Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
22/16.0GAGDL.E3
Relator: GILBERTO CUNHA
Descritores: CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
INJÚRIA AGRAVADA
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
I – A cominação da punição por crime de desobediência, a que alude a alínea b) do artigo 348.º do Código Penal, existe somente para os casos de desobediências não tipificadas, o que não sucede quando se trata de recusa de identificação e de submissão ao exame de pesquisa de álcool no sangue, legitimamente ordenadas por agente policial, casos em que a advertência é irrelevante e até dispensável.

II – Comete o crime de injúria agravada o arguido que, após a sua recusa em identificar-se e realizar o exame de pesquisa de álcool, profere voz alta e na direcção do militar da GNR as expressões “não és ninguém para me prender” e “não percebes nada disto”, com o propósito concretizado de atingir o ofendido militar na sua dignidade, honra, e consideração que lhes são devidas, como pessoa e por causa das suas funções como elemento de força de segurança.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

RELATÓRIO.

Decisão recorrida.

No processo sumário nº22/16.0GAGDL, procedente do Juízo de Competência Genérica de Grândola (juiz-1) do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, o arguido GR, com os sinais dos autos, sob acusação formulada pelo Ministério Público foi submetido a julgamento perante tribunal singular, vindo depois das vicissitudes que os autos documentam, por sentença proferida em 012-07-2018, a ser julgada procedente por provada e em consequência a ser decidido, para o que aqui releva, o seguinte:

1. Condenar o arguido pela prática como autor material, na forma consumada e em concurso real, dos seguintes crimes nas seguintes penas:

a) - um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. a), e n.º 3 do Código da Estrada, com referência ao artigo 348.º, n.º 1, al. a) e artigo 69.º, ambos do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa e na pena acessória de 3 (três) meses de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados;

b) - um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelos artigos 348.º, n.º 2, do Código Penal e artigo 14.º, n.º 2 da Lei n.º 63/2007, de 06.11., na pena de 90 (noventa) dias de multa; e

c) - um crime de injúria agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 181º, n.º 1, e 184º, ex vi 132º, nº 2, al. l), todos do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa.

2. Em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, condenar o arguido na pena única de 120 (cento e vinte) dias de multa à razão diária de 6€ (seis euros), o que perfaz o montante total de 720€ (setecentos e vinte euros) e na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de 3 (três) meses.

Recurso.

Inconformado com essa decisão dela recorreu o arguido pugnando pela absolvição da prática daqueles crimes, rematando a motivação com a formulação das seguintes conclusões, apresentadas na sequência do convite para aperfeiçoamento das que havia anteriormente apresentado:

i. Da nulidade da sentença.
A. A nova sentença continua a ser nula, por ausência absoluta de fundamentação de facto porquanto dá como não provados os factos simplesmente porquanto não dá credibilidade à versão do arguido quando em confronto com a versão do militar C; desconhecendo-se, contudo, os elementos de prova que em maior ou em menor grau, elucidaram o julgador e porque o elucidaram, isto, de forma a possibilitar a compreensão de ter sido preterida uma versão em relação a outra e de ter sido proferida uma decisão e não outra.

ii. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
B. Em face da prova carreada para os autos e neles produzida, crê o arguido que o tribunal a quo julgou incorretamente os factos dados como provados nos pontos 3 a 20, sendo que impõem decisão diversa da recorrida:

I. O testemunho do Militar P. ATA DE AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO, de 14.07.2016, declarações prestadas entre as 17:09 horas e as 17:42 horas No minuto 00:02:06: - No minuto 00:03:47: - No minuto 00:04:21: - No minuto 00:05:02: - No minuto 00:05:28: - No minuto 00:05:43 - No minuto 00:07:11:Minuto 00:05:52: No minuto 00:06:26: - No minuto 00:07:31: No minuto 00:08:51: - No minuto 00:15:40: - No minuto 00:16:47: - No minuto 00:06:26: - No minuto 00:23:50: - No minuto 00:24:48.

II. O testemunho do militar C. ATA DE AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO, de 14.07.2016, declarações prestadas entre as 16:01 horas e as 16:51 horas no minuto 00:03:38: - No minuto 00:08:14: -.

C. Relativamente à ordem de identificação, ao seu fundamento e à desobediência do arguido, estas testemunhas relatam versões distintas e contraditórias. Sendo que a versão do militar C, à qual o tribunal a quo aderiu por completo, não encontra qualquer respaldo noutro elemento probatório dos autos. Para além de que esta testemunha, em face da sua posição em relação aos factos, demonstra menor imparcialidade. Já a versão do militar P não é de todo verosímil. É, pois, clarividente que ambas versões se encontram vazias de coerência lógica e factual.

D. Da prova constante dos autos e decorrente dos indicados meios de prova deveria ter sido antes dado como provado que:

- No local dos factos, o militar C não determinou que o arguido se submetesse ao exame de pesquisa do álcool no sangue.
- Logo, o arguido não se recusou submeter a tal teste.
- Nem foi advertido de quaisquer consequências decorrentes de uma tal recusa.
- Nem foi justificado a ordem de identificação.
- Em momento algum, o arguido manteve uma postura de conflito ou de desafio.
- O arguido não inviabilizou a realização do exame ou a obtenção da identificação.
- É no posto da GNR que o militar C, pela 1.ª vez, determina a submissão do arguido ao teste ao álcool no sangue.
- E fê-lo sem informar o arguido dos seus direitos.
- Nomeadamente, da possibilidade de se recusar a realizar o teste e das consequências dessa recusa.
- Informação que apenas foi prestada posteriormente pelo militar P quando o arguido já se encontrava na sala para realização do teste.
- Em momento algum, o arguido manteve a recusa de realização do teste.
- Em momento algum, o arguido manteve a recusa de identificação.
- O arguido não sabia e nem estava obrigado a identificar-se nos termos relatados.
- O arguido nunca quis, nem violou qualquer ordem regular e dirigida legitimamente.
- Aliás, nenhuma ordem regular e legitimamente lhe foi transmitida ou dirigida.
- O arguido não atuou contra lei ou contra qualquer comando regular e legítimo.
- E o arguido não quis ofender, nem ofendeu o militar na sua dignidade, honra e/ou consideração.

iii. Da matéria de direito.
E. Em face dos factos e das provas, é forçosa a conclusão de que o tribunal a quo interpretou e aplicou incorretamente os art.º 152.º/1-a/3 do Cód. da Estrada, bem como o art.º 49.º do RGCO, além dos artigos 348.º/1-a/2, 69.º, 181.º/1, 184.º, ex.vi 132.º/2-l do Cód. Penal, e ainda o art.º 14.º/2 da Lei n.º 63/2007, de 06.11 pois se a autoridade policial pode exigir ao suspeito da prática de uma contraordenação a respetiva identificação, também é certo que este poder de identificar a pessoa suspeita não inclui a faculdade de o deter e de o conduzir ao posto, pois não é aplicável no proc. de contraordenação o disposto no art.º250.º/6 do CPP.

F. Acresce também que, antes de procederem à identificação, os órgãos de polícia criminal devem provar a sua qualidade, comunicar ao suspeito as circunstâncias que fundamentam a obrigação de identificação e indicar os meios por que este se pode identificar o que não aconteceu no caso em apreço pelo que nenhuma recusa injustificada de identificação pode ser imputada ao arguido.

G. Ademais o art.º 152.º/3 do CE não prevê a detenção do condutor que se recuse submeter às provas estabelecidas para a deteção do estado de influenciado pelo álcool.

E a realidade é que:
H. Ao arguido são conferidos os direitos de constituir o seu Advogado e de por ele ser assistido e aconselhado em todos os atos processuais, direito que o mesmo fez valer e assistido e aconselhado pelo seu Advogado, o arguido identificou-se e aceitou submeter-se ao teste do álcool.

I. Assim e porque nem toda a ordem emitida por autoridade policial implica, ipso facto, o preenchimento do tipo do art.º 348.º do Cód. Penal; haverá que proceder a um juízo de suspeição sustentado em factos concretos para verificar a prática de um crime pelo arguido

J. Ora, da matéria de facto transcrita resulta que:
- O sargento C, no exercício das suas funções de agente da GNR, deteve e conduziu ao Posto da GNR o arguido para efeitos de identificação;

- Contra o arguido não havia fundadas suspeitas da prática de um qualquer crime;

- Não pendia contra ele qualquer processo de extradição ou de expulsão;

- Trata-se de cidadão português que não penetrou ou permaneceu irregularmente no território nacional;

- Não pendia contra ele qualquer mandado de detenção.

Donde resulta a impossibilidade de formar um juízo de suspeição, inexiste a obrigação de identificação, e por maioria de razão a condução de um cidadão a posto policial com a única finalidade de proceder à sua identificação.

K. Pelo exposto o arguido foi detido de forma arbitrária e ilegal, altamente censurável, tanto mais que a autoridade policial conhecia o arguido, sabia onde morava e podia sempre recorrer à matrícula do veículo para identificação do seu proprietário.

Em suma,
L. O arguido não faltou à obediência devida a ordem ou mandado legítimos, nem nenhuma ordem ou mandado legítimos lhe foram regularmente comunicados, elementos necessários de serem verificados para o preenchimento do tipo do crime, violando assim a sentença recorrida o princípio da tipicidade do direito penal.

M. O tipo de crime em questão no caso concreto conflitua com os princípios constitucionais da legalidade e da liberdade e da autodeterminação do arguido, bem como das suas garantias processuais a menos que a ordem de identificação e a detenção do arguido estejam justificados.

N. No mais, as circunstâncias que envolvem o caso concreto justificam a resistência do arguido e o proferimento das expressões imputadas que apenas refletem a sua indignação e inconformismo.

O. Além de que, com o merecido respeito, que é muito, crê-se que não são aptas para atingir o militar na sua dignidade, honra e consideração; nem quis o arguido ofendê-lo na sua honra ou consideração; nem quis humilhá-lo, achincalhá-lo ou desconsiderá-lo publicamente, seja no seu bom-nome, seja na sua dignidade e probidade.

P. Não se demonstrando, portanto, o dolo; e, ainda que assim não fosse, a ação do arguido demonstra-se justificada.

Em conclusão,
Q. O tribunal recorrido devia ter concluído e decidido de forma diversa da que fez; pelo que, deve a douta sentença ser revogada e o arguido ser absolvido de todos os crimes que lhe são imputados e pelos quais vem condenado.

Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a douta decisão recorrida, fazendo, desta feita, a costumada Justiça.

Contra-motivou o Ministério Público na 1ª Instância, defendendo o acerto da decisão recorrida, concluindo pela improcedência do recurso com a consequente manutenção da sentença recorrida.

Nesta Relação a Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e mantida na íntegra a sentença recorrida.

Cumprido o disposto no art.417º, nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTAÇÃO.

Poderes de cognição deste Tribunal. Objecto do recurso. Questões a examinar.

Tendo sido documentadas através de gravação áudio as declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento, este Tribunal, conhece de facto e de direito (arts.363º, 364º e 428º do CPP).

Sendo como é sobejamente sabido e constitui jurisprudência uniforme que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (art.412º nº1, do CPP), as questões a examinar que delas emergem, alinhadas por ordem preclusiva, sem prejuízo de outras de conhecimento oficioso, podem sintetizar-se e consistem em saber:

1.º Se a sentença recorrida é nula, por alegada falta absoluta de fundamentação da convicção alcançada pelo julgador relativamente aos factos dados como não provados (arts. 389º-A, nº1, als. a) e b), nº2 do art.374º e al.a), do nº1 do art.379º, todos do CPP);

2.º Se o tribunal “a quo” avaliou incorrectamente a prova ocorrendo os erros de julgamento apontado pelo recorrente e se por isso deve ser modificada a matéria de facto descrita na sentença recorrida, nos termos por si preconizados; e

3.º Sedimentada em definitivo a factualidade apurada, indagar se em face dela se mostram ou não preenchidos os elementos dos tipos legais de crimes pelos quais o arguido/recorrente foi condenado.

Vejamos.
Na sentença recorrida foi dada como provada e como não provada a seguinte materialidade:

«1. Matéria de facto provada.
Da audiência de discussão e julgamento e com relevo para a decisão do mérito da causa, resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 01/07/2016, pelas 15 horas e 30 minutos, os militares da GNR de Grândola C e P deslocaram-se a Ameiras do Incenso, Grândola, em virtude de ali terem sido chamados por ter sido dado um alerta de incêndio junto da entrada de uma habitação ali existente pertença do filho de um residente chamado FS.

2. Os referidos militares exerciam funções no Núcleo de Protecção Ambiental (NPA) do Destacamento Territorial da GNR de Grândola, encontravam-se devidamente uniformizados e no exercício de funções de militares da GNR - NPA.

3. Cerca das 15H35, logo após a chegada dos militares àquele local, surgiu no local o arguido GR ao volante do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula PG, marca “Honda”, modelo “FK3”, cor branca, pertença do arguido, tendo conduzido o referido veículo automóvel ligeiro de passageiros na via pública que se desenvolve naquele lugar de Ameiras de Incenso, imobilizando a viatura junto dos militares da GNR e saindo do veículo a esbracejar e a proferir em voz alta as seguintes expressões: “andam todos a brincar, até as autoridades andam a brincar, isto é uma palhaçada que ninguém faz nada”.

4. Perante isto, o militar C aproximou-se do arguido no sentido de o acalmar, tendo o arguido mantido a mesma postura dizendo “falo como quero, eu não me calo, do que estão à espera para a prender, a minha esposa tem os registos de entrada e saída da Dona Marina”.

5. Ao verificar a postura do arguido e tendo verificado que o arguido libertava odor a bebidas alcoólicas, uma vez que o arguido se havia deslocado àquele local no exercício de condução naquele veículo na via pública que se desenvolve em Ameiras do Incenso, o referido militar C pediu a identificação ao arguido e determinou a submissão do arguido a exame de pesquisa de álcool no sangue.

6. Perante as ordens emanadas por aquele militar, o arguido recusou identificar-se e recusou a submissão a exame de pesquisa de álcool no sangue, tendo respondido, em voz alta, ao militar C o seguinte: “não me identifico nada, só me identifico à Senhora Capitão”, “não me conheces, deves ser novo aqui”, “não sabes com quem te estás a meter”, “não percebes nada disto”.

7. Nessa sequência, o arguido foi advertido expressamente pelo militar de que a sua actuação representava uma recusa à realização do exame e uma recusa de identificação por cidadão que havia exercido a actividade de condução e que impedia uma fiscalização, e que tal implicaria a prática de um crime de desobediência.

8. Não obstante, o arguido não alterou a sua atitude, manteve a recusa, assim inviabilizando a realização daquele exame e a obtenção da sua identificação completa, tendo respondido ao militar C em voz alta o seguinte: “não és ninguém para me prender”.

9. Perante o referido, e durante a deslocação dentro do veículo da GNR para condução ao quartel da Guarda, o arguido manteve a postura de conflito e desafio, tendo afirmado na direcção daquele militar “agora é que se não me deres voz de prisão trato-te a vida”.

10. Chegados os Quartel da GNR de Grândola, o arguido manteve a recusa de identificação e de submissão a exame de pesquisa de álcool no sangue.

11. Nessa altura, o arguido voltou a ser informado expressamente pelo militar C do dever de submissão a exame de pesquisa de álcool no sangue e que a recusa implicaria a prática de crime de desobediência.

12. Em resposta, o arguido manteve a recusa de submissão ao exame, apesar de devidamente informado das consequências penais em que incorria.

13. O arguido actuou com vontade livre e consciente, bem sabendo que, com a sua conduta vedada por lei, estava a recusar submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool e que, em consequência de tal, desobedecia a uma ordem legitima, regularmente comunicada por militar da GNR, que se encontrava devidamente uniformizado e no exercício das suas funções, imposta por disposição legal e emanada da entidade competente.

14. Não obstante tal conhecimento, quis actuar nos moldes descritos, mesmo sabendo que incorria em crime de desobediência.

