Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3897/17.1T8LLE.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: REVELIA OPERANTE
EFEITOS
CONTRATO DE EMPREITADA
RESOLUÇÃO
COMPORTAMENTO CONCLUDENTE
Data do Acordão: 05/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - Não tendo a Apelante recorrido oportunamente do despacho que declarou extemporânea a contestação e, de harmonia com o preceituado no artigo 567.º n.º 1, do CPC, confessados os factos articulados pelos autores, formou-se a esse respeito caso julgado formal que tem força obrigatória dentro do processo, em face do disposto no artigo 620.º do CPC, impedindo que o tribunal ad quem se pronuncie sobre tal questão, que o trânsito em julgado do despacho proferido pelo tribunal a quo consolidou na ordem jurídica.
II - A falta absoluta de intervenção nos autos por parte da ré regularmente citada, por não se verificar nenhum dos casos previstos no artigo 568.º do CPC, fê-la incorrer na situação de revelia absoluta operante, com as consequências previstas nos artigos 566.º e 567.º, n.º 1, do CPC quanto ao denominado regime-regra, ou seja, a confissão dos factos articulados pelos autores.
III - A confissão ficta dos factos articulados pelos autores, mercê da qual o tribunal recorrido considerou assentes, designadamente os factos provados em 2.º a 5.º, impede a reapreciação por este Tribunal da Relação, da matéria de facto regularmente julgada provada, em face da ausência de contestação.
IV - Na realidade, não pode o recurso servir para que a Apelante alegue por esta via, aquilo que não alegou oportunamente no prazo de apresentação da respectiva contestação, pois o momento de dedução da sua defesa, na vertente de facto, há muito se esgotou, precludindo o decurso do prazo para o efeito a possibilidade de impugnação do julgamento de facto, salvo se tiver havido violação de meio de prova tarifada.
V - Porém, tratando-se de um efeito cominatório semi-pleno, a falta de contestação não determina inelutavelmente a procedência da acção, cabendo ao juiz aquilatar seguidamente se dos factos alegados e declarados confessados decorre ou não a consequência jurídica pretendida, in casu, se os factos alegados têm ou não a virtualidade de fundamentar a verificação de um incumprimento definitivo do contrato de empreitada, julgamento que o réu revel pode inequivocamente impugnar por via de recurso que incida sobre a vertente jurídica da causa.
VI - O injustificado abandono da obra pela empreiteira constitui comportamento concludente da sua recusa em cumprir as obrigações contratuais assumidas, configurando incumprimento definitivo que dispensa a necessidade de interpelação admonitória com vista à resolução do contrato por justa causa.
Decisão Texto Integral:





Processo n.º 3897/17.1T8LLE.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1]

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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – RELATÓRIO
1. BB e CC intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra DD, Arquitectura e Designs, Lda., peticionado a condenação da Ré a pagar-lhes a quantia de 6.180,00€; juros de mora sobre aquela quantia a contar de 22 de Janeiro de 2017 e indemnização no valor de 1.300,00€, bem como 500,00€ a título de despesas de deslocação e, finalmente a devolver-lhe as chaves do apartamento.
Para tanto alegaram, em síntese, terem celebrado com a Ré um contrato de empreitada com vista à remodelação de um apartamento de que são donos, fixando as partes o prazo de dois meses desde o início das obras para a conclusão dos trabalhos.
Mais alegaram que a Ré recebeu parte do preço da empreitada e iniciou os trabalhos, mas no termo do prazo a obra de remodelação continuava totalmente inexecutada, sem qualquer explicação e sem que aquela tenha respondido às iniciativas e apelos dos autores, concluindo ter ocorrido abandono da obra por parte do empreiteiro, razão pela qual tiveram que contratar e pagar a outro empreiteiro os serviços para as mesmas obras de remodelação, considerando por isso ter direito à restituição da parte do preço que entregaram e à atribuição de indemnização que os compense pelos danos emergentes e lucros cessantes.

2. Regularmente citada, a Ré apresentou contestação que foi considerada extemporânea, por despacho proferido em 21.03.2018 e notificado às partes em 22.03.2018, no qual foram também considerados provados os factos alegados pelos Autores, ao abrigo do disposto no artigo 567.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e determinada a notificação das partes para os efeitos do n.º 2 do preceito.

3. Por requerimentos apresentados em 06.04.2018 os Autores alegaram e a Ré veio requerer a junção aos autos de documentos, entre os quais, o DUC com prova de pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da Contestação; e o DUC com prova de pagamento da multa prevista no artigo 139.º n.º 5 alínea c) do CPC), no dia 02-02-2018.

4. Em 12.04.2018, a Ré apresentou requerimento dirigido ao Senhor Juiz, com o seguinte teor: «notificada que foi do despacho proferido por V. Exa. julgando extemporânea a apresentação da contestação, vem expor e requerer o seguinte:
A contestação foi apresentada no terceiro dia útil após o termo do prazo, tendo a multa a que se refere o Artigo 139º nº 5 alínea c) sido efetivamente paga pela Ré - cf. DUC com prova de pagamento da multa junto aos autos em 06 de abril último.
