Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | EMÍLIA RAMOS COSTA | ||
Descritores: | CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO ENCERRAMENTO DO ESTABELECIMENTO SOCIEDADE POR QUOTAS DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA | ||
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Data do Acordão: | 09/14/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I – Nos termos do art. 346.º, n.º 3, do Código do Trabalho, para que se verifique a caducidade do contrato de trabalho dos trabalhadores é necessário que se verifique cumulativamente o encerramento total da empresa empregadora, e não apenas de um dos seus estabelecimentos, e que esse encerramento seja definitivo. II – A figura da desconsideração da personalidade jurídica coletiva, apesar de não se encontrar expressamente regulada na lei, resulta de uma construção doutrinária e jurisprudencial que assenta numa especial proteção do princípio da boa fé, de forma a evitar situações de abuso de direito, nos termos consagrados no art. 334.º do Código Civil. III – Assim, em situações de manifesta confusão/promiscuidade entre sociedade e respetivos sócios ou entre várias sociedades, é desconsiderada a personalidade jurídica das sociedades, visto que essa personalidade jurídica não passa de um mero estratagema para acobertar práticas ilícitas ou abusivas. IV – Para que se possa recorrer à figura da desconsideração da personalidade jurídica coletiva torna-se necessário que exista uma confusão/promiscuidade entre os patrimónios da sociedade e dos sócios ou entre sociedades e que essa confusão prossiga interesses que violem os fins para os quais a personalidade jurídica das sociedades foi criada, interesses esses contrários aos princípios da boa fé. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 708/22.0T8BJA.E1 Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] ♣ Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:I – Relatório AA (Autor), patrocinado pelo Ministério Público, intentou a presente ação declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra “BB – Carnes Frescas, Lda.”[2], “CC, Unipessoal Ldª.”[3] e DD (Réus), solicitando, a final, que a ação seja julgada procedente por provada e, em consequência: A. Seja declarado e reconhecido que, no período compreendido entre 01-4-2003 e 01-10-2021, o Autor desempenhou para a Ré “BB” ininterruptamente a sua atividade profissional de distribuidor, mediante contrato de trabalho sem termo. B. Seja declarado ilícito o despedimento do Autor por parte dos Réus “BB” e DD. C. Sejam os Réus condenados, solidariamente, a pagar ao Autor a quantia de €23.555,95, acrescida de juros de mora até integral pagamento, e correspondente a: i) €3.162,62, a título de subsídio de férias vencido em 2021 e proporcionais de férias, subsídios de férias e Natal do ano da cessação; e ii) €20.393,33, a título de indemnização em substituição da reintegração. D. Sejam os Réus condenados, solidariamente, a pagar ao Autor as retribuições que este deixou de auferir desde o despedimento ocorrido a 01-10-2021 até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento. Alegou, em síntese, que, em 01-04-2003, o Autor e a Ré “BB” celebraram um contrato de trabalho, segundo o qual, aquele desempenhava para esta as funções de distribuidor em regime de isenção de horário de trabalho, o que fez ininterruptamente até 01-10-2021. Mais alegou que a Ré “BB”, cujo sócio gerente era o Réu DD, explorava o estabelecimento comercial que consistia num talho, sito na Rua …, em Beja, dispondo de armazéns, sitos no Parque Industrial de Beja, e mantendo animais vivos no Monte …, sito em Vila Nova de S. Bento, encarregando-se o Autor de efetuar a distribuição de carnes e produtos animais, conduzindo pesados de mercadorias, designadamente o Mitsubishi de matrícula …-HH-…, adquirido pela referida Ré em 2014. Referiu igualmente que em outubro de 2020, Réu DD constituiu a sociedade Ré “CC”, com sede no Monte …, sito em Vila Nova de S. Bento, tendo indicado como sócia gerente a sua filha EE, que é veterinária e trabalha no matadouro de Beja e no Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, pelo que a gestão, de facto, da sociedade “CC” é da exclusiva responsabilidade do Réu DD. Referiu também que no ano de 2021, o Réu DD decidiu encerrar a atividade da Ré “BB” e passar para a Ré “CC” a totalidade da sua atividade de comércio por grosso e a retalho de carnes, tendo, para esse efeito, decidido vender património da Ré “BB” e feito cessar os contratos de trabalho, concretamente o do Autor. Alegou ainda que, no final de setembro de 2021, o Réu DD informou verbalmente o Autor que o estabelecimento ia encerrar a partir de 01-10-2021, pelo que estava despedido, impedindo-o de continuar a exercer as suas funções, vindo o Autor a receber, por carta datada de 01-10-2021, a comunicação da caducidade do seu contrato de trabalho, nos termos do art. 343.º, al. b), do Código do Trabalho, fazendo-se aí menção a uma situação económica deficitária da Ré “BB” e da necessidade de a mesma ser apresentada à insolvência, o que não veio a suceder, sendo igualmente falso que fosse impossível ao Autor prestar o seu trabalho. Mais alegou que o talho da Ré “BB” continuou a funcionar, sendo o Réu DD quem procedia à venda ao público durante o mês de outubro de 2021, tendo, posteriormente, por ordem deste Réu, a atividade de comércio por grosso e a retalho de carne passado a ser desenvolvida pela Ré “CC”, tendo o referido Réu passado a vender ao público carnes e a explorar o talho, sito no n.º …, da mesma Rua …, visando, assim, abastecer a antiga clientela da Ré “BB”. Mais referiu que em 01-10-2021, o Réu DD declarou falsamente à Segurança Social que era trabalhador por conta da Ré “CC”, a qual, por ordem daquele, faz uso, na sua atividade comercial, das seguintes viaturas: o pesado de mercadorias Iveco, de matrícula …-CP-…; o pesado de mercadoria Mitsubishi, de matrícula …-AG-…; e o ligeiro Volkswagen, de matrícula …-ER-…; todas propriedade da Ré “BB”, sendo que ambas as sociedades Rés fazem parte do mesmo grupo de empresas, gerido pelo Réu DD, partilhando instalações, património, clientela e mão-de-obra. Alegou ainda que a Ré “BB” não pagou ao Autor o subsídio de férias de 2021, nem os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal do ano da cessação do contrato, tudo no valor de €3.162,62, devendo ser-lhe pago, a título de indemnização, em substituição da reintegração, o montante de €20.393,33. Concluiu, por fim, que tendo a atividade da Ré “BB” passado a ser desenvolvida pela Ré “CC”, não existiu impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o Autor prestar o seu trabalho ou de os Réus o receberem, pelo que o despedimento do Autor foi ilícito, sendo o Réu DD igualmente responsável pelo pagamento dos créditos devidos ao Autor, em virtude de ter incumprido as suas obrigações enquanto gerente, dissipando património social da Ré “BB”. … Realizada a audiência de partes, não foi possível resolver o litígio por acordo.… Os Réus “BB”, “CC” e DD apresentaram contestação, impugnando a maioria dos factos, requerendo, a final, a improcedência parcial da ação, admitindo apenas a condenação, a título de subsídio de férias em 2021 na quantia de €837,50, a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de natal devidos no ano da cessação do contrato na quantia de €1.963,04, e a título de compensação, pela caducidade do contrato de trabalho, no valor de €13.058,51.Alegaram, em súmula, que, a Ré “CC”, desde a sua constituição, apenas teve uma única sócia e gerente, a Sra. EE, não tendo o Réu DD constituído tal sociedade, dela sido sócio ou por qualquer forma influído nos seus desígnios, sendo que a prestação de trabalho dependente ou enquanto profissional liberal não é impeditivo da constituição de uma sociedade ou do exercício de um cargo societário, como é a gerência. Alegaram igualmente que a decisão tomada pela Ré “BB” ficou a dever-se única e exclusivamente às dificuldades económicas com que a sociedade se confrontou nos anos de 2019/2020, com a quebra abrupta da faturação, na sequência da perda de um cliente de venda em grandes superfícies, pelo que inexistia alternativa à Ré que não fosse o encerramento de toda a sua atividade, de modo a não acumular mais prejuízos, o que fez, relativamente à atividade exercida pelo Autor, no início do mês de outubro de 2021, tendo apenas mantido, durante algum tempo, a atividade relacionada com o talho, de forma a vender os bens aí existentes, de natureza perecível. Mais alegaram que a atividade do Autor era de distribuidor, tendo tal atividade sido efetivamente encerrada pela Ré “BB”. Alegaram também que o Réu DD é atualmente um mero funcionário da Ré “CC”, apenas exercendo as funções que lhe são confiadas, sendo os desígnios desta sociedade determinados única e exclusivamente pela sua sócia gerente, não correspondendo à verdade que os veículos que eram propriedade da Ré “BB” sejam utilizadas pela Ré “CC”. Afirmaram ainda que o contrato de trabalho do Autor cessou por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva desta receber o trabalho daquele, em virtude do encerramento do estabelecimento, em face da notória quebra de receitas. Alegaram, igualmente, que a Ré “BB” apenas deve ao Autor, a título de subsídio de férias em 2021 a quantia de €837,50 e a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de natal devidos no ano da cessação do contrato a quantia de €1.963,04, sendo que o Autor apenas terá direito, a título de compensação, pela caducidade do contrato de trabalho, ao valor de €13.058,51. Referiram, por último, que, caso se entenda que o Autor tem razão, sempre se terá de deduzir ao valor peticionado os valores auferidos pelo Autor a título de subsídio de desemprego e/ou qualquer rendimento que tenha adquirido. … Proferido despacho saneador em 18-10-2022, foi dispensada a realização de audiência prévia, fixado o valor da ação em €23.555,95, identificado o objeto do litígio e dispensada a enunciação dos temas de prova.