15. Ao actuar da forma descrita o arguido agiu com o propósito concretizado de não cumprir a ordem que legitima e regularmente lhe foi comunicada, recusando identificar-se, não obstante estar ciente da cominação que lhe foi feita de que incorreria na prática de um crime de desobediência.

16. O arguido actuou com o propósito de não cumprir os comandos ínsitos a ordem de identificação que lhe foi dirigida, comandos esses que sabia emanarem de funcionários com competência para tanto e no âmbito das suas funções, os quais lhe foram legal e regularmente transmitidos.

17. O arguido sabia que estava obrigado a identificar-se, ainda que discordasse dos factos que lhe pudessem vir a ser imputados, contudo, ao invés de impugná-los pela via adequada caso isso viesse a ocorrer, quis violar a ordem que regular e legitimamente lhe foi dirigida.

18. O arguido ao proferir em voz alta e na direcção do militar C as expressões “não és ninguém para me prender” e “não percebes nada disto”, agiu com o propósito concretizado de atingir o ofendido militar C na sua dignidade, honra, e consideração que lhes são devidas, como pessoa e por causa das suas funções como elemento de força de segurança, o que quis.

19. Agiu o arguido com o propósito concretizado de actuar nos moldes descritos, rebaixando o militar na sua função perante os cidadãos e na sua posição na hierarquia da GNR, apesar de saber que o fazia contra militar da Guarda Nacional Republicana e que o mesmo se encontrava devidamente uniformizado e no exercício das suas funções, no exercício regular das funções daqueles militares e no âmbito das competências próprias da GNR, bem como sabia que proferia tais expressões na presença de cidadãos que se encontravam no local e que assistiam aos comportamentos praticados contra elementos da autoridade.

20. Agiu o arguido em todas as circunstâncias descritas de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Da Contestação:
21. Nessa mesma zona, tinha havido um incêndio e estavam presentes dois dos proprietários da zona afectada, que prestavam declarações sobre os factos atinentes ao incêndio aos agentes da GNR, C e P.

22. Ao presenciar estes factos, dado que a zona do incêndio é confinante à sua propriedade, o arguido dirige-se aos agentes da GNR.

23. A sua propriedade já tinha sido incendiada, factos que originaram sintomas no foro depressivo com distúrbio de ansiedade, perturbação do sono.

24. Foi levado para o Posto da GNR de Grândola, contactou com o seu advogado para que fosse ao seu encontro.

25. Após a chegada do advogado do arguido, este disponibilizou-se a fazer o teste de alcoolemia, requerendo que fosse feito.

26. No entanto, o agente da GNR C não aceitou, ao que o advogado requereu que essa recusa deveria constar do auto de notícia.

27. O arguido foi detido depois das 15.30 e libertado cerca das 16.55 horas.

Mais se provou:
28. O arguido não tem antecedentes criminais nem lhe são conhecidos outros processos pendentes contra si em tribunal.

29. Vive com a mulher em casa própria, da qual paga, mensalmente, a quantia de 1.000€ mensais, a título de empréstimo para aquisição de habitação.

30. Encontra-se de baixa psiquiátrica há cerca de 1 ano e aufere cerca de 1.000€ mensais.

31. A sua mulher aufere cerca de 1.000€ mensais, a título de reforma.

32. Tem dois filhos maiores.

33. É licenciado.

2. Matéria de facto não provada:

Da contestação do arguido:

A - No dia 1 de Junho de 2016, pelas 14.50 horas, encontrava-se o arguido em Ameiras do Incenso, Grândola.

B - Demonstrando alguns receios.

C - Como ainda se estava a aproximar dos agentes da GNR, tendo sido chamado pela sua esposa, o arguido, elevou um pouco o tom de voz para se fazer ouvir.

D - O agente da GNR C, por motivos que não se alcançam, requer a identificação ao arguido.

E - Ao que o arguido questiona a razão do pedido de apresentação da identificação, sendo que a resposta foi “estava a falar alto”.

F - Em acto contínuo, também fez o arguido menção de que não entendia aquela necessidade de se identificar, uma vez que o agente P foi quem fez o levantamento de seis autos de ocorrência, relativos a incêndios e já o tinha identificado.

G - Pelo que o pedido de identificação se revelava estranho ao arguido, atendendo que a sua identidade e morada é conhecida.

H - Ao que referiu que apresentaria a sua identificação assim que lhe fosse indicada qual a ilegalidade ou qual a legitimidade para que, razoavelmente, lhe tivesse a ser requerida a identificação.

I - De forma bastante rude, com tom de voz bastante elevado, o agente da GNR C, retorquiu “ou me dá a identificação ou vai preso”.

J - Foi então que o arguido disse que apenas se identificava na presença do seu advogado.

L - Já no Posto, o agente da GNR C, exige que o arguido faça o teste de alcoolemia e este dirigiu-se a uma sala, porém aí chegados constatam que não havia “pipetas” e que o equipamento estava com muito pó.

M - Após estarem reunidas as condições para fazer o teste de alcoolemia, o arguido referiu que não se recusava a fazer o teste, mas que o seu advogado estaria a chegar e esperaria por ele, o que aconteceu minutos depois.

N - Acresce o facto de o arguido ter sido detido às 15.10 e apenas ter sido libertado às 16.30 horas.

O - O comportamento do agente da GNR C é manifestamente reprovável.

P - Há um evidente excesso no uso do seu poder, que não se encontra legitimado por qualquer fim de interesse público; não se revelou necessário nem adequado à circunstância fáctica.

Q - O pedido de identificação não foi mais do que uma imposição motivada por querer fazer prevalecer a sua autoridade.

O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção do seguinte modo:

3. Motivação da matéria de facto.
Para a decisão quanto à matéria de facto acima descrita e assente, o tribunal fundou a sua convicção na análise e valoração crítica da prova produzida em audiência e da prova documental junta aos autos, nomeadamente:

Os factos dados como provados de 28 a 33 resultam do teor do CRC do arguido e do resultado de pesquisa de processos pendentes efectuado, bem como das declarações do arguido quanto à sua situação económica e pessoal, as quais, nesta parte mereceram a credibilidade do tribunal.

Os factos dados como provados de 1 a 20, resultam da conjugação do Auto de notícia de fls. 3 a 5, resultados de pesquisa de fls. 19 a 23 e no depoimento testemunhal prestado pelos militares C e P, os quais depuseram de forma séria e isenta, convencendo da veracidade do por si afirmado em sede de audiência de discussão e julgamento. Ouvidos ambos os militares, o primeiro, o próprio agente autuante, ambos confirmaram o teor do auto de notícia junto aos autos, a postura desafiante e ameaçadora do arguido, as expressões proferidas e a recusa, até à presença do seu advogado, em obedecer às ordens que lhe eram dirigidas.

Referiram os militares C e P, que no dia 01/07/2016, pelas 15 horas e 30 minutos, se deslocaram a Ameiras do Incenso, Grândola, em virtude de ali terem sido chamados por ter sido dado um alerta de incêndio junto da entrada de uma habitação ali existente pertença do filho de um residente chamado FS. Quando se encontravam no local, cerca das 15H35, surgiu o arguido GR ao volante do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula PG, marca “Honda”, modelo “FK3”, cor branca, pertença do arguido, o qual após imobilizar a sua viatura saiu do veículo a esbracejar e a proferir em voz alta as seguintes expressões: “andam todos a brincar, até as autoridades andam a brincar, isto é uma palhaçada que ninguém faz nada”. Perante tal situação o militar C aproximou-se do arguido no sentido de o aclamar, tendo o arguido mantido a mesma postura dizendo “falo como quero, eu não me calo, do que estão à espera para a prender, a minha esposa tem os registos de entrada e saída da Dona Marina”. Na sequência destas afirmações, uma vez que o militar se encontrava mais próximo do arguido, pode perceber que o arguido libertava odor a bebidas alcoólicas, uma vez que o arguido se havia deslocado àquele local no exercício de condução naquele veículo na via pública que se desenvolve em Ameiras do Incenso, o referido militar C pediu a identificação ao arguido e determinou a submissão do arguido a exame de pesquisa de álcool no sangue. Após a solicitação de identificação, o arguido recusou-se determinantemente a identificar-se tendo respondido, em voz alta, ao militar C o seguinte: “não me identifico nada, só me identifico à Senhora Capitão”, “não me conheces, deves ser novo aqui”, “não sabes com quem te estás a meter”, “não percebes nada disto”. Mais se recusou a efectuar o teste de alcoolémia. Foi então o arguido advertido expressamente pelo militar de que a sua actuação representava uma recusa à realização do exame e uma recusa de identificação por cidadão que havia exercido a actividade de condução e que impedia uma fiscalização, e que tal implicaria a prática de um crime de desobediência. Não obstante, o arguido não alterou a sua atitude, manteve a recusa, assim inviabilizando a realização daquele exame e a obtenção da sua identificação completa, tendo respondido ao militar C em voz alta o seguinte: “não és ninguém para me prender”. Face ao comportamento descrito foi o arguido conduzido ao posto da GNR de Grândola. Durante a deslocação dentro do veículo da GNR para condução ao quartel da Guarda, o arguido manteve a postura de conflito e desafio, tendo afirmado na direcção daquele militar “agora é que se não me deres voz de prisão trato-te a vida”. Chegados os Quartel da GNR de Grândola, o arguido manteve a recusa de identificação e de submissão a exame de pesquisa de álcool no sangue. Nessa altura, o arguido voltou a ser informado expressamente pelo militar C do dever de submissão a exame de pesquisa de álcool no sangue e que a recusa implicaria a prática de crime de desobediência. Em resposta, o arguido manteve a recusa de submissão ao exame, apesar de devidamente informado das consequências penais em que incorria. Cerca das 16.20 horas chegou ao posto o mandatário do arguido, sendo que após falar com o mesmo, facultou aos militares o cartão de cidadão do arguido para a sua identificação.

Especialmente no que concerne à recusa à submissão ao teste de alcoolemia, a versão constante do auto de notícia, posta em causa pelo arguido foi também ela confirmada pelo depoimento do militar LM, o qual depôs de forma isenta, merecendo a credibilidade do Tribunal, referindo que tomou conhecimento da situação através do agente autuante e que em momento algum referiu que deveria ser dada uma nova oportunidade para o arguido fazer o teste de alcoolemia.

Os factos dados como provados de 21 a 27 resultam igualmente dos depoimentos destes militares, como já se mostra descrito e em parte das declarações prestadas pelo próprio arguido, designadamente quando admite que se dirige aos militares da GNR presentes no local, que a sua propriedade já tinha sido incendiada, o que o levou a sintomas do foro depressivo, do distúrbio de sono e perturbação de ansiedade. Bem como ao confirmar que a zona deste incêndio é confinante com a sua propriedade. Mais confirmou o arguido, aliás como referido pelos militares da GNR, como acima se descreveu, que o arguido foi levado para o posto da GNR e contactou o seu advogado. Que já na presença do advogado e só na presença deste se disponibilizou a realizar o teste. Como tal lhe foi recusado o advogado não só requereu que constasse do auto mas também requereu falar com o superior hierárquico o que veio a ocorrer, como se descreveu, acima, no depoimento prestado pela testemunha LM. No que concerne à hora de detenção e libertação do arguido, constante do facto dado como provado em 27, o mesmo resulta da conjugação do auto de notícia com o auto de libertação de fls. 10.

O arguido negou a prática dos factos, apresentando uma versão desculpabilizadora e vitimizante do ocorrido. Na verdade alega o mesmo que manteve sempre uma postura correcta e cordial e que os factos se traduziram num abuso de autoridade e arrogância por parte do militar C. O arguido nega as expressões e condutas que lhe são imputadas. Apresenta duas testemunhas, sendo que uma delas, FS, não presenciou os factos, em nada contribuindo para a descoberta da verdade material e a testemunha MJ, presta um depoimento parcial, incoerente. Quando inquirida refere que se encontrava junto ao arguido, no local da ocorrência dos factos, tendo afirmado que o mesmo nunca proferiu as expressões que lhe são imputadas na acusação. Porém, a mesma testemunha, inquirida pelo Tribunal, quando confrontada com as expressões que o arguido afirma ter proferido, designadamente “que só se identificava se lhe explicassem quais os crimes de que era suspeito” “ que não se identificava porque ali era conhecido de toda a gente e que já tinham a identificação do mesmo”, a testemunha refere que “não estava assim tão perto”, que não ouviu, o que claramente se traduz num depoimento parcial incoerente, denotando falta de credibilidade e de verdade. Não é crível, face às regras da experiência comum que alguém, colocado ao pé de outra pessoa, perto o suficiente, como descrito pela testemunha não oiça as expressões que a mesma profere. Repare-se que a testemunha em momento algum refere que se afastou do arguido ou que detinha algum tipo de deficiência que não lhe permitia ouvir com nitidez as expressões que eram proferidas. Ora não pode o tribunal atribuir credibilidade a uma testemunha que num primeiro momento diz estar perto do arguido, que não o ouve proferir as expressões descritas na acusação e quando inquirida, desta feita pelo tribunal, se ouviu outras expressões, refere que afinal não estava assim tão perto para as poder ouvir. Pelo que só restam duas conclusões possíveis: ou a testemunha estava perto do arguido, e ouviu as expressões descritas na acusação e não as que o arguido refere ter dito e faltou à verdade em tribunal, ou estava efectivamente afastada do arguido e não ouviu qualquer expressão, sendo que igualmente também faltou à verdade que lhe era imposta em tribunal.

Atenta a prova produzida, a versão trazida pelo arguido não mereceu qualquer credibilidade por parte do tribunal. O tribunal conhece as razões que perturbam a vida da população das Ameiras do Incenso, fustigadas com diversos incêndios, não sendo alheio aos sentimentos de tristeza, revolta e cansaço dos seus moradores e também do arguido. Não tem por isso dúvidas, que no quadro dessa insatisfação e desses sentimentos, os factos ocorreram como descritos no auto de notícia e relatados pelos militares, sendo a versão trazida pelo arguido desprovida de qualquer credibilidade.

Veja-se que ambos os depoimentos dos militares da GNR são claros, coerentes, na descrição dos factos. Não existe qualquer motivo para duvidar da versão vertida pelos mesmos no auto de notícia, nem das declarações que a confirmam prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento.

O mesmo já não acontece com a versão trazida pelo arguido que o mesmo pretendeu sustentar com as duas testemunhas que apresentou, as quais, como já acima se referiu nada trouxeram de relevante para a prova, uma porque não presenciou os factos e outra porque manifestamente faltou à verdade.

E porque motivo haveriam os militares da GNR de tomar tal postura perante o arguido a não ser que o mesmo tivesse adoptado a postura descrita na acusação? Não há fundamento para tal. Não existe conhecimento que entre o arguido e estes militares tivesse ocorrido qualquer incidente prévio, que de alguma forma suportasse qualquer intenção da parte destes em prejudicar o arguido.

Mas a desconstrução da tese do arguido, essa sim, é possível, com recurso a acontecimentos passados. Veja-se que o arguido se encontra inserido numa aldeia, fustigada por incêndios e em que a actuação da GNR, independentemente de ser ou não a correcta, não tem surtido o efeito desejado, quer no sentido de travar a existência de novos incêndios, quer no sentido de apurar os seus responsáveis. Existe nesta comunidade e igualmente no arguido uma insatisfação crescente e patente na actuação dos militares da GNR e que culminou neste incidente do qual o arguido foi o protagonista. Foi exactamente o sentimento de revolta do arguido que lhe permitiu a postura desafiante e desobediente perante os militares da GNR. O qual é patente logo nas primeiras expressões proferidas pelo arguido quando chega ao local: “andam todos a brincar, até as autoridades andam a brincar, isto é uma palhaçada que ninguém faz nada”.

