Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1432/07-1
Relator: GUILHERMINA DE FREITAS
Descritores: JOGO DE FORTUNA E AZAR
Data do Acordão: 03/04/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
O elemento diferenciador entre jogo de fortuna ou azar e modalidade afim radica nas “operações oferecidas ao público”, existentes nas modalidades afins e inexistentes no jogo de fortuna ou azar. Ou seja, nas modalidades afins pressupõe-se sempre a procura e oferta ao público pelas respectivas promotoras e não a mera colocação dos jogos em estabelecimentos para o efeito, em que o público aí se dirige para a respectiva prática.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório
1. No Tribunal Judicial de …, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção de tribunal singular, o arguido A. ..., acusado da prática, em concurso real, de dois crimes de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art. 108º do Dec. Lei n.º 422/89 de 02.12, na redacção conferida pelo Dec. Lei n.º 10/95 de 19.01.
2. Realizado o julgamento veio o arguido a ser absolvido da prática de um dos crimes de exploração ilícita de jogo e condenado pela prática de outro na pena de 2 meses de prisão, substituída por multa, à razão diária de € 6, e em 30 dias de multa, à mesma taxa diária.
3. Inconformado com a decisão, dela recorreu o MºPº, extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
1. O Ministério Público vem recorrer do segmento da sentença na parte que absolveu o arguido A. …. da prática, como autor material, de 1 (um) crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108.º, n.º 1 do DL n.º 422/89, de 2 de Dezembro, enquadrando tais factos na contra-ordenação, p. e p. pelos artigos 159.º, 160.º, n.º 1, 161.º, n.º 3 e 163.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, cujo procedimento respectivo foi declarado extinto por prescrição, nos termos do disposto no artigo 27.º, alínea b) do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, por referência ao n.º 1 do artigo 17.º do mesmo diploma legal;

2. Considerando que a máquina descrita nos pontos 3) a 11) dos factos dados como provados “depende apenas da energia do utilizador-jogador, aproximando-se mais das operações oferecidas ao público através de rifas, em que há um ou vários prémios previamente definidos, determinados ou “oferecidos”, a que concorre um número indeterminado de interessados” e que “a oferta de operações não carece de ser feita através de publicidade, podendo resultar da colocação do jogo em “lugar visível” de um qualquer estabelecimento comercial”, a Mma. Juiz a quo entendeu que a exploração da referida máquina constitui mera contra-ordenação, punida com coima de Esc. 50.000$00 a Esc. 500.000$00, nos termos dos artigos 159.º, 160.º, n.º 1, 161.º, n.º 3 e 163.º, n.º 1 do DL n.º 422/89, de 2 de Dezembro, o que determinou que a mesma absolvesse o arguido da prática de 1 (um) crime de exploração ilícita de jogo;

3. O DL n.º 422/89, de 2 de Dezembro, veio estabelecer no seu art.1º que os jogos de fortuna ou azar são precisamente “aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte” (sublinhado nosso);

4. Nesta medida, não estão excluídos, à partida, jogos que dependam, em certa medida, da perícia ou habilidade do jogador, pelo que tudo está em que o resultado (o ganhar ou perder) de tais jogos seja decidido, ou dependa em última instância, de algo que apenas a sorte pode ditar e que a perícia, a inteligência ou a habilidade do jogador não pode controlar;
5. Além desta noção geral consagrada no artigo 1.º, o artigo 4.º, n.º 1 do mesmo diploma legal prevê um enunciado, de carácter não taxativo, de tipos de jogos de fortuna ou azar, neles incluindo, por exemplo, “jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte” [cfr. alínea g) deste normativo];
6. Prescrevendo-se, ainda, como regra geral que todos esses jogos somente podem ser explorados nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário, ou noutros locais especialmente autorizados, mediante concessão do Governo a empresas constituídas sob a forma de sociedades anónimas, já que o direito de explorar esses jogos é legalmente reservado ao Estado (cfr. artigos 3.º, 6.º, 8.º e 9.º do DL n.º 422/89);
