Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
16/20.0GBABT.E1
Relator: GOMES DE SOUSA
Descritores: PENA DE MULTA
NOTIFICAÇÃO
PAGAMENTO
PRECLUSÃO
FINS DA PENA
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. O decurso do prazo de 15 dias, após notificação para pagamento da multa, previsto no artigo 489.º, n.º 2 CPP, não preclude a possibilidade de requerimento desse pagamento em prestações ou prestação de trabalho a favor da comunidade.
II. Até porque, conforme se prevê o artigo 49.º, n.º 2 CPP, «o condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado».
III. A correta interpretação da lei processual não prescinde das finalidades das penas e do princípio da preferência na execução de penas não privativas da liberdade sempre que estas realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigos 40.º e 70.º CP).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório

Nos autos de inquérito supra numerados que corre termos no Tribunal de Santarém – Juízo Local Criminal de Abrantes, - e em que é arguido AA, este, por factos de 28-01-2020, foi julgado e condenado pela prática de um crime de desobediência na pena de 100 dias de multa à razão diária de 6.50 €, no montante global de 650 € e na pena acessória de proibição de conduzir por 11 (onze) meses.

A multa não foi paga no prazo de 15 dias apos trânsito em julgado da decisão (em 13-01-2022).

Por requerimento de 09-03-2022 o arguido recorrente peticionou a prestação de trabalho em qualquer instituição da sua freguesia de residência por não ter condições para pagamento da multa.

Por despacho de 09-03-2022 o tribunal ordenou a notificação do arguido para pagamento da multa.

Por novo requerimento de 21-03-2022 o arguido recorrente voltou a peticionar a conversão da pena de multa em prestação de trabalho a favor da comunidade.

Por despacho de 22-03-2022 o tribunal ordenou a notificação do arguido para, em 10 dias, vir aos autos pagar a pena de multa em que fora condenado.

Por novo requerimento de 05-04-2022 o recorrente solicitou – invocando o art. 49º, nº 3 do CP – que a pena de multa fosse suspensa na sua execução, invocando impossibilidade de pagamento da multa por não auferir qualquer rendimento.

Por despacho da Mmª Juíza de 20-05-2022 foi convertida em prisão subsidiária de 66 (sessenta e seis) dias a multa aplicada.


*

Inconformado o arguido interpôs recurso do referido despacho, com as seguintes conclusões:

A- Na douta sentença condenatória, proferida a 24 de Novembro de 2021, foi o arguido condenado pela prática de um crime de desobediência, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 6,50 €.
B- O arguido não procedeu ao pagamento da multa, tendo requerido em 9 de Março de 2022, a conversão da pena de multa em trabalho a favor da comunidade, explicando ao Tribunal que se encontrava desempregado e sem auferir qualquer rendimento.
C- Nesse mesmo dia, foi o arguido notificado do douto despacho a ordenar que justificasse a omissão do pagamento da multa, e em resposta, o arguido voltou a explicar ao Tribunal que não tinha conseguido pagar a multa, apenas e só porque não tinha qualquer rendimento que o permitisse fazer.
D- Em 22 de Março de 2022, foi o arguido notificado do despacho que indeferiu a conversão da pena da multa, bem como da necessidade de, novamente, vir justificar a omissão do pagamento da multa, sendo que, o arguido voltou a demonstrar que não tinha qualquer rendimento nem subsídio e requereu a suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, caso a pena de multa a que foi condenado fosse convertida em pena de prisão – art. 49º, nº 3 do CPP.
E- Foi instaurada execução nos autos e não foi possível localizar bens ou identificar rendimentos do arguido.
F- O despacho que condenou o arguido numa pena de prisão subsidiária (pena privativa da liberdade) não se encontra devidamente fundamentado, resumindo-se a uma mera transcrição de uma norma legal, não contendo se o arguido agiu com culpa ou a justificação da condenação do arguido.
G- O Tribunal ad quo ignorou, por completo, as razões pessoais do arguido, que demonstrou diversas vezes, não ter qualquer capacidade económica para proceder ao pagamento da multa e nem sequer mencionou nenhum dos factos alegados nos requerimentos apresentados pelo arguido.
H- O Tribunal não procedeu à audição pessoal do arguido, de forma a que este pudesse exercer verdadeiramente o contraditório, nem determinou a elaboração de um relatório social que permitisse, realmente, compreender as condições socio-económicas do arguido (Cfr. no Ac. do Tribunal da Relação de Évora, de 23.01.2018, proc. nº 212/10.9GFSTB-A.E1).
I- Finalmente, e porque ficou demonstrado que o arguido não agiu culposamente quando não procedeu ao pagamento da multa, mas apenas porque não tinha qualquer rendimento, nos termos do art. 49º, nº 3 do Código Penal, deveria ter sido suspensa a prisão subsidiária.
J- Em suma, o douto despacho violou os arts. 97º, nº 5 do Cód. Proc. Penal, 49º, nº 3 do Código Penal e 205º, nº 1 e 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.