Outra não pode ser a conclusão do tribunal, quer por recurso às regras da experiência comum (que nos demonstram a forma de actuar dos cidadãos em situações semelhantes), quer por recurso à versão coerente e credível trazida por ambos os militares da GNR, a qual, pela forma escorreita e desinteressada como foi prestada, não ofereceu qualquer dúvida ao tribunal.

Quando está em causa prova testemunhal, como é o caso, deve o julgador proceder a um seu tratamento cognitivo, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal qual a prova indiciária de qualquer natureza, pode ser objecto de formulação de deduções ou induções baseadas na correcção de raciocínio mediante a utilização das regras de experiência.

Como anota, v.g., o Professor Cavaleiro Ferreira, isto porque só a oralidade e imediação permitem o indispensável contacto vivo com o arguido (assistente e testemunhas) e a recolha deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais.

Foi através da oralidade e imediação, da personalidade demonstrada quer pelo arguido quer pelas testemunhas ouvidas, conjugadas com regras de experiência comum que o tribunal atribuiu credibilidade a uns depoimentos e fundou a sua convicção que os factos se passaram como descrito na acusação.

No que concerne à componente subjectiva das condutas, a prova resultou da conjugação dos restantes factos objectivos susceptíveis de comprovar tal factualidade, já que o modo de operar do arguido é bem revelador de que a sua intenção foi não cumprir a ordem que legitima e regularmente lhe foi comunicada, recusando identificar-se, não obstante estar ciente da cominação que lhe foi feita de que incorreria na prática de um crime de desobediência. O arguido sabia que estava obrigado a identificar-se, ainda que discordasse dos factos que lhe pudessem vir a ser imputados, contudo, ao invés de impugná-los pela via adequada caso isso viesse a ocorrer, quis violar a ordem que regular e legitimamente lhe foi dirigida. Ao proferir em voz alta e na direcção do militar C as expressões “não és ninguém para me prender” e “não percebes nada disto”, outra não podia ser a intenção do arguido que não a de atingir o ofendido militar C na sua dignidade, honra, e consideração que lhes são devidas, como pessoa e por causa das suas funções como elemento de força de segurança, o que quis. O modo de operar do arguido é revelador que o mesmo agiu com a intenção de rebaixar o militar na sua função perante os cidadãos e na sua posição na hierarquia da GNR, apesar de saber que o fazia contra militar da Guarda Nacional Republicana e que o mesmo se encontrava devidamente uniformizado e no exercício das suas funções, no exercício regular das funções daqueles militares e no âmbito das competências próprias da GNR, bem como sabia que proferia tais expressões na presença de cidadãos que se encontravam no local e que assistiam aos comportamentos praticados contra elementos da autoridade.

Os factos dados como não provados resultam do Tribunal não ter dado credibilidade à versão trazida pelo arguido, uma vez que os mesmos relatam essa mesma versão, a qual, pelas razões acima expostas, no que concerne aos factos dados como provados, não mereceu a credibilidade do Tribunal, não tendo sido produzida qualquer prova, para além das declarações do arguido, nesta parte não merecedoras de credibilidade, que os permitisse dar como provados.

O tribunal “ a quo” procedeu à subsunção legal da factualidade supra descrita, à escolha da espécie e determinação da medida das penas da seguinte forma:

4. Aspecto jurídico da causa.
a) - Enquadramento jurídico-penal.

O arguido vem acusado da prática de:
- Um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. a), e n.º 3 do Código da Estrada, com referência ao artigo 348.º, n.º 1, al. a) e artigo 69.º, ambos do Código Penal;

- Um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelos artigos 348.º, n.º 2, do Código Penal e artigo 14.º, n.º 2 da Lei n.º 63/2007, de 06.11.

- Um crime de injúria agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 181º, n.º 1, e 184º, ex vi 132º, nº 2, al. l), todos do Código Penal.

No que concerne aos crimes de desobediência:
O art. 348º, do Código Penal (por diante apenas CP), estipula, no seu n.º 1 que "Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se:

a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples;

E no seu n.º 2:

A pena é de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias nos casos em que uma disposição legal cominar a punição da desobediência qualificada.

Por seu turno o artigo 152º, do Código da Estrada estabelece que:
1 - Devem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas:

a) Os condutores;

3 – As pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são punidas por crime de desobediência.

Por seu turno, dispõe o artigo 14.º, n.º 2 da Lei n.º 63/2007, de 06.11.:

2 — Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade de polícia ou agente de autoridade da Guarda, é punido com a pena legalmente prevista para a desobediência qualificada.

Desobedecer é faltar à obediência devida, ou seja, nesta disposição legal se prevê a desobediência impura, aquela que não é acompanhada de outras consequências. Assim, comete o crime de desobediência quem faltar à obediência devida a uma ordem regularmente emanada de autoridade competente tendo sido advertido de que a falta de obediência ao mandado se traduziria na prática de um crime de desobediência. Desobedecer, consiste, em última análise, em não acatar uma ordem.

Temos assim a considerar a ocorrência de vários elementos constitutivos do tipo legal:

a) a existência de ordem ou mandado;

b) a legalidade substancial e formal da ordem ou do mandado;

c) a legitimidade e competência da autoridade que emite a ordem ou mandado; e, finalmente,

d) a regularidade da sua transmissão ao destinatário.

Ordem é a imposição da obrigação de praticar ou deixar de praticar certo facto. A ordem contém, portanto, como a lei penal, uma norma de conduta. Estes ensinamentos aplicam-se extensivamente ao mandado, que é o meio pelo qual se transmite a ordem.

A ordem ou mandado têm de se revestir de legalidade substancial, isto é, têm que ter atrás de si disposição legal que autorize a sua emissão. Esta regra só encontra um desvio na alínea b), do n.º 1, do artigo 348º do Código Penal.

Com efeito, não se pode emitir uma ordem ou mandado sem que a lei anterior confira ao emitente poder para tal, a menos que essa possibilidade se compreenda nos poderes discricionários da autoridade emissora. Assim se requer que a autoridade emitente da ordem ou do mandado tenha competência para tanto, isto é, que tal acto caiba na esfera própria das suas atribuições e competências.

Em resumo, dir-se-á que toda a ordem ou mandado se funda na lei.

Por outro lado, exige-se para ambos legalidade formal, o que significa que só se poderá falar em desobediência quanto a ordens ou mandados emitidos com as formalidades que a lei estipula para a sua emissão. Se assim não for, a ordem ou mandado deixam de ter validade, não lhes sendo devida obediência.

Finalmente, os destinatários têm de ter conhecimento da ordem ou do mandado a cuja obediência são sujeitos, pelo que se exige um processo regular e capaz para a sua transmissão, de forma a que os seus destinatários tenham conhecimento do que lhes é imposto ou exigido.

Por último, acrescente-se, que só se deve obediência a ordens possíveis de cumprir, sendo a possibilidade aferida, pelas circunstâncias em concreto relativas ao destinatário da norma, isto é, só incumpre uma norma ou mandado quem tiver possibilidade de a cumprir.

Vejamos então os factos dados como provados no que concerne ao crime de desobediência simples e ao crime de desobediência qualificada:

No dia 01/07/2016.
Cerca das 15H35, logo após a chegada dos militares àquele local, surgiu no local o arguido GR ao volante do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula PG, marca “Honda”, modelo “FK3”, cor branca, pertença do arguido, tendo conduzido o referido veículo automóvel ligeiro de passageiros na via pública que se desenvolve naquele lugar de Ameiras de Incenso, imobilizando a viatura junto dos militares da GNR e saindo do veículo a esbracejar e a proferir em voz alta as seguintes expressões: “andam todos a brincar, até as autoridades andam a brincar, isto é uma palhaçada que ninguém faz nada”.

Perante isto, o militar C, ao verificar a postura do arguido e tendo verificado que o arguido libertava odor a bebidas alcoólicas, uma vez que o arguido se havia deslocado àquele local no exercício de condução naquele veículo na via pública que se desenvolve em Ameiras do Incenso, o referido militar C pediu a identificação ao arguido e determinou a submissão do arguido a exame de pesquisa de álcool no sangue.

Perante as ordens emanadas por aquele militar, o arguido recusou identificar-se e recusou a submissão a exame de pesquisa de álcool no sangue, tendo respondido, em voz alta, ao militar C o seguinte: “não me identifico nada, só me identifico à Senhora Capitão”, “não me conheces, deves ser novo aqui”, “não sabes com quem te estás a meter”, “não percebes nada disto”.

Nessa sequência, o arguido foi advertido expressamente pelo militar de que a sua actuação representava uma recusa à realização do exame e uma recusa de identificação por cidadão que havia exercido a actividade de condução e que impedia uma fiscalização, e que tal implicaria a prática de um crime de desobediência.

Não obstante, o arguido não alterou a sua atitude, manteve a recusa, assim inviabilizando a realização daquele exame e a obtenção da sua identificação completa, tendo respondido ao militar C em voz alta o seguinte: “não és ninguém para me prender”.

Chegados os Quartel da GNR de Grândola, o arguido manteve a recusa de identificação e de submissão a exame de pesquisa de álcool no sangue.

Nessa altura, o arguido voltou a ser informado expressamente pelo militar C do dever de submissão a exame de pesquisa de álcool no sangue e que a recusa implicaria a prática de crime de desobediência.

Em resposta, o arguido manteve a recusa de submissão ao exame, apesar de devidamente informado das consequências penais em que incorria.

O arguido actuou com vontade livre e consciente, bem sabendo que, com a sua conduta vedada por lei, estava a recusar submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool e que, em consequência de tal, desobedecia a uma ordem legitima, regularmente comunicada por militar da GNR, que se encontrava devidamente uniformizado e no exercício das suas funções, imposta por disposição legal e emanada da entidade competente.

Não obstante tal conhecimento, quis actuar nos moldes descritos, mesmo sabendo que incorria em crime de desobediência.

Ao actuar da forma descrita o arguido agiu com o propósito concretizado de não cumprir a ordem que legitima e regularmente lhe foi comunicada, recusando identificar-se, não obstante estar ciente da cominação que lhe foi feita de que incorreria na prática de um crime de desobediência.

O arguido actuou com o propósito de não cumprir os comandos ínsitos a ordem de identificação que lhe foi dirigida, comandos esses que sabia emanarem de funcionários com competência para tanto e no âmbito das suas funções, os quais lhe foram legal e regularmente transmitidos.

O arguido sabia que estava obrigado a identificar-se, ainda que discordasse dos factos que lhe pudessem vir a ser imputados, contudo, ao invés de impugná-los pela via adequada caso isso viesse a ocorrer, quis violar a ordem que regular e legitimamente lhe foi dirigida.

Da prova produzida não restam dúvidas que o arguido tinha acabado de exercer a actividade de condução e que os mencionados militares se encontravam devidamente uniformizados e no legal exercício das suas funções. Dúvidas também não restam que face à legislação em vigor, o arguido, enquanto condutor, estava obrigado a submeter-se à realização de teste de alcoolemia.

Alega o arguido em sede de contestação que se recusou efectuar o teste de álcool porque o aparelho estava cheio de pó e terá ouvido outro militar dizer que não havia pipetas para o teste. Tal versão foi contrariada pelos militares ouvidos, os quais afirmaram que o aparelho se encontrava a funcionar devidamente. Acresce que, pelo militar P, que acompanhou o arguido à sala de realização do exame foi dito, de forma que mereceu a credibilidade do tribunal, que em momento algum o arguido referiu que não fazia o teste por o aparelho não apresentar condições de utilização. Pelo contrário, como referido pelo militar, o arguido manteve sempre a postura de recusa de submissão ao exame e que ia aguardar pela chegada do seu advogado. Ora, à face da lei, a exigência de defensor oficioso para a realização de exame de detecção de álcool não é legítima, o que o arguido bem sabia, porque foi devidamente advertido pelo militar que o acompanhava. Mais alegou o arguido, em sede de contestação que, após a chegada do seu advogado, informou os militares da sua disponibilidade para efectuar o teste, o que só não fez, porque o militar C já não quis que fizesse o teste. A consumação do crime de desobediência simples ocorreu no momento em que o arguido, perante a ordem legítima de obrigação de se submeter ao exame, o recusou, devidamente advertido que incorria em crime de desobediência e ciente das consequências da sua recusa a manteve. Em nada altera a consumação de tal crime o facto de o arguido, em momento posterior, se disponibilizar para a realização do mencionado teste, porquanto o crime já estava consumado.

Dúvidas não restam assim que o arguido cometeu o crime de desobediência simples de que vinha acusado.

No que concerne à identificação do arguido. O militar da GNR, ouvido em sede de audiência de discussão e julgamento foi claro ao dizer que na sequência das afirmações proferidas pelo arguido, se deslocou mais próximo do mesmo, tendo sentido um cheiro a álcool. Como o arguido tinha acabado de exercer a condução (facto que o arguido não nega) e atentas as expressões proferidas pelo arguido, o militar da GNR, reitera-se em exercício de funções e devidamente uniformizado, requer a identificação do arguido, com o intuito de reproduzir em auto de declarações as suas afirmações e sujeitá-lo ao teste de álcool. Perante a recusa do arguido em identificar-se foi o mesmo legalmente advertido das consequências da sua recusa, tendo mantido esta, o que determinou a sua detenção e condução ao posto da GNR.

Alega o arguido em sede de contestação que este procedimento do militar da GNR se traduziu, não no exão no exercício legítimo das suas funções, mas sim num abuso de poder. Porquanto não existia qualquer motivo para a identificação do arguido.

Tal versão não merece qualquer acolhimento face à legislação em vigor.

É absolutamente inquestionável a licitude da determinação da referida medida de polícia, de exigência identificativa, e, assim, a respectiva legitimidade, não só por efeito do convocado art.º 49.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), mas também pela sua (legalidade/legitimidade) incontornável conferência aos agentes da autoridade, mormente aos militares da GNR – que ora relevam, assim legalmente qualificados/considerados, [cfr. art.º 10.º, n.º 3, da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, (Lei n.º 63/2007, de 06/11)] –, pela dimensão normativa integrada pelos dispositivos ínsitos sob os arts. 25.º, n.º 2, al. a), 28.º, n.º 1, al. a), e 32.º, n.º 2, da Lei de Segurança Interna (LSI) – Lei n.º 53/2008, de 29/08 –, 13.º, n.º 1, do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana – D.L. n.º 297/2009, de 14/10 –, 170.º, n.º 1, e 171.º, ns. 1 e 2, do Código da Estrada – aprovado pelo D.L. n.º 114/94, de 03/05, na versão decorrente, máxime, do D.L. n.º 44/2005, de 23/02 –, e 1.º, n.º 1, da Lei n.º 5/95, de 21/02, na versão conferida pela Lei n.º 49/98, de 11/08, [com referência, naturalmente, ao referido art.º 25.º, n.º 2, al. a), da actual LSI].

Em lógica decorrência, impor-se-ia ao visado cidadão, ora arguido, o correlato dever de pronto acatamento da respectiva ordem, como, aliás, expressa e reforçadamente se estabelece, máxime, no art.º 5.º, n.º 1, da referida Lei de Segurança Interna.

A correspondente recusa fá-lo-ia imediatamente incorrer no cometimento dum crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo art.º 348.º, n.º 2, do Código Penal, por tal consequência se encontrar expressamente cominada no n.º 2 do art.º 14.º da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, (aprovada pela Lei n.º 63/2007, de 06/11) – «[…] Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade de polícia ou agente de autoridade da Guarda, é punido com a pena legalmente prevista para a desobediência qualificada.» –, e condicionaria a sua pronta detenção, com vista à respectiva sujeição a julgamento sob a forma de processo sumário, [cfr. arts. 254.º, n.º 1, al. a), 255.º, n.º 1, al. a), 256.º, n.º 1, e 381.º, n.º 1, al. a), do CPP], independentemente, pois, de qualquer outro procedimento do respectivo agente de autoridade, quer da verbal advertência da incursão em crime de desobediência, quer do correspondente à indagação da recusada identificação, postulado pelos arts. 3.º da Lei n.º 5/95, de 21/02, e 171.º, n.º 1, do Código da Estrada, como inelutavelmente decorre do art.º 5.º da referida Lei n.º 5/95 – conformemente, aliás, logo bem se consignou no respeitante auto-de-notícia, (cfr. fls. 4).

