Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1029/18.2PCSTB.E2
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Data do Acordão: 11/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I - As alterações introduzidas no Regime de Permanência na Habitação (RPH) pela Lei 94/2017 de 23.08, implicam dever considerar-se ter o RPH atualmente natureza mista, do ponto de vista dogmático. De pena de substituição em sentido amplo ou impróprio, na medida em que, tendo natureza privativa da liberdade, pode ser decidida na sentença condenatória em alternativa ao cumprimento da pena de prisão em meio prisional. De mera modalidade ou forma de execução da pena de prisão, uma vez que pode ser aplicada na fase de cumprimento de pena em consequência da revogação de pena não privativa da liberdade aplicada em substituição da pena de prisão, nos termos do art. 43º nº 1 c), C. Penal.

II - Diferentemente do que sucede relativamente à substituição da pena principal por pena de substituição em sentido próprio, em que o juízo de adequação e suficiência é reportado às finalidades das penas tal como estabelecidas no art. 40º do C. Penal, o critério legal de aplicação do RPH em alternativa à execução em meio prisional, é reportado – corretamente, em nosso ver – às finalidades específicas da execução da pena de prisão tal como estabelecidas no art. 42.º C. Penal, que define claramente como orientação específica da execução da pena de prisão, a reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

III - Tendo o tribunal de condenação optado pelo cumprimento efetivo da pena de prisão, o que se impõe agora decidir é se a opção pelo RPH, que, legitimamente, merece os favores do legislador, satisfaz de forma adequada e suficiente a orientação para a reintegração social do recluso acolhida no art. 42.º CP como finalidade primeira da execução da prisão, sendo que só muito residualmente deixará de aplicar-se o RPH por exigências de prevenção geral.

Sumariado pelo relator
Decisão Texto Integral:
Em conferência, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

i. relatório
1. – Nos presentes autos de processo sumário que correm termos no Juízo Criminal de Setúbal (Juiz 3) do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, JR, divorciado, nascido em 25-10-1967, foi condenado por sentença transitada em julgado, pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º2/98, de 3-01, em concurso efetivo de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º1, al. d), da Lei n.º5/2006, de 23 de Fevereiro, em conjugação com o artigo 3.º, nº2, al. e), do mesmo diploma legal, na pena única de 14 meses de prisão efetiva.

2. Na sequência da entrada em vigor da Lei n.º94/2017, que introduziu alterações ao Cód. Penal, veio o arguido requerer a reabertura da audiência de julgamento para que lhe fosse aplicada a possibilidade legal de cumprimento de tal pena de prisão em regime de permanência na habitação, com VE, nos termos do art.º 371.º-A do Cód. Proc. Penal.

3 - Realizada aquela Audiência, o tribunal singular indeferiu a requerida substituição por regime de permanência na habitação com VE, da pena de prisão efetiva que fora aplicada ao arguido.

4. – Inconformado, vem o arguido recorrer da sentença condenatória, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões, que se reproduzem integralmente:

«CONCLUSÕES
1- Por acórdão da Relação de Évora, transitado em julgado, o recorrente foi condenado, como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3°, n.º 1 e 2 do Decreto lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, em concurso efetivo, com um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86°, n.º 1, al. d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, em conjugação com o artigo 3°, n.º 2, al. e), do mesmo diploma legal, na pena única de 14 meses de prisão efetiva.

II. Na sequência da entrada em vigor no passado dia 22/11/2017 da Lei n. 94/20 17que introduziu alterações ao Código Penal, no que aqui releva, na temática das formas de cumprimento da pena de prisão, veio o recorrente, condenado que foi na pena única de 14 meses de prisão, por decisão transitada em julgado, requerer a reabertura da audiência de julgamento para que lhe fosse aplicada a possibilidade de cumprimento de tal pena de prisão em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica.

III - Conforme relatório elaborado pela equipa de vigilância elctrónica encontram-se reunidas as condições técnicas/operacionais e as relativas aos consentimentos dos outros residentes da habitação do condenado para que a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, seja implementada.

IV - Não restam dúvidas de que a alteração legislativa em questão visionou as formas de execução da pena de prisão, permitindo-se que agora a pena de prisão em que o arguido foi condenado possa ser cumprida em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância,

V - Uma vez que pode ser aplicada nas penas de prisão até 2 anos, sendo que à data da condenação tal possibilidade legal limitava-se, por regra, até 1 ano de prisão.

VI - As normas que regulam as formas de execução das penas, por contenderem com a estrutura ou substância destas últimas, estão igualmente subordinadas aos mesmos princípios que orientam e enformam a aplicação da lei penal substantiva no tempo, reivindicando a aplicação do regime que, em concreto, se apresente mais favorável ao arguido.

VII - No caso concreto a aplicação desta nova forma de execução da pena de prisão assume-se como mais favorável ao condenado, ora recorrente,

VIlI - Encontrando-se preenchidos todos os pressupostos para aplicação da mesma.

