Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
203/14.0T8EVR.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
COMPETÊNCIA MATERIAL
TRABALHADOR EM FUNÇÕES PÚBLICAS
Data do Acordão: 12/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: É da competência da jurisdição administrativa conhecer de ação emergente de acidente de trabalho sofrido por um trabalhador vinculado a uma autarquia através de contrato de trabalho em funções públicas.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 203/14.0T8EVR.E1

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelante: BB (autor).
Apelada: CC, SA (responsável).

Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Évora, Instância Central, Secção de Trabalho, J1.

1. Em 12.07.2016, foi proferido o seguinte despacho: “a ré seguradora vem deduzir exceção de incompetência do tribunal do trabalho em razão da matéria, pedindo a sua absolvição da instância.
Alega em síntese que à data do sinistro em causa o autor desempenhava a sua atividade profissional, com a categoria de assistente operacional, para o Município de Reguengos de Monsaraz.
Nos termos do disposto no artigo 2.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 503/99 de 20 de novembro aplica-se aos trabalhadores que exerçam funções públicas nos serviços das administrações autárquicas.
Nesta medida é patente que ao autor é aplicável o Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço e das Doenças Profissionais no âmbito da Administração Pública.
Nos termos do disposto no artigo 48.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 503/99 de 20 de novembro a ação para reconhecimento do direito ao ressarcimento decorrente de um acidente em serviço deve ser intentada nos tribunais administrativos.
Regularmente notificado o autor ofereceu resposta alegando que o sinistrado não está ao serviço do município de Reguengos de Monsaraz na qualidade de subscritor da CGA, antes sendo beneficiário da Segurança Social.
Conclui que devem os autos prosseguir seus termos até final.
Cumpre conhecer:
A Lei n.º 12-A/2008 de 27.02 veio definir e regular os regimes de vinculação de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas.
Por sua vez, a Lei n.º 59/2008 de 11.09 veio dizer que o seu âmbito de aplicação está definido no art.º 3.º da Lei n.º 12-A/2008 de 27,02, “… A presente lei é também aplicável, com as necessárias adaptações, designadamente no que respeita às competências em matéria administrativa dos correspondentes órgãos do governo próprio, aos serviços das administrações regionais e autárquicas …”.
A Lei n.º 59/2008 de 11.09 veio alterar o Dec. Lei n,º 503/99 de 20. 11, e estabelece o regime jurídico dos acidentes de trabalho ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas.
No caso dos autos o autor exerce a sua atividade profissional, com a categoria de assistente operacional, para o Município de Reguengos de Monsaraz, logo em regime de contrato de trabalho em funções públicas.
E nos termos do art.º 83.º da Lei n.º 12-A/2008 de 27.02 a competência para apreciar os litígios emergentes das relações jurídicas de emprego público são os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, (neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18.11.2013, processo 23/12.7TTVCT-A.P1 in www.dgsi.pt).
Ainda citando aquele aresto o que define a competência do Tribunal para conhecer do litígio emergente da celebração de um contrato de trabalho é a qualidade da “entidade empregadora” … se estivermos perante uma entidade empregadora pública aplica-se a Lei n.º 12-A/2008 de 27.02.
Ora no caso dos autos a entidade empregadora é pública, o Município de Reguengos de Monsaraz e como tal competente para conhecer da presente ação de acidente de trabalho são os Tribunais Administrativos e Fiscais.
A incompetência em razão da matéria é uma exceção dilatória que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, art.ºs. 576.º n.ºs 1 e 2 e 577.º a) do CPC.
Pelo exposto, julgo procedente a deduzida exceção de incompetência do Tribunal do Trabalho em razão da matéria para conhecer do acidente dos autos e absolvo da instância a ré seguradora.
Custas pelo autor.

2. Inconformado, veio o autor, representado pelo Ministério Público, interpor recurso de apelação, que motivou e com as seguintes conclusões:
1 – Independentemente do tipo de contrato que vincula o sinistrado (assistente operacional) ao Município ao qual presta o seu trabalho, e não se tratando de contrato de provimento que o abranja na CGA, - antes o abrangendo na Segurança Social - há que segurar o mesmo no âmbito da Lei dos Acidentes de Trabalho.
2 – Desta opção decorrente da legislação em vigor, nomeadamente do DL 503/99 de 20/11, atualizado pela Lei 52/08 de 11/09 e do art.º 126.º n.º 1, al. c) da LOSJ, resulta que existindo também e apenas um seguro de AT a dar proteção ao sinistrado, a competência para apreciar as respetivas consequências/sequelas é conferida à instância laboral da respetiva Comarca, neste caso Évora.
3 – A decisão recorrida, ao negar a competência material desta instância para apreciação do pedido, viola as normas acima referidas, devendo ser substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos com vista ao respetivo julgamento.