Em face do exposto, requer-se a V. Exa. julgue tempestiva a apresentação da contestação, revogando consequentemente o despacho que considerou provados os factos articulados pelos Autores».
Por despacho proferido em 24.04.2018, e notificado às partes em 26.04.2018, tal requerimento foi indeferido, concluindo-se nos seguintes termos: «porquanto se mantém os fundamentos da nossa decisão datada de 21 de março de 2018, mantém-se integralmente o ali decidido, razão pela qual se indefere a requerida “revogação do despacho que considerou provados os factos articulados pelos Autores.” Notifique e conclua após trânsito em julgado do presente despacho».

5. Após, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, com o seguinte dispositivo:
«a) Condeno a Ré DD, Arquitectura e Designs, Lda. a pagar aos Autores BB e CC a quantia de Euros 5.960,00 (cinco mil, novecentos e sessenta euros), acrescida de juros de mora contados desde 24 de março de 2017, à taxa legal em vigor, atualmente de 4 % ao ano, até efetivo e integral pagamento;
b) Mais condeno a Ré DD, Arquitectura e Designs, Lda. a pagar aos Autores BB e CC a quantia de Euros 500,00 (quinhentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, contados sobre a referida quantia desde a presente data e até efetivo e integral pagamento;
c) Condeno a Ré DD, Arquitectura e Designs, Lda. a pagar aos Autores BB e CC os demais danos emergentes e lucros cessantes, com o limite de mil e trezentos euros, provados em 13.º e 15.º (deslocações ao local da obra e perda do uso entre o momento em que a obra deveria estar finalizada e o momento em que efetivamente foi concluída por terceiro), montantes estes a apurar em incidente de liquidação;
d) Absolvo a Ré do demais peticionado;
e) Autores e Ré responderão pelas custas do processo na proporção dos respetivos decaimentos fixados em 2,757 % para os primeiros e 97,243 % para a segunda».

6. Inconformada, a Ré apelou pedindo (sic) «a reforma da douta sentença recorrida, por outra que julgue a ação improcedente, absolvendo-se a Ré do pedido», e finalizando as respectivas alegações, com as seguintes conclusões:
«1. A contestação f​oi apresentada tempestivamente pelo que o Tribunal recorrido não poderia ter considerado provados os factos alegados pelos Autores.
2. Em face dos documentos juntos pelos próprios Autores com a sua PI (documentos 1 e 2), resulta claro que foram os Autores que desistiram da obra antes do final do prazo acordado para a sua conclusão - 05.04.2017 - (impedindo que a Ré concluísse a obra nos termos e no prazo acordados), não tendo havido assim qualquer incumprimento (muito menos definitivo) por parte da Ré».

7. Os Autores contra-alegaram, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

8. Observados os vistos, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, vistos os autos, as questões colocadas pela Recorrente para apreciação no presente recurso consistem em saber se a contestação foi ou não extemporânea; e se os factos alegados na petição inicial suportam ou não a existência de incumprimento definitivo do contrato, da sua responsabilidade.
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III – Fundamentos
III.1. – De facto
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
«1.º A Ré, a pedido dos Autores, apresentou-lhes instrumento escrito denominado “Orçamento n.º 003-2017”, datado de 20 de janeiro de 2017, pelo qual se obrigaria a realizar os seguintes trabalhos com vista à remodelação de um apartamento, sito em Vila Nova de Mil Fontes:
1. Demolições
1.1. Peças sanitárias, revestimentos cerâmicos, roupeiro, porta da sala, banheira, incluindo remoção e vazamento de entulho em aterro licenciado 440,00 €
2. Alvenarias
2.1. Abertura de roços para embutir alterações de infra-estruturas de águas, esgotos e eletricidade, incluindo fecho dos mesmos 390,00 €
2.2. Reparações de paredes e tetos, incluindo tratamento de fissuras, e acabamento final do estuque; 530,00 €
2.3. Criar estrutura em gesso cartonado (pladur), na entrada da porta da sala, de acordo com o combinado; 895,00 €
3. Revestimentos
3.1. Assentamento e fornecimento de material cerâmico (até 15 €/m2) na instalação sanitária; 896,00 €
4. Pinturas
4.1. Aplicação de primário isolante e acabamento geral das paredes e tetos interiores, c/ tinta plástica de cor branca 1.880,00 €
4.2. Pintura das barras do varandim e remoção/corte do suporte da antena 185,00 €
4.3. Tratamento e pintura das caixas de estore, em branco 120,00 €
5. Carpintarias/Caixilharia
5.1. Reparação de caixilharia em madeira: uma janela de duas folhas e uma janela-porta de 3 folhas 485,00 €
5.2. Reparação e substituição das ferragens, de porta de entrada 370,00 €
5.3. Reparação de 2 portas interiores, e acabamento a pintura de lacagem branca 250,00 €
5.4. Substituição das fitas de estore, incluindo revisão do sistema 180,00 €