IX - Uma vez que o cumprimento da pena em questão em regime de permanência na habitação satisfaz de forma suficiente e cabal as necessidades de prevenção geral e especial que se querem fazer valer com a pena aplicada.

X- Veja-se que o arguido, condenado, terá que se manter fechado em sua casa, o que lhe permite trabalhar, sustentando o seu agregado familiar, cumprindo com as suas responsabilidades,

XI - Porém, sem que possa andar na rua à sua vontade, ir ao café, ou praticar quaisquer outras atividades,

XII- O que obriga a uma reflexão contínua dos atos praticados e dos crimes cometidos.
XIII - O percurso do arguido, e especialmente, os seus últimos aos de vida, nomeadamente, o facto de viver com a sua companheira há cerca de 8 anos, de trabalhar para prover pelo seu sustento e para conseguir, também pagar a pensão de alimentos aos seus filhos,

XIV - Reivindicam, precisamente, que a pena de 14 meses em que fora condenado seja cumprida em regime de permanência na habitação e não em contacto com o sistema prisional como se quer fazer crer.

XV - Veja-se que, se o arguido tiver que cumprir esta pena em que foi condenado em regime de prisão efetiva, a sua companheira, por sofrer de uma incapacidade física que lhe inibe de trabalhar não poderá cumprir as responsabilidades a que se obrigaram,

XVI- O arguido perderá o seu posto de trabalho,

XVII- Sendo que, após o cumprimento da pena, a sua reintegração na sociedade será muito difícil, não tendo trabalho ou casa,

XVIII- Circunstâncias que podem ser mantidas com o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, com VE.

XIX- Ponderadas as necessidades de prevenção geral e especial, não restam dúvidas que o regime de obrigação de permanência na habitação realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, por ser suficiente para realizar a tutela do bem jurídico protegido pela norma que puniu o crime em causa, e nesta medida assegura as finalidades da prevenção geral e, facilita a ressocialização do arguido, sem estender de forma gravosa as consequências da punição ao seu agregado familiar, sempre constituindo um forte sinal de reprovação para o crime em causa.

XX - Não há dúvidas de que sendo o regime de permanência na habitação o mais favorável ao arguido terá de ser necessariamente aplicado, sob pena de estarmos perante a violação de uma norma constitucional.

XXI- O Tribunal a quo, nas considerações tecidas e nas quais baseia a não aplicação ao arguido da lei mais favorável viola um direito fundamental do arguido, precisamente por impor obstáculos à aplicação retroativa de uma lei que considera necessária e suficiente, para a tutela dos bens jurídico-penais.

XXII - No caso concreto, não se justifica o cumprimento da pena de 14 meses de prisão, em que foi condenado, em estabelecimento prisional.

XXIII- O cumprimento efetivo da pena de prisão em que foi condenado, poderá influenciar negativamente toda a vida do arguido,

XXIV- Após o cumprimento da mesma o arguido não terá trabalho, não terá casa, ficando perdido na vida como aconteceu anteriormente,

XXV- O contacto do arguido com o meio prisional, no cumprimento da pena de prisão em que é condenado, é completamente desajustado.

XXVI- As exigências de prevenção geral e especial não justificam tal medida.

XXVII- Pelo exposto, o Tribunal a quo violou entre outros o Art. 29º da CRP. e art. 44º do C.P ..

NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA:

SER A PENA DE PRISÃO APLICADA SUBSTITUÍDA PELA OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO, COM VIGILÂNCIA ELETRÓNICA.»

5. – Notificado, o MP apresentou a sua resposta, concluindo no sentido da total improcedência do recurso.

6. - Nesta Relação, o senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.

7. – Notificado daquele parecer, o arguido nada mais veio dizer.

8. – Transcrição (parcial) do despacho recorrido.

« a) DE FACTO
Factos Provados

Dos teores do acórdão da Relação de Évora, transitado em julgado, de fls. 128 e ss., da sentença proferida nos autos que faz fls. 59 e ss., do relatório social da DGRSP de fls. 53 e ss., da informação prestada pela DGRSP de fls. 180 e ss., e das declarações prestadas pelo condenado em sede de audiência de julgamento, com relevo resultaram provados os factos seguintes:

Da condenação sofrida nos autos em especial

1. Neste processo sumário n.º1029/16.2PCSTB, por factos cometidos em 18-07-2017, por acórdão da Relação de Évora proferido em 01-08-2017 e transitado em julgado em 02-10-2017, pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, em concurso efectivo de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º1, al. d), da Lei n.º5/2006, de 23 de Fevereiro, em conjugação com o artigo 3.º, nº2, al. e), do mesmo diploma legal, na pena única de 14 meses de prisão efectiva.

Tais factos pelos quais foi condenado o arguido nestes autos, traduziram-se no seguinte:

1.1. No dia 10 de Outubro de 2016, pelas 11horas e 45minutos, na Alameda das Palmeiras, em Setúbal, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula --MF.