*

O Digno magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido entende ser de manter o decidido, concluindo:

1. A decisão proferida, ao alicerçar-se no incumprimento da obrigação de pagar a multa, bem como na comunicação prévia, em sede de sentença, da consequência do não pagamento desa multa, encontra-se suficientemente fundamentada.
2. Acresce que foi dada oportunidade ao arguido para, por duas vezes, o mesmo vir justificar o não pagamento, sendo que o mesmo apenas invocou uma genérica indisponibilidade financeira, salientando, contudo, que vivia de um rendimento de 750,00 €, comum ao agregado familiar que integrava, constituído por três pessoas.
3. Assim sendo, não se vislumbra a absoluta e total incapacidade para o pagamento da multa que o arguido alega, ainda que tal pagamento fosse apenas parcial.
4. Pelo que igualmente não se vislumbra razão quando ao recorrente quando sustenta que o Tribunal a quo não teve em consideração a real situação económica do arguido.
5. Do mesmo passo, não se reconhece que o arguido tenha razão quando invoca a preterição da sua audição, uma vez que foi dado ao mesmo oportunidade de este se pronunciar sobre os motivos do incumprimento por duas vezes (cfr. os despachos proferidos em 09/03/2022 e 22/03/2022).
6. Já quanto à decisão de não suspender a pena de prisão determinada, o art.° 49.°, n. 3, do Código Penal, não determina a obrigatoriedade dessa suspensão, podendo a mesma ser ponderada pelo Tribunal, considerando os mesmos critérios previstos no art. 50.°, n. 1, do mesmo diploma mormente a personalidade do arguido e as condutas posteriores à prática dos factos.
7. Ora, sopesando estas conduta personalidade do arguido que daí emerge, considerando que o mesmo se desinteressou do seu destino jurídico-criminal, faltando à leitura de sentença, considerando que o mesmo nada fez ou disse durante vários meses, deixando passar todos os prazos para pagar a multa ou requerer a sua conversão em trabalho e considerando que pese embora vivesse com alguns rendimentos ainda que não pessoais não fez qualquer pagamento, ainda que parcial, durante um período de vários meses, não podemos deixar de concluir, como o Tribunal a quo doutamente fez, que não estão reunidas as condições para a suspensão da pena de prisão subsidiária determinada ao arguido.

*

Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer onde defende a improcedência do recurso.

****

B - Fundamentação:

B.1-a) - São estes os elementos de facto relevantes e decorrentes do processo:

1) – Por sentença de 24-11-2021 e por factos de 28-01-2020 o arguido foi julgado e condenado pela prática de um crime de desobediência na pena de 100 dias de multa à razão diária de 6.50 €, no montante global de 650 € e na pena acessória de proibição de conduzir de 11 (onze) meses.

2) - Tal decisão transitou em julgado.

3) - O condenado prestou TIR em 15-12-2020 (fls. 55).

4) – Do TIR prestado consta que ao arguido foi dado conhecimento:

a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;
d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º
e) De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena.

5) - Por despacho de 20-05-2022 foi convertida em prisão subsidiária de 66 (sessenta e seis) dias a multa aplicada.