… Realizada a audiência de julgamento de acordo com as formalidades legais, foi proferida a sentença em 17-03-2023, com a seguinte decisão:Pelo exposto julgo procedente por provada a presente ação intentada por AA, contra BB - CARNES FRESCAS, LDª; CC, UNIPESSOAL LDª, e DD e, em consequência: A. Declaro que, no período compreendido entre 1/4/2003 e 1/10/2021, o Autor desempenhou para a Ré BB - Carnes Frescas, Ldª ininterruptamente a sua actividade profissional de distribuidor, mediante contrato de trabalho sem termo. B. Declarado ilícito o despedimento do Autor; C. Condeno, os referidos réus e rés, solidariamente, a pagar ao Autor: i) €3.035,00 (três mil e trinta e cinco euros), a título de subsidio de férias do ano de 2021e proporcionais de férias, subsídios de férias e Natal do ano de cessação, acrescidos de juros de mora à taxa civil vencidos desde a data cessação do contrato (01.10.2022) até efetivo e integral pagamento; e ii) 40 (quarenta) dias de retribuição e diuturnidades por cada ano ou fração de antiguidade, a título de indemnização em substituição da reintegração, o que, à data de 01.04.2023, perfaz o valor de € 21.466,60 (vinte e um mil, quatrocentos e sessenta e seis euros e sessenta cêntimos) acrescidos de juros de mora à taxa civil vencidos desde a presente data até efetivo e integral pagamento. iii) as retribuições que o autor deixou de auferir desde o despedimento ocorrido a 01/10/2022 até ao trânsito em julgado da presente sentença, incluindo subsidio de férias e de natal vencidos - descontados os valores referentes nas alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 390º do Código do Trabalho -, a liquidar em execução de sentença, acrescida dos juros de mora que se vencerem desde a data da notificação para o respetivo incidente. * Custas a cargo dos réus vencidos – cfr. artigo 527º, n.º 1 do Código de Processo Civil. O valor da causa foi fixado no saneador. * Registe e notifique (artigo 153º, n.º 4, do Código de Processo Civil aplicável ex vi do art. 49º, n.º 2 do C. P. Trabalho).… Não se conformando com a sentença, vieram os Réus “BB”, “CC” e DD interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:A. A sentença revidenda enferma de erro na apreciação da prova e, igualmente, de erro na aplicação do direito face aos factos dados como provados; B. Com relevo para apreciação do presente recuso, cuja matéria se deixa expressamente impugnada, foi dado como provado que: 13.Durante o ano de 2021, e porque a sociedade enfrentava problemas financeiros, o Réu DD decidiu encerrar a atividade da Ré BB - Carnes Frescas, Ldª e passar para a Ré CC, Unipessoal Ldª a exploração do talho. 14. Para tanto, o Réu DD decidiu vender património da Ré BB - Carnes Frescas, Ldª e fazer cessar os contratos de trabalho dos trabalhadores daquela ré, designadamente do Autor. 18. No final de setembro de 2021, o Réu DD, informou verbalmente o autor que o estabelecimento ia encerrar a partir de 1/10/2021 e que estava despedido, impedindo-o de continuar a exercer as suas funções. 21 .O talho explorado pela Ré BB - Carnes Frescas, Ldª, sito na Rua …, em Beja, continuou a funcionar até o final do mês de outubro, passando o Réu DD a vender ao público durante o mês de outubro de 2021 naquelas instalações. 22. Alguns dias depois e após o encerramento daquelas instalações a Ré CC, Unipessoal Ldª, passou a vender ao público carnes e a explorar o talho mas agora nas instalações do nº …, da mesma Rua …, abastecendo a antiga clientela da Ré BB - Carnes Frescas, Ldª. C. E dado como não provado, que vai igualmente impugnado, que: a) O encerramento da atividade da Ré BB - Carnes Frescas, Ldª, decorreu das dificuldades económicas com que a sociedade se confrontou, com a quebra abrupta da faturação, nos anos de 2019/2020, na sequência de perda de um cliente de venda em grande superfície. D. O tribunal a quo não se pronunciou sobre a factualidade constante dos artigos 53.º a 55.º da Contestação apresentada pelo Réus e ao Réu DD, concretamente diz respeito e cuja prova logrou fazer em sede de audiência de discussão e julgamento, verificando-se uma omissão de pronuncia que determina a nulidade da sentença a quo nos termos do disposto no artigo 615.º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil; E. Da prova produzida em sede de discussão e julgamento e com excecional relevância para alteração da matéria de facto dada como provada e não prova, designadamente, no que respeita às declarações de parte tomadas ao próprio Autor, e que se encontram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível, na aplicação informática em uso no Tribunal, entre as 10:19:36 às 10:46:36 horas, destacado os excertos que melhor ficaram identificados nas alegações e que aqui se dão reproduzidos. F. Em conjugação, com depoimento realizado igualmente em sede de audiência de discussão e julgamento, realizado no dia 10.11.2022, da testemunha GG, cujo de depoimento se encontra igualmente registado no sistema de gravação digital em uso no tribunal, entre as 12:14:51 às 12:39:25, conforme consta em ata, e dos quais realçamos o excertos da inquirição que supra ficaram identificados e transcritos, e que aqui se dão integralmente por reproduzidos, conduzem a uma alteração da matéria de facto dada como provada e não provada, nos termos conforme se deixou expresso nas alegações e abaixo se procurará sintetizar em sede das presentes conclusões. G. Como reforço a tais depoimentos, contribuem para a alteração da matéria de facto dada como provada e não provada, os documentos, juntos com a contestação, dos quais com excecional relevância, apontamos o doc n.º 2 (print da Autoridade Tributária) junto com a contestação e documento 12 junto com a p.i (comunicação de caducidade do contrato de trabalho). H. É o próprio A. que nas suas declarações, confessa, que o Ré BB, Carnes Frescas, Lda, através do gerente, Réu DD, dias antes comunicou que não aguentava mais, iria fechar e que o seu contrato iria caducar, no início do mês de outubro. I. Sendo o próprio A. que confessa perante o tribunal, que o estabelecimento fechou, que para as suas funções não tinha produto para distribuir e que ainda assim permaneceu até ao final do mês de Setembro e em Outubro não compareceu mais ao trabalho, tendo recebido a referida comunicação, nos primeiros dias de outubro (tudo conforme resulta do seu depoimento entre o minuto 1:28 a 5:14 que se supra se deixou transcrito). J. Inexistiu assim qualquer despedimento ilícito do A., verificando-se a caducidade do seu contrato de trabalho por impossibilidade superveniente da BB receber o seu trabalho; K. Inexistiu qualquer passagem da exploração do talho da BB – Carnes Frescas, Lda, para a sociedade CC, Lda, (conforme resulta do depoimento da testemunha GG no seu depoimento entre o minuto 2:05 a 3:20 que se supra se deixou transcrito) L. A Ré BB – Carnes Frescas, Lda, procedeu à venda de veículos automóveis para liquidar dívidas da própria M. A função do A. era distribuidor de carne, no âmbito da atividade de comércio por grosso exercida pela BB, sendo que no final de setembro já não tinha produto para distribuir; N. Após o encerramento da atividade, em outubro de 2021, o estabelecimento explorado pela BB foi entregue ao Senhorio, com parte dos equipamentos que eram de sua pertença, tendo ficado outros por conta das rendas em divida, os demais equipamentos e utensílios da sociedade estão guardados em armazém. O. Nenhum bem ou equipamento da BB foi utilizado, vendido ou cedido à CC; P. Os clientes e fornecedores da BB não transitaram para a CC; Q. Isto mesmo resulta do depoimento da testemunha GG, nos trechos devidamente identificados do seu depoimento e supratranscrito e das declarações de parte do A., nos trechos devidamente identificados do seu depoimento e supratranscritos, devidamente conjugados com os documentos nº 2 juntos com a contestação da BB e 12 junto com a própria p.i.; R. Por outro lado, o segmento final do ponto 13.º dos factos dados como provados, “… e passar para a Ré CC, Unipessoal, a exploração do talho.”, por um lado não encontra respaldo na prova produzida, por outro lado, encerra um juízo de natureza conclusiva devendo se eliminado; S. Em face destes elementos probatórios, a matéria de facto constante do ponto 13 provado deve ter a seguinte redação “Durante o ano de 2021, e porque a sociedade enfrentava problemas financeiros, o Réu DD decidiu encerrar a atividade da Ré BB – Carnes Frescas, Ld.ª”; T. O ponto 14. da matéria de facto provada da douta Sentença deve ser eliminado, devendo a alínea a) dos factos não provados, integrar o acervo de matéria provada, em sua substituição, com a seguinte redação “A decisão de encerramento de atividade pela Ré BB – Carnes Frescas, Ld.