1.2. O arguido efectuou a condução de tal veículo sem ser titular de carta de condução ou qualquer outro documento que legalmente lhe permitisse conduzir o mesmo na via pública.

1.3. O arguido tinha conhecimento que a condução de veículo ligeiro só é permitida a pessoas habilitadas para o efeito, e que não possuía qualquer documento emitido com essas finalidades.

1.4. No interior do referido veículo, o arguido guardava na consola central da viatura um “Boxer”, vulgo “soqueira”, em ferro e com 10cm de comprimento.

1.5. O arguido detinha a referida soqueira, com as características acima descritas, sem que justificasse por qualquer forma a sua posse e sem que para tal estivesse autorizado.

1.6. O arguido agiu consciente e voluntariamente, sabendo que a sua conduta era proibida e tinha a liberdade para se determinar de acordo com essa avaliação.

Com relevo para a escolha superveniente da pena de substituição

2. O arguido, após o falecimento do seu progenitor, quando tinha 11anos de idade, ficou entregue aos cuidados da figura materna, conjuntamente com seus 4 irmãos.

3. Deslocaram-se de uma aldeia próxima de Vila Real para a zona de Quinta do Anjo, Palmela, e sua progenitora assumiu sozinha o processo educativo dos filhos, com algumas limitações a nível da supervisão parental, tendo um dos irmãos mais velhos se constituído como a sua principal referência afectiva.

4. Abandonou a frequência escolar após a conclusão do 4º ano do ensino básico, vindo a iniciar a vida laboral aos 13 anos de idade.

5. Manteve um percurso profissional regular até aos 32 anos de idade, tendo-se especializado como serralheiro civil.

6. Aos 27 anos de idade, pouco depois de ter contraído matrimónio, iniciou o consumo de estupefacientes, nomeadamente cocaína e heroína, e, de forma gradual, foi deixando de conseguir assumir as suas responsabilidades familiares, laborais e sociais, o que contribuiu para a instabilidade da relação conjugal e ruptura definitiva em 2007.

7. Após a separação, o arguido reintegrou o agregado familiar de origem, tendo sido por pressão dos familiares que aderiu a tratamento no ex-CAT, que abandonou posteriormente, vindo a recair no consumo de estupefacientes em Maio de 2008.

8. A escalada no consumo de drogas e estilo de vida associado, tendo chegado a viver como sem-abrigo por algumas semanas, culminaram na sua prisão preventiva à ordem do processo n.º---/08.2SFLSB da 1ª Vara Criminal de Lisboa.

9. No decurso do cumprimento das penas, o arguido foi acompanhado por esta Equipa de Reinserção Social, tendo aderido ao programa de tratamento/internamento da Comunidade Terapêutica “O Lugar da Manhã” em Janeiro de 2009.

10. Abandonou a comunidade terapêutica, sem alta clínica, em Janeiro de 2010, na sequência do seu envolvimento com uma utente da mesma instituição o que constituía uma violação das regras do programa.

11. Solicitou de imediato o apoio da família de origem e desta Equipa, tendo sido encaminhado para o CAT de Setúbal, onde retomou o tratamento em ambulatório.

12. A viver em união de facto com a referida utente da comunidade terapêutica, e então sua companheira, e laboralmente integrado na empresa dos irmãos, GrandePalco, registaram-se oscilações entre períodos de abstinência e de recaída no uso de drogas, assim como períodos de adesão e abandono das terapêuticas ambulatórias propostas, até final do período de acompanhamento das penas suspensas, em meados de 2012.

13. Desde então o arguido mantém a união de facto com AC, que está integrada no programa de substituição de opiáceos por metadona, laboralmente inativa devido a incapacidade física.

14. Em 2012, a empresa de montagem de palcos e cenários dos irmãos atravessou dificuldades que levaram à insolvência, tendo o arguido ficado desempregado, auferindo subsídio de desemprego durante cerca de dois anos.

15. Desde 2014 e até muito recentemente o casal subsistiu com base nos rendimentos auferidos em “biscates”, que o arguido realiza, na área da serralharia e com o apoio financeiro de ambas as famílias de origem, pelo que mudaram algumas vezes de habitação, por incapacidade para fazer face aos respectivos encargos, tendo acumulado dívidas que estão a ser regularizadas pela família da companheira de JR.

16. Há cerca de dois meses e meio, o arguido obteve novamente colocação laboral numa nova empresa constituída por dois dos seus irmãos, “NetosDecor”, auferindo um salário de cerca de €600.00, que perspectiva vir a assinar contrato de trabalho em breve.

17. O casal mudou recentemente de habitação, para uma casa com melhores condições de habitabilidade, e valoriza o trabalho na empresa dos irmãos.

18. Mantém o contacto com os seus filhos, não tão frequentemente quanto gostaria, alegadamente por se sentir constrangido por não os ajudar financeiramente.