*

B.1-a) - É este o teor do despacho recorrido:

«Por decisão transitada em julgado em 13.01.2022, foi o arguido condenado numa pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 6,50 € (seis euros e cinquenta cêntimos) o que perfaz a multa global de 650,00 € (seiscentos e cinquenta euros).
Encontra-se por pagar a quantia de 650,00 euros o que corresponde a 100 (cem) dias de pena de multa.
Solicitadas informações e instaurada execução, não foi possível localizar bens ou Identificar rendimentos que permitissem a cobrança coerciva da pena de multa em dívida.
Nos termos do artigo 490, n.0 1 do Código Penal, ''Se a multa, que não tenha fido por trabalho, não for paga voluntaria ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime ainda que o crime não fosse punido com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo de dias de prisão constante do nº 1 do artigo 41º”.
Assim sendo, cumpre converter a pena de 100 dias de multa a que o arguido foi condenado em 66 ( sessenta e seis) dias o que se determina.
Notifique e com a advertência que o arguido pode a todo tempo evitar a execução total ou parcial da pena de prisão subsidiária, pagando a totalidade ou parte da multa que foi condenado.
Na notificação do despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária, e quanto ao arguido, basta a notificação deste por via postal simples, na morada que consta do termo de identidade e residência oportunamente prestado nos autos, acrescentando que alteração ao 196 n. 3 d) do CPP pela Lei 20/2013, de 21.02, clarificando que ''em caso de condenação o termo de identidade c residência só se extinguirá com a extinção da pena", alteração que, sendo aplicável ao caso em apreço, é a solução adotada que melhor salvaguarda os interesses do processo penal e que o princípio do contraditório fica suficientemente salvaguardado com a notificação do arguido pata a morada constante do TIR, face aos deveres dele decorrentes, tanto mais que — deve realçar-se — nem sequer se pode dizer que o arguido pode vir a ser surpreendido com a decisão, pois que aquando de leitura da sentença lhe foi dada a conhecer a possibilidade da pena ser convertida na correspondente prisão subsidiária em caso de não pagamento da multa, voluntária ou coercivamente — vide Ac TRE, de 03-02-2015 Proc no 1616/07.0PAPTM.El, relator ALBERTO BORGES.
Notifique igualmente o Ministério Público e o defensor com a expressa comunicação de que a notificação deste despacho à arguida será efetuado para a morada do TIR, com notificação efetuada por via postal simples (no mesmo sentido, a titulo de exemplo, o acórdão do TRP de 27/09/2017, Processo no 9126/00.OTDPRT-A.P1, o acórdão do TRP de 28/09/2016, processo no 1239/06.OVIVRT-A,P1; o acórdão do TRC de 22/05/2013, processo 2326/08.6PBCBR.C1; acórdão do TRI„ de 08/05/2013, processo 12/11.9VrBRR.Ll-3; e acórdão do TRE de 29/11 / 2016, processo nu 233/09.9PFSTB-A.El, integralmente disponíveis no sitio vo.vw.dgsi.pt) "
Deverá ainda ser comunicado ao condenado que se provar que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável, pode a execução da pena ser suspensa por um período de I a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou regras de conduta não forem cumpridos será executada a prisão subsidiária.
Após trânsito em julgado, passem-se os competentes mandados de detenção para cumprimento da pena de prisão.
Caso haja desconto a fazer em razão da privação da liberdade por execução da presente pena, o mesmo deverá fazer-se à razão de (NOVE EUROS E OITENTA E QUATRO CÊNTIMOS), por cada dia de prisão.
Notifique.

*

B.2 - Cumpre apreciar e decidir.

Sendo o objecto do recurso penal delimitado pelas conclusões da respectiva motivação, as questões abordadas no recurso pelo arguido reconduzem-se a apurar se é viável a sua pretensão de ver a pena de multa – já convertida em prisão – substituída por trabalho a favor da comunidade ou suspensa na sua execução.

Mas essa é apenas a aparência, já que a questão essencial passa por saber se, não tendo o arguido pago a multa no prazo previsto no art. 489º do CPP, o decurso deste prazo sem cumprimento é preclusivo de tal pretensão.