ª, ficou única e exclusivamente a dever-se às dificuldades económicas que a sociedade se confrontou, com a quebra abrupta de faturação, nos anos de 2019/2020, na sequência da perda de um cliente de venda em grandes superfícies”; U. O ponto 18. Dos factos provados deve ter a seguinte redação “No final de setembro de 2021, o Réu DD, informou, verbalmente o autor que o estabelecimento iria encerrar a partir de 1/10/2021.”; e o ponto 21. Dos factos provados deve ter a seguinte redação “O talho explorado pela Ré BB – Carnes Frescas, Ld.ª, sito na Rua …, em Beja, fechou nos primeiros dias de outubro”; V. O ponto 22. Dos factos provados deve ter a seguinte redação “A Ré CC, Unipessoal, Ld.ª, passou a vender ao público carnes e a explorar um talho do nº …, da mesma Rua …”; W. Por outro lado, os referidos elementos probatórios determinam o aditamento à matéria de facto provada que: ”A Ré BB encerrou toda a sua atividade no inicio do mês de outubro, na qual se incluiu a compra e distribuição por grosso aos seus clientes e que era realizada a partir do seu armazém e à qual se encontrava afeto o A.”; “o Réu DD sempre fez tudo o que estava ao seu alcance para manter a sociedade em funcionamento”; “O seu encerramento ficou a dever-se a uma forte quebra de receitas.” X. Toda a alteração da matéria de facto supra elencada, encontra suporte nos depoimentos transcritos do próprio A. e da testemunha GG, e cujos excertos ficaram identificados e transcritos nas alegações, em conjugação com demais prova documental. E decorre assim, por um lado da própria contradição da matéria facto e a sua fundamentação, conforme tudo melhor supra exposto, o que se invoca, devendo V.Ex.ªs alterar a decisão, nos termos do art. 662.º n.º 1 do CPC. Y. Consequentemente dos depoimentos supratranscritos, deverá proceder-se à alteração da matéria de facto nos termos agora alegados, por se verificar o erro na apreciação da prova, devendo V. Ex.ª, nos termos do art.º 662.º n.º 2 do CPC, alterar a decisão a final, em consonância com o ora alegado. Z. Em face da alteração da matéria de facto supra indicada, importará agora subsumi-la ao direito aplicável, designadamente, na apreciação da (i)licitude do despedimento, da (in)responsabilidade dos demais Réus, por in(existência) da desconsideração da personalidade coletiva. AA. Da matéria de facto agora alterada, somos de concluir que ao contrário do vertido da douta Sentença, que o encerramento da atividade por parte da Ré BB – Carnes Frescas, Lda, ocorreu conforme comunicado ao A, isto é, através da sua caducidade, atento o encerramento de atividade, nos termos do art.º 343.º, alínea b) do Código do Trabalho. BB. Tem vindo a ser entendimento, da doutrina que o despedimento em sentido próprio, consiste na resolução unilateral do contrato de trabalho por parte do empregador (arts. 351.º e ss. Do Código do Trabalho), neste sentido e seguindo de perto o do Ac.do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 01.07.2021, disponível em www.dgsi.pt, citamos a doutrina e ensinamento ai vertido onde podemos ler: “[o] despedimento lícito pressupõe sempre uma declaração expressa da vontade patronal de pôr termo ao contrato de trabalho, a qual, para ser válida e eficaz, tem de obedecer ao formalismo legalmente exigido para as diferentes formas de despedimento, mais concretamente para a decisão de despedimento que culmina o respetivo procedimento - artigos 357.º, 363.º, 371.º e 378.º. Contudo, para que exista um despedimento – ainda que ilícito –, basta que ocorra uma declaração de vontade tácita, isto é, um comportamento concludente do empregador de onde se deduza, com toda a probabilidade, a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro.” CC. Ou seja, o despedimento configura-se como uma declaração de vontade unilateral, recepienda, vinculativa e constitutiva, dirigida ao trabalhador, com o fim de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro (art. 357.º, n.º 7 do Código do Trabalho e art. 224.º do Código Civil) DD. Ora retomando à matéria de facto provada, o que se encontra demonstrado, é que a Ré comunicou inicialmente que de forma verbal que iria encerrar e consequentemente não tinha trabalho para o A., tendo o mesmo permanecido ao trabalho até à data indicada e posteriormente rececionado a carta registada junta como Doc n.º 12 da P.I. EE. E, tendo em conta os factos acima descritos e confessados pelo próprio A., somos da opinião, que não pode considerar-se que ocorreu qualquer despedimento do A. pela Ré, decorrendo sim, que o contrato de trabalho cessou por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de a Ré receber o trabalho do A. em virtude do encerramento definitivo da empresa, como a Ré anunciou verbalmente e veio a cumprir. FF. Tal situação tem enquadramento previsto nos arts. 340.º, al. a), 343.º, al. b) e 346.º, n.ºs 3, 4 e 5 do Código do Trabalho, embora deva seguir-se o procedimento previsto nos arts. 360.º e seguintes, com as necessárias adaptações, ou, tratando-se de microempresa, informar-se o trabalhador do encerramento com a antecedência prevista nos n.ºs 1 e 2 do art. 363.º, tendo o trabalhador direito a compensação calculada nos termos do art. 366.º, pela qual responde o património da empresa. GG. Neste sentido, o sumário do citado Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães: (…) III – O encerramento definitivo do estabelecimento da empregadora, precedido da comunicação verbal à trabalhadora de que tal facto iria ocorrer, configura uma causa de caducidade do contrato de trabalho, acompanhada de declaração de carácter meramente informativo (e não de carácter negocial, como sucede no despedimento), nos termos previstos nos arts. 340.º, al. a), 343.º, al. b) e 346.º, n.ºs 3, 4 e 5 do Código do Trabalho, mesmo que não tenha sido observado o aviso prévio devido, ou, no caso de a empresa não ser uma microempresa, o procedimento que se impunha, ou, ainda, o pagamento da compensação prevista. IV - Com efeito, a inobservância do procedimento, da antecedência ou do pagamento a que se referem os n.ºs 3, 4 e 5 do art. 346.º do Código do Trabalho não tem a virtualidade de transformar uma situação de caducidade em despedimento, que conceitualmente se distinguem, nem, por falta de previsão legal, determina que se operem as consequências jurídicas estabelecidas para o despedimento ilícito. HH. Importa, ainda referir que o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2019, citada na douta Sentença, em nada afasta o entendimento supra indicado, pelo seu contrário vai exatamente no mesmo sentido. II. Acresce que, atenta a matéria de facto dada como provada, mormente tendo em consonância a sua alteração supra explanada, estamos em crer que a douta Sentença se encontra em manifesto erro da apreciação da prova e erro na aplicação do direito. JJ. A M. Juiz “a quo” socorrendo-se da fundamentação constante do Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 03.07.2023, para considerar o despedimento ilícito, por não ter existido o encerramento do talho, subsumindo tais factos à possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica coletiva KK. Porém, o recurso à desconsideração da personalidade jurídica, só é possível quando ocorram situações de responsabilidade civil assentes em princípio gerais ou em normas de proteção, nomeadamente dos credores ou em situações de abuso de direito e não exista outro fundamento legal que invalide a conduta do sócio que se pretende atacar, ou seja, a desconsideração terá sempre um caracter subsidiário. LL. No caso em concreto estamos perante um crédito laboral, pelo que os art.º 335.º e 334.º ambos do Código Trabalho, permitem que o Gerentes e sócios das sociedades possam ser chamados a responder solidariamente por montantes pecuniários resultantes de créditos laborais, desde que se verifiquem os pressupostos dos artigos 78.º e 79.º do Código das Sociedades Comerciais. MM. Estamos assim perante duas situações distintas da responsabilidade dos gerentes, sendo que a primeira tem a ver com a insuficiência do património da sociedade para satisfazer os respetivos créditos, enquanto a segunda se reporta aos casos em que sejam diretamente causados danos aos sócios ou terceiros; quer uma quer outra partilham um especto comum, ou seja, a responsabilidade do gerente depende de uma atuação culposa. NN. Porém resulta da prova realizada em sede de audiência que o sócio-Gerente da Ré BB – Carnes Frescas, Lda, não agiu de forma culposa, muito menos praticou atos que tenham diminuído o património da sociedade. OO. Não ficou demonstrada, ou existe, uma relação de grupo entre as sociedades RR nos termos previstos nos art.º 334.º do Código de Trabalho, que exige a verificação dos pressupostos previsto no art.º 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais (CSC), estando afastada a responsabilidade da Ré BB, Unipessoal, Lda; PP. Tendo a desconsideração da personalidade jurídica o efeito de fazer recair sobre os seus sócios, a responsabilidade que por sua vez seria de própria sociedade, não pode, in casu, recorrer a tal figura para assacar responsabilidade ao seu sócio-gerente e, muito menos, se pode desconsiderar a personalidade de uma sociedade em detrimento de outra; QQ. Ao decidir como fez viola a sentença a quo o disposto nos artigos 334.º, 335.º 340.º, 343.º, alínea b), 357.º, 363.º, 366.º, 371.º, 378.º todos do Código do Trabalho, 78.º, 79.º, 481.