Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
7211/15.2T8STB.E1
Relator:
MOISÉS SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CONVERSÃO DA INCAPACIDADE TEMPORÁRIA EM PERMANENTE
PERÍCIA POR JUNTA MÉDICA
SUBSÍDIO POR ELEVADA INCAPACIDADE PERMANENTE
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
i) decorrido o prazo de 18 meses após a data do acidente sem que tenha sido pedida a prorrogação do prazo, a incapacidade temporária converte-se em incapacidade permanente, devendo o tribunal ordenar a realização de exame médico-legal ao sinistrado e fixar ao sinistrado a incapacidade permanente de que o sinistrado é portador nessa data, bem como a respetiva pensão, a qual é devida a partir dessa data, mesmo que só fixada posteriormente após avaliação médico-legal.

ii) a incapacidade permanente fixada só pode ser alterada no incidente de revisão previsto nos art.ºs 70.º da Lei n.º 98/2009, de 14.09 e 145.º do CPT.

iii) a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual confere ao beneficiário direito a um subsídio fixado entre 70 % e 100 % de 12 vezes o valor de 1,1 IAS, tendo em conta a capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível. sumário do relator

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelante: Liberty Seguros, Compañia de Seguros y Reaseguros, SA – Sucursal em Portugal (ré).

Apelado: N… (sinistrado).

Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo do Trabalho de Setúbal, J2.

1. Tendo sido participado um acidente sofrido em 23.07.2014, em Águas de Moura pelo sinistrado no local e durante o tempo de trabalho que prestava em Setúbal, como motorista na “A Roda do Tempo, Transportes Unipessoal, Lda”, em execução do contrato de trabalho com esta celebrado.

Decorre ainda dos autos, fls. 130 a 132, que foi realizada a tentativa de [não]conciliação e proposto pelo Ministério Público:

1) - Retribuição de € 580 x 14 meses + outras remunerações de € 200 x 12 meses a que corresponde a retribuição anual bruta de € 10 520.

2) - Descrição do acidente – ter sido atingido por um porta-paletes.

3) - Lesões corporais sofridas no acidente - fratura da perna direita com cicatrizes distróficas do tornozelo, com ulceração ao nível do maléolo externo e rigidez do tornozelo direito, conforme consta da documentação clínica junta aos autos e da perícia médica do GML e da Junta Médica.

4) – Exame médico singular no GML, o perito médico converteu a ITA em IPA com efeitos a partir de 23.01.2017.

A Companhia Seguradora, através do seu legal representante declarou, em relação às pretensões do sinistrado, o seguinte:

a) - Reconhece o acidente dos autos como de trabalho, bem como a sua responsabilidade emergente do acidente em função da retribuição atrás referida.

b) Disse ainda não estar de acordo com a avaliação da incapacidade feita pelo perito do GML, que converteu a ITA em IPA com efeitos a partir de 23-01-2017, em consonância com a jurisprudência existente, sendo que o douto Acórdão referido no despacho de 27/11/2015 é no sentido de tal conversão só ser automática “quanto à natureza da incapacidade, mas não quanto ao grau”.

c) Não aceita proceder ao pagamento do montante de € 5 561,40, reclamada a título de subsídio por situação de elevada incapacidade, por considerar que o mesmo não é devido, atento a mera conversão da incapacidade temporária em permanente, a qual opera por força da lei sendo, portanto, ficcionada. Entende a sua representada que este subsídio apenas será devido caso se verifique uma efetiva IPA (não resultante de uma conversão) ou uma IPP igual ou superior a 70%, conforme douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23/02/2005, proferido no âmbito do processo nº 9469/2004.

d) Nestes termos, não aceita a conciliação nos termos do acordo proposto pela Procuradora da República, apenas aceitando liquidar a pensão referente à incapacidade que lhe vier a ser fixada em sede de exame por junta médica.