19. O arguido assume que tem mantido consumos pontuais, ou circunscritos no tempo, de estupefacientes, que contextualiza em situações de inactividade laboral e consequente aumento da ansiedade, afirmando que os interrompe pouco tempo depois, evitando a dependência física.

20. Actualmente, o arguido vive sozinho e exerce a actividade profissional de serralheiro, explorando uma oficina instalada na sua residência.

21. O arguido regista os antecedentes criminais seguintes:

22.1.O arguido foi condenado por sentença de 06.07.1999, transitada em julgado em 27.09.1999, no processo sumário n.º---/99.9GFSTB, que correu termos no 3.º Juízo Competência Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, numa pena de 100 dias de multa, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, ocorrido em 03.07.1999.

22.2. O arguido foi condenado por sentença de 14.10.2005, transitada em julgado em 19.07.2006, no processo sumário n.º----/05.1GBMTA, que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Moita, na pena de 40dias de prisão, suspensa por dezoito meses, com a condição de entregar trimestralmente a quantia de €100,00 à Instituição Janela Aberta, até perfazer o montante de €600,00, devendo apresentar os comprovativos nos autos, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, ocorrido em 24.09.2005.

22.3. O arguido foi condenado por acórdão de 28.01.2009, transitado em julgado em 17.02.2009, no processo comum colectivo n.º---/08.2SFLSB, que correu termos na 1.ª Vara Criminal de Lisboa, numa pena de 2anos e 8 meses de prisão, suspensa por igual período, pela prática de um crime de roubo, ocorrido em 28.06.2008.

22.4. O arguido foi condenado por sentença de 02.02.2009, transitada em julgado em 05.03.2009, no processo abreviado n.º---/08.9GBCNT, que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede, numa pena única de 12meses de prisão, suspensa por igual período, pela prática de um crime de furto, um crime de condução sem habilitação legal e um crime de condução perigosa, ocorrido em 20.02.2008.

22.5. O arguido foi condenado por sentença de 20.10.2009, transitada em julgado em 19.11.2009, no processo comum n.º---/08.1GABRR, que correu termos no 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial do Barreiro, numa pena única de 2anos e 6meses de prisão, suspensa por igual período, pela prática de dois crimes de roubo e um crime de roubo, na forma tentada, ocorrido em 19.02.2008.

22.6. O arguido foi condenado por sentença de 11.11.2009, transitada em julgado em 13.12.2010, no processo comum n.º---/10.3TABBR, que correu termos no 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial do Barreiro, numa pena de 14meses de prisão, suspensa por igual período, sujeita à obrigação de entregar à Associação dos Bombeiros Voluntários do Barreiro a quantia de €350,00, pela prática de crime de condução sem habilitação legal, ocorrido em 19.02.2008.

22.7. O arguido foi condenado por sentença de 26.04.2016, transitada em julgado em 26.05.2016, no processo sumário n.º---/16.6GFSTB, que correu termos na Instância Local de Setúbal, Secção Criminal J5, numa pena de 36 períodos de prisão por dias livres, pela prática de crime de condução sem habilitação legal, ocorrido em 24.04.2016.

23. Estão reunidas as condições técnicas/operacionais e as relativas aos consentimentos dos outros residentes da habitação do condenado, para que forma de execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com VE, seja implementada.

Factos Não Provados
Com relevância para a boa decisão da causa, inexistem factos por provar.

b) DE DIREITO
Enquadramento Legal
(…)
Com a entrada em vigor das alterações ao Código Penal, introduzidas pela Lei n.º94/2017, veio o arguido, condenado por decisão transitada em julgado, requerer a reabertura da audiência nos termos permitidos pelo art.º 371.º - A, do Cód. Proc. Penal, tendo em vista a aplicação retroactiva de lei penal mais favorável, requerendo que lhe seja aplicada a forma de execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação com VE [cf. requerimento de fls. 167 e 168 dos autos]

Cumpre, pois, apreciar e decidir.
(…)
Tendo em consideração que o quantum da pena única de 14 meses prisão concretamente aplicada ao arguido nestes autos, devemos pois ponderar, nesta sede, sobre a possibilidade da sua substituição pela execução de tal pena de prisão em regime de permanência na habitação, com VE, conforme requereu o condenado.

Neste domínio, como bem ensina Jorge de FIGUEIREDO DIAS-[in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, p. 334]: «(…), desde que imposta ou aconselhada à luz das exigências da prevenção especial de socialização, a pena de substituição só não será aplicada se a execução da prisão se mostrar indispensável para que não seja posta em causa a necessária tutela dos bens jurídicos, e a estabilização das expectativas comunitárias.»

