som forte que ouviu parecia um acidente de viação, mas que associa a um disparo inicial e passados 2 ou 3 segundos ouviu 2 ou 3 disparos. Passados momentos muito curtos, ocorreu uma sucessão de disparos, que após cessarem não se ouviu mais nada. De seguida chamou apoio dos colegas via rádio.

- Depoimento da testemunha MLC. Referiu conhecer os arguidos de vista e a assistente e o demandante por serem seus vizinhos. Disse também ter conhecido o BL (a vítima), apenas por o ver ir trabalhar, mostrando-se uma pessoa sociável e normal. Disse que os conhecia há 16 anos e apercebeu-se que a morte do filho os afetou bastante.

- Depoimento da testemunha MMD. Referiu conhecer o arguido AH por ser seu pai e os arguidos TL e SM disse conhecer de Santarém. Disse que estava em casa e a mãe pediu-lhe para ir ao supermercado e não foi porque estava à espera de uma mensagem. Disse, ainda, que ficou muito abalado com toda esta situação e que o pai não anda com arma.

- Depoimento da testemunha SD. Referiu que o arguido AH é tio do marido e que conhece de vista os outros arguidos. Disse que no dia em que ocorreram os factos estava em casa do sogro (de alcunha Marujo) e estavam lá 5 pessoas. De repente, ouviu chamar “Marujo” e depois começaram os tiros. Foi para o quarto com muito medo e ficou lá com o filho, a sogra e o cunhado até terminar o tiroteio. Disse, ainda, que ouviu mais longe 3 ou 4 tiros após aquele tiroteio, após o que parou tudo. Voltou a afirmar que mais longe apenas ouviu 3 ou 4 tiros e não 7 ou 8 tiros.

- Declarações de MFM. Referiu ser Perita Especialista a prestar serviço no laboratório de polícia científica da PJ. Confrontada com o ponto n.º 6 do relatório pericial com vista a prestar esclarecimentos quanto à pesquisa da existência de resíduos de disparos na roupa da vítima BL, efetuados por este, referiu que os exames de resíduos de disparos só se fazem em suspeitos de terem disparado, pois por questões de técnicas quando alguém é atingindo por arma de fogo não faz sentido. Pois, qualquer presença de resíduos de disparos na roupa da vítima pode ser sempre explicada pela proximidade dos disparos que a vítima sofreu. Ou seja a presença de resíduos de disparos na roupa de vítima atingida por projéteis não é possível averiguar se foi ela própria que disparou ou se os resíduos existentes são dos disparos que sofreu. Afirmou que o referido exame não será conclusivo, na medida em que, por um lado, a vítima ao ser atingida por disparos, estes podem estar dispersos por toda a roupa e até chegar mesmo às mangas da vítima (mesmo se o projétil tiver entrado pelo pescoço). Por outro lado, também referiu que após todo o tempo decorrido, desde os factos que aqui estão em discussão até ao presente momento, a roupa já foi analisada inúmeras vezes, foi guardada, foi manuseada, pelo que os vestígios dos disparos sofridos poderão contaminar a mesma. Assim, o exame pericial com vista a apurar se a vítima efetuou disparos não é conclusivo e não conseguia chegar a resultados conclusivos.

Em obediência ao determinado pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, foi realizado o relatório pericial às roupas que a vítima BL vestia no momento em que foi atingido por arma de fogo cujo resultado foi inconclusivo relativamente ao facto de a vítima também ter disparado uma arma de fogo, porque a presença dos resíduos detetados “não é discernível da eventual proximidade ao disparo de arma de fogo que vitimou” o BL.

Em conformidade, o relatório pericial nada veio acrescentar aos esclarecimentos prestados em audiência de julgamento pela perita MFM.

A convicção do Tribunal resultou, ainda, da valoração dos seguintes meios de prova:

- Por Reconstituição: Auto de reconstituição dos factos de fls. 1876 a 1895 e de fls. 861 a 920.

- Pericial: Relatório Pericial de fls. 350 a 375; Relatório Pericial de fls. 377 a 387; Relatório Pericial de fls. 596 a 615; Relatório Pericial de fls. 619 a 655; Relatório de Exame Pericial de fls. 773 e 774; Relatório de Exame Pericial de fls. 796 e 802; Relatório de Exame Pericial de fls. 856; Relatório de Exame Pericial de fls. 866 a 920; Relatório de Exame Pericial de fls. 924 a 931; Relatório de Exame Pericial de fls. 933 a 939; Relatório de Exame Pericial de fls. 941 a 944; Relatório de Exame Pericial de fls. 946 a 954; Relatório de Autópsia de fls. 957 a 962; Relatório de Exame Pericial de fls. 964 e 965 e Relatório de Exame Pericial de fls. 1909 a 1915.

- Documental: Informação de Serviço de fls. 107 e 108; Relatório de Inspeção Judiciária de fls. 109 a 119; Reportagem fotográfica de fls. 120 a 123; Auto de Apreensão de fls. 147; Termo de Autorização para Exame Forense de fls. 198; Auto de Busca e Exame de fls. 218; Auto de Apreensão de fls. 220; Relatório de Ocorrência de fls. 224 e 225; Auto de Apreensão de fls. 227 a 232; Auto de Apreensão de fls. 233; Auto de Apreensão de fls. 234; Auto de Visionamento de fls. 236 a 239; Auto de Apreensão de fls. 250; Auto de Visionamento de fls. 255 a 266; Informação de fls. 272; Informação de fls. 346; Auto de Apreensão de fls. 389; Auto de Apreensão de fls. 803; Auto de Apreensão de fls. 812; Auto de Apreensão de fls. 837; Auto de Reconstituição de fls. 861 a 864; Informação de fls. 967 e 969 e demais documentos juntos aos autos.

Teve ainda em conta os relatórios sociais dos arguidos de fls. 1632 a 1634 (arguido SM), de fls. 1634 a 1645 (arguido TL) e de fls. 1649 a 1651 (arguido AH) e o certificado de registo criminal dos arguidos de fls. 1508 a 1533, respetivamente.