Realizado o respetivo exame pela Junta Médica, requerida com apresentação de quesitos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 138.º n.º 2 do Código de Processo do Trabalho.

Este Tribunal da Relação de Évora já conheceu de recurso interposto pela seguradora, na qual decidiu:

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação parcialmente procedente, revogar o despacho recorrido na parte em que considerou o sinistrado afetado de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho e lhe atribuiu o subsídio por situações de elevada incapacidade e confirmá-lo quanto ao mais.

As questões decididas nesse recurso foram as seguintes:

1. A conversão da incapacidade temporária absoluta em incapacidade permanente.
2. A fixação da pensão provisória às filhas do sinistrado.
3. O subsídio por situações de elevada incapacidade.
A primeira questão foi decidida no sentido de que a conversão da incapacidade temporária absoluta em incapacidade permanente, carece de fixação do respetivo grau, pois o que se converte é a incapacidade temporária em permanente e não a percentagem de incapacidade temporária em igual percentagem de incapacidade permanente de forma automática, tendo o despacho recorrido sido revogado nesta parte.

A segunda questão foi decidida no sentido de que a pensão provisória referida no art.º 52.º da atual LAT deve ser paga pela entidade responsável pela reparação do acidente de trabalho, independentemente de requerimento do sinistrado ou decisão judicial, desde o dia seguinte à data da alta, tendo sido confirmado o despacho recorrido.

A terceira questão foi decidida no sentido de que a atribuição do subsídio por situações de elevada incapacidade carecia da prévia fixação do grau de incapacidade permanente para apura se em face desta é devido.

Foi proferida sentença com a decisão seguinte:

Destarte, julgo a ação procedente e em conformidade:

1) Condeno a ré Liberty Seguros, Sa, a pagar ao A., com efeitos a partir de 13.03.2019, a pensão anual e vitalícia de € 5 680, a qual atualizará automática e imediatamente, nos termos do art.º 8.º n.º 1 do DL 142/99, de 30 de abril;

2) A referida pensão anual e vitalícia será paga, adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, acrescendo os subsídios de férias e de Natal, no valor cada um de 1/14 da pensão anual, pagos, respetivamente, nos meses de maio e de novembro – art.º 51.º n.ºs 1 e 2 do DL 143/99, de 30 de abril.

3) Pagará a ré, ainda, juros de mora, à taxa do art.º 559.º n.º 1 do CCivil, desde o momento em que deveria ter pago cada uma das prestações já vencidas e até integral pagamento.

4) Mais se condena a ré seguradora a pagar ao A., por uma única vez, a quantia de € 5 561,42, a título de subsídio de elevada incapacidade permanente,

Custas a cargo da entidade responsável Liberty Seguros, SA (art.º 527.º (art.º 466.º CPC 1961), n.º 1, in fine, do Código de Processo Civil,, aplicável subsidiariamente por força do disposto no art.º 1.º n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho), fixando-se o valor nestes autos, nos termos do art.º 120.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, no valor que resultar da aplicação das reservas matemáticas à pensão estabelecida, acrescida das outras prestações com expressão pecuniária[1] – art.º 120.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo do Trabalho, incluindo emolumentos aos Srs. peritos médicos, na redação em vigor aquando do início destes autos.

2. Inconformada, veio a seguradora interpor recurso de apelação motivado e as conclusões seguintes:

1. A douta decisão recorrida é nula, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, por omissão de pronúncia.

2. No seu requerimento de 09/02/2021 a recorrente suscitou duas questões relativas ao pagamento da indemnização final devida ao recorrido, a saber, o desconto da pensão provisória no valor da indemnização final, e se após a fixação pensão devida pela IPP de 20% com IPATH fixada ao recorrido deverá continuar a descontar o valor das prestações de alimentos das filhas menores do recorrido a esta pensão. Porém, na douta sentença recorrida, o douto Tribunal a quo não se pronunciou sobre estas questões.

3. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre duas questões que deveria ter conhecido.