Concretizando.
DA (NÃO) APLICAÇÃO DO REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO COM VIGILÂNCIA ELECTRÓNICA Após as alterações introduzidas ao Cód. Penal pela referida Lei n.º94/2017, temos que tal pena substitutiva de prisão em permanência na habitação está agora prevista no art.º 43.º do citado diploma legal, onde se estabelece que: «1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos; b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º; c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º

O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas. 3 - O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado. 4 - O tribunal pode subordinar o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, suscetíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja razoavelmente de exigir, nomeadamente: a) Frequentar certos programas ou atividades; b) Cumprir determinadas obrigações; c) Sujeitar-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, obtido o consentimento prévio do condenado; d) Não exercer determinadas profissões; e) Não contactar, receber ou alojar determinadas pessoas; f) Não ter em seu poder objetos especialmente aptos à prática de crimes. g) Não se aplica a liberdade condicional quando a pena de prisão seja executada em regime de permanência na habitação.»

Resulta de tal normativo legal que um dos critérios à luz do qual o julgador, perante uma solicitação do condenado nesse sentido, deverá apreciá-la será o seguinte: «sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades [da execução] da pena de prisão.» Desde já deixamos assente que esta nova «abordagem jurídica» da permanência na habitação com VE efectuada pela citada Lei n.º94/2017, pretendendo, contra o entendimento da doutrina majoritária, configurá-la como um simples «meio de cumprimento» e não como uma verdadeira pena substitutiva da pena de prisão efectiva, não nos impressiona juridicamente, nem tão-pouco merece a nossa adesão, porquanto continuamos a encará-la materialmente como uma verdadeira pena substitutiva, dado que entendemos, tal como o faziam a doutrina e jurisprudência maioritária (3), que a permanência na habitação com VE não se reduz a um mero meio de cumprimento da pena de prisão, antes se assume [e continua a assumir, diga-se] como uma verdadeira pena autónoma, com natureza de pena de substituição, pese embora formalmente se tivesse intencionalmente conferido tal «rotulagem» de meio de cumprimento. Enfim, aqui tal como noutros domínios, a substância deverá necessariamente prevalecer sobre a forma. Feita esta primeira demarcação, vejamos os contornos do caso vertente. Ora, in casu, desde já adiantamos que inexiste fundamento para se alterar a [forma de cumprimento da] pena de prisão em reclusão no EP pela forma [rectius, meio, como agora é apelidada] de cumprimento de pena de prisão em regime de permanência na habitação, com VE. Vejamos porquê.

In casu, e tal como já se explicitou supra, tal regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância [cf. art.º 43.º do Cód. Penal], em termos abstractos, mostra-se aplicável no presente caso, uma vez que ao arguido foi aplicada pena de prisão inferior a dois anos; existe, além disso, expresso consentimento do arguido nisso.

Porém, a aplicação de tal pena substitutiva sempre carece de passar pelo crivo da conclusão de que por «este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades [da execução] da pena de prisão», sendo que in casu entendemos que a execução da pena de prisão através deste regime se revela inadequada e insuficiente, uma vez que, atento o comportamento refractário do arguido, se nos afigura que esta “forma de execução da pena de prisão” se mostra manifestamente inadequada e insuficiente para salvaguardar as finalidades da “execução” pena de prisão, que por sua vez têm subjacente as necessidades de punição aqui reclamadas, as quais exigem o efectivo contacto do arguido com o sistema prisional.

Efectivamente, ao nível da forma de execução da pena de prisão, atenta a personalidade desviante do arguido apurado nos termos supra indicadas, afigura-se-nos que as prementes necessidades de prevenção geral e especial que, in casu, se fazem sentir desaconselham, quanto a nós, outra forma de execução da pena de prisão que não seja a de cumprimento efectivo em estabelecimento prisional.

Também, neste domínio, parece linear o acerto desta opção, dado que, em face do evidente percurso criminal do arguido, espelhado nos abundantes antecedentes criminais, este tribunal, de forma séria e isenta, não consegue mais emitir um juízo de prognose favorável apto a estribar a convicção de que o arguido não mais iria conduzir sem habilitação legal, caso fosse lhe concedida a possibilidade de continuar a trabalhar, no âmbito da aplicação de uma pena executada em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica, dado que nada parece demover o arguido de conduzir veículos sem habitação legal, ou seja, entende-se que tal seria uma decisão destituída de razoabilidade, artificial e sem apoio na teleologia que esteve subjacente no pensamento do legislador ao tutelar este tipo de crime cuja ocorrência está envolvido na ocorrência de acidentes de viação que infelizmente ceifam a vida de cidadãos todos os anos.

Ou seja e em suma,

Revertendo ao caso dos autos, atenta a aplicação, em concrecto, de uma pena única de catorze (14) meses de prisão, importará considerar, desde logo, os antecedentes criminais do arguido, que sofreu, repete-se, para além de outras condenações, cinco condenações por crime de condução sem habilitação legal entre outras.

Verifica-se, como se deixou já supra exposto, que as referidas condenações, que o foram, umas, em pena de multa e, outras, em pena de prisão, tanto suspensas como a última por dias livres, de pouco ou até mesmo nada serviram para que o arguido adoptasse comportamento conforme o Direito.