Ora, o arguido AH assumiu ter disparado contra a vítima BL cinco tiros, afirmando, porém, que o BL disparou primeiro contra ele 4 tiros de revólver, encontrando-se de frente para o este e só após é que ele disparou. De imediato e, após ter disparado abandonou o local com receio de que lhe fizessem mal a ele e à família e fugiu com a família para Espanha. Disse também que no dia 15 de Dezembro estava em casa e foi ao supermercado “Pingo Doce”, perto do “McDonald´s”, quando de repente começou a ouvir disparos e apercebeu-se que estavam a disparar na direção da casa do irmão. Dirigiu-se imediatamente para lá, indo ele a conduzir e a esposa ao lado e estacionou o carro no cruzamento do Continente. No final desse passeio estava a mãe do BL, concretizando que devia ser por volta das 17:45h. Disse que a mãe do BL, logo que o viu, chamou imediatamente o filho BL, ao que o BL (vítima) saiu debaixo dos prédios (estava a disparar debaixo do prédio do irmão para cima) e disparou contra ele 4 tiros, pelo que ele disparou 5 tiros para ele. Apercebeu-se que atingiu o BL.

Com efeito, a versão apresentada pelo arguido não foi sustentada por qualquer outro meio de prova isento e credível, mostrando-se claramente inverosímil e contraditória confrontada com os restantes meios de prova e à luz das regras da experiência comum.

Vejamos:

A única testemunha que veio relatar uma versão semelhante à apresentada pelo arguido foi a sua companheira, RM, cujo depoimento se mostrou incoerente, parcial e inverosímil ao longo do qual faz afirmações contraditórias, nomeadamente, no que concerne ao ver a arma na mão do BL, ao facto de ver os disparos contra o prédio do cunhado - o que era manifestamente impossível do local onde alega ter saído da viatura -, que viu o BL de frente para o marido se quando saiu da viatura, ainda longe do local, se foi esconder com medo e depois voltou a entrar na viatura perto do “McDonald´s”, que após os disparos efetuados pelo marido, a viatura deste e depois de ela entrar, foi seguida pela viatura do TL.

Ademais, esta testemunha afirmou em sede de inquérito que o marido (arguido AH) recebeu um telefonema antes de se deslocarem ao local a informá-lo que os arguidos TL e SM estavam perto da casa do irmão, tendo negado tal em audiência de julgamento (cfr. declarações de fls. 822 e que foram lidas em audiência com a concordância de todos os intervenientes processuais nos termos do artigo 356.º, n.º 2, al. b) do CPP).

Ao contrário, a versão apresentada pela assistente LR, o demandante JL, a testemunha NN que se mostraram coerentes, consentâneas, sérias, sentidas, espontâneas e credíveis. Todos eles presenciaram os factos e afirmaram que a vítima não tinha qualquer arma na sua posse. Disseram que o BL e a mãe, a assistente LR, iam na direção da “Marisqueira”, quando o arguido AH chegou numa viatura, parou atrás deles, saiu da mesma com a pistola na mão e atirou de imediato na direção do BL, que estava junto da assistente LR e mais à frente na mesma direção estava o pai do BL, JL.

Esta versão dos factos foi sustentada pelos depoimentos das testemunhas MLP, inspetor da Policia Judiciária que de forma coerente, com conhecimentos técnicos e credível veio dizer que o local foi imediatamente preservado pela PSP de Santarém e após observação do mesmo constatou não haver vestígios de disparos efetuados por parte da vítima BL (por referência aos vestígios hemáticos da mesma no local e indicação das testemunhas presenciais) e que o arguido AH tivesse sido alvejado pela vítima; MHS, chefe da PSP, que de forma espontânea e isenta referiu que estava a prestar serviço no trânsito e ouviu um tiro. De seguida, ouviu mais dois disparos e depois ouviu 3 ou 4 minutos disparos sucessivos. Comunicou via rádio com a central para os colegas virem de imediato ao local, que aí chegados muito rapidamente, cortaram as ruas da rotunda e do “McDonald´s”. Recorda-se de ouvir gritar, que lhe parecia choro, tendo-se seguido uma sucessão de disparos que pareciam de metralhadora; JFF, militar da PSP, de forma consentânea e credível referiu que no dia dos factos dia tinha ido a esse local com a Chefe MHS efetuarem a remoção de um veículo. Chegou ao local por volta das 18:00 e ouviu um barulho muito grande imediatamente seguido de 2 ou 3 disparos. Passados momentos, ouviu uma quantidade de disparos durante alguns minutos. Referiu que só tinha visibilidade dos prédios ao nível do 1.º andar para cima. Do local onde se encontrava apercebeu-se que os disparos eram da rua e de uma janela do prédio. No seu ângulo de visão viu, com uma arma caçadeira, de uma janela, um Senhor a disparar. Esclareceu que estava a cerca de 50m e a janela tinha a luz acesa, o que permitia ver quem estava a disparar. Disse, ainda, que a pessoa tinha uma camisola às riscas vermelhas grossas. Nesse andar, que talvez fosse o 1.º, viu uma senhora e duas crianças. Voltou a referir que o 1.º som forte que ouviu parecia um acidente de viação, mas que associa a um disparo inicial e passados 2 ou 3 segundos ouviu 2 ou 3 disparos. Passados momentos muito curtos, ocorreu uma sucessão de disparos, que após cessarem não se ouviu mais nada; a SD também referiu expressamente de forma séria que estava na casa do MD e ouviu mais longe apenas 3 ou 4 tiros e não 7 ou 8 tiros; e o NN.

Ora, estas testemunhas não presenciaram os factos ocorridos, porém, vieram relatar factos por si observados e constatados e que vieram corroborar os depoimentos das testemunhas que presenciaram diretamente os factos.

Mais importa referir que e, na sequência do acima referido, resulta da reconstituição dos factos de fls. 878 bem como do auto de reconstituição de fls. fls. 1879 a 1882 que a vítima BL não tinha na sua posse qualquer arma nem efetuou quaisquer disparos na direção do arguido AH e com vista a atingir este. Também o Tribunal não pode deixar de referir e, uma vez que esteve presente na reconstituição dos factos e observou o local, constatou que do local onde o arguido AH referiu ter estacionado a viatura e depois saído da mesma era manifestamente impossível identificar as pessoas, nomeadamente, o TL, o SM e o NN e muito menos ver que os mesmos estavam a disparar contra o prédio do irmão ou afirmar que o irmão MD não efetuou qualquer disparo. Aliás, tal conclusão retira-se das medições efetuadas entre os respetivos locais conjugado com a hora em que os factos ocorreram, de Inverno e quase de noite. Donde se conclui que as declarações prestadas pelo arguido não correspondem à verdade e podemos mesmo afirmar que ele já sabia que aquelas pessoas ali se encontravam - o que explica o motivo da sua deslocação ao local armado (quando foi referido pela testemunha Micael que o arguido não costuma andar com a arma) – e que se deslocou ao local com a intenção de praticar os factos relatados - saiu do seu veículo de arma na mão, disparou de imediato na direção do BL, estando junto a este a mãe e na mesma direção mais à frente o pai e de imediato abandonou o local (sabendo que tinha atingindo o BL) e fugiu (tudo se passou no espaço muito curto de tempo).