Não foi, assim, reprovável, a conduta do militar da GNR, mas sim a do arguido, quer pelas afirmações proferidas, quer pela recusa sistemática no acatamento das ordens legalmente emanadas de autoridade pública e devidamente comunicadas.

Dúvidas não restam assim o crime de desobediência qualificada por que vinha acusado.

No que concerne ao crime de injúria agravado:

Dispõe o artigo 181º, n.º 1, do Código penal que quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.

Esta norma legal visa a defesa do bem jurídico da honra e consideração.

A honra é um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior. A honra interior consiste no juízo valorativo que cada pessoa faz de si mesma, como se auto-avalia, a consciência que a pessoa tem do seu valor e prestígio; fundamento essencial da honra interior e, desta forma, núcleo da capacidade de honra do indivíduo, é a irrenunciável dignidade pessoal que lhe pertence desde o nascimento e cuja inviolabilidade a Lei Fundamental reconhece no art. 1º. A honra exterior traduz a representação que os outros têm sobre o valor de uma pessoa, ou seja, a consideração, o bom nome, a reputação de que uma pessoa goza no contexto social envolvente. Da honra interior decorre a pretensão jurídica, criminalmente protegida, de cada um a que nem a sua honra interior nem a sua boa reputação exterior sejam minimizados ou mesmo totalmente desrespeitadas (Comentário Conimbricense, vol. I, pág. 607).

O tipo objectivo do crime de injúrias preenche-se quando o agente imputa directamente à vítima factos desonrosos, ou seja, factos que socialmente desonrem, levem ao descrédito, ou menosprezem a pessoa visada com a imputação. Isto é, preenche-se quando o agente dirigir a outra pessoa palavras ofensivas da sua honra e consideração.

O tipo subjectivo verifica-se com o conhecimento e a vontade de acção injuriosa, a que acrescerá, nalguns ordenamentos jurídicos, a intenção específica de injuriar (animus iniuriandi), elemento subjectivo especial que é distinto do dolo e o transcende (sobre este ponto, cfr. FRANCISCO MUÑOZ CONDE, Derecho Penal - Parte Especial, 6.ª ed., Sevilha, 1985, 95 ss.).

Na lei penal em vigor, como já acontecia com o Código Penal de 1982, ao contrário do que sucedia no Código Penal de 1886, o tipo subjectivo do crime de injúrias é preenchido pela conduta dolosa do agente, sendo suficiente a imputação baseada tão só em dolo eventual. O dolo que preenche este tipo é genérico, não havendo na lei a exigência de dolo específico - rectius, de um elemento subjectivo especial, ou animus iniuriandi - cfr. RP 30-10-1996, in CJ (1996) 4 251.

Por seu turno, o artigo 184º, do Código Penal: “As penas previstas nos artigos 180.º, 181.º e 183.º são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade.

Dispõe o artigo 132º, n.º 2, al. l) “Praticar o facto contra membro de órgão de soberania, do Conselho de Estado, Representante da República, magistrado, membro de órgão de governo próprio das Regiões Autónomas, Provedor de Justiça, governador civil, membro de órgão das autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade pública, comandante de força pública, jurado, testemunha, advogado, todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, agente das forças ou serviços de segurança, funcionário público, civil ou militar, agente de força pública ou cidadão encarregado de serviço público, docente, examinador ou membro de comunidade escolar, ou ministro de culto religioso, juiz ou árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas no exercício das suas funções ou por causa delas;”

Recorrendo à matéria de facto dada como provada, o arguido ao proferir em voz alta e na direcção do militar C as expressões “não és ninguém para me prender” e “não percebes nada disto”, agiu com o propósito concretizado de atingir o ofendido militar C na sua dignidade, honra, e consideração que lhes são devidas, como pessoa e por causa das suas funções como elemento de força de segurança, o que quis. Agiu o arguido com o propósito concretizado de actuar nos moldes descritos, rebaixando o militar na sua função perante os cidadãos e na sua posição na hierarquia da GNR, apesar de saber que o fazia contra militar da Guarda Nacional Republicana e que o mesmo se encontrava devidamente uniformizado e no exercício das suas funções, no exercício regular das funções daqueles militares e no âmbito das competências próprias da GNR, bem como sabia que proferia tais expressões na presença de cidadãos que se encontravam no local e que assistiam aos comportamentos praticados contra elementos da autoridade. Agiu o arguido em todas as circunstâncias descritas de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Mostram-se assim preenchidos os elementos do tipo de crime de injúria agravada pelo que o arguido vinha acusado.

Inexistem causas de exclusão da ilicitude e da culpa.

b) - Da determinação da medida concreta da pena.
De acordo com o disposto no artigo 40º do Código Penal, a aplicação das penas e das medidas de segurança visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo, em caso algum, a medida da pena ultrapassar a medida da culpa.

A medida da pena tem como primeira referência a culpa, funcionando depois, num segundo momento mas ao mesmo nível, a prevenção.

A este propósito pode ler-se no Acórdão do STJ de 09/12/98: “A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir.”

Quanto à prevenção, constitui um fim relevando para a determinação da pena necessária, em função da maior ou menor exigência do ponto de vista preventivo, acabando por fornecer, em último termo, a medida da pena.

A este propósito é costume fazer-se referência à prevenção geral e à prevenção especial e, no que toca a cada uma delas, a prevenção positiva e a prevenção negativa.

A prevenção geral positiva, finalidade primária da pena, é o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime. A qual tem como vertente negativa a intimidação geral.

Por outro lado, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração, a medida concreta da pena será encontrada em função da necessidade de socialização do agente (prevenção especial positiva) e de advertência individual (prevenção especial negativa).

Assim, e como se pode ler no Acórdão do STJ de 15/12/99, a determinação concreta da pena é feita, nos termos dos artigos 40 e 70º do Código Penal “ em função da culpa (que fixa o limite máximo inultrapassável em razão do respeito pela inviolável dignidade da pessoa) das exigências de prevenção geral positiva ou de integração (que conduzem a uma moldura abstracta fixada entre um limite mínimo correspondente ao quantum indispensável à manutenção da confiança da comunidade na validade das normas infringidas, e um limite máximo em correspondência com o ponto óptimo dessa defesa do ordenamento jurídico, desde que não exceda o referido limite derivado da medida da culpa) e bem assim em função das necessidades de prevenção especial de socialização (que determinam o quantum concreto da pena dentro daquela moldura de prevenção geral).”

Em termos abstractamente considerados a pena aplicável ao crime de desobediência simples é de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias, o crime de desobediência qualificada é punido com pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias e o crime de injúria agravada é punido com é pena de prisão de 1 mês e 15 dias a 4 meses e 15 dias ou pena de multa de 15 dias a 180 dias

O crime em causa admite, como pena alternativa à pena de prisão, a pena de multa.

Assim, cumpre atender ao disposto no artigo 70º, do Código Penal, o qual estabelece que se ao crime forem aplicáveis em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

A opção por uma pena detentiva ou não da liberdade, depende sempre da situação concreta a valorar e decidir, tendo presentes as exigências e os objectivos das prevenções geral e especial.

No caso, atende-se ao facto de o arguido se mostrar inserido social, profissional e familiarmente. Igualmente importa considerar que não houve consequências dos factos praticados. Não tem antecedentes criminais e não lhe são conhecidos outros processos pendentes contra si. Tais factos apontam para uma necessidade de prevenção especial reduzida.

Pelo que entende o tribunal que a pena não privativa da liberdade, no caso em apreço, realiza de forma adequada as finalidades da punição.

A determinação da medida concreta da pena faz-se em função da culpa do agente e das exigências da prevenção, tendo em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, designadamente o grau de ilicitude do facto, o modo de execução do crime o dolo directo, as condições pessoais do arguido e a sua situação económica (agregado familiar e proventos e encargos do mesmo), a conduta anterior e posterior ao crime.

O Prof. Figueiredo Dias in «Temas Básicos da Doutrina Penal», Coimbra Editora, pág. 111, ensina que «Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; dentro deste limite máximo ela determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico;

Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.».

A culpa não é susceptível de uma medição exacta e assim sendo é dado ao julgador uma margem significativa para a sua apreciação.

Neste contexto, ao emitir o juízo de culpa e determinar a pena, o julgador, apesar de dispor de um poder discricionário, como ensina o Prof. Figueiredo Dias - cfr. Liberdade Culpa Direito Penal, pág. 184 - , «não pode furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita e, assim, o critério essencial da medida da pena.».

Como é jurisprudência dominante, diríamos unânime, dos Tribunais superiores a aplicação de uma pena de multa não pode consistir numa forma disfarçada de absolvição.

O fim último das penas é a incessante procura de ressocialização dos delinquentes e esta terá sempre que começar no julgamento pela criteriosa apreciação da conduta, subsunção legal adequada e, quando for caso disso, com aplicação de uma pena proporcional à medida da culpa.

Só a conjugação destes parâmetros contribuirá para uma assunção e interiorização da culpa por parte do arguido e, aceite esta, a sua recuperação e integração social será com certeza melhor conseguida.

O grau de ilicitude do facto é bastante elevado, atendendo a que o arguido pôs em causa princípios basilares do Estado de Direito, como sejam os do cumprimento e acatamento das ordens emanadas de autoridades, bem como a honra e consideração profissionais do militar, no exercício das suas funções. Estão em causa princípios fundamentais do Estado de Direito. A postura comum dos cidadãos de que as autoridades só pretendem incomodar ou perseguir os cidadãos, deve ser erradicada. É necessário que a comunidade interiorize que as autoridades exercem os seus deveres, sejam eles de protecção ou de fiscalizam, com o intuito único de salvaguardar os direitos dos próprios cidadãos, na grande maioria das vezes em condições precárias e com excesso de serviço.

Aceitar a desobediência sistemática é pôr em crise o próprio Estado de Direito, entende o Tribunal como adequado aplicar ao arguido:

O dolo é directo em todos os ilícitos, manifestado na sua conduta violadora da lei, cuja proibição o arguido bem conhecia.

O arguido não confessou a prática dos factos, carreando uma versão para os autos que em nada contribui para a descoberta da verdade e mantendo uma postura de desculpabilização da sua conduta, denotando fraca interiorização da ilicitude das suas condutas.

A favor do arguido depõem a ausência de antecedentes criminais e a sua inserção profissional e social.

Não obstante os factos praticados, o tribunal não pode deixar de ter em consideração na culpa demonstrada pelo arguido, que o tribunal conhece as razões que perturbam a vida da população das Ameiras do Incenso, fustigadas com diversos incêndios, não sendo alheio aos sentimentos de tristeza, revolta e cansaço dos seus moradores e também do arguido. Não tem por isso dúvidas, que no quadro dessa insatisfação e desses sentimentos, os factos ocorreram como descritos no auto de notícia e relatados pelos militares. Não obstante tais sentimentos, ao arguido, até porque tem uma escolaridade acima da média, exigia-se uma conduta conforme com o direito, o que não ocorreu.

Pelo que, ponderados todos os elementos, designadamente a culpa mediana do arguido, as razões de prevenção especial que são reduzidas e as razões de prevenção geral, essas sim bastante elevadas, tendo em conta os ens jurídicos protegidos pelas normas violadas e o número elevado de violação dessas normas, o tribunal tem por adequado aplicar ao arguido:

Pela prática de um crime de desobediência simples, a pena de 60 dias de multa;

Pela prática de um crime de desobediência qualificada a pena de 90 dias de multa;

Pela prática de um crime de injúria agravada a pena de 70 dias de multa.

Nos termos do disposto no artigo 77º, do Código Penal,
1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

3 - Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.

4 - As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.

Assim, diversas penas parcelares de prisão devem ser cumuladas juridicamente e não materialmente, para se determinar a pena única aplicável. Conforme estatui o n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas.

Na determinação da pena concreta a aplicar ao arguido o tribunal terá em consideração os factos e os elementos relativos à personalidade e situação sócio económica do arguido.

Assim, limite máximo resultante da soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes é de 220 dias de multa.

O limite mínimo, que resulta da pena mais elevada concretamente aplicada, é de 90 dias de multa.

Quanto aos factos em presença verifica-se uma ilicitude elevada em todos os crimes em concurso.

Tudo ponderado, mostra-se adequado fixar ao arguido a pena única de 120 dias de multa.

A cada dia de multa corresponde uma quantia fixada entre 5€ e 500€, nos termos do artigo 47º, n.º 2, do Código Penal.

Tendo presente que a pena de multa é uma verdadeira sanção, com os inerentes custos para quem a suporta, na fixação da sua taxa diária o tribunal não poderá nunca olvidar as circunstâncias essenciais para a sua determinação e, estas, são primordialmente as decorrentes da situação económica e financeira do arguido e os reflexos na sua vida familiar, quando a haja.

Atentos os factos dados como provados, no que a esta parte concerne entende-se justa fixar o quantitativo diário da multa em 6 (seis) euros.

É a taxa que se nos afigura ajustada à situação económica apresentada pelo arguido, em obediência ao disposto no art. 47.º do Código Penal.

Para além da pena de prisão ou multa, a este ilícito cabe também a aplicação de pena acessória.

No que toca à proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69º do Código Penal, dispõe o seu n.º 1, al. c):

“É condenado na proibição de conduzir veículos a motor por um período fixado entre 3 meses e 3 anos quem for punido:

c) Por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para detecção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.

Como é consabido a pena acessória de natureza penal prevista no art. 69.º do Código Penal não pode ser dispensada, atenuada especialmente, substituída por caução de boa conduta nem, finalmente, está previsto no citado diploma legal a suspensão na sua execução. E estas condicionantes de ordem jurídica encontram o seu fundamento na cada vez maior necessidade de sensibilização dos condutores para uma circulação rodoviária segura para os próprios e para os demais utentes da via, por outras palavras, à sensibilização exercida pelas mais variadas formas, a pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados para os autores destes crimes garante uma maior eficácia preventiva. E a esta necessidade de uma maior eficácia preventiva já o Prof. Figueiredo Dias, "Direito Penal Português - Consequências Jurídicas do Crime", Editorial Notícias, pp. 164/165, aludia quando preconizava que o sistema sancionatório português devia dispor de uma verdadeira pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, em termos de direito penal geral e não somente de direito penal da circulação rodoviária, «...à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano».

O legislador pretende aproveitar sobretudo as virtualidades preventivas da pena acessória, que radicam essencialmente na dissuasão inerente à privação de direito especialmente valorizado pela generalidade dos cidadãos, o direito de conduzir.

Ponderando tudo quanto se expôs e, sem necessidade de outro tipo de considerações, o tribunal tem por certo que a finalidade da punição só se alcança, no caso em concreto, com a fixação da pena acessória a aplicar ao arguido em 3 (três) meses».

Apreciando.

Examinemos pela ordem indicada as questões atrás enunciadas.

1.ª Questão: Da nulidade da sentença por alegada falta absoluta de fundamentação da convicção alcançada pelo julgador relativamente aos factos dados como não provados.

Resulta da conjugação dos arts.374º, nº2 e 379º, nº1, al.a) e 389º-A, nº1, als.a) e b) do CPP dos arts.374º, nº2 e 379º, nº1, al.a) e 389º-A, nº1, als.a) e b) do CPP, que a sentença é nula se faltar total ou parcialmente a fundamentação de facto e/ou de direito e se não contiver ou for manifestamente insuficiente o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

Vejamos.
Por acórdão deste Tribunal de 21-03-2017 a sentença proferida nos presentes autos em 02-09-2016 foi declarada nula nos termos dos arts.374º, nº2 e 379º, nº1, al.a) e 389º-A, nº1, als.a) e b) do CPP), quer por falta absoluta de fundamentação sobre os factos dados como não provados, e alguns dos que foram dados como provados, quer também por manifesta insuficiência de fundamentação – exame crítico da prova - relativamente à convicção alcançada pelo julgador relativamente a factos dados como provados.