Por outro lado, é patente que a simples ameaça da execução da pena de prisão não se mostra apta a assegurar as finalidades de prevenção que o caso revela. Atenta a globalidade da matéria de facto provada, não obstante a confissão do arguido, ressaltam os seus antecedentes criminais, pelo que o Tribunal, no caso concreto, não logra efectuar um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, entendendo que a simples censura do factos e a ameaça da pena são manifestamente insuficiente para afastar o arguido da criminalidade.

Além disso, cumpre salientar que a aplicação de uma pena tem sempre de comportar algum sacrifício para o condenado, sob pena de não cumprir os objectivos com que é aplicada [art.º 40.º do Cód. Penal]

Ora, cotejadas as penas de substituição de carácter não institucional ou não detentivo, verifica-se que nenhuma cumpra as funções das concretas necessidades de socialização, que se aferem a partir da personalidade e condições pessoais do arguido, características e gravidade dos factos praticados e duração da pena.

Com efeito, ao longo do seu percurso de contacto com o sistema judicial, o arguido foi tendo todas as oportunidades de se ressocializar e de enveredar por uma vivência sem prática de novos factos penalmente ilícitos, sem que contudo o arguido tenha interiorizado as penas que lhe foram aplicadas.

Aliás, acresce que o arguido, como resulta do seu certificado de registo criminal, tem contactado com o sistema prisional, até na sequência de crime de idêntica natureza dos autos, sem que o arguido interiorizasse a ilicitude do seu comportamento e se abstivesse de cometer novos crimes.

Ponderados todas estas circunstâncias, conclui-se indubitavelmente que, in casu, nenhuma outra pena é apta a satisfazer as necessidades preventivas, que se fazem sentir e se impõem, se não a pena de prisão efectiva.

Basta.
É que o sentir da comunidade, cada vez mais, não tolera este tipo de comportamentos irresponsáveis, atentatórios da vida em comunidade, reivindicando, assim, que tais comportamentos sejam sancionados de forma justa, adequada e proporcional, sendo que, como supra já se enfatizou, para esta primeira instância tal reacção penal passará inelutavelmente pelo cumprimento do arguido de uma pena de prisão em estabelecimento prisional, por forma a assegurar-se que, sendo submetido a tal pena, não volte de futuro a insistir na prática de crimes.

Em suma, como já enfatizamos, entendemos que o caso sub iudice, além de exigir a aplicação de uma pena de prisão, reclama ainda que esta execução seja efectiva e com contacto com o estabelecimento prisional, o que, por sua vez, afasta, quanto a nós, a aplicação no caso vertente da possibilidade prevista no art.º 43.º do Cód. Penal, por se considerar que a mesma não assegura suficiente e adequadamente as necessidades de punição que se fazem sentir.

Na verdade, a este respeito, consideramos que atento o evidente percurso criminal do arguido a pena de prisão ora aplicada não deve ser substituída por uma pena de diferente espécie, por tal não se revelar suficiente nem eficaz do ponto de vista das intensas exigências de prevenção especial que se fazem sentir ao mesmo, pelo que somente a execução da pena de prisão em EP se mostra apta a prevenir a prática de novos crimes pelo arguido.

Do que ficou supra exposto, deve entender-se que o arguido demonstra uma acentuada insensibilidade pelos bens jurídicos tutelados pelas normas em apreço, nos quais se incluem, para além da segurança das comunicações rodoviárias, conquanto reflexamente, a vida e a integridade física de terceiros [até por força do elevadíssimo número de acidentes de viação que ocorrem no nosso país, muitas vezes associados à prática deste tipo de criminalidade rodoviária, relacionado com a condução de veículo sem habilitação legal na via pública, atenta a insegurança que tal conduta suscita]

Evidencia-se, assim, a sua incapacidade para manter uma conduta conforme ao Direito, conforme o atesta o seu passado ligado à criminalidade, diga-se!

Por outras palavras, não só o arguido manifesta, neste particular, carência de socialização, como a segurança da comunidade impõe a sua inoculização temporária, sob pena do mesmo persistir na prática de comportamentos desviantes [que só por um acaso – felizmente – não terão dado causa a consequências mais graves]

Isto para concluir que o tribunal entende que as exigências de prevenção especial e geral, demonstradas, além do mais, pelos seus vastos antecedentes criminais, não permitem outra forma de execução que não seja a do cumprimento efectivo da pena de prisão ora aplicada ao arguido em estabelecimento prisional.

Em suma: revertendo aquelas considerações ao caso, temos para nós que a aplicação da pena de prisão com permanência na habitação, com vigilância electrónica se mostra manifestamente insuficiente e inadequada para salvaguardar as elevadas necessidades de punição do arguido aqui exigidas, dado que a sua postura delinquente evidenciada pelo seu lastro criminal ilustrado pelo seu CRC e pelo seu grau incipiente de inserção social, reivindica que seja confrontado com o sistema prisional, não se dispensando porém que seja o arguido sujeito a um efectivo sacrifício que a pena necessariamente deverá acarretar.