4. O presente recurso visa ainda submeter à apreciação do Tribunal Superior tanto a matéria de facto, como a matéria de direito considerada pela Douta Sentença de que se recorre.

5. Deve ser adicionado ao elenco dos factos provados um facto com a seguinte redação “A título de pensão provisória referente ao período de 24/01/2017 a 09/02/2021 a entidade seguradora liquidou ao autor a quantia de € 43 773,85.”

6. Este facto resulta provado através do requerimento apresentado pela recorrente no dia 09/02/2021 e do documento que o acompanha, bem como da circunstância do recorrido não ter impugnado o facto de ter recebido este montante a título de pensão provisória.

7. O subsídio de elevada incapacidade devido ao recorrido deve ser calculado nos termos do disposto no artigo 67.º n.º 3 da LAT, de acordo com fórmula [12 x (1.1 IAS) – 12 x (1.1 IAS) x 70% x IPP] + [12 x (1.1 IAS) x 70%].

8. Sendo certo que, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 67.º da LAT o valor IAS corresponde ao que estiver em vigor à data do acidente.

9. O subsídio por elevada incapacidade devido ao recorrido ascende ao montante de € 4 205,60.

10. A recorrente liquidou ao recorrido uma pensão provisória calculada com base na circunstância de, em 23/01/2017 se ter operado a conversão de ITA que afetava o recorrido em IPA, liquidando assim uma pensão provisória no montante anual de € 10 520,00, sendo tal montante bastante superior à pensão provisória que havia sido fixada por este douto Tribunal da Relação.

11. Salvo melhor entendimento, a jurisprudência citada pelo douto Tribunal a quo no despacho de 01/03/2021 não tem aplicação no caso dos presentes autos.

12. De facto, esta jurisprudência, em abstrato, apenas tem aplicação quando se esteja perante uma pensão provisória que seja fixada com base no disposto no artigo 122.º do Código do Processo do Trabalho.

13. No caso em concreto, a pensão provisória foi fixada a cargo da recorrente por existir acordo quanto à existência e caraterização do acidente como sendo de trabalho e, por outro lado, a sentença final foi condenatória, pelo que não se pode aplicar a jurisprudência citada no douto despacho de 01/03/2021.

14. A pensão provisória liquidada pela recorrente nos presentes autos resulta do disposto no artigo 121.º do Código do Processo do Trabalho e do artigo 52.º da LAT.

15. O n.º 5 do artigo 52.º da LAT estabelece que “Os montantes pagos nos termos dos números anteriores são considerados aquando da fixação final dos respetivos direitos.”.

16. Os valores pagos pela recorrente a título de pensão provisória deverão ser deduzidos ao valor das pensões que a recorrente foi condenada a pagar ao recorrido, com vencimento em 12 de março de 2019, considerando-se extinta a obrigação de pagamento das indemnizações finais na medida dos valores já pagos a título de pensão provisória.

17. Entende a recorrente que deve ser efetuada uma compensação entre o valor de todas as indemnizações agora fixadas e o valor liquidado pela recorrente a título de pensão provisória.

18. Uma vez que estamos perante uma pensão anual e vitalícia que não é obrigatoriamente remível considera a recorrente o valor da pensão provisória deve, em primeiro lugar, ser descontada ao valor ao valor das pensões devidas até à presente data e ao subsídio por elevada incapacidade, considerando-se a obrigação de pagamento destas indemnizações extintas e posteriormente deve ser suspenso o pagamento da pensão anual e vitalícia até perfazer o remanescente do valor da pensão provisória liquidada.

Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Exa. mui doutamente suprirá, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a Douta Decisão recorrida, substituindo-a por outra nos exatos termos defendidos.

3. O sinistrado respondeu em extensas conclusões onde concluiu pela improcedência da apelação.

4. O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer de concordância com a sentença recorrida.

Notificado, não foi apresentada resposta.

5. Dispensados os vistos, por acordo, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

6. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.