Por outro lado não podemos olvidar que a vítima BL foi atingido com dois disparos, um dos quais o atingiu na perna, atrás à direita e o outro que o atingiu no pescoço, do lado direito tendo o projétil saído pelo lábio inferior causando a perda de um incisivo, conforme resulta claramente da análise do vestuário da vítima (cfr. fls. 799) e dos elementos clínicos (de fls. 1233 e seguintes), pelo que este encontrava-se de costas para o arguido AH quando este efetuou os disparos.

Em face do exposto e fazendo à análise conjugada dos referidos meios de prova, à luz das regras da experiência comum podemos concluir que a vítima BL não efetuou quaisquer disparos contra o arguido AH como também podemos concluir que o arguido AH estava colocado atrás e à direita da vítima quando efetuou os disparos, o que é claramente incompatível com a versão dos factos por si apresentada, conforme acima enunciamos.

Ademais, importa referir que estando várias pessoas armadas do lado da família de BL, o arguido conseguiu evitar ser atingido por qualquer delas, nem sequer resultou prova que tivesse ocorrido qualquer disparo sobre o arguido por banda da família da vítima BL. Portanto, dúvidas não subsistem que o arguido agiu de surpresa, com a intenção de praticar os factos dados como provados e abandonou de imediato o local após ter efetuado os disparos.

Mais resultou provado que na direção do arguido encontravam-se os pais da vítima BL (a mãe junto a este) e o pai (um pouco à frente na direção de ambos) e que também poderiam ter sido atingidos pelos disparos do arguido AH (a mãe que sentiu uma bala passar por cima da cabeça depois do filho ser atingindo e o pai por um projétil ter embatido na parede da “Marisqueira”, tendo passado muito perto dele), que só por motivos alheios à vontade do arguido é que tal não aconteceu.

Destarte, ponderando de forma crítica e conjugada, à luz das regras da experiência comum, toda a prova produzida, resultou evidenciado para o Tribunal, sem qualquer margem para dúvidas, que o arguido AH praticou o crime de homicídio, pois o arguido bem sabia que ao desferir os referidos tiros mataria o BL, resultado que visou produzir. Assim, ao atuar da forma descrita, o arguido pretendeu tirar a vida a BL, utilizando para o efeito um meio idóneo à produção de tal resultado - pistola -, sabendo que ao disparar na sua direção iria atingi-lo em zona do seu corpo e que poderia provocar a morte da vítima, o que quis e conseguiu. Mais sabia e representou, igualmente, o arguido AH que ao disparar cinco tiros naquela direção poderia, igualmente atingir LR, que se encontrava junto do BL e, ainda, JL que se encontrava na mesma linha mas uns metros mais à frente, causando-lhes a morte, o que não o impediu de o fazer e que só não veio a suceder por razões alheias à sua vontade. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei

No que concerne aos arguidos TL e SM também dúvidas não subsistem ao Tribunal que os mesmos praticaram os factos dados como provados.

Vejamos:
O arguido TL confessou os factos justificando a prática dos mesmos, por um lado devido ao problema existente e relativo à não celebração de um contrato de arrendamento pelo filho do assistente MD e, por outro lado, afirmou que apenas disparou após ter ocorrido o primeiro disparo do prédio do assistente MD e após o irmão ter sido atingido.

Assim, ponderando de forma crítica e conjugada, à luz das regras da experiência comum, toda a prova produzida, com especial relevo para a confissão do arguido TL relativamente ao uso das armas, conjugada com as declarações do demandante JL, com o depoimento das testemunhas MLP e JF, que depuseram de forma coerente, consentânea, isenta e merecedoras de credibilidade, resultou evidenciado para o Tribunal, sem qualquer margem para dúvidas, que os arguidos praticaram o crime de homicídio na forma tentada, pois os arguidos TL e SM, ao dispararem na direção da janela de MRD, que se encontrava no interior da sua residência, representaram como possível atingi-lo em alguma parte do corpo, designadamente na cabeça, e causar-lhe a morte, o que não os impediu de o fazer, só não o tendo atingido e provocando-lhe a sua morte, por razões alheias à sua vontade. Ao atuar da forma descrita, os arguidos TL e SM agiram livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

Resultou igualmente provado e conforme resulta dos autos de apreensão e documentos juntos aos autos que todos os arguidos detinham na sua posse: o arguido AH a pistola com as inscrições “CZ 83”, calibre 7.65 Browning, Made in Czech Republic, com respetivo carregador, que utilizou; o arguido SM a pistola semiautomática, calibre 6.35, marca e modelo “Astra Cub”, com o n.º 1189665, que utilizou; o arguido TL detinha na sua posse a pistola semiautomática, marca “FN”, modelo não referenciado, de calibre 6.35 Browning, com n.º série 251094, que utilizou e não eram titulares de qualquer licença de uso e porte de arma que lhe permitissem trazer consigo aquelas armas e carregadores e munições utilizadas. Os arguidos conheciam as características da referida arma, sabendo, igualmente que lhe estava vedada a sua detenção, o que quis e conseguiu e sabiam, igualmente, que a sua conduta era proibida e punida por lei e, tendo capacidade de determinação segundo as legais prescrições ainda assim não se inibiram de a realizar.

A prova do dolo dos arguidos fez-se a partir da análise do conjunto da prova produzida e com as regras da experiência comum e da normalidade da vida, em face das atuações desenvolvidas pelos arguidos e das circunstâncias em que as mesmas tiveram lugar.
*
Relativamente aos factos provados do pedido cível, o Tribunal ponderou e considerou o depoimento das testemunhas acima referidas prestado em audiência de julgamento.
*
Os factos não provados da pronúncia e da contestação resultaram da ausência de prova suficiente e credível sobre os mesmos ou da prova do contrário.»
û
Conhecendo.
Na análise das questões que acima se deixaram enunciadas, importa fazer anteceder as considerações de facto sobre as de direito e, no domínio destas últimas, dar prioridade aos aspetos da previsão jurídica sobre aqueles outros que decorrem da sua verificação.

E face às consequências que a sua verificação pode acarretar, o conhecimento das causas de nulidade da sentença deve preceder o das restantes questões que nos são colocadas.

(i) Questão prévia
Tornou-se procedimento habitual, na 1.ª Instância, a reprodução acrítica dos relatórios sociais.

Procedimento que aligeira o trabalho de quem o adota, considerando as facilidades que nos propiciam os meios informáticos que utilizamos, tal como a simples menção, em sede de fundamentação da matéria de facto, à existência do relatório social “copiado”.