Salvo o devido respeito, em razão das prementes necessidades de prevenção geral e especial evidenciadas pelos antecedentes criminais que o arguido regista, entendemos que desaconselham as necessidades punitivas que o caso reclama, um «mero» cumprimento de uma pena de prisão em permanência na habitação, com VE, exigindo, ao invés, um efectivo contacto do arguido com o sistema prisional.

Donde se conclui que, pese embora a entrada em vigor da citada Lei n.º94/2017, atentos os contornos do caso vertente supra delineados, não vemos que hajam razões de facto que justifiquem uma alteração na forma de cumprimento da pena de prisão nos termos requeridos pelo condenado.

Portanto, está-se perante um caso em que se justifica o cumprimento de uma pena efectiva de prisão pelo arguido em estabelecimento prisional, com base nas razões supra expendidas.

Ademais, não se olvide ainda que os julgadores de 1.ª instância e depois em 2.ª instância em sede própria, i. e., nas suas decisões, afastaram igualmente as outras penas substitutivas, seja a do trabalho a favor da comunidade ou a mera suspensão da pena de prisão, com base nas razões aduzidas em sede da sentença conformada pelo acórdão da Relação de Évora, para lá remetemos, pelo que também não se mostra aplicável ao caso o disposto no art.º 12.º, n.º1, al. a).
(…) »

Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso

II. fundamentação
A questão suscitada no presente recurso é a de saber se o arguido tem razão ao pretender a revogação do despacho judicial recorrido que, depois de realizada a audiência a que reporta o art. 371º-A CPP, indeferiu o pedido de substituição da pena única de 14 meses de prisão efetiva que lhe foi aplicada nos presentes autos, pelo cumprimento daquela pena em RPH, mediante VE.

É, pois, esta a questão a decidir.

No caso presente, o arguido foi condenado na pena única de 14 meses de prisão efetiva, em cúmulo jurídico das penas parcelares de 13 meses de prisão e 2 meses de prisão pela prática, respetivamente, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º2/98, de 3-01, em concurso efetivo de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º1, al. d), da Lei n.º5/2006, de 23 de Fevereiro, em conjugação com o artigo 3.º, nº2, al. e), do mesmo diploma legal.

O tribunal a quo indeferiu-lhe esta pretensão invocando sobretudo razões de prevenção especial, considerando os seu antecedentes criminais, nomeadamente cinco condenações por crime de condução sem habilitação legal entre outras e que tem contactado com o sistema prisional, até na sequência de crime de idêntica natureza dos autos, sem que o arguido interiorizasse a ilicitude do seu comportamento e se abstivesse de cometer novos crimes. Parece apelar ainda a necessidades de prevenção geral ao referir-se às s prementes necessidades de prevenção geral e especial que, in casu, se fazem sentir, e ao sentir da comunidade, cada vez mais, não tolera este tipo de comportamentos irresponsáveis, atentatórios da vida em comunidade, pelo que, conclui, para esta primeira instância tal reação penal passará inelutavelmente pelo cumprimento do arguido de uma pena de prisão em estabelecimento prisional, por forma a assegurar-se que, sendo submetido a tal pena, não volte de futuro a insistir na prática de crimes.

Por sua vez, o arguido e recorrente alega que o cumprimento da pena em questão em regime de permanência na habitação satisfaz de forma suficiente e cabal as necessidades de prevenção geral e especial que se querem fazer valer com a pena aplicada, pois o arguido, condenado, terá que se manter fechado em sua casa, o que lhe permite trabalhar, sustentando o seu agregado familiar, cumprindo com as suas responsabilidades. Porém, sem que possa andar na rua à sua vontade, ir ao café, ou praticar quaisquer outras atividades.

Vejamos.
1. Antes de mais, tecendo algumas considerações de ordem geral para melhor enquadramento da decisão a proferir, as alterações introduzidas no Regime de Permanência na Habitação (RPH) pela Lei 94/2017 de 23.08, implicam dever considerar-se ter o RPH atualmente natureza mista, do ponto de vista dogmático. De pena de substituição em sentido amplo ou impróprio, na medida em que, tendo natureza privativa da liberdade, pode ser decidida na sentença condenatória em alternativa ao cumprimento da pena de prisão em meio prisional. De mera modalidade ou forma de execução da pena de prisão, uma vez que pode ser aplicada na fase de cumprimento de pena em consequência da revogação de pena não privativa da liberdade aplicada em substituição da pena de prisão, nos termos do art. 43º nº 1 c), C. Penal – vd. no mesmo sentido, ac RP de 07.03.2018, rel. Maria Ermelinda Carneiro.

2. Assim sendo, em casos como o presente, está em causa saber se - embora na situação transitória a que se reporta o art. 371º-A, CPP - o tribunal da condenação devia ter substituído a pena de prisão aplicada e não substituída por pena de substituição em sentido próprio (não privativa da liberdade), pelo RPH, tal como determina o art. 43º/1 C. Penal, desde que o tribunal conclua que o RPH realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão.