7. O DL n.º 10/95, de 19 de Janeiro, que veio alterar o DL n.º 422/89, manteve, no entanto, o olhar ambivalente do legislador sobre o jogo de fortuna ou azar, criando um enquadramento jurídico-penal que teve em vista a melhoria das condições de exploração legal desta actividade e a repressão eficaz das infracções à lei do jogo. Este diploma legal, passou a incluir a regulamentação revista do DL n.º 422/89 de toda a matéria relativa a modalidades afins de jogos de fortuna ou azar, revogando totalmente o DL n.º 48.912, então ainda vigente nesta parte;
8. Deste modo, perante o que passou a prescrever o artigo 159.º, n.º l do DL n.º 422/89, reformulado pelo citado DL n.º 10/95, “modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico”, acrescentando o n.º 2 que são abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, “rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos” (sublinhados nossos);
9. A exploração de tais modalidades afins depende de autorização (artigo 160.º), sob pena de ser punida com coima, a título de contra-ordenação (artigo 163.º), estando vedada, em princípio, a entidades com fins lucrativos (artigo 161.º, n.º l);
10. Não pode deixar de se salientar que, de acordo com o que passou a estabelecer o artigo 161.º, n.º 3, as modalidades afins não podem desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, exemplificando-se, além do mais, com os casos do póquer, roleta, dados, bingo, lotaria, totobola e totoloto;
11. Nesta medida, dispõe o artigo 108.º do DL 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 10/95, de 19 de Janeiro que: “1. Quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com pena de prisão até dois anos e multa até 200 dias. 2. Será punido com a pena prevista no número anterior quem for encarregado da direcção do jogo, mesmo que não a exerça habitualmente, bem como os administradores, directores, gerentes, empregados e agentes da entidade exploradora”;
12. Referidos os elementos objectivos do tipo de crime de exploração ilícita de jogo, podemos dizer que não é pressuposto do mesmo que o jogador tenha ganho ou perda de natureza económica consoante o resultado do jogo, porquanto o legislador quis prevenir o mero perigo de isso se poder verificar (cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 24 de Maio de 1995);
13. Sendo contingente o resultado, quer na exploração de jogos de fortuna ou azar, quer nas modalidades afins, por depender, principal ou exclusivamente, da sorte, conclui-se não ser a aleatoriedade do resultado o que permite distinguir estes jogos;
14. O critério de “prémios previamente fixados” nas modalidades afins de jogos de fortuna ou azar e “prémios não previamente fixados” nos jogos de fortuna ou azar, podendo ser tendencialmente correcto, não é exacto, na medida em que há jogos de fortuna ou azar que não pagam prémios em fichas ou moedas e nem por isso deixam de ser classificados como tais, não se podendo, assim, falar de prémios previamente fixados, nem de prémios não previamente fixados;
15. Outrossim, o verdadeiro elemento diferenciador radica nas “operações oferecidas ao público”, existentes nas modalidades afins e inexistentes no jogo de fortuna ou azar propriamente dito. Isto é, nas modalidades afins (em cuja definição o legislador seguiu técnica análoga à dos exemplos-padrão, combinando uma cláusula geral abrangente com uma enumeração exemplificativa de modalidades que concretizam o conceito-base;
16. Ora, fazendo apelo aos critérios delimitadores do conceito de jogo de fortuna ou azar é por demais evidente que os factos dados como provados na sentença proferida pelo Tribunal a quo se subsumem a esta figura e não à das suas modalidades afins;
17. Em primeiro lugar, a pontuação da máquina de jogo em apreço depende exclusivamente da sorte, muito embora bastasse que a mesma dependesse fundamentalmente da sorte (cfr. artigo 1.º do DL n.º 422/89, na redacção dada pelo DL n.º 10/95);
18. Nesta medida, também a alínea g) do n.º 1 do artigo 4.º do mesmo diploma legal se encontra preenchida, na medida em que este jogo era desenvolvido por uma máquina que, como já se disse, apresentava como resultado uma pontuação exclusivamente dependente da sorte;
19. E, salvo o devido respeito, não se vê com que fundamento a Mma. Juiz a quo sustentou a sua decisão, nomeadamente, na necessidade de ter de se fazer apelo ao critério de máquina, considerando que a dos autos por depender “apenas da energia do utilizador-jogador” não pode enquadrar o conceito de máquina automática tal como é definido na Portaria n.º 817/2005, de 13 de Setembro;