É procedimento indesejável.

Porque permite, tal como acontece nos presentes autos, a infeliz menção a que “do relatório social consta” e que apenas demonstra a existência de relatório social no processo com o conteúdo transcrito, sem que fiquem provadas as condições familiares, sociais e económicas que o mesmo visa esclarecer.

E ainda porque consente, também como acontece nos presentes autos, referências indevidas e inaceitáveis. Concretamente, a processos de inquérito. Por ser informação desprovida de qualquer elemento concretizável e por surgir desacompanhada da indicação de trânsito em julgado de condenação judicial eventualmente proferida.

Impõe-se, pois a correção dos pontos 67 e 68 dos factos provados, por forma a deles eliminar a menção ao que consta do relatório social e aos processos de inquérito que autoridades policiais dizem existir em relação ao Arguido TL.

(ii) Da nulidade do acórdão por falta de fundamentação da pena imposta em cúmulo jurídico

A fundamentação da sentença, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal, há-de conter a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamenta a decisão, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.

Esta norma corporiza exigência consagrada no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa – dever de fundamentação das decisões que não sejam de mero expediente.

Dever de fundamentação que, reportado à sentença, abrange a matéria de facto e a matéria de direito, para que tal peça processual contenha os elementos que, por via das regras da experiência ou de critérios lógicos, conduziram o Tribunal a proferir aquela decisão e não outra.

Dispõe-se na alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º.

Ou seja, de acordo com as disposições combinadas da alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º e do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal, a falta de fundamentação gera a nulidade da sentença.

Do exame do acórdão recorrido não resulta o defeito que os Recorrentes lhe apontam.

Efetivamente, a decisão recorrida observou o que se dispõe no artigo 77.º do Código Penal.

Uma leitura atenta do acórdão da 1.ª Instância basta para notar que a fixação das penas parcelares e única, esta imposta em cúmulo jurídico, surge após ponderação dos factos e da personalidade de quem os levou a cabo.

E, naturalmente, porque a decisão recorrida não foi proferida com o propósito único de realizar o cúmulo jurídico de penas, a fundamentação da pena única imposta não pode ser lida desgarrada da fundamentação das penas que lhe deram origem.

Daí que, sem ponderar a hipótese de equívoco, não se compreendam do recurso, com conclusões que se distinguem pela abstração, as referências à omissão, no acórdão recorrido, de «Matérias relevantíssimas, como a pluriocasionalidade ou, ao invés, a prática de factos por “tendência”(…).».

Posto isto, e sem necessidade de mais explicações, o recurso, neste segmento, não procede.

(iii) Dos factos provados
Dizem os Recorrentes que o acórdão proferido na 1.ª Instância padece de todos os vícios prevenidos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal e que evidencia, também, incorreta valoração da prova produzida em julgamento.

Vejamos se lhes assiste razão.

Importa precisar alguns conceitos, com o propósito de bem expressar o nosso entendimento.

Em causa está o modo como pode sindicar-se a valoração da prova feita em 1.ª Instância, determinante para a fixação dos factos que aí se consideraram como provados e não provados – sindicância que pode fazer-se num primeiro momento fora e, depois, no âmbito dos vícios que devem ser aferidos perante o texto da decisão em causa [dito de outra forma, e respetivamente, no domínio da impugnação ampla da matéria de facto e no domínio da impugnação restrita da matéria de facto].

A impugnação ampla da decisão proferida sobre a matéria de facto [ou aquela que se encontra fora do âmbito da previsão do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal], depende da observância dos requisitos consagrados nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, ou seja:

«(...)
3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.

4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
(...)»

E ocorrendo impugnação da matéria de facto, com observância das regras acabadas de mencionar, o Tribunal, conforme se dispõe no n.º 6 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, «procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta de verdade e a boa decisão da causa

Encontramo-nos no domínio dos vícios do julgamento. No domínio do erro na “aquisição” da prova, que ocorre quando o Julgador perceciona mal a prova – porque o conteúdo dos depoimentos não corresponde ao que, efetivamente, foi dito por quem os prestou.

Erro do Julgador, no momento em que perceciona a prova, em que toma contacto com ela, e não no momento em que a avalia. Erro que pode viciar a avaliação da prova, mas que a antecede e dela se distingue.

Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, página 1131, em anotação ao artigo 412.º do Código de Processo Penal, afirma que «a especificação dos “concretos pontos de facto” só se satisfaz com indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorretamente julgado (...)»; «a especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida (...) mais exatamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de “voltas” do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento».

«(...) acresce que o recorrente deve explicitar a razão porque essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. É este o cerne do dever de especificação. O grau acrescido de concretização exigido pela Lei nº 48/2007, de 29.8, visa precisamente impor ao recorrente que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorretamente julgado (...).».[[3]]

De onde é lícito concluir que «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros».[[4]]
Ou seja, a gravação das provas funciona como “válvula de segurança” para o tribunal superior poder sindicar situações insustentáveis, situações limite de erros de julgamento sobre a matéria de facto.

A sindicância da matéria de facto pode, ainda, obter-se pela via da invocação dos vícios da decisão [e não do julgamento] – impugnação restrita da matéria de facto –, de conhecimento oficioso, que podem constituir fundamento de recurso, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso à matéria de direito [n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal].

Dispõe o artigo 410.º do Código de Processo Penal, reportando-se aos fundamentos do recurso:

«1 – Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.

2 – Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável entre a fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
(...)»
Tais vícios, que se encontram taxativamente enumerados no preceito legal acabado de mencionar, terão de ser evidentes e passíveis de deteção através do mero exame do texto da decisão recorrida [sem possibilidade de recurso a outros elementos constantes do processo], por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada constitui «lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, ocorrendo quando se conclui que com os factos considerados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato que é preciso preencher.

Porventura melhor dizendo, só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o Tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final.

Ou, como vem considerando o Supremo Tribunal de Justiça, só existe tal insuficiência quando se faz a “formulação incorreta de um juízo” em que “a conclusão extravasa as premissas” ou quando há “omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão”[[5]]

A contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão ocorre quando se deteta «incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão. Ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente.» [[6]]

O erro notório na apreciação da prova constitui «falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.

Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.» [[7]]

Não pode incluir-se no erro notório na apreciação da prova a sindicância que os recorrentes possam pretender efetuar à forma como o Tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência – valoração que aquele Tribunal é livre de fazer, ao abrigo do disposto no artigo 127.º do Código Penal.

Mas tal valoração é, também, sindicável.