º e sgs.do Código das Sociedades Comerciais. RR. Assim, deverá a sentença revidenda ser substituída por decisão que altere a matéria de facto nos moldes propostos, absolvendo o Réu DD e a Ré BB, Lda. dos pedidos formulados, e condenando a R. BB – Carnes Frescas, Lda no pagamento das quantias supra discriminadas. Destarte, nestes termos e nos melhores que vós, Excelsos Desembargadores munificentemente suprirão, condenado a Ré BB – Carnes Frescas, Lda a pagar ao A., a título de subsídio de férias vencido em 2021, € 972,50, as férias e subsídios de férias pela cessão do contrato e subsídio de Natal, tudo no montante global de € 3.035,00 e a compensação pela caducidade do contrato de trabalho, no montante de € 13.058,51, absolvendo-a do demais peticionado e da totalidade dos pedidos a Ré CC, Unipessoal, Lda, e Réu DD, tudo conforme se deixou nas conclusões, se fará a costumada, JUSTIÇA!!! … O Autor AA, patrocinado pelo Ministério Público, veio apresentar contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:1. Não se descrevendo factos nos arts. 53º a 55º da Contestação, mas antes conceptualizações, afirmações genéricas e conclusivas, tais como: «o R. sempre tudo a que estava ao seu alcance para manter a referida sociedade em funcionamento.» «…Uma forte quebra de receitas…» ou «…condições adversas de mercado e forte concorrência de preços...», não se verifica nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº1, al. c) do CPC, por ali narrado não constar da matéria de facto. 2. A factualidade dada como provada e não provada na sentença recorrida está alicerçada nas declarações do Autor e nos depoimentos das testemunhas HH, II e GG, livremente apreciados, bem como na documentação junta aos autos, inexistindo justificação para qualquer alteração da matéria de facto. 3. Em consequência, não se verifica qualquer erro na apreciação da prova, nem qualquer erro na aplicação do direito face aos factos dados como provados. 4. Efectivamente, o Réu DD encerrou a actividade da Ré BB, fazendo cessar os contratos de trabalho sem pagamento de qualquer compensação/indemnização ou crédito salarial, passando a desenvolver a actividade num novo estabelecimento, explorado pela Ré CC, situado na mesma rua e servindo a mesma clientela. 5. O património da Ré BB foi dissipado ou está onerado, inviabilizando o ressarcimento dos créditos do Autor. 6. Consequentemente, o recurso deve improceder, o que se requer. 7. Pelo exposto, o presente recurso não deve merecer provimento, devendo ser mantida a sentença recorrida, a qual não padece de qualquer vício, e devendo o presente recurso ser julgado improcedente. Assim se fazendo JUSTIÇA … O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo neste tribunal o recurso sido admitido nos seus precisos termos.Foram os autos aos vistos, pelo que cumpre agora apreciar e decidir. ♣ II – Objeto do RecursoNos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). No caso em apreço, as questões que importa decidir são: 1) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia; 2) Impugnação da matéria de facto; 3) Caducidade do contrato de trabalho; e 4) Responsabilização dos Réus DD e “CC” pelas dívidas laborais da Ré “BB”. ♣ III – Matéria de FactoO tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos: 1. A Ré BB - Carnes Frescas, Ldª é uma sociedade por quotas que tem por objeto o comércio a retalho de carnes e enchidos, dispondo do CAE 46320-R3 –Comércio por grosso de carne e produtos à base de carne; e do CAE 47220-R3 – Comércio a retalho de carne e produtos à base de carne, em estabelecimentos especializados. 2. A Ré CC, Unipessoal Ldª é uma sociedade por quotas que tem por objeto, designadamente, a criação de ovinos e caprinos e cultura de casca rija e frescos, dispondo, igualmente do CAE 46320-R3 – Comércio por grosso de carne e produtos à base de carne; e do CAE 47220 -R3 – Comércio a retalho de carne e produtos à base de carne, em estabelecimentos especializados. 3. O Réu DD e FF são casados entre si e sócios-gerentes da Ré BB – Carnes Frescas, Ldª. 4. O Réu DD e FF são pais de EE. 5. EE é sócia-gerente da Ré CC, Unipessoal Ldª. 6. O Réu DD é ainda membro de órgão estatutário da sociedade CC, Unipessoal Ldª. 7. No dia 1/4/2003, o Autor e a Ré BB - Carnes Frescas, Ldª acordaram que o Autor começaria a trabalhar sob as ordens e direção da Ré BB - Carnes Frescas, Ldª, para desempenhar as funções de distribuidor em regime de isenção de horário de trabalho. 8. Assim, o Autor iniciou funções no dia 1/4 /2003 e passou a trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização da Ré BB - Carnes Frescas, Ldª, o que fez ininterruptamente até 1/10/2021. 9. A Ré BB - Carnes Frescas, Ldª explorava o estabelecimento comercial de talho, sito na Rua …, em Beja, dispondo de armazéns, sitos no Parque Industrial de Beja e mantendo animais vivos no Monte …, sito em Vila Nova de S. Bento. 10. O Autor efetuava a distribuição de carnes e produtos animais, conduzindo pesados de mercadorias, designadamente o Mitsubishi de matrícula …-HH-…, adquirido pela Ré BB - Carnes Frescas, Ldª em 2014. 11. A sociedade Ré CC, Unipessoal Ldª, com sede no Monte …, sito em Vila Nova de S. Bento, tendo como gerente a única sócia, EE, foi constituída em outubro de 2020. 12. EE é veterinária, trabalha no matadouro de Beja e no Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. 13. Durante o ano de 2021, e porque a sociedade enfrentava problemas financeiros, o Réu DD decidiu encerrar a atividade da Ré BB - Carnes Frescas, Ldª e passar para a Ré CC, Unipessoal Ldª a exploração do talho. (Alterado, conforme fundamentação infra) 14. Para tanto, o Réu DD decidiu vender património da Ré BB - Carnes Frescas, Ldª e fazer cessar os contratos de trabalho dos trabalhadores daquela ré, designadamente do Autor. 15. Em agosto de 2021, a Ré BB - Carnes Frescas, Ldª vendeu a … o veículo automóvel de marca Mercedes de matrícula …-HI-…, o qual era da sua propriedade. 16. Em outubro de 2021, a Ré BB - Carnes Frescas, Ldª vendeu o supra mencionado Mitsubishi de matrícula …-HH-… à sociedade Agrícola Central da Amendoeira, Ldª. 17. Ultimamente, o Autor auferia o salário base de 670€, subsídio de alimentação no valor de 5€ diários, diuturnidades no valor de 135€ (4x33,75€) e isenção de horário no valor de 167,50€. 18. No final de setembro de 2021, o Réu DD informou verbalmente o Autor que o estabelecimento ia encerrar a partir de 1/10/2021 e que estava despedido, impedindo-o de continuar a exercer as suas funções. (Alterado, conforme fundamentação infra) 19. Por carta datada de 1/10/2021, DD, invocando a qualidade de gerente da ré BB - Carnes Frescas, Ldª, comunicou ao Autor a “caducidade do contrato de trabalho celebrado com esta empresa, com efeito imediatos, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 343º, do Código do Trabalho”, atenta “necessidade de encerramento do estabelecimento”. 20. Ali fazendo referência a «situação económica deficitária e a acumular de prejuízos», bem como a necessidade de apresentação à insolvência, o que não sucedeu. 21. O talho explorado pela Ré BB - Carnes Frescas, Ldª, sito na Rua …, em Beja continuou a funcionar até o final do mês de outubro, passando o Réu DD a vender ao público durante o mês de outubro de 2021 naquelas instalações. 22. Alguns dias depois e após o encerramento daquelas instalações a Ré CC, Unipessoal Ldª, passou a vender ao público carnes e a explorar o talho mas agora nas instalações do nº …, da mesma Rua …, abastecendo a antiga clientela da Ré BB - Carnes Frescas, Ldª. (Alterado, conforme fundamentação infra) 23. Com efeitos a 1/10/2021, a Ré CC, Unipessoal Ldª declarou à segurança social que o Réu DD era seu trabalhador por conta de outrem. 24. É o réu DD que está diariamente à frente do referido talho, contactando com clientes e fornecedores. 25. O Autor não recebeu o subsídio de férias no ano de 2021, nem os proporcionais de férias, subsidio de férias e de Natal do ano da cessação. … E foram dados como não provados os seguintes factos:a) A decisão de encerramento de atividade pela Ré BB, lda, ficou única e exclusivamente a dever-se às dificuldades económicas que a sociedade se confrontou, com a quebra abrupta da fracturação, nos anos de 2019/2020, na sequência de perda de um cliente de venda em grandes superfícies; b) A Ré CC, Unipessoal Ldª faz uso, na sua actividade comercial, das seguintes viaturas propriedade da Ré BB - Carnes Frescas, Ldª: pesado de mercadorias Iveco, de matrícula …-CP-…, ligeiro de mercadoria Mitsubishi Canter, de matrícula …-AG-…, e da viatura ligeiro Volkswagen, de matrícula …-ER-…. ♣ IV – Enquadramento jurídicoConforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se (i) a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia; (ii) a sentença errou na apreciação da matéria de facto; (iii) o contrato de trabalho cessou por caducidade; e (iv) é possível os Réus DD e “CC” serem responsabilizados pelas dívidas laborais da Ré “BB”. … 1 – Nulidade da sentença por omissão de pronúnciaConsideram os Réus que a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do Código de processo Civil, uma vez que não consta da factualidade apurada, quer nos factos provados, quer nos factos não provados, a factualidade vertida nos arts. 53.º a 55.º da contestação. Dispõe o art. 615.º do Código de Processo Civil que: 1 - É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. 