Como se consignou nesse acórdão de que fomos relator, «desde logo, por ausência absoluta de qualquer fundamentação de facto sobre a materialidade descrita nas várias alíneas do ponto 2 dos factos dados como não provados, sendo também completamente omissa no que concerne à fundamentação de facto, no que tange aos factos dados como provados descritos nos pontos nºs 21 a 27 da factualidade dada como provada. (…).

Por outro lado, no que concerne à restante matéria de facto dada como provada (pontos 1 a 20), a motivação que fundamenta a convicção alcançada pelo julgador e exame crítico das provas situa-se indiscutivelmente abaixo do limiar mínimo da exigência legal. (…).

Com efeito, sendo perfeitamente plausível e possível tanto a versão descrita na acusação como a do arguido e estando ambas suportadas por prova pessoal, aquela nos depoimentos dos militares da GNR C, P e LM e esta das declarações do arguido e no depoimento de MJ, em parte antagónicas, nessa parte o julgador para que a verdade que transcende a pura subjectividade e tenha a virtualidade de se impor aos outros deve explicitar, de modo a não deixar qualquer dúvida, os motivos por que aqueles mereceram credibilidade e estes a desmereceram. (…).

Acresce que o julgador não verteu na sentença qualquer justificação sobre a convicção que formou a propósito do arguido ter agido dolosamente, devendo na nova sentença a proferir justificar o iter cognitivo sobre a intenção imputada ao arguido relativamente aos crimes que lhe são atribuídos».

Em cumprimento desse acórdão em 29-06-2017 foi proferida nova sentença, da qual o arguido voltou a interpor recurso, a qual foi também declarada nula por acórdão deste tribunal datado de 08-05-2017, de que fomos também relator, por como nele observámos (…) «para além de ter sido suprida a falta absoluta de fundamentação relativa à justificação sobre a convicção formada a propósito do arguido ter agido dolosamente no que concerne aos crimes que lhe são atribuídos e de ter sido introduzido algum aperfeiçoamento na fundamentação da convicção alcançada quanto à materialidade descrita nos pontos 1 a 20 dos factos dados como provados, nomeadamente no que concerne ao exame critico da prova, continua a primar pela ausência absoluta de qualquer fundamentação de facto sobre a materialidade descrita nas várias alíneas do ponto 2 dos factos dados como não provados, sendo também completamente omissa no que concerne à fundamentação de facto, no que tange aos factos dados como provados descritos nos pontos nºs 21 a 27 da factualidade dada como provada.

Como a subsistência destas deficiências, nos termos do disposto no art.389º-A, nº1, alíneas a) e b) e no nº2 do art.374º, do CPP, acarretam a nulidade da nova sentença, de acordo com o disposto na al.a), do nº1 do art.379º, do mesmo Código, foi declarada nula e determinado que os autos baixassem à 1ª Instância para que fossem colmatadas as deficiências subsistentes atrás apontadas e suprida a nulidade em causa.

Em cumprimento desse acórdão em 12-07-2018 foi proferida a nova sentença, objecto do presente recurso, de que o arguido voltou a recorrer, e que além do mais, lhe aponta a nulidade que ora se aprecia, por alegada falta absoluta de fundamentação da convicção alcançada pelo julgador relativamente aos factos dados como não provados.

Na nova sentença, objecto do presente recurso, foi aditado à fundamentação da convicção alcançada pelo julgador, por forma a sanar as insuficiências apontadas no anterior acórdão deste tribunal que «Os factos dados como provados de 21 a 27 resultam igualmente do depoimentos destes militares, como já se mostra descrito e em parte das declarações prestadas pelo próprio arguido, designadamente quando admite que se dirige aos militares da GNR presentes no local, que a sua propriedade já tinha sido incendiada, o que o levou a sintomas do foro depressivo, do distúrbio de sono e perturbação de ansiedade. Bem como ao confirmar que a zona deste incêndio é confinante com a sua propriedade. Mais confirmou o arguido, aliás como referido pelos militares da GNR, como acima se descreveu, que o arguido foi levado para o posto da GNR e contactou o seu advogado. Que já na presença do advogado e só na presença deste se disponibilizou a realizar o teste. Como tal lhe foi recusado o advogado não só requereu que constasse do auto mas também requereu falar com o superior hierárquico o que veio a ocorrer, como se descreveu, acima, no depoimento prestado pela testemunha LM. No que concerne à hora de detenção e libertação do arguido, constante do facto dado como provado em 27, o mesmo resulta da conjugação do auto de notícia com o auto de libertação de fls. 10. (…).

Acrescentado que «Os factos dados como não provados resultam do Tribunal não ter dado credibilidade à versão trazida pelo arguido, uma vez que os mesmos relatam essa mesma versão, a qual, pelas razões acima expostas, no que concerne aos factos dados como provados, não mereceu a credibilidade do Tribunal, não tendo sido produzida qualquer prova, para além das declarações do arguido, nesta parte não merecedoras de credibilidade, que os permitisse dar como provados».

Resulta desta breve exposição que finalmente todas as deficiências inicialmente apontadas por este tribunal se encontram suficientemente sanadas e colmatadas com os aperfeiçoamentos e aditamentos que sucessivamente foram introduzidas à versão primitiva, pelo que a sentença ora em apreciação, se bem que possa não ser classificada de modelar, ainda assim, situa-se acima do limiar mínimo legalmente exigível quanto à fundamentação da matéria de facto, pelo que já não enferma de nulidade.

Com efeito, da versão actual, resultante daqueles aperfeiçoamentos e aditamentos introduzidos, é possível concluir-se quais foram os elementos probatórios que, em maior ou menor grau, contribuíram para a formação alcançada pelo julgador possibilitando a compreensão por ter sido decidido num determinado sentido e não noutro, estando suficientemente explicitado o processo lógico e racional seguido pelo julgador na apreciação da prova, estando suficientemente explicado porque foi aceite como revelador da verdade histórica determinado elemento probatório e se rejeitou outro.

Com efeito, examinando a parte da sentença ora recorrida que se reporta à convicção probatória, que acima transcrevemos, resultante dos sucessivos aperfeiçoamentos e aditamentos, a que atrás nos reportámos, constatamos agora que na versão actual se procedeu à indicação da prova e a uma análise ainda que sucinta mas crítica da mesma, resultando dela o processo lógico e racional que levou o julgador a valorar positiva e negativamente as provas, explicitando a sua fiabilidade e a razão de ciência dos meio de prova em que se estribou para alcançar a sua convicção no sentido positivo e negativo e consequentemente a dar como provados e como não provados os factos assim considerados na sentença recorrida.

Assim, encontrando-se minimamente explicitados quais os motivos e elementos que em razão das regras da experiência ou critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência, permitindo dessa forma avaliar o processo lógico-mental que serviu de suporte à convicção alcançada pelo julgador e por via disso permitindo aos sujeitos processuais e ao tribunal superior sindicar o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via do recurso, a sentença recorrida no que tange à fundamentação da matéria de facto não pode ser fulminada com a nulidade, como pretexta o recorrente.

De sublinhar que uma coisa é a falta ou insuficiência de fundamentação da convicção alcançada pelo julgador, outra bem diferente, é se essa fundamentação está ou não sintonia com a prova produzida e/ou examinada na audiência de julgamento.

Se bem interpretamos o texto da peça recursiva, parece-nos que o recorrente atribui este vício à sentença recorrida estribando-se também num alegado erro na apreciação e avaliação da prova, confundindo as duas patologias que constituem institutos jurídicos diferenciados. Na verdade, uma coisa é falta ou insuficiência de fundamentação, nomeadamente do exame crítico da prova que apenas determina a nulidade da sentença implicando a sua repetição com a elaboração de uma nova em que seja suprida esse deficiência [arts374º, nº2, 379º, nº1 al.a) e 122º do CPP)], outra é o erro de julgamento na apreciação e avaliação da prova em sentido amplo, nos termos previstos no art.412º, nº3 e 4 do CPP ou em sentido restrito através da invocação dos vícios previstos no art.410º, nº2 do mesmo código.

Neste conspecto pelas razões expostas falece razão ao recorrente, não enfermando a sentença de deficiência que determine a sua nulidade.

Aliás, o que sobressai do alegado pelo recorrente relativamente à pretensa falta absoluta de fundamentação relativamente aos factos dados como não provados é, em bom rigor e no essencial, isso sim, uma divergência e discordância quanto à valoração da prova feita pelo tribunal relativamente a esses factos, pois fundamenta esse vício alegando que essa materialidade foi dada como não provada simplesmente por não ter sido dada credibilidade à versão do arguido quando em confronto com a versão do militar C.

Prosseguindo.

2.ª Questão: Do alegado erro de avaliação da prova e se ocorrem os erros de julgamento apontado pelo recorrente e se por isso deve ser modificada a matéria de facto descrita na sentença recorrida, nos termos por si preconizados.

A este propósito sustenta o recorrente que o tribunal “a quo” julgou incorretamente os factos dados como provados nos pontos 3 a 20, pois que relativamente à ordem de identificação, ao seu fundamento e à desobediência do arguido, as testemunhas C e P, ambos militares da GNR relatam versões distintas e contraditórias, sendo que a versão do militar C, à qual o tribunal a quo aderiu por completo, não encontra qualquer respaldo noutro elemento probatório dos autos, para além de que esta testemunha, em face da sua posição em relação aos factos, demonstra menor imparcialidade. Já a versão do militar P não é de todo verosímil. Acrescentando que ambas versões se encontram vazias de coerência lógica e factual.

E conclui que da prova constante dos autos e decorrente dos indicados meios de prova deveria ter sido antes dado como provado que:

- No local dos factos, o militar C não determinou que o arguido se submetesse ao exame de pesquisa do álcool no sangue.
- Logo, o arguido não se recusou submeter a tal teste.
- Nem foi advertido de quaisquer consequências decorrentes de uma tal recusa.
- Nem foi justificado a ordem de identificação.
- Em momento algum, o arguido manteve uma postura de conflito ou de desafio.
- O arguido não inviabilizou a realização do exame ou a obtenção da identificação.
- É no posto da GNR que o militar C, pela 1.ª vez, determina a submissão do arguido ao teste ao álcool no sangue.
- E fê-lo sem informar o arguido dos seus direitos.
- Nomeadamente, da possibilidade de se recusar a realizar o teste e das consequências dessa recusa.
- Informação que apenas foi prestada posteriormente pelo militar P quando o arguido já se encontrava na sala para realização do teste.
- Em momento algum, o arguido manteve a recusa de realização do teste.
- Em momento algum, o arguido manteve a recusa de identificação.
- O arguido não sabia e nem estava obrigado a identificar-se nos termos relatados.
- O arguido nunca quis, nem violou qualquer ordem regular e dirigida legitimamente.
- Aliás, nenhuma ordem regular e legitimamente lhe foi transmitida ou dirigida.
- O arguido não atuou contra lei ou contra qualquer comando regular e legítimo.
- E o arguido não quis ofender, nem ofendeu o militar na sua dignidade, honra e/ou consideração.

Vejamos.
Liminarmente sobre essa pretendida modificação à matéria de facto dada como provada na sentença recorrida e que nela não tem assento, há que dizer que o recurso não é a sede própria para introduzir novos factos a julgamento, pois a impugnação da decisão da matéria de facto não pode abranger factos que não foram conhecidos pelo tribunal recorrido.

Na verdade, a versão de factos que no entender dos recorrentes deve ser considerada, que não consta dos factos provados nem dos não provados, não pode ser objecto de impugnação nos termos do art.412º, nº3 do CPP.

Como temos defendido noutras situações idênticas, por se tratar de uma versão de factos que não constam da enumeração dos factos provados e não provados da sentença recorrida, constitui matéria que não podemos sindicar no âmbito deste recurso.

Com efeito como é salientado a este propósito no acórdão desta Relação de 22-11-2011, de que foi relator o Exmº Senhor Desembargador Fernando Ribeiro Cardoso, acessível em www.dgsi.pt «a função do recurso no quadro institucional que nos rege não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efectuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso.

Por outro lado, o recurso sobre a matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso de todos os elementos de prova que foram produzidos e que serviram de fundamento à sentença recorrida, mas apenas e tão-só a reapreciação da razoabilidade da convicção formada pelo tribunal “a quo”, a incidir sobre os pontos de factos impugnados e com base nas provas indicadas pelo recorrente.

Quando impugne a decisão proferida ao nível da matéria de facto, tal impugnação faz-se por referência à matéria de facto que o tribunal recorrido deu efectivamente como provada ou não provada, quer seja proveniente da acusação, defesa ou resultante da discussão da causa, ou seja, é restrita à decisão realmente proferida e não àqueloutra que o recorrente, na sua perspectiva, entende que deveria fazer parte do elenco factual que foi objecto do julgamento pelo tribunal recorrido.

Se a sentença não enumera factos, que, na perspectiva do recorrente, resultaram da discussão da causa e tinham relevância para a decisão, essa omissão não pode ser suprida por uma reapreciação da prova pelo tribunal de recurso. Não foi essa a solução processual querida pelo legislador. A motivação do recurso não é o meio adequado para introduzir factos novos no objecto da acção penal».

Prosseguindo.
Como é sabido existe erro de julgamento quando o tribunal dá como “provado” certo facto relativamente ao qual não foi feita prova bastante e que, por isso, deveria ter sido considerado “não provado”, ou então, o contrário.

Ora, os factos que interessam ao julgamento da causa são de ordinário ocorrências concretas do mundo exterior ou situações do foro psíquico que pertencem ao passado e não podem ser reconstituídas nos seus atributos essenciais. A demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, sob pena de o Direito falhar clamorosamente na sua função social de instrumento de paz social e de realização de justiça.

A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador (judici fit probatio) um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto [cf. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, pág 434].

“A verdade em direito é uma convicção prática firmada em dados objectivos que, directamente ou indirectamente, permitem a formulação de um juízo de facto.

Quando a base do juízo de facto é indirecta, impõe-se um particular rigor na análise dos elementos que sustentam tal juízo, a fim de evitar erros.

Importa constatar, em primeiro lugar, uma pluralidade de elementos; em segundo lugar, importa que tais elementos sejam concordantes; em terceiro lugar, importa que, tendo em conta uma observação de acordo com as regras da experiência, tais indícios afastem, para além de toda a dúvida razoável, a possibilidade dos factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam aqueles indícios probatórios (sobre a prova indiciária em processo penal veja-se com interesse, La Mínima Actividad Probatória en el Proceso Penal, J. M. Bosch Editor, 1997, M. Miranda Estrampes, páginas 231 a 249).

Dificilmente o julgador poderá ter a certeza absoluta de que os factos aconteceram tal como eles são por si interiorizados, como são dados como provados.

Mas isto não obsta a que o tribunal se convença da realidade dos mesmos, posto que consiga atingir o umbral da certeza relativa. A certeza relativa é afinal um estado psicológico (a tal convicção de que se costuma falar) que, conquanto necessariamente se tenha de basear em razões objectivas e possa ser fundamentável, não demanda que estas sejam inequivocamente conclusivas.

Daqui decorre que não é decisivo para se concluir pela realidade da acusação movida a um qualquer arguido, que haja provas directas e cabais do seu envolvimento nos factos, maxime que alguém tenha vindo relatar em audiência que o viu a praticar os factos, ou que o arguido os assuma expressamente. Condição necessária, mas também suficiente é que os factos demonstrados pelas provas produzidas, na sua globalidade, inculquem a certeza relativa dentro do que é lógico e normal, de que as coisas sucederam como a acusação as define.

A força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal, devendo este julgar segundo a sua convicção, formada sobre a livre apreciação das provas, de modo a chegar à decisão que lhe parecer justa.