Questões a decidir:

1 – Nulidades da sentença.

2 – Acrescentar um facto provado.

3 – Desconto da pensão provisória no valor da indemnização final e desconto do valor das prestações de alimentos das filhas menores do recorrido a esta pensão.

4 – O subsídio por situações de elevada incapacidade.

FUNDAMENTAÇÃO

A) DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os factos seguintes:

a) O sinistrado N…, foi vítima no dia 23.07.2014, em Águas de Moura, de um acidente de trabalho.

b) Tal acidente verificou-se quando o sinistrado prestava o seu trabalho de Motorista na “A Roda do Tempo, Transportes Unipessoal, Lda” em execução do contrato de trabalho com esta celebrado.

c) O acidente consistiu em: ter sido atingido por um porta-paletes, tendo como lesões corporais sofridas no acidente - fratura da perna direita com cicatrizes distróficas do tornozelo, com ulceração ao nível do maléolo externo e rigidez do tornozelo direito, conforme consta da documentação clínica junta aos autos e da perícia médica do GML e da Junta Médica.

d) À data do acidente o sinistrado auferia a remuneração base de € 580 x 14 meses + outras remunerações de € 200 x 12 meses a que corresponde a retribuição anual bruta de € 10 520.

e) A entidade patronal suprarreferida tinha a responsabilidade emergente do acidente de trabalho transferida para a Liberty Seguros, SA.

f) Em exame médico realizado no GML, o perito médico converteu a ITA em IPA com efeitos a partir de 23.01.2017.

g) A Junta Médica e a conferência de Médicos, fixaram IPP de 20% com IPATH e a data da alta ocorrida a 12.03.2019.

B) APRECIAÇÃO

B1) As nulidades da sentença

A apelante conclui que a sentença é nula porque: não se pronuncia sobre o desconto da pensão provisória no valor da indemnização final e no desconto do valor das prestações de alimentos das filhas menores do recorrido a esta pensão, questões de que cumpria conhecer.

A apelante tem razão, a sentença é ostensivamente nula, porquanto estas questões são de conhecimento oficioso e, além disso, foram suscitadas expressamente pela apelante ainda antes da prolação da sentença.

Embora a sentença recorrida discorra sobre teses filosóficas, a verdade é que não aplica a teoria que apregoa ao caso concreto e não realiza a justiça do caso concreto ao não se pronunciar sobre as questões expressamente colocadas pela recorrente.

Assim, em face do non liquet da sentença recorrida, cabe a este tribunal da Relação suprir a falta, nos termos do art.º 665.º do CPC, o que fará quando apreciar o mérito destas questões.

B2) O acrescento de um facto provado

A apelante conclui que deve ser adicionado ao elenco dos factos provados um facto com a seguinte redação: “A título de pensão provisória referente ao período de 24/01/2017 a 09/02/2021 a entidade seguradora liquidou ao autor a quantia de € 43 773,85.”

Argumenta que este facto resulta provado através do requerimento apresentado pela recorrente no dia 09/02/2021 e do documento que o acompanha, bem como da circunstância do recorrido não ter impugnado o facto de ter recebido este montante a título de pensão provisória.

Em face dos documentos juntos pela seguradora e em face da não impugnação pelo sinistrado que foi expressamente notificado do requerimento e dos documentos apresentados pela seguradora, damos como provado o facto pretendido pela apelante.

Assim, acrescenta-se ao elenco dos factos provados o seguinte:

“A título de pensão provisória referente ao período de 24/01/2017 a 09/02/2021 a entidade seguradora liquidou ao autor a quantia de € 43 773,85.”

B3) Desconto da pensão provisória no valor da indemnização final e desconto do valor das prestações de alimentos das filhas menores do recorrido a esta pensão

O art.º 52.º da Lei n.º 98/2009, de 04.09, prescreve:

1 – Sem prejuízo do disposto no Código de Processo do Trabalho, é estabelecida uma pensão provisória por incapacidade permanente entre o dia seguinte ao da alta e o momento de fixação da pensão definitiva.