2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura. 3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior. 4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades. Dispõe, por sua vez, o art. 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que: 2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Esta nulidade, quando se reporta a uma situação de omissão de pronúncia, ocorre quando o juiz não se pronuncia sobre todas as questões que lhe tenham sido submetidas pelas partes, excluindo aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução já dada a outras. Porém, não se deve confundir questões com considerações, argumentos ou razões. Conforme bem referiu Alberto dos Reis:[4] São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão. E, a ser assim, a sentença não padece de nulidade quando não aborda todos os fundamentos invocados pela parte para justificar determinada opção jurídica, desde que aprecie a questão jurídica invocada, apresentando a sua própria fundamentação. Por outro lado, não se pode confundir omissão de pronúncia, que se terá de entender como ausência de apreciação, com deficiente ou obscura fundamentação. Cita-se a este propósito, o acórdão do STJ, proferido em 22-01-2015:[5] (…) a nulidade por omissão de pronúncia apenas se verifica quando o tribunal deixa de apreciar questões que tinha de conhecer, mas já não quando, no entender do recorrente, as razões da decisão resultam pouco explicitadas ou não se conhecem de argumentos invocados. Transcreve-se ainda o que consta da obra O Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, de António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa:[6] 4. Acresce ainda uma frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronúncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso. Por fim, importa não confundir a não pronúncia do tribunal com o não atendimento de um facto que se mostra alegado ou o não atendimento a meios de prova apresentados ou produzidos, pois tal não atendimento não se reporta à não apreciação de uma questão, conforme a mesma se mostra definida no n.º 2 do art. 608.º do Código de Processo Civil. Daí que o vício resultante do não atendimento de um facto que se mostra alegado reflete-se a nível de erro de julgamento, e não a nível da nulidade da sentença. Cita-se, pela sua relevância, o acórdão do STJ, proferido em 23-03-2017:[7] Por outro lado, o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. Reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC. Segundo o ensinamento de Alberto dos Reis[in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1981, pp. 144-146]: «(…) quando o juiz tome conhecimento de factos de que não pode servir-se, por não terem sido, por exemplo, articulados ou alegados pelas partes (art. 664.º), não comete necessariamente a nulidade da 2.ª parte do art. 668.º. Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão. (…) uma coisa é o erro de julgamento, por a sentença se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se, outra a nulidade de conhecer questão de que o tribunal não podia tomar conhecimento. Por a sentença tomar em consideração factos não articulados, contra o disposto no art. 664.º, não se segue, como já foi observado, que tenha conhecido de questão de facto de que lhe era vedado conhecer.» E, por argumento de maioria de razão, o mesmo se deve entender nos casos em que o tribunal considere meios de prova de que lhe não era lícito socorrer-se ou não atenda a meios de prova apresentados ou produzidos, admissíveis necessários e pertinentes. Qualquer dessas eventualidades não se traduz em excesso ou omissão de pronúncia que impliquem a nulidade da sentença, mas, quando muito, em erro de julgamento a considerar em sede de apreciação de mérito. Pelo exposto, a não inclusão no acervo factual pelo tribunal a quo de determinados factos alegados, a confirmar-se, não configura nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, antes sim, erro de julgamento, a apreciar posteriormente. Assim, improcede a invocada nulidade por omissão de pronúncia. 2 – Impugnação fáctica Consideram os Réus que o facto provado 13 deve ser alterado, possuindo o mesmo no seu interior um juízo conclusivo; o facto provado 14 deve ser eliminado; os factos provados 18, 21 e 22 devem ser alterados; o facto não provado a) deve passar a provado; e a factualidade constante dos arts. 53 a 55 da contestação deve ser dada como provada; com base nas declarações de parte do Autor e do depoimento da testemunha …, bem como dos documentos 2 da contestação e 12 da petição inicial. Dispõe o art. 640.º do Código de Processo Civil que: 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º. Relativamente à interpretação das obrigações que impendem sobre os recorrentes, nos termos do n.º 1 do art. 640.º do Código de Processo Civil, cita-se, entre muitos, o acórdão do STJ, proferido em 03-03-2016:[8] I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe. II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. III – O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado. IV – Nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação, e que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, máxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte Recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica. Relativamente à apreciação da matéria de facto em sede de recurso, importa acentuar que o disposto no art. 640.º do Código de Processo Civil consagra atualmente um duplo grau de jurisdição, persistindo, porém, em vigor o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz da 1.ª instância, previsto no art. 607.º, n.º 5, do mesmo Diploma Legal. No entanto, tal princípio da livre apreciação da prova mostra-se condicionado por uma “prudente convicção”, competindo, assim, ao Tribunal da Relação aferir da razoabilidade dessa convicção, em face das regras da experiência comum e da normalidade da vida, da ciência e da lógica. Veja-se sobre esta matéria o sumário do acórdão do STJ, proferido em 31-05-2016:[9] I - O tribunal da Relação deve exercer um verdadeiro e efectivo 2.º grau de jurisdição da matéria de facto e não um simples controlo sobre a forma como a 1.ª instância respondeu à matéria factual, limitando-se a intervir nos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, pois que só assim se assegurará o duplo grau de jurisdição, em matéria de facto, que a reforma processual de 1995 (DL n.º 329-A/95, de 12-12) visou assegurar e que o actual Código confirmou e reforçou. II - Desde que o recorrente cumpra as determinações ínsitas no art. 640.º, o tribunal da Relação não poderá deixar de fazer a reapreciação da matéria de facto impugnada, podendo alterar o circunstancialismo dado como assente na 1.ª instância. Cita-se ainda o sumário do acórdão do TRG, proferido em 04-02-2016:[10] I- Para que a decisão da 1ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada na resposta que se deu à factualidade controvertida, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova. E, a ser assim, o Tribunal da Relação, aquando da reapreciação da matéria de facto, deve, não só recorrer a todos os meios probatórios que estejam à sua disposição e usar de presunções judiciais para, desse modo, obter congruência entre a verdade judicial e a verdade histórica, como também, sem incorrer em excesso de pronúncia, ao alterar a decisão de determinados pontos da matéria de facto, retirar dessa alteração as consequências lógicas inevitáveis que se repercutem noutros pontos concretos da matéria de facto, independentemente de tais pontos terem ou não sido objeto de impugnação nas alegações de recurso. Cita-se a este propósito, o sumário do acórdão do STJ, proferido em 13-01-2015:[11] XIII - Não ocorre excesso de pronúncia da decisão, se a Relação, ao alterar a decisão da matéria de facto relativamente a alguns pontos, retira dessa modificação as consequências devidas que se repercutem noutra matéria de facto, sendo irrelevante ter sido esta ou não objecto de impugnação nas alegações de recurso. Por fim, importa ainda esclarecer que o Tribunal da Relação, na sua reapreciação da prova, terá sempre que atender à análise crítica de toda a prova e não apenas aos fragmentos de depoimentos que, por vezes, são indicados, e que retirados do seu contexto, podem dar uma ideia bem distinta daquilo que a testemunha efetivamente mencionou, bem como daquilo que resultou da globalidade do julgamento. Decidamos. Foi dado cumprimento pelos Réus aos requisitos impostos pelo art. 640.º do Código de Processo Civil, pelo que será apreciada a presente impugnação fáctica. a) Facto provado 13 Consta do facto provado 13 que: 13. Durante o ano de 2021, e porque a sociedade enfrentava problemas financeiros, o Réu DD decidiu encerrar a atividade da Ré BB - Carnes Frescas, Ldª e passar para a Ré CC, Unipessoal Ldª a exploração do talho. Pretendem os Réus que este facto encerra um juízo de natureza conclusiva na parte em que refere “e passar para a Ré CC, Unipessoal Ldª a exploração do talho”, bem como que, em face das declarações de parte do Autor e do depoimento da testemunha GG, bem como dos documentos 2 da contestação e 12 da petição inicial, deve ter a seguinte redação: 13. Durante o ano de 2021, e porque a sociedade enfrentava problemas financeiros, o Réu DD decidiu encerrar a atividade da Ré BB – Carnes Frescas, Ld.