O que equivale a dizer que a matéria de facto pode ainda sindicar-se por via da violação do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.

Neste preceito legal consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante[[8]], pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas exceções decorrentes da “prova vinculada” [artigos 84.º (caso julgado), 163.º (valor da prova pericial), 169.º (valor probatório dos documentos autênticos e autenticados) e 344.º (confissão) do Código de Processo Penal] e está sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova [artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa, e artigos 125.º e 126.º do Código de Processo Penal] e o do “in dubio pro reo” [artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa].[[9]]

Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e quem se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevante para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.

E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.

«O ato de julgar é do Tribunal, e tal ato tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objetivos para uma formação lógico-intuitiva.

Como ensina Figueiredo Dias (in Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss.) na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:

- a recolha de elementos – dados objetivos – sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência;

- sobre esses dados recai a apreciação do Tribunal – que é livre, art.º 127.º do Código de Processo Penal – mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material;

- a liberdade da convicção, aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz refletir, segundo as regras da experiência humana;

- assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis- como a intuição.

Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objetivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objetiváveis).

Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência a perceção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade) a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).

A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objetiváveis atinentes com a valoração da prova.

A Constituição da República Portuguesa impõe a publicidade da audiência (art.º 206.º) e, consequentemente, o Código Processo Penal pune com a nulidade a falta de publicidade (art.º 321.º); publicidade essa que se estende a todo o processo – a partir da decisão instrutória ou quando a instrução já não possa ser requerida (art.º 86.º), querendo-se que o público assista (art.º 86.º/a); que a comunicação social intervenha com a narração ou reprodução dos atos (art.º 86.º/b)); que se consulte os autos, se obtenha cópias, extratos e certidões (art.º 86.º/c)). Há um controlo comunitário, quer da comunidade jurídica quer da social, para que se dissipem dúvidas quanto à independência e imparcialidade.

A oralidade da audiência, que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal (art.º 96.º do Código de Processo Penal), permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções, da voz, p. ex..

A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma perceção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.

É pela imediação, também chamado de princípio subjetivo, que se vincula o juiz à perceção à utilização à valoração e credibilidade da prova.

A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.

Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão [[10]]

E, seguindo tais ensinamentos, não resta senão concluir que não basta defender que a leitura feita pelo Tribunal da prova produzida não é a mais adequada, o que supõe que a mesma é possível, sendo, antes, necessário demonstrar que a análise da prova, à luz das regras da experiência comum ou da existência de provas inequívocas e em sentido diverso, não consentiam semelhante leitura.

Posto isto, e de regresso ao processo, é evidente o desconchavo [[11]] entre alguns dos factos considerados como provados e as conclusões que deles se retiraram.

Consta dos pontos 8, 20 e 21 dos factos provados que na posse de armas de fogo – pistolas de calibre 6,35 e de espingardas caçadeiras de calibre 12 –, os Recorrentes produziram dezenas de tiros contra o prédio onde residia o MRD, disparando, também, na direção das janelas desse prédio.

O MRD encontrava-se no interior da sua residência [ponto 38 dos factos provados].

Um dos projéteis disparados pelos Recorrentes entrou pela janela da cozinha da residência do MRD, tendo ido embater no azulejo da parede [ponto 40 dos factos provados].

Os ora Recorrentes representaram como possível atingir o MRD em alguma parte do corpo, nomeadamente na cabeça e causar-lhe a morte [ponto 38 dos factos provados].

Os Recorrentes só não atingiram e provocaram a morte ao MRD por razões alheias à sua vontade [ponto 39 dos factos provados].

Da fundamentação da matéria de direito [penúltimo parágrafo de fls. 53 do acórdão] decorre que a residência do MRD se situa no terceiro andar de um prédio com rés-do-chão.

Resulta, ainda, que os Recorrentes efetuavam os disparos da via pública, do lado oposto da rua onde se situa o prédio habitado pelo MRD.

Sendo estas as circunstâncias em que decorreu a atuação dos Arguidos, os projéteis pelos mesmos disparados só poderiam atingir o MRD se este se encontrasse à janela. E não ficou demonstrado que o MRD se tenha assomado à janela da sua residência enquanto os Arguidos dispararam as armas que tinham em seu poder.

Aliás, a esta mesma conclusão chega o Tribunal de 1.ª Instância quando afirma, no último parágrafo de fls. 53 do acórdão que proferiu: «(…) importa também referir que o ângulo de disparo (…) para o interior da habitação de MD era mínimo e as pessoas do interior dessa habitação só corriam risco de serem atingidas se estivessem à janela (…). Isso mesmo é claro tendo em conta os danos observados no interior da casa de MD, a fls. 537, pois o único projétil que deixou marcas no interior dessa casa atingiu a parte superior da parede junto à janela

Isto posto, a simples leitura do acórdão recorrido evidencia erro notório na apreciação da prova [vício de raciocínio que se deteta na afirmação conclusiva do que não é possível] e contradição insanável entre os factos e a fundamentação de direito [pela afirmação simultânea de uma coisa e do seu contrário].

Vícios que esta Instância pode e deve corrigir, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 426.º do Código de Processo Penal.

E fazendo-o, importa
- alterar o ponto 38 dos factos provados, por forma a que do mesmo passe a constar «Por sua vez, os Arguidos TL e SM, ao dispararem na direção da janela de MRD, que se encontrava no interior da sua residência, representaram como possível, caso este assomasse a essa janela, atingi-lo em alguma parte do corpo, designadamente na cabeça, e causar-lhe a morte, o que não os impediu de o fazer.»;

- eliminar o que consta do ponto 39 os factos provados.

Fixados os factos, nos termos acabados de expor, não resta, senão e desde já, determinar a possibilidade de punir quem os praticou.

Dispõe-se no artigo 22.º do Código Penal, a propósito da tentativa, que
«1 – Há tentativa quando o agente praticar atos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se.

2 – São atos de execução:
a) Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime;
b) Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou
c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam atos das espécies indicadas nas alíneas anteriores

E no artigo 23.º do mesmo Código, a propósito da punibilidade da tentativa, consagra-se que

«1 – Salvo disposição em contrário, a tentativa só é punível se ao crime consumado respetivo corresponder pena superior a três anos de prisão.

2 – A tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada.