Estamos num domínio em que não é possível criticar com razoabilidade a convicção do senhor juiz da primeira instância, dada a natural falta de imediação com as provas produzidas em audiência.

Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se baseia numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só pode censurá-la se ficar demonstrado que tal opção é inadmissível face às regras da experiência comum .

Por isso que este Tribunal ad quem, sem os benefícios que inegavelmente conferem a imediação e a oralidade que bafejaram o Tribunal recorrido (sem a cor nem o cheiro que não ressumam das gravações), não pode desconsiderar depoimentos que foram considerados ou considerar declarações que foram, em 1.ª instância, desconsideradas, sem razões sustentáveis, a partir, designadamente, das gravações do julgamento realizado.

Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados ou valorizados por quem os presencia, os quais escapam à gravação ou ao registo, o que não afasta a necessidade do tribunal indicar os fundamentos suficientes para permitir o controlo da razoabilidade da convicção gerada, apelando para as regras da experiência, da lógica e da ciência.

Como se afirmou no acórdão da Relação do Porto proferido no recurso nº. 9920001 (também reproduzido no Ac. Rel. Porto de 5/6/2002, proc. 0210320, in www.dgsi.pt) “a actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. Por isso, a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente”.

Isto é, a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a imediação das provas, sendo certo que, não raras vezes, o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios, que tenham merecido a confiança do tribunal.

Assim, a reapreciação pelo Tribunal da Relação das provas gravadas, só pode abalar a convicção acolhida pelo tribunal de 1ª Instância, caso se verifique que a decisão sobre a matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo ou está profundamente desapoiada face às provas recolhidas”.

Com efeito, a prova gravada não consente a percepção do que aconteceu e não gravado, os olhares, os esgares, as hesitações, o recado feito de personagem com papel bem desempenhado.

Nesta matéria, não é demais relembrar, que assume primordial relevância a imediação, isto é, a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão.

Só esse contacto vivo permite avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações e depoimentos prestados.

Isto é, a percepção dos depoimentos e declarações só é perfeitamente conseguida com a imediação das provas.

Por outro lado diremos também que, dependendo o juízo de credibilidade da prova por declarações do carácter e probidade moral de quem as presta e não sendo tais atributos apreensíveis, em princípio, mediante exame e análise da gravação áudio onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto com as pessoas, é evidente que o tribunal superior, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal a quo.

Ou seja, a convicção do julgador só pode ser modificada, pelo tribunal de recurso, quando a mesma violar os seus momentos estritamente vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova) ou então quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.

Postas estas breves considerações e retomando o caso submetido à nossa apreciação, examinemos se assiste ou não razão ao recorrente.

O que aqui está em causa são duas avaliações diferentes da mesma prova.

Uma feita pelo julgador e a outra pelo recorrente.

Desde já se avança que não assiste razão ao recorrente, não merecendo reparo a convicção alcançada pelo tribunal recorrido, relativamente à matéria de facto impugnada, que salvo o devido respeito, foi formada segundo os ditames supra referidos, respeitando os limites impostos pelas regras da experiência comum, logrando através da conjugação e concatenação dos elementos probatórios em que se alicerça, obter a certeza exigida nos termos atrás expostos, para que essa materialidade fosse dada como provada.

O arguido/recorrente invoca a fundamentar a sua pretensão na discordância da apreciação e valoração das provas feita pelo julgador, alegando serem insuficientes as declarações prestadas em audiência de julgamento pelo militar C para ser dada como provada aquela materialidade à qual o tribunal a quo aderiu por completo, que na sua avaliação não encontra qualquer respaldo noutro elemento probatório dos autos, para além de que esta testemunha, em face da sua posição em relação aos factos, demonstra menor imparcialidade e versão do militar P não ser de todo verosímil, acrescentando que ambas versões se encontram vazias de coerência lógica e factual.

Ora, a materialidade impugnada pelo recorrente, descrita nos pontos 3 a 20 dos factos dados como provados, como se alcança da fundamentação sentença recorrida resulta «da conjugação do Auto de notícia de fls. 3 a 5, resultados de pesquisa de fls. 19 a 23 e no depoimento testemunhal prestado pelos militares C e P, os quais depuseram de forma séria e isenta, convencendo da veracidade do por si afirmado em sede de audiência de discussão e julgamento. Ouvidos ambos os militares, o primeiro, o próprio agente autuante, ambos confirmaram o teor do auto de notícia junto aos autos, a postura desafiante e ameaçadora do arguido, as expressões proferidas e a recusa, até à presença do seu advogado, em obedecer às ordens que lhe eram dirigidas.

Referiram os militares C e P, que no dia 01/07/2016, pelas 15 horas e 30 minutos, se deslocaram a Ameiras do Incenso, Grândola, em virtude de ali terem sido chamados por ter sido dado um alerta de incêndio junto da entrada de uma habitação ali existente pertença do filho de um residente chamado FS. Quando se encontravam no local, cerca das 15H35, surgiu o arguido GR ao volante do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula PG, marca “Honda”, modelo “FK3”, cor branca, pertença do arguido, o qual após imobilizar a sua viatura saiu do veículo a esbracejar e a proferir em voz alta as seguintes expressões: “andam todos a brincar, até as autoridades andam a brincar, isto é uma palhaçada que ninguém faz nada”. Perante tal situação o militar C aproximou-se do arguido no sentido de o aclamar, tendo o arguido mantido a mesma postura dizendo “falo como quero, eu não me calo, do que estão à espera para a prender, a minha esposa tem os registos de entrada e saída da Dona Marina”. Na sequência destas afirmações, uma vez que o militar se encontrava mais próximo do arguido, pode perceber que o arguido libertava odor a bebidas alcoólicas, uma vez que o arguido se havia deslocado àquele local no exercício de condução naquele veículo na via pública que se desenvolve em Ameiras do Incenso, o referido militar C pediu a identificação ao arguido e determinou a submissão do arguido a exame de pesquisa de álcool no sangue. Após a solicitação de identificação, o arguido recusou-se determinantemente a identificar-se tendo respondido, em voz alta, ao militar C o seguinte: “não me identifico nada, só me identifico à Senhora Capitão”, “não me conheces, deves ser novo aqui”, “não sabes com quem te estás a meter”, “não percebes nada disto”. Mais se recusou a efectuar o teste de alcoolémia. Foi então o arguido advertido expressamente pelo militar de que a sua actuação representava uma recusa à realização do exame e uma recusa de identificação por cidadão que havia exercido a actividade de condução e que impedia uma fiscalização, e que tal implicaria a prática de um crime de desobediência. Não obstante, o arguido não alterou a sua atitude, manteve a recusa, assim inviabilizando a realização daquele exame e a obtenção da sua identificação completa, tendo respondido ao militar C em voz alta o seguinte: “não és ninguém para me prender”. Face ao comportamento descrito foi o arguido conduzido ao posto da GNR de Grândola. Durante a deslocação dentro do veículo da GNR para condução ao quartel da Guarda, o arguido manteve a postura de conflito e desafio, tendo afirmado na direcção daquele militar “agora é que se não me deres voz de prisão trato-te a vida”. Chegados os Quartel da GNR de Grândola, o arguido manteve a recusa de identificação e de submissão a exame de pesquisa de álcool no sangue. Nessa altura, o arguido voltou a ser informado expressamente pelo militar C do dever de submissão a exame de pesquisa de álcool no sangue e que a recusa implicaria a prática de crime de desobediência. Em resposta, o arguido manteve a recusa de submissão ao exame, apesar de devidamente informado das consequências penais em que incorria. Cerca das 16.20 horas chegou ao posto o mandatário do arguido, sendo que após falar com o mesmo, facultou aos militares o cartão de cidadão do arguido para a sua identificação.

Especialmente no que concerne à recusa à submissão ao teste de alcoolemia, a versão constante do auto de notícia, posta em causa pelo arguido foi também ela confirmada pelo depoimento do militar LM, o qual depôs de forma isenta, merecendo a credibilidade do Tribunal, referindo que tomou conhecimento da situação através do agente autuante e que em momento algum referiu que deveria ser dada uma nova oportunidade para o arguido fazer o teste de alcoolemia. (…).

Acrescentado a fundamentação da sentença que «O arguido negou a prática dos factos, apresentando uma versão desculpabilizadora e vitimizante do ocorrido. Na verdade alega o mesmo que manteve sempre uma postura correcta e cordial e que os factos se traduziram num abuso de autoridade e arrogância por parte do militar C. O arguido nega as expressões e condutas que lhe são imputadas. Apresenta duas testemunhas, sendo que uma delas, FS, não presenciou os factos, em nada contribuindo para a descoberta da verdade material e a testemunha MJ, presta um depoimento parcial, incoerente. Quando inquirida refere que se encontrava junto ao arguido, no local da ocorrência dos factos, tendo afirmado que o mesmo nunca proferiu as expressões que lhe são imputadas na acusação. Porém, a mesma testemunha, inquirida pelo Tribunal, quando confrontada com as expressões que o arguido afirma ter proferido, designadamente “que só se identificava se lhe explicassem quais os crimes de que era suspeito” “ que não se identificava porque alí era conhecido de toda a gente e que já tinham a identificação do mesmo”, a testemunha refere que “não estava assim tão perto”, que não ouviu, o que claramente se traduz num depoimento parcial incoerente, denotando falta de credibilidade e de verdade. Não é crível, face às regras da experiência comum que alguém, colocado ao pé de outra pessoa, perto o suficiente, como descrito pela testemunha não oiça as expressões que a mesma profere. Repare-se que a testemunha em momento algum refere que se afastou do arguido ou que detinha algum tipo de deficiência que não lhe permitia ouvir com nitidez as expressões que eram proferidas. Ora não pode o tribunal atribuir credibilidade a uma testemunha que num primeiro momento diz estar perto do arguido, que não o ouve proferir as expressões descritas na acusação e quando inquirida, desta feita pelo tribunal, se ouviu outras expressões, refere que afinal não estava assim tão perto para as poder ouvir. Pelo que só restam duas conclusões possíveis: ou a testemunha estava perto do arguido, e ouviu as expressões descritas na acusação e não as que o arguido refere ter dito e faltou à verdade em tribunal, ou estava efectivamente afastada do arguido e não ouviu qualquer expressão, sendo que igualmente também faltou à verdade que lhe era imposta em tribunal.

Atenta a prova produzida, a versão trazida pelo arguido não mereceu qualquer credibilidade por parte do tribunal. O tribunal conhece as razões que perturbam a vida da população das Ameiras do Incenso, fustigadas com diversos incêndios, não sendo alheio aos sentimentos de tristeza, revolta e cansaço dos seus moradores e também do arguido. Não tem por isso dúvidas, que no quadro dessa insatisfação e desses sentimentos, os factos ocorreram como descritos no auto de notícia e relatados pelos militares, sendo a versão trazida pelo arguido desprovida de qualquer credibilidade.

Esclarecendo o julgador que «que ambos os depoimentos dos militares da GNR são claros, coerentes, na descrição dos factos. Não existe qualquer motivo para duvidar da versão vertida pelos mesmos no auto de notícia, nem das declarações que a confirmam prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento.

O mesmo já não acontece com a versão trazida pelo arguido que o mesmo pretendeu sustentar com as duas testemunhas que apresentou, as quais, como já acima se referiu nada trouxeram de relevante para a prova, uma porque não presenciou os factos e outra porque manifestamente faltou à verdade.

E porque motivo haveriam os militares da GNR de tomar tal postura perante o arguido a não ser que o mesmo tivesse adoptado a postura descrita na acusação? Não há fundamento para tal. Não existe conhecimento que entre o arguido e estes militares tivesse ocorrido qualquer incidente prévio, que de alguma forma suportasse qualquer intenção da parte destes em prejudicar o arguido.

Mas a desconstrução da tese do arguido, essa sim, é possível, com recurso a acontecimentos passados. Veja-se que o arguido se encontra inserido numa aldeia, fustigada por incêndios e em que a actuação da GNR, independentemente de ser ou não a correcta, não tem surtido o efeito desejado, quer no sentido de travar a existência de novos incêndios, quer no sentido de apurar os seus responsáveis. Existe nesta comunidade e igualmente no arguido uma insatisfação crescente e patente na actuação dos militares da GNR e que culminou neste incidente do qual o arguido foi o protagonista. Foi exactamente o sentimento de revolta do arguido que lhe permitiu a postura desafiante e desobediente perante os militares da GNR. O qual é patente logo nas primeiras expressões proferidas pelo arguido quando chega ao local: “andam todos a brincar, até as autoridades andam a brincar, isto é uma palhaçada que ninguém faz nada”.

Outra não pode ser a conclusão do tribunal, quer por recurso às regras da experiência comum (que nos demonstram a forma de actuar dos cidadãos em situações semelhantes), quer por recurso à versão coerente e credível trazida por ambos os militares da GNR, a qual, pela forma escorreita e desinteressada como foi prestada, não ofereceu qualquer dúvida ao tribunal».

E no que concerne à componente subjectiva das condutas atribuídas ao arguido, a sua prova foi justificada pelo julgador invocando a «conjugação dos restantes factos objectivos susceptíveis de comprovar tal factualidade, já que o modo de operar do arguido é bem revelador de que a sua intenção foi não cumprir a ordem que legitima e regularmente lhe foi comunicada, recusando identificar-se, não obstante estar ciente da cominação que lhe foi feita de que incorreria na prática de um crime de desobediência. O arguido sabia que estava obrigado a identificar-se, ainda que discordasse dos factos que lhe pudessem vir a ser imputados, contudo, ao invés de impugná-los pela via adequada caso isso viesse a ocorrer, quis violar a ordem que regular e legitimamente lhe foi dirigida. Ao proferir em voz alta e na direcção do militar C as expressões “não és ninguém para me prender” e “não percebes nada disto”, outra não podia ser a intenção do arguido que não a de atingir o ofendido militar C na sua dignidade, honra, e consideração que lhes são devidas, como pessoa e por causa das suas funções como elemento de força de segurança, o que quis. O modo de operar do arguido é revelador que o mesmo agiu com a intenção de rebaixar o militar na sua função perante os cidadãos e na sua posição na hierarquia da GNR, apesar de saber que o fazia contra militar da Guarda Nacional Republicana e que o mesmo se encontrava devidamente uniformizado e no exercício das suas funções, no exercício regular das funções daqueles militares e no âmbito das competências próprias da GNR, bem como sabia que proferia tais expressões na presença de cidadãos que se encontravam no local e que assistiam aos comportamentos praticados contra elementos da autoridade».

Finalmente o julgador justificou que os factos dados como não provados «resultam do Tribunal não ter dado credibilidade à versão trazida pelo arguido, uma vez que os mesmos relatam essa mesma versão, a qual, pelas razões acima expostas, no que concerne aos factos dados como provados, não mereceu a credibilidade do Tribunal, não tendo sido produzida qualquer prova, para além das declarações do arguido, nesta parte não merecedoras de credibilidade, que os permitisse dar como provados».

Ora, se assim foi percepcionado e entendido pelo julgador na 1ª Instância, que beneficiando da oralidade e imediação em toda a sua plenitude, atribuiu credibilidade aos depoimentos daquelas testemunhas, acolhendo a versão dos factos que deles resulta, negando credibilidade às declarações prestadas pelo arguido, rejeitando por conseguinte a sua versão desses factos, este tribunal de recurso só poderia censurar essa convicção se ficasse demonstrado, o que não aconteceu, que aquela opção é inadmissível face às regras da experiência comum.

Por isso que este Tribunal ad quem, sem os benefícios que inegavelmente conferem a imediação e a oralidade que bafejaram o Tribunal recorrido, não pode desconsiderar depoimentos que foram considerados ou considerar declarações que foram, em 1.ª instância, desconsideradas, sem razões sustentáveis, a partir, designadamente, das gravações áudio do julgamento realizado.

É que existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes e declarantes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados ou valorizados por quem os presencia, os quais escapam à gravação ou ao registo.