2 – A pensão provisória destina-se a garantir uma proteção atempada e adequada nos casos de incapacidade permanente sempre que haja razões determinantes do retardamento da atribuição das prestações.

3 - A pensão provisória por incapacidade permanente inferior a 30 % é atribuída pela entidade responsável e calculada nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 48.º, com base na desvalorização definida pelo médico assistente e na retribuição garantida.

4 - A pensão provisória por incapacidade permanente igual ou superior a 30 % é atribuída pela entidade responsável, sendo de montante igual ao valor mensal da indemnização prevista na alínea e) do n.º 3 do artigo 48.º, tendo por base a desvalorização definida pelo médico assistente e a retribuição garantida.

5 - Os montantes pagos nos termos dos números anteriores são considerados aquando da fixação final dos respetivos direitos.

A apelante efetuou o pagamento de pensão provisória a partir de 24.01.2017, pelo que nos termos do n.º 5 do artigo acabado de citar a sentença final deveria ter considerado o valor pago pela seguradora a este título.

A apelante seguradora pagou ao autor a quantia de € 43 773,85, a título de pensão provisória entre 24.01.2017 e 09/02/2021, pelo que este montante tem de ser tido em conta na pensão definitiva que for fixada.

O tribunal recorrido fixou a pensão anual e vitalícia em € 5 680, com efeitos a partir de 13.03.2019, mas erradamente.

A pensão anual e vitalícia é devida desde o dia seguinte da data da conversão da incapacidade temporária em incapacidade permanente, ou seja, desde 24.01.2017.

O montante da pensão e a eventual atribuição do subsídio por situações de elevada incapacidade ficou dependente da fixação do grau de incapacidade.

No acórdão anteriormente proferido neste processo por esta Relação, sobre esta matéria, escreveu-se:

“A incapacidade temporária converteu-se em permanente a partir de 23.01.2017, tendo o perito médico considerado esta incapacidade permanente como absoluta.

Contrariamente ao referido pela apelante seguradora, resulta inequivocamente dos autos que o perito médico do tribunal converteu a incapacidade temporária absoluta em incapacidade permanente absoluta por força da lei. O clínico, contudo, pediu os elementos clínicos à seguradora para avaliar, atualmente, as consequências médico-legais decorrentes do acidente de trabalho e que a junta médica solicitada na fase contenciosa certamente irá analisar.

Daí que, neste momento, deve considerar-se que o perito médico reavaliou o grau de incapacidade do sinistrado como prescreve a lei, e considerou que é portador de incapacidade permanente absoluta para o trabalho.

Todavia, uma vez que a seguradora não aceitou o grau de incapacidade atribuído pelo perito médico, não podemos afirmar que o sinistrado é atualmente portador de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho. É certo que é portador de incapacidade permanente, mas o grau de incapacidade será o que for fixado após a realização da junta médica e eventualmente de outras diligências de prova que o tribunal entenda por bem realizar para a concreta avaliação do dano corporal, nomeadamente relatório do Instituto de Emprego e Formação Profissional para análise do posto de trabalho do autor”.

Na sequência da junta médica, foi fixada ao sinistrado incapacidade absoluta para o trabalho habitual com incapacidade permanente para o trabalho em geral de 20%.

É esta incapacidade que deve servir de base de cálculo à pensão desde o dia seguinte à data da conversão da incapacidade temporária em incapacidade permanente.

A alta de 12.03.2019, referida pela junta médica, não tem relevância para efeito de fixação do início da incapacidade permanente, o qual ocorreu em 23.01.2017, como já referimos.

Assim, altera-se a sentença recorrida quanto à data do início da pensão, a qual é devida desde 24.01.2017 e não desde 13.03.2019.