3 – A tentativa não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objeto essencial à consumação do crime

Ensina-nos o Professor Eduardo Correia [[12]] que «Entre a “muda cogitatio”, o simples pensamento criminoso - cuja punição no foro humano é manifestamente excluída - e o preenchimento total de um tipo legal de crime, ou seja a consumação, situa-se ou pode situar-se uma série mais ou menos longa de momentos ou atividades. Quando, ao fim, a consumação do delito tem lugar, toda a problemática da valoração jurídica destes atos prévios, através dos quais se desenrola o “iter criminis”, se esbate e desaparece, já que tudo é absorvido pelo crime consumado. Quando porém tal não sucede, surge então o problema de saber como tratar aqueles atos que mais ou menos fortemente revelaram a vontade criminosa do agente, que, mais ou menos diretamente puseram em perigo a violação de bens jurídico-criminais».

«(…) na configuração da tentativa, mais concretamente na avaliação dos atos de execução em conjunto com o plano do agente, o que releva não é o juízo ex post sobre as consequências concretas dos atos praticados (aquele a que o invocado perigo se refere), mas um juízo ex ante, sobre a potencialidade letal da ação desenvolvida.

É certo que a punição da “tentativa” funda-se sempre em razões “de perigo”. E a conduta de um agente, mesmo que atue imbuído de uma intenção de matar, não será punível perante uma inexistência objetiva de perigo para o bem jurídico. Assim sucede nos casos de tentativa manifestamente impossível.

Como ensina Fernanda Palma, “a grande fronteira que o Direito Penal não pode ultrapassar é, sem dúvida, a da não punição, em si e por si, de meros pensamentos, intenções, resoluções e atitudes” (Da Tentativa Possível em Direito Penal, 2006, p. 35).

“Não podemos prescindir de qualquer facto externo significativo (ativo ou omissivo). Como decorrência de princípios constitucionais, o Direito Penal reclama que o ilícito se construa a partir do confronto com a Ordem Jurídica de modificações da realidade operadas pela livre vontade e não apenas de puras manifestações de vontade. “A culpa, a censurabilidade pessoal e a ideia imanente de liberdade exigem uma noção de ação voluntária constitutiva da realidade que se confronta com a norma. Por isso, uma análise do acontecimento e das suas consequências é não só apoio da compreensão da ação mas também objeto do juízo de imputação” (Fernanda Palma, loc. cit., p. 40)[[13]]

«Relativamente ao conceito de tentativa impossível, dispõe o artigo 23.º, n.º 3, do Código Penal: A tentativa não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objeto essencial à consumação do crime.

Na lição de Figueiredo Dias (in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2007, a pp. 715 e 716) “o ponto de partida será assim o de que, no caso concreto, a tentativa apesar de na realidade das coisas estar impossibilitada de produzir o resultado típico, é suficiente para abalar a confiança comunitária na vigência e na validade da norma de comportamento (…) que por esta via se alcançará uma justificação da exigência legal, para a impunibilidade da tentativa, de que a inaptidão do meio ou a carência do objeto, se revelem como manifestas”.

Concluindo o mesmo autor que “sobre a perigosidade decidirá um juízo ex ante, um juízo de prognose póstuma, isto é (...) um juízo levado a cabo por um observador colocado no momento da execução e sabedor de todas as circunstâncias conhecidas ou cognoscíveis do agente (…) podendo por isso aproveitar-se aqui uma formulação (...) segundo a qual a vontade delituosa do agente não conduziria à punibilidade quando a inaptidão do meio ou a carência do objeto fossem visíveis ou manifestas para a generalidade das pessoas de são entendimento. Assim, pois, a tentativa impossível será punível se, razoavelmente, segundo as circunstâncias do caso e de acordo com um juízo ex-ante, ela era ainda aparentemente possível ou (como prefere exprimir-se o art. 23º-3) não era manifestamente impossível”.
(…)
Na lição de Germano Marques da Silva (In Direito Penal Português, Teoria do Crime, Universidade Católica Editora, p. 327) “Trata-se (…) de um ilícito sui generis, um ilícito básico, um crime de perigo abstrato-concreto, pois apenas se exige que os atos de execução sejam em si mesmo capazes de ofender o bem jurídico e só não o ofendendo por circunstâncias anómalas. Só se forem manifestas, patentes, estas circunstâncias anómalas já no momento da execução, não para o autor mas para o homem comum colocado na mesma situação do autor, ou seja, se for manifesto que os atos de execução perpetrados não podem, atentas as circunstâncias do caso, ofender o bem jurídico tutelado pelo crime consumado e por isso consumá-lo é que a tentativa não é punível.
(…)
A tentativa definida pelo art.º 22.º, só não é punível quando embora os atos do agente sejam atos de execução (capazes de ofender o bem jurídico), seja patente (objetivamente) que naquela circunstância concreta não podem ofender o bem jurídico.

Na mesma perspetiva sobre o conceito de manifesta inidoneidade da ação, decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12/03/2009, p. n.º 07P1769, disponível em www.dgsi.pt.:

“Este conceito de “manifesto” é, então, sinónimo de claro, ostensivo, público ou evidente, não para o agente, mas para a generalidade das pessoas, posto que o primeiro tem que estar convencido da idoneidade do meio, sem o que não é possível imputar-lhe a intenção de cometer o crime; sendo assim, este juízo sobre a aptidão ou inaptidão do meio é um juízo objetivo”.

E o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18/01/2017, processo n.º 214/14.6GAPMS.C1: “A manifesta inaptidão do meio empregado pelo agente e a manifesta inexistência do objeto essencial à consumação do crime – fatores de não punibilidade – são objetivamente aferidas, à luz das circunstâncias do caso, de acordo com as regras da experiência comum, segundo um juízo de prognose póstuma de um observador colocado, no momento da execução, na mesma situação do autor.”

O critério da manifesta (ina)adequação da ação ao resultado típico não é, pois, um juízo de representação, subjetivo, do arguido – que tem que estar convencido da idoneidade do meio, sob pena de não ser possível imputar-lhe a intenção de cometer o crime. Mas antes um juízo objetivo, do ponto de vista do cidadão comum suposto pela ordem jurídica, de causalidade adequada da ação para, naquelas circunstâncias, alcançar ou colocar em perigo o resultado previsto no tipo de crime.

Sendo certo que no referido juízo não está em causa, apenas, a conexão entre ação e resultado, mas também uma valoração jurídica daquela conexão. Apenas se excluindo os processos causais atípicos que só produzem o resultado típico em virtude de um encadeamento extraordinário e improvável de circunstâncias.»[[14]]

Isto posto, e não resultando provado que o MRD se tenha assomado à janela da casa onde habitava na ocasião em que os Arguidos SM e TL contra essa casa e janela efetuavam disparos de pistola e de caçadeira, não vemos como configurar a possibilidade de ocorrer a morte do primeiro.