20. É certo que as máquinas de jogo de fortuna ou azar exploradas no casino são máquinas automáticas, contudo nada na lei refere que apenas estas máquinas – as automáticas – integram a previsão do crime de exploração ilícita de jogo, ao que acresce o facto do referido artigo 4.º do DL n.º 422/89 conter um elenco meramente exemplificativo dos jogos que podem ser considerados como de fortuna ou azar;
21. Já quanto ao argumento aduzido pela Mma. Juiz a quo, referente ao facto de haver “um ou vários prémios previamente definidos, determinados ou “oferecidos”, a que concorre um número indeterminado de interessados”, parece que o mesmo também não pode proceder atenta a sua inexactidão, uma vez que não é pelo facto dos jogos não pagarem prémios em dinheiro ou em fichas que deixam de ser ilegais;
22. Acresce que, o jogo em análise, não tinha apenas como prémios os canivetes que se encontravam expostos, mas também várias quantias em dinheiro, sendo que quem tirasse a última cápsula ganharia um prémio extra no valor de € 60,00, o que, atento o disposto no artigo 159.º, n.º 1 do DL n.º 422/89, que refere que os prémios das modalidades afins são coisas com valor económico, impede desde logo que aquele fosse qualificado como modalidade afim;
23. Finalmente, a relevância dada pela Mma. Juiz a quo ao elemento que, quanto a nós, é determinante para fazer a delimitação do conceito de jogo de fortuna ou azar não foi, salvo o devido respeito, a mais precisa e rigorosa, pois ao limitar-se a afirmar que “a oferta de operações não carece de ser feita através de publicidade, podendo resultar da colocação do jogo em “lugar visível” de um qualquer estabelecimento comercial”, fez uma interpretação deste critério ao arrepio da construção jurisprudencial que tem vindo a ser defendida pelos nossos Tribunais Superiores e que nós perfilhamos, que entende que as operações oferecidas ao público pressupõem “sempre a procura e oferta ao público pelas respectivas promotoras” não bastando “a mera colocação dos jogos m estabelecimentos para o efeito, em que o público aí se dirige para a respectiva prática”;
24. Nesta conformidade, é por demais evidente que a máquina em questão desenvolve um jogo de fortuna ou azar, tal como o mesmo se encontra definido na alínea g) do n.º 1 do artigo 4.º do DL n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 10/95;
25. Termos em que por ter violado o disposto nos artigos 1.º e 4.º, n.º 1, alínea g) do DL n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 10/95, de 19 de Janeiro, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que condene o arguido pela prática de 1 (um) crime de exploração ilícita de jogo.

Pelo exposto, deverá ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida na parte que absolveu o arguido da prática de um crime de exploração ilícita de jogo, que deve ser substituída por outra que o condene pela prática do mesmo.
Assim decidindo, farão V. Ex.ªs a costumada

JUSTIÇA!”
4. Admitido o recurso, foi notificado o arguido, o qual não apresentou resposta.
5. Nesta Relação, o Digno Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento.
6. Notificado o arguido, nos termos do disposto no nº 2 do art. 417º do Código de Processo Penal, nada disse.
7. Foram colhidos os vistos legais.
8. Procedeu-se a julgamento, com observância do legal formalismo, cumprindo, agora, apreciar e decidir.

II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
É pacífica a jurisprudência do S.T.J. no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, do conhecimento das questões oficiosas (artº 410º nº 2 e 3 do C.P.Penal).
Uma única questão é suscitada pelo recorrente e sobre ela deverá este tribunal pronunciar-se que é a de saber se a máquina descrita nos pontos 3 a 11 dos factos provados desenvolve um jogo de fortuna ou azar, devendo o arguido ser condenado pela prática do segundo crime de jogo ilícito pelo qual vinha acusado, ou se, pelo contrário, deverá integrar-se nas modalidades afins, dando lugar a sua exploração não autorizada à prática de uma contra-ordenação, que no presente caso se encontra prescrita, conforme foi considerado na sentença recorrida.