6. Águas e Esgotos
6.1. Alteração da rede de esgotos e rede de águas frias/quentes, para instalação da cozinha e casa de banho;
7. Electricidade
7.1. Alteração da rede eléctrica, para instalação da cozinha e casa de banho, bem como as alterações solicitadas;
7.2. Substituição da aparelhagem eléctrica, por modela da EFAPEL, em branco, bem como testes à instalação eléctrica;
8. Sanitários
8.1. Fornecimento e montagem de: Sanita; Lavatório e móvel de apoio; Monocomando Lavatório; Coluna de duche; Resguardo Frontal em vidro fixo; Base Chuveiro Acrílico Rectangular Estra Plana; Sifão para Base Extra Plana; Válvula Click Clack cromada; Cifão cromado e acessórios; 1.650,00 €
9. Cozinha e Electrodomésticos
9.1. Fornecimento e montagem de cozinha em termolaminado, com balcão de acordo com projecto, Portas com topos contínuos e puxador oculto. Tampos em pedra de granito preto na cozinha e/ou o mesmo material ao madeira na península; Topo do balcão em cerâmica branca;
9.2. Montagem de esquentador a gás (existente), considerando alteração na rede de água e de gás;
9.3. Fornecimento e instalação de electrodomésticos, da marca Beko:
Microondas de encastre: 228,00 €
Exaustor 118,00 €
Frigorífico de encastre 340,00 €
Máquina de lavar roupa 7 Kg, de livre instalação 312,00 €
Valor Total: 14.329,00 €
IVA incluído a 23 %
Condições de pagamento:
40 % de Adjudicação (5.731,60 €)
30 % a meio dos trabalhos (4.298,70 €);
30 % na entrega da obra (4.298,70 €). ()
Prazos de execução: 2 meses após adjudicação da obra.
2.º Os Autores concordaram com os termos e condições constantes do escrito referido em 1.º, tendo adjudicado a execução da obra de remodelação à Ré em 22 de janeiro de 2017, o que esta aceitou.
3.º Os Autores entregaram à Ré a chave do apartamento e o valor de Euros 6.180,00 por transferência bancária para a conta bancária com o IBAN PT50 …, indicado no escrito referido em 1.º
4.º O prazo estipulado pela Ré para execução da obra de remodelação foi de 2 meses após a adjudicação da obra, até 22 de março de 2017.
5.º Desde 22 de janeiro de 2017 foram feitas pequenas demolições de revestimento da casa de banho, da porta e aduela de acesso à sala; foram abertos alguns dos roços (não todos) necessários para a instalação elétrica; foi deixado entulho, lixo diverso dentro do apartamento em 12 de janeiro de 2017 e em 4 de março de 2017.
6.º Em 4 de março de 2017 foi considerado realizados unicamente 50 % dos trabalhos de demolição das peças sanitárias, revestimentos cerâmicos, roupeiro, porta da sala, banheira, incluindo remoção e vazamento de entulho em aterro licenciado, correspondendo ao montante parcial de Euros 220,00 de trabalhos executados e 2 % de execução da obra geral.
7.º Em face dos atrasos os Autores questionaram múltiplas vezes a Ré, sem resposta.
8.º Em 4 de março de 2017 ainda não tinha sido feita, nem foi feita em data posterior, a apresentação de materiais e preços, conforme orçamento, para integrar na obra, de modo a que os Autores procedessem à sua escolha e seleção.
9.º Na data referida em 8.º os Autores reuniram com os representantes da Ré, estes declararam e reiteraram que a obra terminaria no prazo.
10.º Em 24 de março de 2017 a obra encontrava-se inexecutada, pelo que os Autores consideraram existir “desinteresse e abandono da obra pela Ré” e “falta de vontade da Ré em cumprir o Contrato”, pelo que requereram à Ré, na pessoa do seu representante, Senhor Arquiteto EE, a devolução do dinheiro e das chaves do apartamento, mas que não foram devolvidos aos Autores.
11.º Não foi dada por parte da Ré qualquer explicação, embora os Autores tenham tentado, por diversas formas e meios o contacto com a Ré, incluindo o pessoal.
12.º Os Autores, por carta datada de 21 de março de 2017, sob o assunto “Empreitada, Serviços e Obras referentes ao apartamento sito em Vila Nova de Mil Fontes (a Obra)”, declararam à Ré que:
“() em resultado da medição dos trabalhos na Obra, a inexecução da mesma no prazo estipulado que compromete de modo definitivo, com prejuízo grande e oneroso para os aqui signatários e donos da mesma, a entrega da mesma nas condições e nos termos fixados entre as partes contraentes.
Tal como V. Exas têm consciência e claro conhecimento, por força do evidente incumprimento do programa e prazo contratual por parte de V. Exas (e por V. Exas fixado), os aqui signatários procuram reiteradamente conversar, interpelando por diversos e idóneos meios, escritos e verbais, os quais V. Exas., absolutamente, ignoram, omitindo qualquer resposta responsável e consciente sustentando assim tamanha lassidão da vontade de V. Exas em assegurar o cumprimento das obrigações a que estão legal e contratualmente comprometidos o que viola, injustificadamente, os legítimos interesses dos aqui signatários, prejudicando-os de modo insanável e censurável.