Tanto mais quando atentamos na improbabilidade de alguém se assomar a uma janela quando se apercebe de disparos efetuados nas imediações.

Ou seja, tendo o MRD permanecido no interior da sua residência, enquanto durou o tiroteio produzido pelos Arguidos SM e TL, e não sendo provável que se assomasse à janela da sua residência enquanto durou tal tiroteio, ocorre situação de tentativa impossível não punível – por ser evidente, face às regras da experiência comum, a impossibilidade do meio usado pelos Arguidos para produzir o resultado morte do MRD.

E verificada a situação prevenida no n.º 3 do artigo 23.º do Código Penal, não resta senão concluir pela absolvição dos Arguidos SM e TL da prática do crime de homicídio, na forma tentada, que lhe é imputado nos presentes autos.

Esta conclusão torna inútil o conhecimento das restantes questões, que os Recorrentes suscitam, relacionadas com a factualidade fixada pela 1.ª Instância nos pontos 21, 40 e 41, e com a atuação em legítima defesa.

De sublinhar, apenas que não sendo o crime de homicídio, na forma tentada, o único imputado aos Arguidos nos presentes autos, o que consta do ponto 41 dos factos provados vale para o crime de detenção de arma proibida que os ora Recorrentes não questionam ter praticado.

Resta-nos a (in)correção do que consta como provado no ponto 12.

Dizem os Recorrentes que das declarações do TL, da Assistente LR e das Testemunhas JL, MLP, NN, MHC e JFF decorre que os disparos foram iniciados pelo AH, do interior do prédio onde residia o MRD.

Revisitadas tais declarações, também pela audição do suporte informático onde consta o registo da audiência de julgamento, não concluímos ser possível afirmar quem iniciou o tiroteio.

A situação de tensão vivida no local não permite aceitar como prevalecente o que decorre dos depoimentos de LR e de JL, pais do BL, que aí foi morto.

Outro tanto acontece com o depoimento da testemunha NM, primo do BL e que não presenciou tudo quanto aconteceu.

As testemunhas MAP, MHC e JFF não presenciaram os acontecimentos em causa nos presentes autos e dos seus depoimentos não resulta quem iniciou os tiros.

Por assim ser, afigura-se-nos evidente que a não-aceitação que os Recorrentes manifestam relativamente ao modo como Tribunal fixou os factos que constam do ponto 12 dos provados não radica na existência de provas que impusessem decisão diversa da que foi proferida, mas tão-só na sua análise pessoal da prova e na sua vontade de a sobrepor à análise levada a cabo por quem tem o poder/dever de a fazer.

O que não pode aceitar-se.

Improcedendo, nesta parte, o recurso.

(iv) A desadequação da pena imposta pela prática do crime de detenção de arma proibida

O modo de cumprimento da pena imposta pela prática do crime de detenção de arma proibida

Cada um dos Recorrentes foi condenado, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), por referências aos artigos 2.º, n.º 1, alínea az) e 3.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.

Pretende, também cada um deles, que tal pena seja reduzida para 1 (um) ano de prisão, com execução suspensa.

Para tanto, convocam as circunstâncias em que o crime foi cometido, terem família organizada e trabalho, bem como antecedentes criminais que não impedem o juízo de prognose favorável à substituição da pena.

Vejamos se lhes assiste razão.

Porque não ocorre qualquer das circunstâncias que, nos termos do artigo 72º do Código Penal, permite a atenuação especial das penas, a moldura penal abstrata que corresponde ao crime cometido pelos Recorrentes situa-se entre 1 (um) ano e 5 (cinco) anos de prisão ou multa entre 10 (dez) e 600 (seiscentos) dias.

Não está em causa a opção da 1.ª Instância por pena privativa da liberdade.

Na determinação da medida da pena, face ao disposto no artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, está o Tribunal vinculado a critérios definidos em função da culpa do agente e de exigências de prevenção.

Na determinação concreta da pena, deve o Tribunal atender a todas as circunstâncias que possam ser consideradas a favor ou contra o agente, entre as quais se encontram as referidas, de forma não taxativa, nas alíneas a) a f) do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal.

Como elementos de referência, na determinação da medida da pena, contam-se o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e as respetivas consequências.

Cumpre, ainda, referir que nos termos do n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal, a aplicação de uma pena visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do autor do crime na sociedade, não podendo, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (n.º 2).

«Primordialmente, a finalidade visada pela pena há-de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto; e esta há-de ser também por conseguinte a ideia mestra do modelo de medida da pena. Tutela dos bens jurídicos não obviamente num sentido retrospetivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospetivo, corretamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança (...) e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; sendo por isso uma razoável forma de expressão afirmar como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime.
(...)
Afirmar que a prevenção geral positiva ou de integração constitui a finalidade primordial da pena e o ponto de partida para a resolução de eventuais conflitos entre as diferentes finalidades preventivas traduz exatamente a convicção de que existe uma medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar; medida esta que não pode ser excedida (princípio da necessidade), nomeadamente por exigências (acrescidas) de prevenção especial, derivadas de uma particular perigosidade do delinquente. É verdade porém que esta “medida ótima” de prevenção geral positiva não fornece ao juiz um quantum exato da pena. Abaixo do ponto ótimo ideal outros existirão em que aquela tutela é ainda efetiva e consistente e onde portanto a pena concreta aplicada se pode ainda situar sem que perca a sua função primordial de tutela dos bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico –, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.
(...)
Dentro da moldura ou dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos (ou de “defesa do ordenamento jurídico”) – devem atuar, em toda a medida possível, os pontos de vista de prevenção especial, sendo sim eles que vão determinar, em última instância, a medida da pena. Isto significa que releva neste contexto qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza: seja a função positiva de socialização, seja qualquer uma das funções negativas subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização. A medida de necessidade de socialização do agente é no entanto, em princípio, critério decisivo das exigências de prevenção especial, constituindo hoje – e devendo continuar a constituir no futuro – o vetor mais importante daquele pensamento.»

Resta referir o princípio da culpa e o seu significado para o problema das finalidades das penas. «Segundo aquele princípio, “não há pena sem culpa e a medida da pena não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa”. A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efetivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento da pena, mas constitui o seu pressuposto necessário e o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável por quaisquer considerações ou exigências preventivas (...). A função da culpa (...) é, por outras palavras, a de estabelecer o máximo da pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar[[15]]

Considerando as circunstâncias em que os crimes de detenção de arma proibida ocorreram – em concreto, que cada um dos Recorrentes deteve mais do que uma arma e que as usou, disparando, mais do que uma vez – não vemos como fixar a pena de prisão pelo mínimo da moldura penal abstrata.