Nos termos do art.º 52.º n.º 5 da Lei n.º 98/2009, de 04.09, o montante de € 43 773,85 deve ser deduzido ao valor da pensão a que a entidade seguradora foi condenada a pagar ao sinistrado, devida desde 24.01.2017[2].

A apelante pretende ainda saber “se após a fixação da pensão devida pela IPP de 20% com IPATH fixada ao recorrido deverá continuar a descontar o valor das prestações de alimentos das filhas menores do recorrido a esta pensão”.

A resposta é sim.

Tendo o desconto sido ordenado pelo tribunal competente para o efeito, qualquer alteração só poderá ser efetuada pelo mesmo tribunal.

Ao tribunal do trabalho compete fixar os direitos. Uma vez fixada a pensão, quaisquer ónus ou encargos que venham a incidir sobre a mesma, decretados por outro tribunal só perante este poderão ser derimidos.

B4) O subsídio por situações de elevada incapacidade

O art.º 67.º da Lei n.º 98/2009, de 04.09, prescreve:

1 - O subsídio por situações de elevada incapacidade permanente destina-se a compensar o sinistrado, com incapacidade permanente absoluta ou incapacidade permanente parcial igual ou superior a 70 %, pela perda ou elevada redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho.

3 - A incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual confere ao beneficiário direito a um subsídio fixado entre 70 % e 100 % de 12 vezes o valor de 1,1 IAS, tendo em conta a capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível.

5 - O valor IAS previsto nos números anteriores corresponde ao que estiver em vigor à data do acidente.

O acidente ocorreu em julho de 2014. Nessa data o Indexante de apoios sociais era no montante de € 419,22.

Tendo em conta a capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão pelo sinistrado, a sua profissão e idade, fixa-se em 85% a percentagem a ter em conta.

Assim, fixa-se o subsídio por situações de elevada incapacidade permanente em € 4 703,65 (€ 419,22 x 1.1 x 12 x 85%).

Altera-se assim a sentença na parte em que o fixou no montante de € 5 561,42.

Nesta conformidade, a apelação procede parcialmente, nos termos acima referidos.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação procedente parcialmente e em consequência decidem:

1 - Alterar a sentença recorrida e condenar a ré Liberty Seguros, SA, a pagar ao sinistrado, com efeitos a partir de 24.01.2017, a pensão anual e vitalícia de € 5 680 (cinco mil seiscentos e oitenta euros), a qual atualizará automática e imediatamente, nos termos do art.º 8.º n.º 1 do DL 142/99, de 30 de abril, devendo ser deduzido ao valor da pensão a que a entidade seguradora foi condenada a pagar ao sinistrado a quantia de € 43 773,85 (quarenta e três mil, setecentos e setenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos) já paga ao sinistrado pela seguradora desde 24.01.2017.

2 – Alterar a sentença recorrida e condenar a ré seguradora a pagar ao sinistrado, por uma única vez, a quantia de € 4 703,65 (quatro mil, setecentos e três euros e sessenta e cinco cêntimos), a título de subsídio por situações de elevada incapacidade permanente.

3 – Confirmar quanto ao mais a sentença recorrida.

4 – Fixar o valor da ação em € 92 079,09 (noventa e dois mil, setenta e nove euros e nove cêntimos) (art.º 120.º do CPT).

Custas pela apelante seguradora e sinistrado, na proporção do decaimento, sem prejuízo da isenção de que este beneficia.

Notifique.

(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 16 de dezembro de 2021.

Moisés Silva (relator)

Mário Branco Coelho

Paula do Paço

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[1] O sr. juiz do processo deveria ter fixado em concreto o valor da ação para imediata compreensão das partes e secção de processos, para os devidos e necessários efeitos.

Só não se ordena a baixa do processo para o efeito, por se tratar de processo urgente e assim evitar mais demoras.

[2] Neste sentido, Ac. RE, de 24.05.2018, processo n.º 207/14.3TTPTM.E1, www.dgsi.pt/jtre.