Assim sendo, em face da evidência comprometedora de que na presente data apenas está executada uma ínfima e precária parte dos trabalhos da Obra e que perfaz a equivalência absurda e ridícula de 2 (dois) por cento, somos, de forma séria e firme, a interpelar V. Exa. de que, por causa juridicamente relevante e singularmente imputável a V. Exas. os aqui signatários perdem o interesse no contrato/orçamento, dando-o por findo e resolvido por justa causa, estando assim V. Exas. obrigados, ficando desde já notificados extrajudicialmente, para proceder à imediata devolução aos aqui signatários do indevidamente pago no valor de 6.180,00 (seis mil cento e oitenta) euros, acrescido de juros legalmente aplicáveis, no valor de 8 %, contados dia a dia, o que perfaz o valor total de 6.258,56 euros, acrescido de custos e encargos com o apoio jurídico e judicial que se revelar adequado. () Mais estão obrigados ainda a entregar todas as chaves do local da Obra o que deve ser realizado no próximo dia 24 de março de 2017, pelas 15 horas ()”.
13.º Os Autores deslocaram-se por várias vezes ao apartamento.
14.º Os Autores são profissionais ocupados com agendas de trabalho carregadas, com tarefas familiares diversas.
15.º Tiveram os Autores e família que esperar muito tempo para que o apartamento estivesse em condições de ser utilizado e usufruído em condições normais e para tal tiveram que recorrer aos serviços de outro empreiteiro para executar as mesmas obras de remodelação do apartamento, não lhes tendo sido possível usufruir do apartamento ou proceder ao seu arrendamento.
16.º Os Autores tiveram que pagar ao “novo” empreiteiro os serviços para as mesmas obras de remodelação.
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III.2. - O mérito do recurso
Insurge-se a Recorrente - mesmo após os despachos em que o tribunal afirmou a intempestividade da contestação, conforme descrito em 2. e 4. do relatório supra -, insistindo que aquele articulado foi apresentado tempestivamente, pelo que o Tribunal a quo não poderia ter considerado provados os factos alegados pelo autor.
Conforme em situação em tudo idêntica à presente se afirmou em recente aresto deste Tribunal da Relação[3] “mesmo independentemente da razão que lhe pudesse assistir neste ponto, o certo é que foi proferida a decisão sobre esta concreta questão que, como veremos de seguida, tornou a mesma indiscutível.
Na verdade, nos termos do artigo 644º, nº 2, alínea d), do CPC, cabe recurso imediato do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova.
Escreveu a este propósito o Senhor Conselheiro Abrantes Geraldes:
«O art. 691, nº 2, al. i), do anterior CPC, já possibilitava a apelação autónoma de despacho de admissão ou de rejeição de meios de prova, englobando, por exemplo, os casos em que o juiz admitia ou rejeitava um rol de testemunhas ou no aditamento ou substituição desse rol, deferia ou indeferia a realização de uma perícia ou inspecção judicial, admitia ou mandava desentranhar determinados documentos ou deferia ou indeferia a requisição de documentos ou a obtenção de informações em poder de outra parte ou de terceiro.
Tal regime foi alargado, por razões facilmente compreensíveis, às decisões que admitam ou rejeitem algum articulado, atenta a necessidade de atenuar os riscos de eventual inutilização do processado.
Considerando a abolição do recurso de agravo que ao abrigo do regime anterior à reforma de 2007 cobria este tipo de situações, a opção pela admissão de recurso imediato visou atenuar os efeitos negativos que poderiam produzir-se ao nível da tramitação processual ou da estabilidade das decisões que põem termo ao processo. Com efeito, a sujeição de tais decisões a impugnação diferida para o recurso da decisão final potenciaria o risco de anulação do processado, para ponderação ou não ponderação dos meios de prova ou do articulado rejeitado ou admitido. (…)».
Ora, tendo o Tribunal a quo rejeitado a contestação e ordenado o seu desentranhamento dos autos, o recorrente deveria logo ter impugnado essa decisão em recurso imediato e autónomo.
Como assim não procedeu, só vindo agora impugná-la no recurso da sentença final, aquela decisão é insuscetível de recurso, porquanto transitou em julgado, nos termos do art. 628º do CPC.
Assim, quanto a esta questão rejeita-se a sua apreciação”.
Revertendo estas considerações ao caso em presença, fácil é concluir que o Apelante quando pediu ao tribunal a quo que «revogasse» o despacho recorrido porque tinha efectuado o pagamento da multa - confundindo que a revogação do despacho estaria, se fosse esse o caso, reservada ao tribunal ad quem, ao qual agora pede a «reforma» da sentença! -, devia então ter interposto recurso daquela decisão.
Mas, ainda que se entendesse, que o documento apresentado pela Apelante poderia bastar para que o julgador constatasse a existência de um lapso manifesto a permitir a sua reforma - esta sim, passível de ser pedida ao tribunal que profere a decisão mas apenas nos casos em que se verificam os apertados limites do artigo 616.º do CPC e nunca ao tribunal ad quem -, o certo é que também sobre este requerimento da ré, recaiu despacho fundamentado, que igualmente o indeferiu. E, mais, despacho que até foi expressamente notificado à requerente com o cuidado de ali se haver mencionado que a conclusão seria aberta apenas após o seu trânsito.
Nestes termos, não tendo a Apelante recorrido oportunamente do despacho que declarou extemporânea a contestação e, de harmonia com o preceituado no artigo 567.º n.º 1, do CPC, confessados os factos articulados pelos autores, formou-se a esse respeito caso julgado formal que tem força obrigatória dentro do processo, em face do disposto no artigo 620.º do CPC, impedindo que o tribunal ad quem se pronuncie sobre tal questão, que o trânsito em julgado do despacho proferido pelo tribunal a quo consolidou na ordem jurídica.
Consequentemente rejeita-se a apreciação desta primeira questão.
Vejamos, então, se assiste razão à Recorrente quando pretende que em face dos documentos juntos pelos próprios autores com a petição inicial, resulta claro que foram os mesmos quem desistiu da obra, pelo que não podia o tribunal a quo ter concluído pela existência de um incumprimento definitivo por parte da Ré empreiteira.
De harmonia com o regime processual vigente a falta absoluta de intervenção nos autos por parte da ré regularmente citada, salvo os casos excepcionais que aqui não se verificam, fê-la incorrer na situação de revelia absoluta operante, com as consequências previstas nos artigos 566.º e 567.º, n.º 1, do CPC quanto ao denominado regime-regra, ou seja, a confissão dos factos articulados pela autora.
Este comportamento omissivo da Ré provocou, pois, a chamada confissão tácita ou presumida, a qual não se confunde com a confissão judicial expressa, dispensando aquela qualquer manifestação de vontade nesse sentido em face da previsão legal do respectivo efeito confessório. Ou seja, no caso dos autos, não tendo a ré contestado a acção, a “confissão presumida fica definitivamente adquirida no processo (com eficácia iuris et de jure), não podendo o réu vir posteriormente negar os factos relativamente aos quais se manteve em total silêncio ou inércia”, e não havendo “nesta situação, lugar a qualquer averiguação ou decisão fácticas de carácter autónomo, mas, tão-somente, à interpretação e aplicação da lei à hipótese vertente” [4]. Significa isto que, por regra, a confissão dos factos articulados se traduz num julgamento de mérito favorável ao autor.
Porém, tratando-se de um efeito cominatório semi-pleno, a falta de contestação não determina inelutavelmente a procedência da acção, cabendo ao juiz aquilatar seguidamente se dos factos alegados e declarados confessados decorre ou não a consequência jurídica pretendida, in casu, se os factos alegados têm ou não a virtualidade de fundamentar a verificação de um incumprimento definitivo do contrato de empreitada.
Assim sendo, referimos, por regra, porquanto tratando-se de uma confissão semi-plena, que se aplica apenas aos factos articulados, o juiz está sujeito a estes mas, em decorrência do preceituado no artigo 5.º, n.º 3, do CPC, não está sujeito à alegação das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras do direito, podendo consequentemente considerar que os factos articulados e provados não conduzem à procedência total ou parcial da acção.
Na espécie, entendeu o julgador que a base factual alegada pelos autores constituía substracto suficiente para a procedência da respectiva pretensão.
Dissente a Recorrente, aduzindo que «conforme resulta do documento 1 junto com a PI (orçamento), o prazo acordado para a execução da obra foi de dois meses após a adjudicação (a qual ocorreria com o pagamento de 40% do valor total do orçamento aceite pelos Autores - cf. resulta do mesmo documento).
A obra foi adjudicada em 05.02.2017, com o pagamento do valor acordado entre as partes a título de adjudicação (cf. documento 2 junto com a PI), pelo que a obra poderia ser concluída pela Ré até ao dia 05.04.2017.
Entretanto, no decorrer da obra, os Autores solicitaram diversas alterações a nível de canalização de águas, eletricidade e materiais (armários de wc, louças de wc, cerâmicas, armários de cozinha, etc) - cf. emails enviados pelos Autores à Ré em 06 e 13 de março (cf. documento 5 junto com a petição inicial).
Posteriormente, no dia 22 de março de 2017, ainda longe do prazo acordado para a execução da obra (05.04.2017), a Ré recebeu a carta junta como Doc. 6 com a petição inicial resolvendo o contrato de empreitada e solicitando a entrega das chaves do local da obra».
Assim, conclui a Recorrente que «em face dos documentos juntos pelos próprios Autores com a sua PI, resulta claro não ter existido abandono da obra por parte da Ré, pois foram os Autores que desistiram da obra antes do final do prazo acordado para a sua conclusão (impedindo assim que a Ré concluísse a obra nos termos acordados), não tendo havido assim qualquer incumprimento (muito menos definitivo) por parte da Ré».
Vejamos.
Em primeiro lugar, e tendo presente as considerações acima enunciadas, cabe recordar a Apelante que a confissão ficta dos factos articulados pelos autores, decorrente da aplicação do disposto no artigo 567.º, n.º 1, do CPC, mercê da qual o tribunal recorrido considerou assentes, designadamente os factos provados em 2.º a 5.º, impede a reapreciação por este Tribunal da Relação, da matéria de facto regularmente julgada provada, em face da ausência de contestação.
Na realidade, de harmonia com o preceituado no artigo 573.º do CPC, a respeito da oportunidade de dedução da defesa, não pode o recurso servir para que a Apelante alegue por esta via, aquilo que não alegou oportunamente no prazo de apresentação da respectiva contestação, pois o momento de dedução da sua defesa, na vertente de facto, há muito se esgotou, precludindo o decurso do prazo para o efeito a possibilidade de impugnação do julgamento de facto, salvo se tiver havido violação de meio de prova tarifada.
RUI PINTO[5] chama a atenção para as consequências da revelia operante em sede de recurso, advertindo que «em matéria de decisão sobre a matéria de facto, o direito ao recurso não pode deixar de estar limitado pelas preclusões que se abatem sobre as partes principais, enquanto sujeitas ao princípio da autorresponsabilidade».
Assim, pese embora o réu possa inequivocamente impugnar o julgamento na vertente jurídica da causa e «sindicar se a primeira instância respeitou os artigos 189.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, e, no limite, se respeitou o objeto da admissão por confissão prevista no n.º 1 do artigo 567.º»,(…) «não poderá, porém, impugnar o julgamento dos factos com a mesma amplitude que teria se revel não fosse. É que o recurso não pode servir para cumprir as funções da (omissa) contestação».
Deste modo, o único segmento da apelação que este tribunal pode sindicar encontra-se circunscrito à questão de saber se da matéria de facto acima descrita decorre o incumprimento definitivo do contrato de empreitada, fundador do invocado direito dos autores à restituição do valor por estes entregue à Ré, deduzido daquele que corresponde à parcela dos trabalhos comprovadamente realizados, como se entendeu na sentença recorrida, ou se, conforme pretende a Apelante, foram os Apelados «que desistiram da obra antes do final do prazo acordado para a sua conclusão - 05.04.2017 - (impedindo que a Ré concluísse a obra nos termos e no prazo acordados), não tendo havido assim qualquer incumprimento (muito menos definitivo) por parte da Ré».
A este respeito, depois de efectuar o enquadramento jurídico do contrato de empreitada e se referir às modalidades de incumprimento, concluiu-se na decisão recorrida que existia incumprimento definitivo do contrato, por banda da empreiteira, sublinhando a este respeito que «estabelecendo as partes um prazo de dois meses para a conclusão dos trabalhos, que efetivamente se iniciaram em 22 de janeiro de 2017, conforme previsto pelas partes, na data de 4 de março de 2017 apenas tinham sido executados trabalhos correspondentes a 2 % da obra (factos 4.º a 6.º).
Pese embora as várias interpelações dos Autores, no final do prazo a situação manteve-se inalterada (factos 9.º e 10.º).
Em face deste relato, atento o tempo transcorrido, é patente que ocorreu o incumprimento definitivo da prestação a que Ré se obrigou, ocorrendo o abandono da obra, não expresso, mas tácito, conforme resulta provado em 10.º a 12.º
Nestes termos, parece evidente que a Ré, tacitamente, demostrou não pretender voltar a realizar a obra, que abandonou, acrescendo ainda que a parte da obra realizada, por ser diminuta (2%) permite concluir pela perda de confiança dos Autores na capacidade da Ré para executar a obra e, em função disso, justifica-se plenamente que pretendam fazer terminar a relação contratual, considerando a permanência dessa relação intolerável e, como tal, impossível (artigo 801.º, n.º 1 do Código Civil)».
Concordamos com a avaliação do acervo factual que foi efectuada pelo Senhor Juiz, e com a conclusão pela existência de um comportamento da ré correspondente ao abandono tácito da empreitada, como tal gerador do incumprimento definitivo do contrato, fundador da respectiva resolução e da correspondente obrigação de restituição da quantia entregue pelos Autores sem a correspectiva contraprestação por parte da Ré.
Vejamos.
Efectivamente, e desde logo, não está demonstrado o pressuposto de que a Ré parte de que o termo final do prazo para a realização da empreitada ocorreria em 05-04-2017, pelo que, deduz-se, tendo sido remetida a carta dos autores em 21-03-2017, ainda poderia terminar a obra dentro do prazo acordado e no qual se comprometeu a realizá-la.
Na realidade, pelas razões acima expendidas, de harmonia com a materialidade descrita, o que se mostra provado é que a Ré, a pedido dos Autores, apresentou-lhes o “Orçamento n.º 003-2017”, datado de 20 de Janeiro de 2017, pelo qual se obrigava a realizar os diversos trabalhos ali descritos com vista à remodelação de um apartamento destes, sito em Vila Nova de Milfontes, tendo sido adjudicada a execução da obra de remodelação à Ré em 22 de Janeiro de 2017, o que esta aceitou, tendo desde esta data efectuado pequenas demolições de revestimento da casa de banho, da porta e aduela de acesso à sala; foram abertos alguns dos roços (não todos) necessários para a instalação elétrica.
Mais se encontra provado que o prazo estipulado pela Ré para execução da obra de remodelação foi de 2 meses após a adjudicação da obra, ou seja, até 22 de Março de 2017[6].
Portanto, quando em 21-03-2017 os Autores remeteram à Ré a carta cujo teor se mostra descrito no ponto 12 da matéria de facto, fizeram-no ainda no decurso do prazo para a execução da empreitada, que terminava no dia seguinte.
Significa isso que se deve concluir, como a Recorrente, que foram os mesmos que desistiram da empreitada?
Pensamos que não.
De facto, basta atentarmos nas circunstâncias em que tal missiva foi enviada à Ré, na véspera da data prevista para o termo das obras de remodelação, que aquando do orçamento apresentado havia sido indicado pela Ré aos autores, sendo que na reunião havida com os autores em 4 de Março, aquela tinha-lhes declarado e reiterado que a obra terminaria no prazo.
Nesta data tinham sido realizados unicamente 50 % dos trabalhos de demolição das peças sanitárias, revestimentos cerâmicos, roupeiro, porta da sala, banheira, incluindo remoção e vazamento de entulho em aterro licenciado, correspondendo ao montante parcial de 220,00€ de trabalhos executados e 2 % de execução da obra geral, tendo ainda nessa data sido deixado entulho e lixo diverso dentro do apartamento, bem como ainda não tendo sido feita – nem o foi posteriormente – a apresentação de materiais e preços a aplicar em obra, para os Autores procederem à sua escolha e selecção.
Cumpriu a Ré o acordado posteriormente a esta data?
A resposta não pode deixar de ser negativa já que na missiva enviada a 21-03-2017 os autores reportam-se àquela mesma percentagem de 2% de execução da obra, e, mesmo após a data da missiva, em 24-03-2017, a obra de remodelação do apartamento dos autores encontrava-se inexecutada, sendo que durante este período de tempo em que se esgotava o prazo acordado para a execução dos trabalhos, a Ré nem sequer respondia aos Autores que a questionaram múltiplas vezes, em face dos atrasos até então existentes, não lhes tendo sido dada por parte da Ré qualquer explicação, embora aqueles tenham tentado, por diversas formas e meios o contacto com esta.
Assim, nesta última data os Autores consideraram existir “desinteresse e abandono da obra pela Ré” e “falta de vontade da Ré em cumprir o Contrato”, pelo que requereram à Ré, na pessoa do seu representante, Senhor Arquiteto Guilherme de Sá, a devolução do dinheiro e das chaves do apartamento, que não lhes foram devolvidos.
Ora, sendo certo que não existiu por parte da Ré um abandono da obra no sentido literal da expressão correspondente a ter havido uma retirada voluntária e definitiva da empreiteira do local de execução da obra sem concluir os trabalhos contratados, não é menos correcto afirmar não ser só o abandono expresso da obra que equivale ao incumprimento definitivo, conferindo aos autores o direito de resolver o contrato sem necessidade da interpelação admonitória prevista no artigo 808.º do Código Civil[7].
Efectivamente, “uma das formas de incumprimento definitivo do contrato (total ou parcial) é a recusa do devedor, no caso o subempreiteiro, em satisfazer a sua prestação, ou seja de realizar a obra a que se obrigou perante o empreiteiro. Para que a recusa se verifique é necessário que o devedor o declare de forma expressa ou categórica ou que tal se deduza de factos que inequivocamente exprimam essa recusa, sendo uma delas o ostensivo abandono da obra, antes de concluída”[8].
Na realidade, o injustificado abandono da obra pela empreiteira constitui comportamento concludente da sua recusa em cumprir as obrigações contratuais assumidas, configurando incumprimento definitivo que dispensa a necessidade de interpelação admonitória com vista à resolução do contrato por justa causa.
Mas o mesmo não tem de ser expresso, podendo decorrer de comportamento concludente que configure declaração tácita de recusa de cumprimento.
De facto, “a declaração tácita é constituída por um comportamento do qual se deduza com toda a probabilidade a expressão ou a comunicação de algo, embora esse comportamento não tenha sido finalisticamente dirigido à expressão ou à comunicação daquele conteúdo.
Tal comportamento declarativo pode estar contido ou ser integrado por comunicações escritas, verbais ou por quaisquer actos significativos de uma manifestação de vontade, incorporem ou não uma outra declaração expressa.
A determinação do comportamento concludente, como “elemento objectivo da declaração tácita”, faz-se, tal como na declaração expressa, por via interpretativa.
Na determinação da concludência do comportamento em ordem a apurar o respectivo sentido, nomeadamente enquanto declaração negocial que dele deva deduzir-se com toda a probabilidade, é entendimento geralmente aceite que a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade, devendo ser aferida por um “critério prático”, baseada numa “conduta suficientemente significativa” e que não deixe “nenhum fundamento razoável para duvidar” do significado que dos factos se depreende”[9].
Revertendo estas considerações à situação em presença, em face do elenco factual acima referido, temos como seguro que o caso dos autos configura uma situação de recusa de cumprimento da empreiteira por via de um comportamento concludente que consubstancia um abandono tácito da obra pela ré, bastando para assim concluirmos termos presente que, nos dois meses do prazo que a mesma tinha proposto aos autores como sendo o necessário para executar a obra de remodelação do apartamento, apenas tenha executado 2% dos trabalhos contratados, pese embora tenha recebido 40% do preço total.
Se aliarmos a esta constatação objectiva o facto de a Ré nem sequer responder aos Autores que a questionaram múltiplas vezes, não lhes tendo sido dada por parte da Ré qualquer explicação, embora aqueles tenham tentado, por diversas formas e meios o contacto com esta, pensamos ser inquestionável estarmos perante um comportamento concludente da Ré no sentido de estar determinada a não cumprir definitivamente o acordado, comportamento que constitui inequivocamente uma declaração tácita neste mesmo sentido da recusa do cumprimento, ainda que nunca verbalizada pela Ré.
Portanto, dúvidas não existem de que se verificou in casu, uma situação de incumprimento definitivo fundadora da resolução do contrato levada a efeito pelos autores, assente na recusa tácita da ré em cumpri-lo, nos termos em que se obrigara, a qual constitui justa causa de resolução do contrato entre as partes, com a consequente obrigação de restituição do indevidamente pago pelos autores.
Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, improcede totalmente o presente recurso.
Vencida, a Recorrente suporta as custas do recurso, no caso, apenas as custas de parte, de harmonia com o princípio da causalidade e em face do preceituado nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do CPC.
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III.3. - Síntese conclusiva:
I - Não tendo a Apelante recorrido oportunamente do despacho que declarou extemporânea a contestação e, de harmonia com o preceituado no artigo 567.º n.º 1, do CPC, confessados os factos articulados pelos autores, formou-se a esse respeito caso julgado formal que tem força obrigatória dentro do processo, em face do disposto no artigo 620.º do CPC, impedindo que o tribunal ad quem se pronuncie sobre tal questão, que o trânsito em julgado do despacho proferido pelo tribunal a quo consolidou na ordem jurídica.
II - A falta absoluta de intervenção nos autos por parte da ré regularmente citada, por não se verificar nenhum dos casos previstos no artigo 568.º do CPC, fê-la incorrer na situação de revelia absoluta operante, com as consequências previstas nos artigos 566.º e 567.º, n.º 1, do CPC quanto ao denominado regime-regra, ou seja, a confissão dos factos articulados pelos autores.
III - A confissão ficta dos factos articulados pelos autores, mercê da qual o tribunal recorrido considerou assentes, designadamente os factos provados em 2.º a 5.º, impede a reapreciação por este Tribunal da Relação, da matéria de facto regularmente julgada provada, em face da ausência de contestação.
IV - Na realidade, não pode o recurso servir para que a Apelante alegue por esta via, aquilo que não alegou oportunamente no prazo de apresentação da respectiva contestação, pois o momento de dedução da sua defesa, na vertente de facto, há muito se esgotou, precludindo o decurso do prazo para o efeito a possibilidade de impugnação do julgamento de facto, salvo se tiver havido violação de meio de prova tarifada.
V - Porém, tratando-se de um efeito cominatório semi-pleno, a falta de contestação não determina inelutavelmente a procedência da acção, cabendo ao juiz aquilatar seguidamente se dos factos alegados e declarados confessados decorre ou não a consequência jurídica pretendida, in casu, se os factos alegados têm ou não a virtualidade de fundamentar a verificação de um incumprimento definitivo do contrato de empreitada, julgamento que o réu revel pode inequivocamente impugnar por via de recurso que incida sobre a vertente jurídica da causa.
VI - O injustificado abandono da obra pela empreiteira constitui comportamento concludente da sua recusa em cumprir as obrigações contratuais assumidas, configurando incumprimento definitivo que dispensa a necessidade de interpelação admonitória com vista à resolução do contrato por justa causa.
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IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
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Évora, 2 de Maio de 2019
Albertina Pedroso [10]
Tomé Ramião
Francisco Xavier

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[1] Juízo Local Cível de Loulé - Juiz 1.
[2] Relatora: Albertina Pedroso;
1.º Adjunto: Tomé Ramião;
2.º Adjunto: Francisco Xavier.
[3] Proferido no processo n.º 3204/17.3T8FAR.E1, subscrito pela aqui relatora e pelo ora primeiro adjunto, ali respectivamente, na qualidade de primeira e segundo adjuntos.
[4] Cfr. FRANCISCO MANUEL LUCAS FERREIRA DE ALMEIDA, in Direito Processual Civil, Vol. II, págs. 121 e 122.
[5] In Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, 2018, pág. 55.
[6] Diga-se em abono da verdade material que, apesar da invocação da Recorrente a respeito do momento da transferência bancária relativa ao pagamento do valor de 40%, como sendo o início do prazo para a realização da obra, a verdade é que as datas do seu início e fim foram pela mesma indicadas no orçamento apresentado aos autores, nos precisos termos em que se mostram dados como provados e não naqueles que agora em alegações veio aduzir.
[7] Doravante abreviadamente designado CC.
[8] Cfr. Ac. STJ de 21-04-2010, Revista n.º 3132/04.2TBRD.P1 - 6.ª Secção, disponível em www.stj.pt. Sumários de Acórdãos.
[9] Cfr. Acórdão STJ, de 16-03-2010, Revista n.º 97/2002.L1.S1 - 1.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Texto elaborado e revisto pela Relatora.