No mesmo sentido concorre a circunstância de nenhum dos Recorrentes ser delinquente primário.

Porque a pena de prisão que resta imposta aos Recorrentes não é superior a 5 (cinco) anos, mantém utilidade o conhecimento da suspensão da sua execução.

A suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição.

Como resulta do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão tem dois pressupostos: um formal – ser a sanção aplicada de medida não superior a cinco anos – e um material – ser de concluir, face à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

As finalidades da punição são, como se extrai do artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, a proteção de bens jurídicos e a integração do agente na sociedade.

«I - A suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido condenado.

II - Na base de uma decisão de suspender a execução de uma pena está sempre uma prognose social favorável ao agente, baseada num risco prudencial.

III - Porém, o juízo de prognose que o tribunal faz não tem carácter discricionário e, muito menos, arbitrário. O tribunal ao decretar a medida terá de refletir sobre a personalidade do agente, sobre as condições da sua vida, sobre a sua conduta ante et post crimen e sobre o circunstancialismo envolvente da infração.»[[16]]

O pressuposto material da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal, «atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativo ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta (…) – “bastarão para afastar o delinquente da criminalidade” (…). Para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto.

A lei torna deste modo claro que, na formulação do aludido prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto. Por isso, crimes posteriores àquele que constitui o objeto do processo, eventualmente cometidos pelo agente, podem e devem ser tomados em consideração e influenciar negativamente a prognose. Como positivamente a podem influenciar circunstâncias posteriores ao facto, ainda mesmo quando elas tenham sido já tomadas em consideração – na medida do possível (…) – em sede de medida de pena (…).

A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer “correção”, “melhora” ou – ainda menos “metanoia” das conceções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, (…) uma questão de “legalidade” e não de “moralidade” que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o “conteúdo mínimo” da ideia de socialização, traduzida na “prevenção da reincidência”

Aqui chegados, e a propósito do papel que deve ter a prevenção geral no domínio da imposição da suspensão da execução da pena de prisão, importa ter presente que «Ela deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico (…), como limite à atuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafática das expectativas comunitárias.» [[17]]

Ora, tendo presente que o passado criminal dos ora Recorrentes deu origem, tão-só, a uma pena de multa, e que ambos registam inserção familiar e profissional, podemos com segurança afirmar que estamos perante indivíduos sem propensão para o desrespeito das regras vigentes e que dispõem de envolvência que permite “apostar” que se vão afastar da prática de outros crimes.

Tudo isto para dizer que se encontram preenchidos os pressupostos materiais de que depende a suspensão da execução das penas de prisão impostas.

Procedendo o recurso, também neste segmento.

III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, dando parcial provimento aos recursos,

i. decide-se

a) Alterar o que consta do ponto 38 dos factos provados, por forma a que dele passe a constar «Por sua vez, os Arguidos TL e SM, ao dispararem na direção da janela de MRD, que se encontrava no interior da sua residência, representaram como possível, caso este assomasse a essa janela, atingi-lo em alguma parte do corpo, designadamente na cabeça, e causar-lhe a morte, o que não os impediu de o fazer.»;

b) Alterar o que consta do ponto 67 dos factos provados por forma a daí eliminar «Do relatório social do arguido SM consta que»;

c) Alterar o que consta do ponto 68 dos factos provados por forma a daí eliminar «Do relatório social do arguido TL consta que» e «Segundo informação enviada pelos órgãos de Polícia Criminal da área de residência, existem os seguintes NUIPC’s: ---/16.8PBSTR; --/16.5PESTR; ---/16.3PBSTR; --/16.2PBSTR e ---/16.8T9STR.»

d) Eliminar o ponto 39 dos factos provados;

ii. Absolvem-se os Arguidos SM e TL da prática do crime de homicídio, na forma tentada, que lhes é imputado nos presentes autos;

iii) Mantém-se a pena de 1 (um) ano e (seis) meses de prisão imposta a cada um dos Arguidos SM e TL pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), por referência aos artigos 2.º, n.º 1, alínea az) e 3.º, n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro;

iv) Suspendem-se na sua execução, e por idêntico período de tempo – 1 (um) ano e 6 (seis) meses –, as penas de prisão impostas aos Arguidos SM e TL.

Sem tributação.

Évora, 2018 novembro 22

(certificando-se que o acórdão foi elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários)
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(Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz)

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(Renato Amorim Damas Barroso)
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[1] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.

[2] Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria].

[3] No mesmo sentido, Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal Anotado”, 17.ª Edição, páginas 965 e 966.

[4] Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de dezembro de 2005 e de 9 de março de 2006, processos n.º 2951/05 e n.º 461/06, respetivamente, acessíveis in www.dgsi.pt.

[5] Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 7ª Edição – 2008, Editora Reis dos Livros, página 72 e seguintes.

[6] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, página 75.

[7] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, página 77.

[8] O julgamento surge, na estrutura do processo penal, como o momento de comprovação judicial de uma acusação – é o momento do processo onde confluem todos os elementos probatórios relevantes, onde todas as provas têm de se produzir e examinar e onde todos os argumentos devem ser apresentados, para que o Tribunal possa alcançar a verdade histórica e decidir justamente a causa.

[9] O princípio in dubio pro reo, sendo o correlato processual do princípio da presunção de inocência do arguido, constitui princípio relativo à prova, decorrendo do mesmo que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do Tribunal. Dito de outra forma, o princípio in dubio pro reo constitui imposição dirigida ao Juiz no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa.

[10] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/2004, de 24 de março de 2004, relatado pelo Senhor Conselheiro Rui Moura Ramos – acessível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.

[11] Termo usado com o sentido exclusivo de falta de harmonia.

[12] In “Direito Criminal” II, página 225

[13] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 25 de setembro de 2018, proferido no processo n.º 55/17.9JAPTM.E1 e acessível em www.dgsi.pt

[14] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10 de julho de 2018, proferido no processo n.º 69/17.9GCSAT.C1 e acessível em www.dgsi.pt No mesmo sentido, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19 de abril de 2016, proferido no processo n.º 3586/12.3TAVFX.L1-5 e acessível em www.dgsi.pt.

[15] Jorge de Figueiredo Dias, in “Direito Penal”, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2ª Edição, páginas 79 a 83.

[16] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de janeiro de 2002, relatado pelo Senhor Conselheiro Franco de Sá, no processo n.º 3026/01 – 3.ª secção – acessível em www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/criminal/criminal2002.pdf

[17] Professor Jorge de Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, 3.ª Reimpressão, Coimbra Editora, páginas 333 e 342 e seguintes.