Dependendo o juízo de credibilidade da prova por declarações do carácter e probidade moral de quem as presta e não sendo tais atributos apreensíveis, em princípio, mediante exame e análise da gravação áudio onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto com as pessoas, é evidente que o tribunal superior, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal a quo.

Assim, pelos motivos explanados não nos merece qualquer reparo a atribuição de credibilidade conferida na 1ª Instância aos depoimentos das mencionadas testemunhas e à não atribuição de credibilidade às declarações prestadas pelo arguido.

Relativamente à prevalência dada à versão dos factos alicerçada nos depoimentos das mencionadas testemunhas, militares da GNR sobre a narrada pelo arguido o julgador afirma não ter dúvidas em atribuir maior credibilidade aquela em detrimento desta justificando essa opção nos termos atrás transcritos.

Acresce ainda dizer que perante uma determinada situação em concreto, mesmo que hajam sido produzidos em audiência depoimentos de sentido contrário, é natural que sejam lícitas e possíveis várias soluções, na decisão da matéria de facto, mas se aquela que é assumida pelo juiz é uma das soluções admissíveis, à luz das regras da experiência comum, então estamos perante decisão inatacável no plano fáctico, pois que produzida em estrita obediência ao estatuído no artº 127º do Cod. Proc. Penal.

Só assim não será quando as provas produzidas imponham decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido [art.412º, nº3, al.b) do CPP], o que não é aqui o caso, pois a prova invocada pelo recorrente não tem essa virtualidade.

No caso de que aqui nos ocupamos, a leitura da prova feita pelo recorrente, quanto muito, pode sustentar uma versão possível dos acontecimentos, mas não impõe uma decisão diversa em matéria de facto da que foi proferida na 1ªInstância.

Na verdade, impor decisão diversa da recorrida [art.412º, nº3, al.b) do CPP] não significa admitir uma decisão possível diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo. No sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É sem dúvida, este o sentido da expressão "provas que impõem decisão diversa da recorrida'', constante da al. b) do n°3 do art.412º do Código de Processo Penal. Que consubstancia um ónus imposto ao recorrente, no sentido de ter de demonstrar que as provas produzidas impõem uma decisão diferente da que foi proferida. "'Impor" decisão diferente não significa "admitir" uma outra decisão diferente. É mais do que isso e quer dizer que a decisão proferida, face às provas, não é possível ou não é plausível.

No que respeita aos dos factos dados como provados, que consubstanciam a actuação dolosa e a consciência da ilicitude do arguido, há que dizer como temos referido bastas vezes noutras ocasiões em que a questão se coloca, que como é sobejamente sabido, o dolo, forma mais censurável de culpa no preenchimento de um facto ilícito, constitui o elemento intelectual do facto criminoso e como pertence à vida interior do agente, não é susceptível de apreensão directa. Não resultando a sua comprovação da confissão do arguido, só pode resultar de presunções naturais ligadas ao princípio da normalidade e regras da experiência comum.

Sendo essa factualidade insusceptível de apreensão directa, se não for admitida pelo próprio (através da confissão) por pertencer à vida interior do agente, mesmo assim, é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, donde o mesmo se possa concluir, entre os quais surge, com maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infracção, avaliados e apreciados, segundo o princípio da normalidade, fundando-se a convicção do julgador em presunções naturais ligadas ao princípio da normalidade e a regras de experiência comum. Foi o que aqui aconteceu.

Assim sendo, também não merece reparo a convicção alcançada pelo tribunal recorrido, relativamente a esta matéria.

Pelo exposto não nos merece qualquer reparo a circunstância do tribunal recorrido ter optado pela versão dos factos que assenta nos depoimentos das mencionadas testemunhas (militares da GNR) em detrimento da do arguido.

Na verdade, no caso em apreciação, afigura-se-nos não merecer censura o processo de formação da convicção do Mmº Juiz, que se encontra devidamente explicado na decisão impugnada, onde se encontra também indicado o raciocínio lógico-dedutivo que, após análise crítica da prova produzida, o levou a dar como provada e como não provada a materialidade assim considerada na sentença recorrida, nomeadamente a impugnada pelo recorrente.

Salvo o merecido respeito por opinião diferente, apesar do esforço argumentativo do recorrente, entendemos que a Exmª Juiza “ a quo” procedeu a uma valoração racional e crítica da prova produzida e examinada na audiência de julgamento e de acordo com as regas da lógica, da razão e da experiência comum, pelo que será de manter inalterada a matéria de facto tal como consta da sentença.

Assim, não nos merece qualquer reparo a convicção alcançada pelo tribunal “ a quo”, no tocante a materialidade dada como provada, impugnada pelo recorrente descrita nos pontos 3 a 20 dos factos dados como provados.

Aliás, o invocado erro de julgamento sobre a matéria de facto impugnada, assenta em meras conjecturas do recorrente extraídas de partes de depoimentos retiradas do respectivo contexto, seguidas de interpretações subjectivas e interesseiras do recorrente.

Improcede, pois, a modificação/alteração da matéria de facto preconizada/impetrada pelo recorrente.

Como também não vem invocado nem vislumbramos que ocorra algum dos vícios prevenidos nas alíneas a), b) e c) do nº2 do art.410º do CPP, está definitivamente estabilizada a matéria de facto descrita/fixada na sentença recorrida.

Prosseguindo.
Sedimentada a factualidade descrita na sentença recorrida, é chegado o momento de apreciarmos a outra questão atrás enunciadas que constitui objecto do recurso.

3.ª Questão: Da aptidão ou inaptidão da factualidade provada para preencher os elementos objectivos e subjectivos dos crimes pelos quais o arguido foi condenado.

Consolidada a factualidade apurada nos termos atrás expostos, vejamos se em face dela se encontram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos dos crimes pelos quais o arguido foi condenado.

Dos crimes de desobediência.
Pratica o crime de desobediência, nos termos do artigo 348º n.º1, do Código Penal: “quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias se:

a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples;

b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação”.

Acrescenta o nº2 que a pena é de 2 anos ou multa até 240 dias nos casos em que uma disposição legal cominar a punição da desobediência qualificada.

O nº1 do art.348º, do Código Penal contempla duas previsões contemplando, assim, dois tipos incriminadores distintos.

Enquanto a alínea a) rege para os casos em que a desobediência é expressamente cominada numa disposição legal, a al. b) existe para os casos em que nenhuma norma jurídica prevê o comportamento desobediente, exigindo para a sua punição que o funcionário ou a autoridade cominem no caso a punição da desobediência à ordem por eles ditada.

Com efeito, como é salientado por Cristina Líbano Monteiro, em anotação ao referido preceito, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, pag.351, a desobediência tem duas fontes: ou uma disposição legal que comine, no caso, a sua punição; ou na ausência desta, a correspondente cominação feita pela autoridade ou pelo funcionário competentes para ditar a ordem ou o mandado.

A incriminação da al. b) do nº1 do art.348º, do C. Penal existe tão-só para os casos em que nenhuma norma jurídica, caso, quer a recusa do condutor em ser submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 348º, nº1, al.a) do Código de Penal, por referência seja qual for a sua natureza, prevê um comportamento desobediente.

Enquadra-se no primeiro ao art.152º, nº3 do Código da Estrada, quer a desobediência qualificada por recusa do arguido a identificar-se, cuja incriminação resulta da conjugação do disposto no art.14º, nº2 da Lei Nº63/2007, de 6 de Novembro (lei Orgânica da GNR) e 348º nº2 do Código Penal.

Dispõe aquele normativo que “quem faltar à obediência a ordem ou mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade de polícia ou agente de autoridade da Guarda, é punido com a pena legalmente prevista para a desobediência qualificada”.

Neste tipo legal de crime, tal como nos demais crimes contra a autoridade pública, protege-se a autonomia intencional do Estado, de uma forma particular, a não colocação de entraves à actividade administrativa por parte dos destinatários dos seus actos. Desobedecer é não cumprir, não respeitar “a ordem ou mandado legítimo, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente”.

Temos assim a considerar vários elementos que compõem o tipo objectivo: a ordem ou mandado; a legalidade substancial e formal da ordem ou mandado; a competência da autoridade ou funcionário para a sua emissão; a regularidade da sua transmissão ao destinatário; a violação dessa ordem ou mandado.

De acordo com o disposto no art.348º, nº1 do C. Penal, o legislador apenas confere relevância criminal à desobediência que tenha desrespeitado uma cominação prévia: legal ou expressa pelo emitente da ordem ou mandado.

Faltar à obediência devida não constitui por si só facto criminalmente ilícito. A dignidade penal da conduta exige que o dever de obediência que se incumpriu tenha uma de duas fontes: ou uma disposição legal que comine, no caso, a sua punição (cominação legal); ou, na ausência desta, a correspondente cominação feita pela autoridade ou funcionário competente para ditar a ordem ou mandado (cominação funcional). - Cristina Líbano Monteiro, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Coimbra, 2001, p. 351;

No caso de cominação legal, a imposição da norma de conduta é feita por norma geral e abstracta anterior à prática do facto. Daí que o crime de desobediência pareça destinado a servir de norma auxiliar (uma vez que fixa as condições básicas do ilícito e da pena) a alguns preceitos de direito penal extravagante que incriminam um determinado comportamento desobediente, sem contudo fixarem uma moldura penal própria Cristina Líbano Monteiro, ob. Cit. p. 353;

No caso de cominação funcional, a relevância penal da conduta resulta da vontade da autoridade ou funcionário, contemporânea da actuação do agente, o que determina que o tipo legal de crime seja entendido como uma norma penal em branco, cuja última determinação caberá ao julgador, no estrito respeito e cumprimento do principio da legalidade, constitucional e legalmente consagrado, e nunca à vontade a determinar em cada caso concreto, por um agente da administração.

O crime previsto na alínea b) do art.º 348º existe apenas para os casos em que nenhuma norma jurídica prevê o comportamento desobediente, o que determina que nas alíneas do nº 1 do art.º 348º se preveem dois tipos incriminadores distintos.

Do que consta das Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Rei dos Livros, págs. 407-408, ressalta, com clareza que a actual redacção do preceito expressa a vontade do legislador de apenas conferir relevância criminal às desobediências que tenham desrespeitado uma comunicação prévia: legal ou expressa pelo emitente.

Do que não se pode é prescindir da cominação da punição por desobediência. Faltar à obediência devida não constitui, por si só, facto criminalmente ilícito. A dignidade penal da conduta exige que o dever de obediência que se incumpriu, se não tiver a sua fonte numa disposição legal que comine no caso, a sua punição, como desobediência radique na cominação da punição da desobediência, feita por autoridade ou funcionário competentes para ditar a ordem. Não satisfaz o requisito legal, por isso, a mera cominação de incorrer em procedimento criminal; tal como se exige, na alínea a), que uma disposição legal comine, no caso, a punição da desobediência, a alínea b) requer que a autoridade ou funcionário cominem, no caso, a punição da desobediência.

Em ambos as situações aqui em apreciação – recusa do arguido a ser submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue e desobediência do arguido à ordem do agente da autoridade para se identificar - estamos perante um caso de cominação legal, a imposição da norma de conduta é feita por norma geral e abstracta anterior à prática do facto, resultando do disposto no nº3 do art.152º, do Código da Estrada, segundo o qual os condutores (…) que se recusem submeter às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool (…) são punidos por crime de desobediência e do disposto no art.14º, nº2 da Lei Nº63/2007, de 6 de Novembro (lei Orgânica da GNR) que estatui que “quem faltar à obediência a ordem ou mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade de polícia ou agente de autoridade da Guarda, é punido com a pena legalmente prevista para a desobediência qualificada”. pelo que é irrelevante e até dispensável para o preenchimento dos crimes em causa que o agente de autoridade que procedeu à fiscalização tivesse advertido o arguido de que incorria no crime de desobediência caso não se submetesse ao teste de alcoolemia e que incorria em desobediência se recusasse a identificar-se. Nestes casos, essa advertência não constitui elemento constitutivo do crime de desobediência.

Com efeito, como é salientado por Cristina Líbano Monteiro, em anotação ao referido preceito, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, pag.351, a desobediência tem duas fontes: ou uma disposição legal que comine, no caso, a sua punição; ou na ausência desta, a correspondente cominação feita pela autoridade ou pelo funcionário competentes para ditar a ordem ou o mandado.

A advertência seria relevante mas se estivéssemos perante um caso de cominação funcional, da al. b) do nº1 do art.348º, do C. Penal, o que aqui não sucede, pois esta incriminação existe tão-só para os casos em que nenhuma norma jurídica, seja qual for a sua natureza, prevê um comportamento desobediente. São unicamente as desobediências não tipificadas, a ficarem dependentes, para a sua relevância penal, de uma simples cominação funcional.

Desde já antecipamos que em ambas as situações, falece razão ao recorrente, pois que resulta da materialidade sedimentada o preenchimento dos elementos objectivo e subjectivo do tipo, consubstanciados na existência de ordem ou mandado; a legalidade substancial e formal da ordem ou mandado; a competência da autoridade ou funcionário para a sua emissão; a regularidade da sua transmissão ao destinatário e a violação deliberada livre e consciente dessas ordens pelo arguido.

Mas para o preenchimento destes crimes é ainda necessário que o agente actue dolosamente, pois estamos perante um crime doloso (art.13º - 1ª parte do C. Penal), sendo que o dolo do tipo consiste no conhecimento e vontade de realização da acção típica, distinguindo-se o elemento volitivo (vontade) do elemento intelectual do dolo (conhecimento).

No caso da desobediência o dolo preenche-se sempre que alguém incumpre, consciente e voluntariamente uma ordem ou mandado legítimo regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente.

Ora, da factualidade definitivamente consolidada que atrás transcrevemos resulta de forma irrefutável todos os elementos objectivos e subjectivos dos crimes de desobediência, previstos e punidos pelo art.348º, nº1, al.a) do C. Penal por referência ao art.152º, nº3 do C. Estrada e pelo art.14º, nº2 da Lei Nº63/2007, de 6 de Novembro (lei Orgânica da GNR) e 348º nº2 do Código Penal, pelo que improcede a pedida absolvição do arguido da prática desses crimes.

Aliás, a absolvição do arguido/recorrente da prática desse crime pelo qual foi condenado na 1ª Instância, vem ancorada na modificação da matéria de facto nos termos por si preconizados, pelo que não obtendo êxito quanto a esta, aquela pretensão tem também necessariamente de improceder.

Em qualquer caso, para dissipar as dúvidas suscitadas pelo recorrente quanto ao preenchimento dos elementos do tipo, importa que nos alonguemos mais um pouco sobre essa matéria.

No caso não é posta em causa a competência do emitente da ordem, o que o recorrente questiona é a legitimidade da ordem.

Como é sabido a actividade policial está sujeita aos princípios da legalidade estrita, previsto no art. 272.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, pelo que as medidas de polícia e as ordens dos agentes policiais em que se traduzem estas medidas, como todos os actos públicos potencialmente lesivos dos direitos fundamentais, têm de estar sujeitas aos princípios da necessidade, exigibilidade e proporcionalidade, previstos no art. 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, ou seja, as ordens devem visar interesses públicos legalmente previstos e na prossecução destes interesses devem sacrificar no mínimo os direitos dos cidadãos.

Em obediência a estes princípios e ao princípio da fragmentariedade do Direito Penal, a punição pela prática do crime de desobediência, previsto no art. 348.º, do Código Penal, tem natureza subsidiária relativamente a outras formas de sancionar a desobediência pelos particulares a normas legais ou a ordens e proibições concretas determinadas por órgãos ou agentes da administração pública.

Significa isto que a ordem só será válida se for materialmente legítima, em nome de um modelo de intervenção mínima, de acordo com o artigo 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.

Demonstrada que está a competência da proveniência da ordem – preceituando o art. 4.º, n.º 1 do Código da Estrada que o utente deve obedecer às ordens legítimas das autoridades com competência para regular e fiscalizar o trânsito, ou dos seus agentes, desde que devidamente identificados como tal, assim, emanada por parte de autoridade competente – tal ordem foi dada por agente da GNR; a regularidade da correspondente comunicação – a mesma ordem foi transmitida pessoalmente ao arguido.