3. A seguradora não respondeu.

4. Dispensados os vistos com concordância dos adjuntos, cumpre decidir em conferência.

5. Objeto do recurso
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
A questão a decidir consiste em apurar se o tribunal do trabalho é materialmente competente para conhecer da presente ação decorrente de acidente de trabalho.

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria a considerar é a que consta do despacho recorrido, das alegações e ainda a seguinte, que resulta dos autos:
1. A seguradora veio, de fls. 23 a 34, juntar recibos de vencimento do autor onde consta que este paga taxa social única, no montante de € 58,53, incidente sobre o salário mensal de € 532,08.
2. A fls. 22, o Município de Reguengos de Monsaraz veio informar “que o trabalhador é subscritor da segurança social e encontra-se vinculado ao Município de Reguengos de Monsaraz através de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado”.
Os documentos referidos nos pontos anteriores não foram impugnados, pelo que se tem como verdadeiro o seu conteúdo.

B) APRECIAÇÃO
A questão a decidir consiste em apurar se o tribunal do trabalho é materialmente competente para conhecer da presente ação decorrente de acidente de trabalho.
O acidente de trabalho ocorreu em 07.10.2013, pelo que para efeitos de apurar a natureza da relação jurídica existente entre o Município e o trabalhador, aplica-se a Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro. A Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que a revogou e lhe sucedeu, ainda não estava em vigor no momento dos factos, pelo que não lhe é aplicável.
A relação jurídica entre o Município e o trabalhador é uma relação de trabalho em funções públicas, tal como está definida na Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, e Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro.
O art.º 9.º da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, veio alterar os artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, nos seguintes termos: art.º 1.º - O presente Decreto-Lei estabelece o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas (art.º 1.º).
Art.º 2.º - O disposto no presente decreto-lei é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, nas modalidades de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas, nos serviços da administração direta e indireta do Estado (n.º 1).
O disposto no presente decreto-lei é também aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas nos serviços das administrações regionais e autárquicas e nos órgãos e serviços de apoio do Presidente da República, da Assembleia da República, dos tribunais e do Ministério Público e respetivos órgãos de gestão e de outros órgãos independentes (n.º 2).
O disposto nos números anteriores não prejudica a aplicação do regime de proteção social na eventualidade de doença profissional aos trabalhadores inscritos nas instituições de segurança social (5).
As referências legais feitas a acidentes em serviço consideram-se feitas a acidentes de trabalho (n.º 6).
Por sua vez, o art.º 10.º da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, veio alterar o artigo 4.º n.º 3, alínea d), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, nos seguintes termos: ficam igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas.
A competência da jurisdição administrativa é excluída apenas nos casos em que existe contrato individual de trabalho. Esta norma jurídica distingue entre contrato de trabalho em funções públicas e contrato individual de trabalho. Este último é o que é celebrado nos termos do direito privado, independentemente do empregador ser uma entidade administrativa.
Esta distinção releva para efeitos de atribuição da competência material para conhecer da ação em que se peticiona a reparação de um acidente de trabalho sofrido por trabalhador, no exercício de funções públicas, com origem em contrato de trabalho em funções públicas.
Resulta inequivocamente dos autos que o autor exerce funções públicas, na modalidade de contrato de trabalho em funções públicas.
A competência do tribunal administrativo não decorre do facto do empregador ser uma pessoa de direito público, mas sim da natureza da relação jurídica existente. Neste caso, estamos perante um contrato de trabalho em funções públicas celebrado entre a autarquia e o autor.
Apesar dos descontos serem efetuados para a segurança social e não para a Caixa Geral de Aposentações e da autarquia empregadora ter efetuado a transferência da sua responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho para uma seguradora, tal não basta para, só por si, conferir competência ao tribunal do trabalho e excluir a competência administrativa. Como já referimos, o que prevalece é a natureza da relação jurídica em causa e ela é de natureza pública, pelo que o tribunal competente para conhecer da presente ação é o tribunal administrativo e não o do trabalho, tal como decidiu o tribunal recorrido.
Nesta conformidade, julgamos a apelação improcedente e confirmamos o despacho recorrido.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente e confirmar o despacho recorrido.
Sem custas, dada a isenção do apelante (art.º 4.º n.º 1, alínea h) do Regulamento das Custas Processuais).
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 07 de dezembro de 2016.
Moisés Silva (relator)
João Luís Nunes
Alexandre Ferreira Baptista Coelho