ª Vejamos. Quanto à menção de tal facto encerrar um juízo de natureza conclusiva, importa referir que a passagem da exploração do talho explorado pela Ré “BB” para a Ré “CC” se reporta à intenção do Réu DD e não àquilo que, posteriormente, e em concreto, tenha vindo a ocorrer. Assim, e independentemente da prova deste facto sobre a intenção do Réu DD (que se apreciará posteriormente), a sua intenção, segundo este facto, era a de passar a referida exploração do talho de uma empresa para a outra. Efetivamente, contrariamente aos factos, que apreciados no seu conjunto, levam a determinada conclusão jurídica, as intenções são do foro íntimo e não se expressam nos mesmos moldes que os factos, ainda que se possam inferir a partir deles. Deste modo, não é de considerar que a expressão utilizada no facto provado 13 expresse um juízo de natureza conclusiva relativamente à intenção do Réu DD. Já quanto aos meios de prova em que se alicerça esta intenção do Réu DD, consta da sentença recorrida que a mesma resulta das declarações do Autor. Ora, o Autor sobre esta matéria apenas referiu que o Réu DD lhe disse que ia fechar porque não tinha condições para estar assim, visto que a empresa só estava a dar prejuízo e que não lhe ia pagar nada, pois não tinha dinheiro para lhe pagar. Deste modo, é evidente que inexistem meios de prova suscetíveis de consubstanciar a intenção do Réu nos moldes em que a mesma foi dada como provado no facto 13. Pelo exposto, altera-se o presente facto nos seguintes moldes: 13. Durante o ano de 2021, e porque a sociedade enfrentava problemas financeiros, o Réu DD decidiu encerrar a atividade da Ré BB - Carnes Frescas, Ldª. b) Facto provado 14 e facto não provado a) Consta do facto provado 14 que: 14. Para tanto, o Réu DD decidiu vender património da Ré BB - Carnes Frescas, Ldª e fazer cessar os contratos de trabalho dos trabalhadores daquela ré, designadamente do Autor. Consta do facto não provado a) que: a) A decisão de encerramento de atividade pela Ré BB, lda, ficou única e exclusivamente a dever-se às dificuldades económicas que a sociedade se confrontou, com a quebra abrupta da fracturação, nos anos de 2019/2020, na sequência de perda de um cliente de venda em grandes superfícies; Pretendem os Réus, com base nos mesmos elementos de prova, que o facto provado 14 seja eliminado e que, em sua substituição, seja dado como provado o facto não provado a). Apreciemos. Tendo sido alterado o facto provado 13, o “para tanto” que consta do facto provado 14 passou apenas a referir-se à intenção do Réu DD em encerrar a atividade da Ré “BB”. Acresce que consta especificamente dos factos provados 15 e 16, e não impugnados pelos Réus, que a Ré “BB” vendeu património; e do facto provado 19, e não impugnado, que a Ré “BB” fez cessar o contrato de trabalho do Autor, pelo que se mantém na íntegra o teor do facto provado 14. Relativamente ao facto não provado a), apenas se provou que os problemas financeiros da Ré “BB” tiveram influência na decisão do Réu DD de encerrar a atividade daquela Ré, já não que esses problemas financeiros foram a única e exclusiva causa para tal decisão, até porque a Ré “BB” não juntou aos autos a documentação relativa à sua situação económica, e deveria tê-lo feito se pretendia efetivamente demonstrar a intensidade dessas dificuldades financeiras e o modo como as mesmas afetaram a viabilidade económica da sociedade “BB”. Deste modo, mantém-se como não provado o facto não provado a). c) Factos provados 18, 21 e 22 Consta dos factos provados 18, 21 e 22 que: 18. No final de setembro de 2021, o Réu DD informou verbalmente o Autor que o estabelecimento ia encerrar a partir de 1/10/2021 e que estava despedido, impedindo-o de continuar a exercer as suas funções. 21. O talho explorado pela Ré BB - Carnes Frescas, Ldª, sito na Rua …, em Beja continuou a funcionar até o final do mês de outubro, passando o Réu DD a vender ao público durante o mês de outubro de 2021 naquelas instalações. 22. Alguns dias depois e após o encerramento daquelas instalações a Ré CC, Unipessoal Ldª, passou a vender ao público carnes e a explorar o talho mas agora nas instalações do nº …, da mesma Rua …, abastecendo a antiga clientela da Ré BB - Carnes Frescas, Ldª. Pretendem os Réus, atento os mesmos meios de prova, que os referidos factos passem a ter a seguinte redação: 18. No final de setembro de 2021, o Réu DD, informou, verbalmente o autor que o estabelecimento iria encerrar a partir de 1/10/2021; 21. O talho explorado pela Ré BB – Carnes Frescas, Ld.ª, sito na rua …, em Beja, fechou nos primeiros dias de outubro. 22. A Ré CC, Unipessoal, Ld.ª, passou a vender ao público carnes e a explorar um talho do nº …, da mesma Rua …. Apreciemos. Relativamente ao facto provado 18, efetivamente nem o Autor nem qualquer outra testemunha confirmaram que o Réu DD tivesse dito ao Autor que estava despedido, bem como que, para além da informação que lhe transmitiu sobre o encerramento do estabelecimento, tivesse impedido, de alguma outra forma, o Autor de continuar a exercer as suas funções, pelo que se defere a pretendida alteração dos Réus, passando o facto provado 18 a ter a seguinte redação: 18. No final de setembro de 2021, o Réu DD informou verbalmente o Autor que o estabelecimento ia encerrar a partir de 1/10/2021. Quanto ao facto provado 21, o mesmo mostra-se confirmado expressamente pela testemunha HH, sendo que a testemunha GG, ao afirmar que o talho se manteve em funcionamento após a cessação dos contratos de trabalho com os funcionários da Ré “BB”, uma vez que os produtos vendidos eram perecíveis, também o confirmou. A própria carta enviada ao Autor pela Ré “BB” em 01-10-2021, onde lhe é comunicada a cessação do seu contrato de trabalho, refere que o estabelecimento, que será encerrado, “irá apenas trabalhar até esgotar os produtos alimentares que detém”. Assim, mantém-se na íntegra este facto provado. Relativamente ao facto provado 22, resulta das declarações da testemunha HH que o talho que veio a ser aberto na Rua …, em Beja, e que era explorado pela Ré “CC”, iniciou a sua atividade poucos dias após o encerramento do talho sito no n.º 45 B da mesma rua e que era explorado pela Ré “BB”. Também resulta das declarações desta testemunha, confirmadas pelas declarações da testemunha GG, que a clientela do talho sito no n.º 45 B transitou para o talho sito no n.º …, o que, aliás, é facilmente compreensível, visto o novo talho se situar na porta ao lado do talho que acabou de encerrar. Assim, este facto passará a ter a seguinte redação: 22. Alguns dias depois do encerramento daquelas instalações, a Ré CC, Unipessoal Ldª passou a vender ao público carnes e a explorar o talho sito nas instalações do nº …, da mesma Rua …, abastecendo a antiga clientela da Ré BB - Carnes Frescas, Ldª. d) Arts. 53 a 55 da contestação Consta de tais artigos o seguinte: 53.º Mas, sim pelo seu contrário, o R. sempre tudo a que estava ao seu alcance para manter a referida sociedade em funcionamento. 54.º É, pois, notório, que nos últimos anos existiu uma forte quebra de receitas. 55.º Devido às condições adversas de mercado e forte concorrência nos preços. Pretendem os Réus, fundamentando-se exatamente nos mesmos meios de prova, que estes factos sejam dados como provados nos seguintes termos: - A Ré BB encerrou toda a sua atividade no inicio do mês de outubro, na qual se incluiu a compra e distribuição por grosso aos seus clientes e que era realizada a partir do seu armazém e à qual se encontrava afeto o A. - O Réu DD sempre fez tudo o que estava ao seu alcance para manter a sociedade em funcionamento. - O seu encerramento ficou a dever-se a uma forte quebra de receitas. Decidamos. O primeiro facto que os Réus pretendem que seja acrescentado ao acervo factual não consta do facto 53.º da contestação, porém, consta do facto 19.º da contestação, pelo que iremos apreciá-lo. Importa referir que tal facto se mostra em contradição com o que consta do facto provado 21, cujo teor se manteve integralmente supra. Assim sendo, dada a contradição, não é possível dar o facto constante do art. 19.º da contestação como provado, visto ter-se provado algo distinto. O segundo facto é conclusivo, devendo os Réus ter descrito quais foram os comportamentos adotados pelo Réu DD para procurar manter a sociedade Ré “BB” em funcionamento, pelo que, por se tratar de facto conclusivo, não poderá ser dado como provado. Relativamente ao terceiro facto, competia aos Réus ter apresentado documentação suscetível de comprovar a mencionada quebra de receitas da Ré “BB”, o que não fizeram, sendo que, ainda assim, foi dado como provado que a referida empresa, durante o ano de 2021, enfrentava problemas financeiros (facto provado 13), apesar de não se ter provado qual tenha sido a origem desses problemas. Pelo exposto, também aqui falece a pretensão dos Réus. Em conclusão, procede parcialmente a impugnação fáctica requerida pelos Réus, sendo alterada a redação dos factos provados 13, 18 e 22, que passarão a ter a seguinte redação: 13. Durante o ano de 2021, e porque a sociedade enfrentava problemas financeiros, o Réu DD decidiu encerrar a atividade da Ré BB - Carnes Frescas, Ldª. 18. No final de setembro de 2021, o Réu DD informou verbalmente o Autor que o estabelecimento ia encerrar a partir de 1/10/2021. 