Note-se, pois, que diferentemente do que sucede relativamente à substituição da pena principal por pena de substituição em sentido próprio, em que o juízo de adequação e suficiência é reportado às finalidades das penas tal como estabelecidas no art. 40º do C. Penal, o critério legal de aplicação do RPH em alternativa à execução em meio prisional, é reportado – corretamente, em nosso ver – às finalidades específicas da execução da pena de prisão tal como estabelecidas no art. 42º C. Penal, que define claramente como orientação específica da execução da pena de prisão, a reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

Significa isto que na decisão a proferir sobre a aplicação alternativa do RPH relevam sobremaneira necessidades de prevenção especial positiva, assumidas tradicionalmente como critério orientador da execução da pena de prisão, independentemente de a decisão prévia de não substituir a prisão ter ficado a dever-se a razões de prevenção geral ou especial. Tendo o tribunal de condenação optado pelo cumprimento efetivo da pena de prisão, o que se impõe agora decidir é se a opção pelo RPH, que, legitimamente, merece os favores do legislador, satisfaz de forma adequada e suficiente a orientação para a reintegração social do recluso acolhido no art. 42º CP como finalidade primeira da execução da prisão, sendo que só muito residualmente deixará de aplicar-se o RPH por exigências de prevenção geral, ainda que o art. 42º não afaste totalmente a relevância das necessidades de prevenção geral ao referir-se à defesa da sociedade e à prevenção de futuros crimes, que abrange a prevenção geral.

3. Ora, no caso presente, estando em causa o cumprimento de pena de prisão pela prática, repetida, do crime de condução sem habilitação legal, não vemos por que motivo se impõe o cumprimento daquela pena em reclusão prisional. É verdade que a repetição de crimes desta natureza, não obstante as anteriores condenações, incluindo condenações em pena de prisão, não afastaram o arguido da prática de novos crimes, mas mesmo que se considere não restar outra alternativa que não seja a condenação do arguido em prisão efetiva, isso não significa que se imponha o cumprimento da prisão em reclusão. Pelo contrário, pois não é essa a opção do nosso sistema de penas, que continua a considerar a prisão intramuros como a última ratio do sistema, o que foi claramente reafirmado com as alterações de 2017 ao alargarem o âmbito de aplicação do RPH a condenações até 2 anos. Por outro lado, não se vê em que pode o cumprimento da prisão na habitação prejudicar a ressocialização do arguido, pelo menos por referência a este tipo de crime, pois o arguido não terá menos hipóteses de aproveitar a reclusão para se habilitar a conduzir ou a organizar a sua vida sem conduzir, sendo certo que, a avaliar pelo percurso do arguido, o cumprimento de prisão intramuros não o afastou da prática de novos crimes. É claro que isso não significa que o arguido passe a ficar impune, pois embora em situações residuais o nosso sistema admite a condenação em prisão e o seu cumprimento efetivo por razões de prevenção geral negativa ou de inocuização, mas, mais uma vez, nada impede que essa finalidade residual seja alcançada através do RPH que, ao contrário do que, mais uma vez, parece entender o tribunal recorrido, acarreta para o arguido, pelo menos, o sacrifício inerente à privação da liberdade, mesmo que esta não seja cumprida em meio prisional.

Ainda em contrário do que parece pressupor o tribunal recorrido, o RPH não implica necessariamente que o arguido possa sair para trabalhar, aproveitando essas ocasiões para conduzir. Por um lado, se o risco for elevado o tribunal pode não autorizar as saídas ou condicioná-las adequadamente, sendo certo que no caso concreto o arguido parece ter mesmo em mente trabalhar em casa. Por outro lado, sempre tal atitude do arguido para além de ser criminalmente punida teria que ser avaliada para efeitos de eventual revogação do RPH com o consequente cumprimento da prisão intramuros.

4. Assim, não se verificando razões que permitam concluir não ser o RPH forma de execução da prisão insuficiente ou inadequada e encontrando-se reunidas as condições materiais e jurídicas para que o arguido cumpra a prisão em RPH, mediante VE e o cumprimento das condições que o tribunal da condenação, enquanto tribunal da execução (art. 470º CPP), entenda adequados, julga-se procedente o recurso e, em substituição, defere-se a pretensão do arguido de cumprir a pena de prisão em RPH.

III. DISPOSITIVO
Nesta conformidade e tendo especialmente em conta o disposto no art. 371º-A do CPP, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder total provimento ao recurso interposto pelo arguido, JR, revogando-se o despacho recorrido e decidindo, em substituição, que o arguido cumprirá a pena única de 14 meses de prisão em RPH, mediante VE, nos termos e com eventuais condições que o tribunal a quo entenda adequadas.

Sem custas

Évora, 22 de novembro de 2018

(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

António João Latas

Carlos Jorge Berguete