Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
353/10.2JAFAR-E.E1
Relator: ANTÓNIO CLEMENTE LIMA
Descritores: LIQUIDAÇÃO DA PENA
RECURSO PARA A RELAÇÃO
FALTA DE INTERESSE EM AGIR
Data do Acordão: 06/03/2014
Votação: DECISÃO DO RELATOR
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Sumário:
I - O facto de, sem prévia e formal liquidação da pena, por parte do Ministério Público, o Juiz ter procedido, motu proprio, a tal liquidação, não configura a nulidade insanável prevenida na al. b) do art. 119.º doCPP.

II - Em última instância (por via da homologação judicial prevenida no invocado n.º 4 do artigo 477.º do CPP), é ao juiz que cabe apreciar se a liquidação levada pelo Ministério Público enferma de qualquer erro de cálculo ou procedimento.

III – Os recursos não servem para dirimir questões jurídicas – mesmo que se trate da questão de saber se, à míngua de prévia liquidação, por parte do Ministério Público, o Juiz pode, por sua própria iniciativa, proceder à liquidação da pena.

IV - Não se vendo afectado ou necessitado de tutela qualquer direito do Ministério Público, este carece de interesse em agir – artigo 401.º n.º 2 do CPP.
Decisão Texto Integral:
DECISÃO SUMÁRIA

1 – Nos autos de processo comum em referência, de que vem extractado o presente recurso, interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, que foi admitido e subiu em separado, por despacho de 13 de Março de 2014, procedeu-se à liquidação provisória da pena aplicada ao arguido A, posto que se aguardava, nos termos e para os efeitos prevenidos no artigo 80.º do Código Penal (CP), informação sobre eventual período de privação de liberdade sofrido, pelo mesmo arguido, no âmbito do Processo n.º 573/10.0GDLLE.

2 – Tendo sido prestada informação negativa, a Mm.ª Juiz fez continuar os autos ao Ministério Público (despacho de 13 de Fevereiro de 2014), para se pronunciar sobre a questão de tal liquidação se poder convolar em definitiva.

3 – O Dg.º Magistrado do Ministério Público nada requereu, ponderando que não resulta de fls. 4290 que a liquidação tenha natureza provisória e por pender recurso do despacho que havia procedido a tal liquidação.

4 – Em sequência a Mm.ª Juiz, sob fundamento de que se mantinham inalterados os pressupostos da precedente liquidação da pena, por não haver lugar a descontos, converteu a mesma em definitiva – despacho de 19 de Fevereiro de 2014.

5 – O Dg.º Magistrado do Ministério Público em 1.ª instância, interpôs recurso deste despacho, sob alegação, em síntese e sob invocação do disposto no artigo 477.º n.º 4 do Código de Processo penal (CPP), (i) de que a liquidação da pena é da competência do Ministério Público, e não do Juiz, a este estando tão-apenas reservada a competência para homologar ou não a liquidação levada pelo Ministério Público, e (ii) de que, pendente recurso do despacho que havia procedido à liquidação provisória da pena, não cabia proceder à pretextada liquidação definitiva.

6 – Defende que só o Ministério Público dispõe de competência para liquidar penas e que o despacho revidendo é nulo, nos termos do disposto nos artigos 119.º alínea b) e 477.º n.º 2 do CPP, tendo sido violado o disposto nos artigos 477.º n.os 2 e 4 e 469.º do CPP, e no artigo 3.º n.º 1 alínea g) do Estatuto do Ministério Público.

7 – Pretende a revogação do despacho recorrido e a substituição do mesmo por decisão que determine a abertura de «vista» ao Ministério Público quando descer o recurso anteriormente interposto, a fim de proceder à liquidação da pena do arguido.

8 – O Dg.mo Procurador-Geral Adjunto, neste Tribunal, é de parecer que o recurso deve ser rejeitado ou, não sendo caso, deve ser julgado improcedente.

II

9 – O Dg.º recorrente limita o recurso à invocação do incumprimento de uma formalidade processual – reportada ao facto de, sem prévia e formal liquidação da pena, por parte do Ministério Público, o Juiz ter procedido, motu proprio, a tal liquidação.

10 – Incumprimento que não se vê que traduza a arguida invalidade, prevenida na alínea b) do artigo 119.º do CPP, que respeita à falta de promoção do procedimento penal, pelo Ministério Público, nos termos previstos nos artigos 48.º e seguintes do CPP, vale dizer, que atine à questão da legitimidade para promover o processo penal.

11 – De resto, trata-se de piáculo que também não ganha respaldo no invocado artigo 469.º do CPP, concernente à promoção da execução das decisões do Tribunal.

12 – Por outro lado, o deciso sindicado nem sequer configura qualquer violação do disposto no artigo 80.º do CP, posto que, apurado, como foi, que não havia lugar a descontos a efectuar nos termos do ali preceituado, ao Ministério Público competiria emitir pronúncia sobre a liquidação precedente, designadamente, fazendo-a definitiva.

13 – E assim, como, douta e incontornavelmente se sublinha no douto parecer que precede, independentemente da pendência do recurso interposto pelo mesmo Ministério Público (acima reportado, recurso que, ao que se informa, veio a ser rejeitado, por manifesta improcedência).

14 – Ademais, em última instância (por via da homologação judicial prevenida no invocado n.º 4 do artigo 477.º do CPP), é ao juiz que cabe apreciar se a liquidação levada pelo Ministério Público enferma de qualquer erro de cálculo ou procedimento.

15 – De resto, a decisão ínsita no despacho revidendo é sempre sindicável – artigo 477.º n.º 4 do CPP e artigo 141.º alínea i) do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

16 – Por outro lado ainda, é sabido, os recursos não servem para dirimir questões jurídicas – mesmo a subida questão de saber se, à míngua de prévia liquidação, por parte do Ministério Público, o Juiz pode, por sua própria iniciativa, proceder à liquidação da pena.

17 – Isto posto, bem pode dizer-se, sem qualquer desdouro para o esforço argumentativo do Dg.º recorrente, que se está em presença de um inaudito caso de conflito positivo de competência, sem qualquer utilidade processual – artigo 130.º do Código de Processo Civil, ex vi do disposto no artigo 4.º do CPP.

18 – Tudo para concluir que, não se vendo afectado ou necessitado de tutela qualquer direito do Dg.º recorrente, este carece de interesse em agir – artigo 401.º n.º 2 do CPP.

19 – Por que assim, o recurso não devia ter sido admitido, sendo que a decisão que o recebeu não vincula este Tribunal – artigo 414.º n.os 2 e 3 do CPP.

20 – Por consequência, impõe-se a rejeição do recurso – artigo 420.º n.º 1 alínea b) do CPP.

22 – Não cabe sanção processual e não cabe tributação – artigos 420.º n.º 3 e 522.º n.º 1 do CPP.

III

23 – Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se rejeitar o recurso interposto pelo Ministério Público.

Évora, 3 de Junho de 2014

(António Manuel Clemente Lima)