22. Alguns dias depois do encerramento daquelas instalações, a Ré CC, Unipessoal Ldª passou a vender ao público carnes e a explorar o talho sito nas instalações do nº …, da mesma Rua …, abastecendo a antiga clientela da Ré BB - Carnes Frescas, Ldª. 3 – Caducidade do contrato de trabalho Consideram os Réus que o contrato de trabalho do Autor cessou por caducidade, nos termos do art. 343.º, al. b), do Código do Trabalho, uma vez que o contrato de trabalho do Autor cessou por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de a Ré “BB” receber o trabalho do Autor, em virtude do encerramento definitivo da empresa, inexistindo, por isso, qualquer despedimento ilícito do Autor. Mais invocaram que, em face da matéria dada como provada, não se mostram verificados os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica coletiva. Dispõe o art. 343.º, al. b), do Código do Trabalho, que: O contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente: […] b) Por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber; Estipula ainda o art. 346.º, nºs. 2 e 3, do Código do Trabalho, que 2 - A extinção de pessoa colectiva empregadora, quando não se verifique a transmissão da empresa ou estabelecimento, determina a caducidade do contrato de trabalho. 3 - O encerramento total e definitivo de empresa determina a caducidade do contrato de trabalho, devendo seguir-se o procedimento previsto nos artigos 360.º e seguintes, com as necessárias adaptações. Da análise dos artigos citados resulta que os casos indicados nos nºs. 2 e 3 do art. 346.º do Código do Trabalho se reportam a uma situação de impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o empregador receber a prestação de trabalho do trabalhador. No caso dos autos foi invocada a situação de encerramento total e definitivo da empresa na qual o trabalhador laborava. Neste tipo de situação, são pressupostos para que se verifique uma situação de caducidade do contrato de trabalho do trabalhador que (i) a empresa empregadora encerre (ii) totalmente e (iii) de forma definitiva. Conforme bem refere Maria do Rosário Palma Ramalho no Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais:[12] Assim, só ocorre a caducidade do contrato de trabalho quando se verifique o encerramento total e definitivo da empresa: do requisito de que o encerramento da empresa seja total retira-se que o contrato não cessa por virtude do encerramento do estabelecimento no qual o trabalhador presta o serviço, caso em que o trabalhador deve, simplesmente, ser deslocado para outro local de trabalho; do requisito de que o encerramento seja definitivo decorre que a paragem temporária da laboração ou o encerramento temporário da empresa não constituem motivo justificativo da cessação do contrato. Apreciemos, então, a situação em apreço. Resulta do facto provado 19, que, por carta datada de 01-10-2021, o Réu DD, invocando a qualidade de gerente da Ré “BB”, comunicou ao Autor a “caducidade do contrato de trabalho celebrado com esta empresa, com efeito imediatos, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 343º, do Código do Trabalho”, atenta “necessidade de encerramento do estabelecimento”. Resulta igualmente provado que a Ré “BB” apenas encerrou o talho que explorava no final do mês de outubro (facto provado 21), constando da declaração de encerramento da atividade desta sociedade que o mesmo ocorreu em 31-10-2021, pelo que os requisitos inerentes à caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva do empregador receber o trabalho do trabalhador apenas se verificaram em 31-10-2021 e não em 01-10-2021, conforme fundamento da carta que determinou a caducidade do contrato do Autor com efeitos imediatos em 01-10-2021. Acresce que é totalmente irrelevante para a aplicação do art. 343.º, al. b), do Código do Trabalho, a circunstância de o Autor não ser empregado do talho, mas sim do armazém, visto que é requisito necessário para a caducidade do contrato de trabalho dos trabalhadores nestas situações que, por um lado, haja o encerramento da empresa, e, por outro, tal encerramento seja total e não meramente parcial. Deste modo, efetivamente quando a Ré “BB” comunicou ao Autor que o seu contrato de trabalho tinha caducado com efeitos imediatos em 01-10-2021, tal não se verificava, mantendo-se, por isso, em execução o contrato de trabalho existente entre o Autor e a Ré “BB”. E, a ser assim, estamos perante uma situação de despedimento, a qual por não ser precedida de um processo, designadamente disciplinar ou de extinção do posto de trabalho, é ilícito. Improcede, deste modo a pretensão dos Réus quanto à cessação do contrato de trabalho do Autor por caducidade. Uma vez que não veio impugnado o valor arbitrado pela indemnização prevista no art. 391.º do Código do Trabalho, não nos pronunciaremos sobre a mesma. 4 – Responsabilização dos Réus DD e “CC” pelas dívidas laborais da Ré “BB” Entendem os Réus que o Réu DD não pode ser responsabilizado pelas dívidas laborais imputadas à Ré “BB”, uma vez que não resultam da matéria dada como assente os requisitos impostos pelo art. 335.º do Código do Trabalho, o qual remete, por sua vez, para o disposto nos arts. 78.º e 79.º do Código das Sociedades Comerciais. Referem igualmente que a Ré “CC” também não pode ser responsabilizada pelas dívidas da Ré “BB”, visto inexistir qualquer relação de grupo entre as sociedades, nos termos do art. 334.º do Código do Trabalho, nem se verificarem quaisquer dos pressupostos previstos no art. 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais. Esclarecem, por fim, que, de igual modo, não se verificam os pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica, pelo que os Réus DD e “CC” também, por aí, não podem ser responsabilizados pelas dívidas da Ré “BB”. Decidamos. Relativamente à responsabilização do Réu DD pelas dívidas da sociedade Ré “BB” importa, em primeiro lugar, ter presente o disposto nos arts. 334.º e 335.º do Código do Trabalho e 78.º e 79.º do Código das Sociedades Comerciais. Estipula o art. 334.º do Código do Trabalho que: Por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses, respondem solidariamente o empregador e sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais. Consagra também o art. 335.º do Código do Trabalho que: 1 - O sócio que, só por si ou juntamente com outros a quem esteja ligado por acordos parassociais, se encontre numa das situações previstas no artigo 83.º do Código das Sociedades Comerciais, responde nos termos do artigo anterior, desde que se verifiquem os pressupostos dos artigos 78.º, 79.º e 83.º daquele diploma e pelo modo neles estabelecido. 2 - O gerente, administrador ou director responde nos termos previstos no artigo anterior, desde que se verifiquem os pressupostos dos artigos 78.º e 79.º do Código das Sociedades Comerciais e pelo modo neles estabelecido. Por sua vez, estatui o art. 78.º do Código das Sociedades Comerciais que: 1 - Os gerentes ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos. 2 - Sempre que a sociedade ou os sócios o não façam, os credores sociais podem exercer, nos termos dos artigos 606.º a 609.º do Código Civil, o direito de indemnização de que a sociedade seja titular. 3 - A obrigação de indemnização referida no n.º 1 não é, relativamente aos credores, excluída pela renúncia ou pela transacção da sociedade nem pelo facto de o acto ou omissão assentar em deliberação da assembleia geral. 4 - No caso de falência da sociedade, os direitos dos credores podem ser exercidos, durante o processo de falência, pela administração da massa falida. 5 - Ao direito de indemnização previsto neste artigo é aplicável o disposto nos n.os 2 a 6 do artigo 72.º, no artigo 73.º e no n.º 1 do artigo 74.º Por fim, determina o art. 79.º do Código das Sociedades Comerciais que: 1 - Os gerentes ou administradores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que directamente lhes causarem no exercício das suas funções. 2 - Aos direitos de indemnização previstos neste artigo é aplicável o disposto nos n.os 2 a 6 do artigo 72.º, no artigo 73.º e no n.º 1 do artigo 74.º Da conjugação dos artigos citados, e tendo em atenção o que releva no caso concreto dos autos, a responsabilidade solidária do sócio gerente relativamente aos encargos laborais da sua empresa existe sempre que se comprove (i) que o património social da empresa se tonou insuficiente para a satisfação desses créditos, (ii) devido à inobservância, por parte desse sócio gerente, das disposições legais ou contratuais destinadas à proteção dos credores da sociedade; (iii) sendo essa inobservância de carácter culposo. E, a ser assim, importa desde já acentuar que não resulta da matéria de facto assente o primeiro dos requisitos para que o sócio gerente seja solidariamente responsável relativamente às dívidas laborais da sua sociedade, a saber, não resultou provado que o património social da empresa Ré “BB” se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos do Autor, uma vez que apenas consta da matéria provada que a referida empresa teve em 2021 problemas financeiros e que foi vendido património dessa empresa, em concreto, duas das suas viaturas automóveis (factos provados 13 a 16). Acresce que também não resulta da matéria de facto dada como provada que o Autor tenha sofrido algum dano diretamente causado pelo referido sócio gerente, no exercício das suas funções, que, nos termos gerais, mereça a tutela do direito. Nesta conformidade, inexistindo, desde logo, o primeiro dos requisitos para a aplicação do disposto no art. 78.