E ao contrário do que preconiza o recorrente, temos para nós, com o devido respeito por opinião diferente, que a ordem para se identificar também é legítima.

Temos para nós, ao contrário do que consta da sentença recorrida, que no caso de que aqui nos ocupamos a legitimidade da ordem não decorre nem do art.49º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (RGCC), nem do art.170 ou 171º do Código da Estrada, nem da Lei nº5/95, de 21-12, que foi tacitamente revogada pela Lei nº59/98, de 25-08, que aprovou a Reforma do Processo Penal e a nova redacção do art.250º do CPP, nem deste preceito, mas antes porém, a ordem para o arguido se identificar, ocorre na sequência dele haver praticado o crime de desobediência por recusa injustificada em submeter-se ao exame de pesquisa de álcool no sangue, posto que fora observado pelos agentes da autoridade a conduzir na via pública um veículo automóvel havendo fundada suspeita do fazer influenciado pelo álcool, pelo que o órgão de polícia criminal nessa situação, nos termos do disposto no art.243º, do CPP, tinha o dever de obrigatoriamente levantar o correspondente auto de notícia, no qual além do mais e sendo isso possível, identificar devidamente o infractor, sendo por isso legitima a ordem que foi dada pelo militar da GNR para se identificar, tanto mais que em face da situação de flagrante delito, se vislumbrava a premência dessa necessidade com vista à sujeição a julgamento sob a forma de processo sumário, como veio a acontecer.

E nem se argumente, que essa identificação era desnecessária por o arguido ser conhecido de um dos militares da GNR presente no local, ou que os agentes da autoridade, sempre poderiam almejar esse objectivo através do recurso a meios alternativos de obtenção daquela identificação, desde logo, recorrendo à base de dados da ANSR e, com a identificação da matrícula do veículo, obter a identificação do seu proprietário, recaindo, posteriormente, sobre este, o ónus, se assim entendesse, de identificar o concreto condutor, como referem os artigos 171.º, n.º 2, 3 e 4, e 118.º, ambos do Código da Estrada.

É que a acolher-se essa perspectiva como regra estaríamos a retirar os meios necessários aos órgãos de polícia criminal para cumprirem as missões de ordem pública de que estão incumbidos, numa lógica de que tudo é permitido aos cidadãos infractores e tudo é exigível aos órgãos de polícia, sendo que tal procedimento poderia facilmente inviabilizar a sujeição do arguido a julgamento em processo sumário.

Assim, no caso concreto, está legitimada a exigência da identificação do arguido com a cominação da prática de um crime de desobediência, a qual não se apresenta como violadora dos princípios da necessidade, exigibilidade e proporcionalidade, previstos no art. 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, impondo-se ao arguido, o correlato dever de pronto acatamento da respectiva ordem, pelo que a correspondente recusa fá-lo incorrer no cometimento do crime de desobediência qualificada, p. e p. nos termos das disposições conjugadas do art.º 348.º, n.º 2, do Código Penal e no n.º 2 do art.º 14.º da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, (aprovada pela Lei n.º 63/2007, de 06/11) que reza assim – «[…] Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade de polícia ou agente de autoridade da Guarda, é punido com a pena legalmente prevista para a desobediência qualificada.»

Finalmente diga-se que a circunstância do arguido posteriormente depois da chegada do seu defensor ao posto da GNR ter-se disponibilizado para efectuar o exame de pesquisa de álcool no sangue e ter-se devidamente identificado em nada altera a qualificação jurídica da sua apurada conduta, porquanto os mencionados crime de desobediência, já antes se haviam consumado, no preciso momento em que o arguido, perante a ordem legítima da obrigação de se submeter ao exame de pesquisa de álcool no sangue recusou fazê-lo, bem como já antes se havia consumado o crime de desobediência derivado da recusa injustificada em identificar-se no momento em que lhe foi dada essa ordem que então incumpriu.

Como atrás dissemos, da factualidade definitivamente consolidada que atrás transcrevemos resulta de forma irrefutável todos os elementos objectivos e subjectivos dos mencionados crimes de desobediência, pelo que improcede a pedida absolvição do arguido da prática desses crimes.

Aliás, como também já anteriormente referimos, quanto a estes crimes a absolvição do arguido/recorrente, vem ancorada na modificação da matéria de facto nos termos por si preconizados, pelo que não obtendo êxito quanto a esta, aquela pretensão tem também necessariamente de improceder.

Do crime de injúria.
O arguido foi também condenado pela prática de um crime de injúria agravado, pp. pelo art.181º e 184º, ex vi 132º, nº2, al. l), todos do Código Penal, por nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na sentença ter proferido em voz alta e na direcção do militar Fernando C as expressões “não és ninguém para me prender” e “ não percebes nada disto”, considerando recorrente tais expressões no contexto e circunstâncias em que foram proferidas não tem aptidão para preencherem o elemento objectivo desse crime.

Vejamos se assiste ou não razão ao recorrente.

A este respeito está provado o seguinte:

«18. O arguido ao proferir em voz alta e na direcção do militar C as expressões “não és ninguém para me prender” e “não percebes nada disto”, agiu com o propósito concretizado de atingir o ofendido militar C na sua dignidade, honra, e consideração que lhes são devidas, como pessoa e por causa das suas funções como elemento de força de segurança, o que quis.

19. Agiu o arguido com o propósito concretizado de actuar nos moldes descritos, rebaixando o militar na sua função perante os cidadãos e na sua posição na hierarquia da GNR, apesar de saber que o fazia contra militar da Guarda Nacional Republicana e que o mesmo se encontrava devidamente uniformizado e no exercício das suas funções, no exercício regular das funções daqueles militares e no âmbito das competências próprias da GNR, bem como sabia que proferia tais expressões na presença de cidadãos que se encontravam no local e que assistiam aos comportamentos praticados contra elementos da autoridade.

20. Agiu o arguido em todas as circunstâncias descritas de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.».

Antes do mais cabe desde já referir que como resulta de forma inequívoca do excerto da sentença recorrida que atrás transcrevemos, o está na base do crime de injúria que nela foi imputado ao arguido são juízos de valor pelo que, ao contrário do que pretexta o recorrente, no caso em apreciação em circunstância alguma pode haver lugar às causas de justificação previstas no nº2 do art.180º do C. Penal, aplicável ao crime de injúria por via da remissão feita no nº2 do art.181º que estabelece «Tratando-se da imputação de factos, é correspondentemente aplicável o disposto nos nºs 2, 3 e 4 do artigo anterior».

Com efeito, nos termos do citado artigo 180,ºnº 2 do C.P «A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira».

Consagra, assim, o nº 2 do artigo 180º uma causa específica de justificação.

Para se afirmar esta causa de justificação é necessário que se verifiquem, cumulativamente duas condições:

- a imputação de facto desonroso ser feita para realizar interesses legítimos e,

- o agente provar a verdade da imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.

De acordo com a norma citada não é admissível a referida causa de justificação nas situações de formulação de juízos de valor ofensivos da honra e consideração, como é o caso da situação aqui em apreciação, sendo unicamente aplicável no caso de imputação de factos.

A este respeito, já este Tribunal da Relação no acórdão de Outubro de 2006, BMJ nº460, pp.817, decidiu que a «causa de justificação prevista no nº2 do art.180º do C. Penal apenas é aplicável à imputação de factos ou à reprodução da correspondente imputação, pelo que não abrange a formulação de juízos ofensivos, a atribuição de epítetos ou palavras a que se alude no crime de injúria, bem como a imputação de factos genéricos ou abstractos».

Neste mesmo sentido pode ver-se, entre outros o acórdão da Relação de Coimbra de 23/4/1998, in C.J. Ano XXIII, tomo 2º, pp.64.

De salientar ainda que o Tribunal Constitucional no acórdão nº201/2004 de 24 de Março, proc.nº361/03, publicado no DR, II Série de 2/6/2004, decidiu que esta interpretação da mencionada norma não viola qualquer princípio ou preceito constitucional.

Assim, neste conspecto falece razão à recorrente ao convocar a referida causa de justificação, tanto mais que reconhece que no caso em discussão o que está em causa são juízos de valor.

Examinemos agora se esses juízos de valor têm ou não aptidão para preencher o elemento objectivo do crime de injúria pelo qual o arguido foi condenado na 1ª Instância.

Nos termos do disposto no nº1 do art.181º, do C. Penal, comete o crime de injúria «1. Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias».

Para o preenchimento deste tipo de crime é, pois, necessário que o agente impute factos ou formule juízos ofensivos da honra ou consideração de alguém.

Tutela este normativo, tal como o crime de difamação, o bem jurídico honra, entendido como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo radicado na sua dignidade, quer a sua própria reputação ou consideração exterior. Protege-se não só a própria dignidade pessoal, mas também o sentimento daquilo que os outros pensam e vêm em si, independentemente de corresponder à verdade, dando assim cumprimento ao preceituado no artigo 26º da Constituição da República Portuguesa, que tutela autonomamente a inviolabilidade da integridade moral das pessoas e a sua consideração social, mediante o reconhecimento a todos do direito ao bom-nome e reputação (vide, neste sentido, José Faria Costa, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, p. 601 e ss.).

Conforme se pode depreender da leitura do preceito legal, o bem jurídico protegido por esta norma é a honra, num dupla concepção fáctica-normativa, que inclui não apenas a reputação e o bom nome de que a pessoa goza na comunidade, mas também a dignidade inerente a qualquer pessoa, independentemente do seu estatuto social – Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal (…), página 500.

O elemento objectivo do tipo preenche-se com a imputação directa de um facto ofensivo da honra ou de um juízo desonroso a uma pessoa, sendo que esta imputação deverá ser endereçada a uma determinada pessoa e na sua presença.

Por honra, entende-se “a essência da personalidade humana, referindo-se, propriamente, à probidade, à rectidão, à lealdade, ao carácter:..”, e por consideração o “património de bom nome, de crédito, de confiança que cada um pode ter adquirido ao longo da sua vida, sendo como que o aspecto exterior da honra, já que provém do juízo em que somos tidos pelos outros” – Neste sentido, Manuel Leal Henriques e Manuel Simas-Santos, Código Penal Anotado, 3.. Edição, p. 469.

O crime de injúria é um crime de mera actividade, pois o que se pune é a imputação de um facto ofensivo da honra ou de um juízo desonroso a uma pessoa, independentemente de atingir ou não esse resultado.

O presente crime é doloso, admitindo o dolo em qualquer uma das suas modalidades previstas no artigo 14.º do Cód. Penal.

O facto desonroso ou ofensivo da honra é o acontecimento da vida real cuja revelação atinge a honra do seu protagonista. (…) O juízo de valor desonroso ou ofensivo da honra é um raciocínio, uma valoração cuja revelação atinge a honra da pessoa objecto do juízo. – Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal (…), 3.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, página 274.

Resulta claro que o arguido ao proferir aquelas expressões imputou ao visado por elas juízos de valor, na medida em que ali é revelada uma valoração e não um acontecimento da vida real.

Dito isto, impõe-se apreciar se os juízos de valor contidos naquelas expressões são ofensivos da honra do visado.

Para a correcta determinação dos elementos objectivos do tipo importa atender ao contexto em que os factos ou juízos pretensamente atentatórios da “honra ou consideração” são produzidos. Escreve a este propósito o Prof. Cuello Calon, que para apreciar se os factos, palavras e escritos são injuriosos será de ter em conta os antecedentes do facto, o lugar, ocasião, qualidade, cultura e relações entre ofendido e agente, de modo que factos, palavras e escritos que em determinados casos ou circunstâncias se reputam gravemente injuriosos, podem noutros não se considerar ofensivos ou tão somente constitutivos de injúria leve. Também o Prof. José Faria Costa alerta para que « o cerne da determinação dos elementos objectivos se tem sempre de fazer pelo recurso a um horizonte de contextualização . Reside, pois, aqui, um dos elementos mais importantes para, repete-se, a correcta determinação dos elementos objectivos do tipo. – Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/09/2013, processo n.º 471/09.0PBTMR.C1, disponível in www.dgsi.pt.

Para além disso, para a interpretação de um juízo de valor desonroso atender-se-á ao respectivo sentido objectivo (na perspectiva de um observador sensato) e ao correspondente contexto, sem levar em conta as intenções do agente ou o sentir próprio do ofendido. – M. Miguez Garcia e J.M. Castelo Rio, in Código Penal Parte Geral e Especial com notas e comentários, Almedina, 2014, página 748.

De referir que este ilícito criminal (tal como o crime de difamação) caracteriza-se pela sua relatividade e contextualização, no sentido de que o carácter ofensivo de determinada palavra ou acto é fortemente dependente do lugar ou ambiente em que ocorre, das pessoas entre quem ocorre, do modo como ocorre. Com efeito, independentemente do inegável desvalor objectivamente ofensivo que as palavras ou actos possam ter, não deixam, contudo, de ganhar intencionalidades bem diversas consoante o contexto situacional e temporal em que são proferidas ou praticados (neste sentido, vide Acórdão da Relação do Porto, de 02/12/1987, in BMJ, 372-468).

Ora, é patente que o teor daquelas expressões no contexto, local e circunstâncias em que foram proferidas na presença de cidadão que se encontravam no local têm objectivamente uma conotação pejorativa, na medida em que são aptas a rebaixar e a diminuir o sujeito por elas visado, agente da autoridade que estava uniformizado e no exercício das suas funções, aos olhos dos seus concidadãos presentes no local, atingindo-o na honra e consideração que lhe são devidas como pessoa e agente da autoridade.

Trata-se de considerações socialmente repudiáveis e, concretamente, criminalmente relevantes, com virtualidade para atentar contra a honra e dignidade do visado.

Com efeito, o tipo objectivo da injúria está preenchido quando a acção tenha um significado objectivamente ofensivo, ou seja, quando ela socialmente desonre ou leve ao descrédito, ou menospreze a pessoa visada com a mesma, como é aqui o caso.

Para além disso, resultou provado que o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

No plano do elemento subjectivo do tipo, importa reter que estamos em presença de um crime doloso, que se basta com um dolo genérico, em qualquer das modalidades – directo, necessário e eventual - elencadas no art.14º, do C. Penal.

Encontra-se hoje superada a antiga controvérsia no que respeitava à exigência da verificação do dolo específico, “animus injuriandi vil difamandi”, sendo actualmente pacífico que o aludido crime se basta com o dolo genérico, não se exigindo qualquer finalidade específica.

Assim, para a verificação do elemento subjectivo do crime em referência, não se exige que o agente queira ofender a honra e consideração alheias, bastando que saiba que, com o seu comportamento, pode lesar o bem jurídico protegido com a norma e que, consciente dessa perigosidade, não se abstenha de agir.

Em suma: No caso em apreciação a factualidade que a este propósito se encontra definitivamente sedimentada tem aptidão para preencher os elementos objectivo e subjectivo do tipo pelo que, salvo o devido respeito por opinião diferente, também não nos merece reparo a condenação do arguido pela prática do mencionado crime de injúria agravado.

Também neste conspecto falece razão ao recorrente, pelo que em conformidade com o exposto, e sem mais desenvolvidas considerações por supérfluas, entendemos que deve ser negado provimento ao recurso e mantida na íntegra a sentença recorrida, que não viola nem afronta qualquer princípio ou norma legal.

DECISÃO.
Nestes termos e com tais fundamentos, negamos provimento ao recurso e consequentemente mantemos integralmente a sentença recorrida.

Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s [arts.513º nºs 1 e 3, 514º nº1, do CPP e 8º, nº9 do Código das Custas Processuais e tabela III anexa).

Évora, 11 de Julho de 2019

(Elaborado e integralmente revisto pelo relator).

GILBERTO CUNHA

JOÃO MARTINHO DE SOUSA CARDOSO