Essa é, de forma explícita ou implícita, a posição do tribunal recorrido e do respectivo magistrado do MP - v. g. a promoção de 04-04-2022 onde se promove o indeferimento por “extemporâneo” e despacho de 19-04-2022.

Razão, aliás, que conduziu o tribunal recorrido a não apreciar em concreto os requerimentos apresentados pelo recorrente nos seus fundamentos de facto – incapacidade para pagar a multa.


***

B.3 – Esta é questão de há muito debatida na jurisprudência e paradigmático da discussão jurisprudencial a tal respeito é o acórdão da Relação de Coimbra de 18-09-2013 (proc. 368/11.3GBLSA-A.C1, sendo relator o Desemb. Orlando Gonçalves), cujo sumário é elucidativo:

«1.- O prazo processual estabelecido no n.º 2 do art.489.º do C.P.P, para o pagamento voluntário da pena de multa, é um prazo peremptório;
2.- Sendo um prazo peremptório, salvo no caso de provar justo impedimento, não pode o condenado apresentar o requerimento para pagamento da multa em prestações (de diferimento do pagamento ou de substituição da pena de multa por dias de trabalho) para além do prazo de 15 dias contados da notificação para proceder ao seu pagamento voluntário.

Tal interpretação – que poderíamos apelidar de “literal” - vai buscar arrimo à previsão do citado art. 489º do CPP (adjuvado pelo nº 1 do art. 490º de mesmo diploma) e á interpretação conjugada dos artigos 47º, nº 3, 48º, nº 1 e 49º, nsº 1 a 3 do CP, respetivamente, relativos ao pagamento a prestações da pena de multa, à substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade e ao incumprimento no pagamento da multa e sequente conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária.

Naturalmente que, definido o prazo como “peremptório” - e não como meramente ordenador - com apoio no art. 145º, nº 3 do CPC, isso arrasta necessariamente a preclusão da prática do acto, no caso, a possibilidade de requerer o pagamento da pena de multa em prestações ou a sua substituição pela pena de trabalho a favor da comunidade.

Em sentido adverso parece orientar-se tese jurisprudencial diversa, propugnada por acórdão desta Relação de Évora de 18-09-2012 (proc.597/08.7CBTVR-B.E1, sendo relator o Desemb. João Amaro), no sentido de asseverar que «O decurso do prazo de 15 dias, após notificação para pagamento da multa, não preclude a possibilidade de requerimento desse pagamento em prestações». Secundado pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-02-2013 (proc. 534/09.1TDLSB-A.P1, sendo relator o Desemb. Pedro Vaz Pato), que igualmente assevera que «Não é intempestivo o requerimento de substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade se apresentado para além do prazo a que se reportam os artigos 489º, nº 2, e 490º, nº 1, do Código de Processo Penal».

E neste sentido vai, tal-qualmente, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-07-2016 (proc.480/13.4SGPRT.P1, sendo relatora a Desemb. Maria Luísa Arantes ao asseverar que «Após o decurso do prazo previsto no art. 489º do Cód. Penal, para pagamento da multa, não fica precludida a possibilidade de o condenado requerer a substituição da multa por trabalho», assim como o voto de vencido lavrado no acórdão da Relação de Coimbra supra citado.

As teses parecem ser contraditórias e inconciliáveis, mas essa é outra aparência.

É indubitável que a previsão do nº 2 do art.489.º do C.P.P. – principalmente numa interpretação histórica que tenha em conta a inexistência de tal prazo na redacção inicial do preceito, que nenhum prazo previa para o pagamento da multa – faz recair sobre o condenado a obrigação de pagar a multa no prazo indicado, com os sequentes direitos de pedir a sua substituição pelo pagamento em prestações ou pelo trabalho comunitário.

Daí, no entanto, não decorre que o condenado veja precludido, obstruído, impedido, o direito de pagar a multa, pois que o art. 49º, nº 2 do CPP cristalinamente assevera que «O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado».

Ou seja, são as exigências dos fins das penas a sobreporem-se a uma visão administrativizante do Penal e do Processo Penal, na sequência, aliás, do determinado no artigo 70.º do CP ao impor ao intérprete um princípio geral, sob a epígrafe «Critério de escolha da pena», que se deve optar pelas penas não privativas da liberdade sempre que estas realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

E, seguindo o explanado no acórdão da Relação do Porto de 27-02-2013 (proc. 534/09.1TDLSB-A.P1, e arestos aí citados, designadamente o acórdão da mesma Relação de 28 de setembro de 2005, relatado por Marques Salgueiro ), «(…) não se compreenderia que o condenado com recursos monetários pudesse a todo o tempo pagar a multa para evitar a prisão subsidiária e o condenado sem esses recursos não pudesse evitar essa prisão disponibilizando-se a todo o tempo para prestar trabalho a favor da comunidade. Também por este motivo, a tese que não limita ao prazo previsto nos artigos 489º, nº 2, e 490º, nº 1, do Código de Processo Penal a possibilidade de substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade é a que mais se coaduna com o espírito, a unidade e a coerência do sistema jurídico-penal que nos rege”.

E a razão de fundo justificativa é apresentada de forma clara no indicado acórdão da Relação do Porto de 28 de setembro de 2005 (relatado por Marques Salgueiro), nos seguintes termos:

«As preocupações eminentemente pessoais que atravessam o direito criminal, com relevo para a procura da verdade material e, dentre os fins a atingir com a imposição das penas, a recuperação e a integração social do condenado, preocupações que, necessariamente, se reflectem no direito adjectivo, apontam claramente no sentido de que, por uma razão de cariz essencialmente formal (e o não requerimento no estrito prazo assinado na lei até pode ter sucedido por ignorância dessa prerrogativa legal, ou por mera inadvertência ou, até mesmo, por superveniência da impossibilidade de pagamento da multa), não seja preterida a possibilidade de opção por uma pena que, porventura, se revele mais ajustada.

Aliás, essa prevalência de tais preocupações de natureza substantiva ressalta em passos vários do processo penal (assim, quanto à produção de prova, a despeito de determinado meio de prova não ter sido oferecido ou requerido na oportunidade ou prazo marcados por lei, o tribunal não deixará de, oficiosamente ou a requerimento, ordenar a sua produção, se o houver como útil para a descoberta da verdade e boa decisão da causa – artº 340º do C. P. Penal), sendo que, especificamente no âmbito da execução da pena de multa, também se nota uma acentuada maleabilidade da lei, quer permitindo que o requerimento para substituição da multa por trabalho seja feito no último dia do prazo para o seu pagamento (o que, no caso de ter sido autorizado o pagamento diferido ou em prestações, pode significar que o requerimento venha a ser apresentado muito para além dos 15 dias assinados para o normal pagamento da multa), quer facultando, por inteiro, novo prazo de 15 dias para pagamento da multa, no caso de indeferimento desse requerimento, quer ainda, como derradeira solução, possibilitando ao condenado evitar, a todo o tempo, a execução, total ou parcial, da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado ou, até mesmo, provando que o não pagamento lhe não é imputável, obter a suspensão da execução da prisão subsidiária (artº 49º, nº 2 e 3, do C. Penal).

Ou seja, o recurso é procedente, assim se revogando o despacho recorrido que deve ser substituído por despacho que determine realização de relatório social - e outras medidas que se entendam necessárias - para apurar da possibilidade de o arguido proceder ao pagamento da multa, tendo em vista saber se a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, tal como se determina no nº 3 do art. 49º do CP., decidindo-se então em conformidade.


*

C - Dispositivo:

Face ao que precede os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora concedem provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que determine realização de relatório social (e outras medidas que se entendam necessárias) para saber da possibilidade de o arguido proceder ao pagamento da multa tendo em vista apurar se a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, tal como se determina no nº 3 do art. 49º do CP., decidindo-se então em conformidade.

Notifique.

Sem tributação.

Évora, 10-01-2023.

(processado e revisto pelo relator).

João Gomes de Sousa

Carlos Campos Lobo

Ana Bacelar