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, bem como não se verificando, em concreto, a situação prevista no n.º 1 do art. 79.º desse Diploma Legal, não é possível, em face destes normativos legais, considerar o Réu DD solidariamente responsável com a Ré “BB” perante as dívidas laborais desta. Relativamente à responsabilização da Ré “CC” pelas dívidas da sociedade Ré “BB” importa, em primeiro lugar, ter presente o disposto no já citado art. 334.º do Código do Trabalho e nos arts. 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais, que regem as relações entre sociedades coligadas. Ora, atenta a matéria dada como provada, inexiste qualquer relação formal entre as sociedades “BB” e “CC”. A circunstância de o Réu DD ser o sócio gerente da primeira e ser o trabalhador da segunda, não configura nenhuma das situações tipificadas naqueles artigos. De igual modo, não existe coligação entre empresas quando numa o sócio gerente é o pai e na outra a sócia gerente é filha, ainda que nesta última, o pai seja o trabalhador da empresa que se encontra diariamente à frente do talho, contactando com clientes e fornecedores. Pelo exposto, em face destas disposições legais, não é possível imputar à Ré “CC” as dívidas laborais da Ré “BB”. Importa, então, por último, apreciar se, perante os factos dados como assentes, é possível fazer operar a figura da desconsideração da personalidade jurídica coletiva, de natureza subsidiária, visto que inexiste no ordenamento jurídico legal quaisquer outras normas que permitam imputar as dívidas laborais da Ré “BB” solidariamente aos Réus DD e “CC”. A figura da desconsideração da personalidade jurídica coletiva, apesar de não se encontrar expressamente regulada na lei, resulta de uma construção doutrinária e jurisprudencial que assenta numa especial proteção do princípio da boa fé, de forma a evitar situações de abuso de direito, nos termos consagrados no art. 334.º do Código Civil. Dispõe o art. 334.º do Código Civil que: É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. A desconsideração da personalidade jurídica coletiva é, por isso, apenas um instrumento no âmbito das relações das sociedades com os seus sócios ou entre sociedades que permite dar cumprimento ao disposto no art. 334.º do Código Civil. Desta forma, em situações de manifesta confusão/promiscuidade entre sociedade e respetivos sócios ou entre várias sociedades, é desconsiderada a personalidade jurídica das sociedades, visto que essa personalidade jurídica não passa de um mero estratagema para acobertar práticas ilícitas ou abusivas. Conforme bem refere o acórdão do STJ, proferido em 07-11-2017:[13] I - O princípio da atribuição da personalidade jurídica às sociedades e da separação de patrimónios, ficção jurídica que é, não pode ser encarado, em si, como um valor absoluto e não pode ter a natureza de um manto ou véu de protecção de práticas ilícitas ou abusivas – contrárias à ordem jurídica –, censuráveis e com prejuízo de terceiros. II - Assim, quando exista uma utilização da personalidade colectiva que seja, ou passe a ser, instrumento de abusiva obtenção de interesses estranhos ao fim social desta, contrária a normas ou princípios gerais, como os da boa fé e do abuso de direito, relacionados com a instrumentalização da referida personalidade jurídica, deve actuar a desconsideração desta, depois de se ponderarem os verdadeiros interesses em causa, para poder responsabilizar os que estão por detrás da autonomia (ficcionada) da sociedade e a controlam. De igual modo, refere o acórdão do STJ, proferido em 10-05-2016, que:[14] IX - A desconsideração da personalidade jurídica, também designada por levantamento da personalidade colectiva das sociedades comerciais, “disregard of legal entity”, tem, na sua base, o abuso do direito da personalidade colectiva, ou seja, o instituto deve ser usado, se e quando, a coberto do manto da personalidade colectiva, a sociedade ou sócios, dolosamente, utilizarem a autonomia societária para exercerem direitos de forma que violam os fins para que a personalidade colectiva foi atribuída em conformidade com o princípio da especialidade, assim almejando um resultado contrário a uma recta actuação. X - Nos casos de deliberada confusão patrimonial, bem como naqueles em que a sociedade e a sua autonomia jurídica são usadas/abusadas, com o propósito de camuflar actos lesivos dos sócios, o levantamento da personalidade jurídica societária conduz à imputação de tais actos aos sócios por eles responsáveis. Assim, para que se possa recorrer à figura da desconsideração da personalidade jurídica coletiva torna-se necessário que exista uma confusão/promiscuidade entre os patrimónios da sociedade e dos sócios ou entre sociedades e que essa confusão prossiga interesses que violem os fins para os quais a personalidade jurídica das sociedades foi criada, interesses esses contrários aos princípios da boa fé. No caso em apreço, a situação de a sociedade Ré “BB”, gerida pelo Réu DD, ter fechado o seu talho, ao mesmo tempo que cessou a sua atividade, e, passados poucos dias, ter aberto, no número ao lado, da mesma Rua, um outro talho, gerido pela sociedade Ré “CC”, pertencente à filha do Réu DD, que nada tinha a ver com a gerência de talhos, exercendo, aliás, a profissão de veterinária, talho este que tinha como seu funcionário o Réu DD, o qual estava diariamente à frente do mesmo, contactando com clientes e fornecedores, sendo a clientela deste talho a mesma do talho gerido pela Ré “BB”, permite criar uma situação de suspeição sobre estes factos e sua motivação. Porém, os elementos fundamentais para apurar da existência de uma situação de confusão de patrimónios entre a Ré “BB” e os Réus DD e a Ré “CC”, situação essa que permitiria concluir pela atribuição meramente formal da personalidade jurídica à Ré “CC”, ou não foram dados como provados ou nem sequer foram alegados. Atente-se que não resultou provado que a Ré “CC” usasse, na sua atividade comercial, as viaturas pertencentes à Ré “BB”. De igual modo, não foi sequer alegado que os equipamentos constantes do talho gerido pela Ré “BB” transitaram para o talho gerido pela Ré “CC; ou que o dinheiro obtido com a venda de património da Ré “BB” foi utilizado nas obras do talho gerido pela Ré “CC”, bem como na compra de equipamento para esse talho; ou que, para além da clientela, também os fornecedores do talho gerido pela Ré “CC” eram exatamente os mesmos do talho anteriormente gerido pela Ré “BB”. Acresce que dos factos provados nem sequer se apurou qual o destino dado ao dinheiro resultante da venda de duas viaturas automóveis pertencentes à Ré “BB”, nem se esta ainda possui património e, na afirmativa, qual o montante desse património, de forma a aferir da respetiva situação financeira, e, consequentemente, da sua capacidade para proceder ao pagamento das suas dívidas laborais. Atente-se que a sociedade “BB” não foi apresentada à insolvência, quer a pedido da própria, quer a pedido de eventuais credores. Por fim, também se dirá que dos factos apurados não resulta por parte do Réu DD a adoção de qualquer comportamento de confusão entre o património da Ré “BB” e o seu ou de desvio doloso de património da Ré “BB” para o seu património ou para o património da Ré “CC”. Assim, é manifesto que não é possível, com a matéria de facto apurada, socorrermo-nos da figura da desconsideração da personalidade jurídica coletiva, pelo que, quanto à imputação de responsabilidade solidária aos Réus DD e “CC” pelas dívidas laborais da sociedade “BB”, procede, nesta parte, o recurso interposto, sendo os Réus DD e “CC” absolvidos do pedido. ♣ V – DecisãoPelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, em determinar a revogação parcial da sentença recorrida na parte em que condenou os Réus “CC, Unipessoal Lda.” e DD no pagamento solidário dos créditos devidos pela Ré “BB – Carnes Frescas, Lda.”, a qual se substitui nos seguintes termos: - Absolve-se os Réus “CC, Unipessoal Lda.” e DD de todos os pedidos. No demais, mantém-se a sentença recorrida. Custas na proporção do respetivo decaimento (art. 527.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo da isenção do Autor (art. 4.º, n.º 1, al. h), do Regulamento das Custas Processuais). Notifique. ♣ Évora, 14 de setembro de 2023Emília Ramos Costa (relatora) Paula do Paço Mário Branco Coelho __________________________________________________ [1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.ª Adjunta: Paula do Paço; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho. [2] Doravante “BB”. [3] Doravante “CC”. [4] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 143. [5] No âmbito do Proc. 24/09.2TBMDA.C2.S2, consultável em www.dgsi.pt. [6] Almedina, 2018, p.737. [7] No âmbito do processo n.º 7095/10.7TBMTS.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt. [8] No âmbito do processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt. [9] No âmbito do processo n.º 1572/12.2TBABT.E1.S1, consultável em www.dgsi.pt. [10] No âmbito do processo n.º 283/08.8TBCHV-A.G1, consultável em www.dgsi.pt. [11] No âmbito do processo n.º 219/11.9TVLSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt. [12] 6.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2016, p. 773. [13] No âmbito do processo n.º 919/15.4T8PNF.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt. [14] No âmbito do processo n.º 136/14.0TBNZR.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt |