Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4744/14.1T8ENT-B.E1
Relator: ASSUNÇÃO RAIMUNDO
Descritores: CITAÇÃO
COMUNICAÇÃO
CONTAGEM DOS PRAZOS
Data do Acordão: 01/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
1. No art.º 233.º do CPC prevê-se uma mera formalidade complementar, traduzida no envio de uma carta registada ao citando, comunicando-lhe que a citação se considera realizada na data em que o terceiro a recebeu.
2. A contagem do prazo para contestar inicia-se a partir da entrega da carta à pessoa que se encontre nas condições previstas no n.º 2 do art.º 228.º, e não com a receção da carta a que se alude em 1.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes que compõem a Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Instância Central do Entroncamento, Secção de Execução, Juiz 2, corre termos a Execução nº4744/14.1T8ENT, movida contra B….
Citada para a execução, veio aquela executada apresentar a presente Oposição à execução.
Conclusos os autos à Exmª Juiz, foi por esta proferido o seguinte despacho:
“Face ao disposto no n.º4 do art. 6.° da Lei n.º41/2013 de 26.06 e considerando a data em que foi deduzida (16.02.2015), à presente oposição à execução, mediante embargos de executado, é aplicável o Código de Processo Civil (NCPC) aprovado em anexo àquele diploma.
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Em 16.02.2015, veio a Executada B… deduzir oposição à execução, mediante embargos de executado.
Atualmente, prevê o n.º1 do art. 728.° do NCPC: "o executado pode opor-se à execução por embargos no prazo de 20 dias a contar da citação."
Das normas supra citadas resulta que a Executada, querendo deduzir oposição à execução, dispunha de um prazo de vinte dias a contar da sua citação para o efeito.
Ora, dos autos de execução extrai-se que a Executada foi citada para esse efeito, através de carta registada com aviso de receção, em 23 de Dezembro de 2014, na pessoa de terceiro, em Alpiarça (vd. ref." 431175 do p. e. dos autos de execução).
Deste modo, ao prazo de defesa de vinte dias, acrescia uma dilação de dez dias (cfr. n.º2 do art. 228.° e aI. a) e b) do n.º 1 e n.º 4 do art. 245.° do NCPC).
Ora, nesse prazo, mesmo considerando o disposto no n.º 2 do art. 138.° e n.º 5 do art. 139.° do NCPC e no art. 28.° da Lei n.º62/2013 de 26.08, a Executada, ora Embargante não apresentou a sua oposição.
Por outro lado, veio a Embargante alegar que apenas em 13 de Janeiro de 2015 foi dado cumprimento ao disposto no art. 233.° do NCPC, ou seja, muito para além do prazo de dois dias úteis, requerendo que seja declarada a nulidade da citação (cfr. art. 191.° do NCPC).
Ora, a total inobservância dessa formalidade complementar poderá acarretar a nulidade da citação, mas, no caso concreto, não é essa omissão que é invocada, mas apenas o cumprimento extemporâneo, sem que se alegue que daí tenha resultado um concreto prejuízo para a defesa.
De qualquer modo, a nulidade da citação na instância executiva não constitui fundamento de oposição à execução' e deveria ser invocada nos termos previstos no n.º 1 do art. 851.° do Novo Código Processo Civil aprovado em anexo à Lei n.º41/2013 de 26.06 (NCPC).
Constata-se, assim, que é manifestamente extemporânea a oposição à execução, mediante embargos de executado, por si deduzida em 16.02.2015.
Pelo exposto, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art. 732.° ex vi n.º3 do art. 551.° e n.º 1 do art. 856.° do NCPC, indefere-se liminarmente a oposição à execução, mediante embargos de executado.”
Inconformada com a decisão veio a opoente recorrer, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões.
1 - Em 13.01.2015 a recorrente deduziu os embargos no prazo concedido e constante dessa citação datada de 13.01.2015 (vinte dias, acrescidos de dez dias), em cuja contagem confiou a partir dessa data, razão pela qual devia deduzir imediatamente - quer-se dizer, nesse prazo - os respetivos embargos, ficando deste modo precludido o incidente de nulidade da referida citação nos termos dos arts.192° e 233° do C.P.C ..
2 - A questão atinente à invocada nulidade por violação do disposto no art.192° do C.P.C. deveria merecer o acolhimento do tribunal, porquanto a circunstância de ter sido alegada no próprio articulado de Oposição redunda numa mera questão formal.
3 - A exigência da alegação e prova do prejuízo decorrente dessa nulidade não deveria ser exigido à recorrente.
4 - O facto de não ter sido a legada nos termos do art.551° do C.P.C. não é motivo de indeferimento, designadamente por se tratar de questão de direito - a que o tribunal não se encontra vinculado não podendo em circunstância alguma olvidar a substância do alegado pela então embargante e que resultava já documentalmente comprovado nos presentes autos.
5 - A citação operada em 13.01.2015 foi muito para além do prazo que deveria ter sido efetuada.
6 - E que acabou por induzir a recorrente à contagem do prazo a partir de 13.01.2015, com clara violação do contraditório, que por si só é gerador de prejuízo para a citanda, designadamente pela perda daquele prazo, sendo certo que do teor dos embargos se extrai a razão concreta desse prejuízo.
7 - A citanda teve conhecimento do teor da execução e respetivo prazo concedido para deduzir oposição à execução tão-somente em 13.01.2015, confiando na contagem do prazo a partir desta data para deduzir a referida oposição.
8 - Assim, e perante o estatuído nos arts.191°, 192° e 728° do C.P.C., e atento o princípio da economia processual, impunha-se à citanda, ora recorrente, que deduzisse os embargos nessa conformidade, obviando dessa forma a um formalismo inútil, com implicação de maior delonga processual.
9 - Aliás, se a própria citanda alega que recebeu a citação em 13.01.2015 e consequentemente exerceu, no pressuposto daquela contagem, o seu direito de Oposição à Execução, via embargos, que sentido faria alegar a nulidade da citação?
10 - A alegação de nulidade da citação não é fundamento da Oposição à Execução.
11 - Mas a partir do momento em que neste articulado é requerida a respetiva declaração pelo tribunal, ela deve ser atendida, ainda que por efeito de convolação ou decisão de incidente a processar por apenso, a cargo "in casu", do recorrente.
12 - Do que fica dito ressalta a violação do princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional (Cfr.art.200 da Constituição da República Portuguesa).
13 - Este sagrado princípio reflete a pedra angular de todo o processo: o princípio do contraditório, que envolve desde logo a proibição da indefesa.
14 - Esta consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito. A violação do direito à tutela judicial efetiva, sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efetivos para os seus interesses.
15 - A efetividade do direito de defesa, pressupõe o conhecimento pelo demandado do processo contra ele instaurado. (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da R.P. Anotada, 164, e Exmº Senhor Juiz-Conselheiro, Dr. Lopes do Rego, in Comentários ao CPC, Vol. I, 2a ed., 17, respetivamente).
16 - Tanto mais que assim é, que em sede de contraditório / citação, o legislador utilizou o advérbio "devidamente", conforme resulta do art.3° do C.P.C.
17 - Assim, nesse quadro factual, ou a Oposição à Execução foi atempadamente deduzida ou então deverá proceder a alegação de nulidade da citação nos termos já retro explanados.
- Foram violados, designadamente, os arts.3°, 191°, 192°, 233°, 728°, 851° do C.P.C., art.200 da C.R.P. e art.6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Termos em que requer V. Exas. se dignem revogar o Douto Despacho recorrido, com as legais consequências.

Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657 nº4 do Código de Processo Civil.
Cumpre apreciar e decidir:
De acordo com a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. a título de exemplo os Acórdãos do S.T.J. de 2/12/82, BMJ nº 322, pág. 315; de 15/3/2005, Proc. nº 04B3876; de 11/10/2005, Proc. nº 05B179; de 25-5-2010, Proc. nº 8254/09.0T2SNT.L1.S1; e de 30-6-11, Proc. nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, todos publicados nas Bases de Dados Jurídicos do ITIJ), o âmbito do recurso determina-se em face das conclusões da alegação do recorrente pelo que só abrange as questões aí contidas, como resultava dos arts. 684 nº3 e 685-A nº1 do Cód. Proc. Civil e continua a resultar das disposições conjugadas dos arts. 635 nº 4, 637 nº2 e 639 do N. Cód. Proc. Civil.
Nesta conformidade, a recorrente coloca à apreciação deste tribunal a seguinte questão:
- A presente Oposição à Execução, que deu entrada em tribunal no dia 16-2-2015, mostra-se tempestiva (?)

A decisão recorrida fundou-se no seguinte ponto de facto:
A Executada foi citada para a execução, através de carta registada com aviso de receção, em 23 de Dezembro de 2014, na pessoa de terceiro, em Alpiarça (vd. ref.ª 431175 do p. e. dos autos de execução).
Alega a recorrente:
7 - A citanda teve conhecimento do teor da execução e respetivo prazo concedido para deduzir oposição à execução tão-somente em 13.01.2015, confiando na contagem do prazo a partir desta data para deduzir a referida oposição.
9 - Aliás, se a própria citanda alega que recebeu a citação em 13.01.2015 e consequentemente exerceu, no pressuposto daquela contagem, o seu direito de Oposição à Execução, via embargos, que sentido faria alegar a nulidade da citação?
10 - A alegação de nulidade da citação não é fundamento da Oposição à Execução.
11 - Mas a partir do momento em que neste articulado é requerida a respetiva declaração pelo tribunal, ela deve ser atendida, ainda que por efeito de convolação ou decisão de incidente a processar por apenso, a cargo "in casu", do recorrente.
Vejamos:
Apoia-se a recorrente que só em 13-1-2015 teve conhecimento da execução em virtude da notificação a que alude o art. 233 do Código de Processo Civil.
Como bem resulta do art. 233 do Código de Processo Civil, nomeadamente da sua epígrafe “Advertência ao citando, quando a citação não haja sido na própria pessoa deste”, a notificação a que se refere não tem em vista uma nova citação, mas uma advertência de que se verificou uma citação na pessoa em causa.
A formalidade da referida norma legal é complementar à citação e traduz-se no envio de carta registada ao citado, comunicando-se que a citação se considera realizada na data em que o terceiro a recebeu (ou em que a nota foi afixada) e comunicando-lhe novamente os elementos essenciais previstos no art. 227 do Código de Processo Civil, acrescidos de indicação da pessoa a quem o ato foi realizado – cfr. Acs. do Tribunal da Relação do Porto de 8-11-2004; e do Tribunal da Relação de Lisboa de 2-7-2009, ambos em www.dgsi.pt.
Não se trata, pois, de instituir uma “dupla citação”, mas de prever uma espécie de segurança e certeza na consumação do efetivo conhecimento pelo réus dos elementos essenciais do ato – cfr. Cons. Lopes do Rego, “Comentários ao Código de Processo Civil”, Vol. I (anotação ao art. 241, atual art. 233).
Sendo assim, a recorrente não podia, como alega, “ter confiado na contagem do prazo a partir desta data para deduzir a referida oposição”, precisamente porque não dispunha de apoio legal. A contagem do prazo para contestar feita pela recorrente a partir da data em que recebeu a carta a que alude o art. 233 do Código de Processo Civil, não cumpre a declaração que a mesma emite.
Por outro lado, como bem refere a decisão recorrida, se a notificação a que alude o art. 233 do Código de Processo Civil foi feita após o prazo que prevê, constituindo um prejuízo para a defesa da citada, a sua arguição deveria ter sido feita nos próprios autos de execução e não na presente ação de oposição.
De qualquer modo, sempre se dirá, que de acordo com a jurisprudência maioritária, só a total preterição daquela formalidade gera a nulidade referida no art. 191 nºs 1 e 4 do Código de Processo Civil – cfr. Acs. do Tribunal da Relação de Lisboa de 8-5-2008 e de 2-7-2009, ambos em www.dgsi.pt., situação que não se configura nos autos.
Nesta conformidade, retirando-se dos autos de execução que a Executada foi citada através de carta registada com aviso de receção, em 23 de Dezembro de 2014, na pessoa de terceiro (ref.ª 431175 do p. e. dos autos de execução) e dispondo do prazo de defesa de vinte dias, acrescida de uma dilação de dez dias – arts. 728 nº 1 e 245 nº1 al. a) do Código de Processo Civil – a oposição entrada em 16-2-2015 é sobejamente extemporânea.

Decisão:
Nos termos expostos, decide-se negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.
(Texto escrito e revisto pela relatora, que assina e rubrica as restantes folhas)

Évora, 21-1-2016
Assunção Raimundo
Luis Mata Ribeiro
Sílvio de Sousa