2. A decisão recorrida
Na sentença recorrida foram dados como provados os factos seguintes:
1) O arguido explorava o café…, sito …
2) No dia 21 de Outubro de 2002, pelas 18h40, no referido café «… », o arguido tinha para utilização dos seus clientes duas máquinas de jogo.
3) Uma delas é composta por um extractor de cápsulas de um só corpo, em formato rectangular e de estrutura metálica em cor verde.
4) A metade frontal superior e as paredes laterais são em acrílico transparente, contendo no seu interior um número indeterminado de cápsulas ovais em plástico de diversas cores.
5) Junto a esta máquina estava um cartaz com a denominação «Dinâmico» e um cartaz expositor, em cartão, com dezassete navalhas e um mealheiro.
6) No primeiro terço do cartaz com a denominação «Dinâmico», é visível um quadro, com o fundo em amarelo, com 25 pequenos rectângulos, contendo em cada um dos números em 4 dígitos, todos terminados em 5. Está manuscrito o número 3, com uma seta na direcção do quadro.
7) No terço médio do cartaz, em fundo branco, está o plano de prémios: 1x35 pontos; 8x25 pontos; 2x10 pontos; 19x5pontos e 25x3pontos. Tal significa que o jogo atribui um prémio de € 35; 8 de € 25; 2 de € 10; 19 de € 5 e 25 de € 3.
8) No terço inferior do cartaz, está um quadro em fundo laranja, dividido em 30 pequenos rectângulos, picotados, exibindo em cada um números de 4 dígitos, todos terminados em 0. Abaixo do quadro é mencionado «Remate final – 60 pontos», o que significa que a extracção da última cápsula dá direito a um prémio de € 60.
9) Este jogo funciona do seguinte forma: o jogador introduz uma moeda de 50 cêntimos no receptáculo existente no aparelho extractor, roda o manípulo até desbloquear e recebe uma cápsula oval, dentro da qual se encontram três senhas.
10) O teor das senhas é depois confrontado com o constante nos cartazes, do que pode resultar:
- o número constante das senhas não coincidir com nenhum dos números exibidos nos cartazes, o jogador nada ganha;
- o número constante das senhas coincidir com um dos exibidos no quadro amarelo do cartaz de números, ganhando o jogador um prémio de € 3;
- o número constante das senhas coincidir com um dos exibidos no quadro laranja do cartaz de números, devendo ser retirado o rectângulo pelo picotado, ficando a descoberto o valor do prémio monetário ganho pelo jogador, que oscila entre € 5 e € 35;
- se a senha obtida contiver um número com dois dígitos, o jogador ganha um prémio constante do cartaz de prémios.
11) O funcionamento do jogo implica que o jogador aposte dinheiro na esperança de ganhar um prémio em dinheiro ou em espécie, dependendo o resultado exclusivamente da sorte e não da perícia ou destreza do jogador.
12) A outra máquina que o arguido tinha no seu estabelecimento apresenta a designação «Mini Show», é constituída por um móvel, com estrutura metálica, de cor cinzenta.
13) Na parte frontal a máquina apresenta dois mostradores, um de 3 dígitos, que regista os créditos inseridos pelos jogadores, e outro de 5 dígitos que assinala os créditos ganhos, de acordo com a aposta feita e a combinação premiada obtida.
14) Na parte superior da máquina, ao lado direito, encontra-se uma ranhura para a introdução de moedas, tendo ao lado um botão vermelho (recuperador de moedas) e sob a ranhura um recipiente para moedas não aceites.
15) Ao nível do visor central da máquina estão 5 pequenos círculos, cada um com uma luz no meio e por debaixo deles um pequeno mostrador, que apresenta na base 4 pares de luzes de cores diferentes. Nesses mostradores surgem, com o desenrolar do jogo, números de 1 a 13, ou um asterisco, concomitantemente ao acender de um dos quatro pares de luzes.
16) Na base da máquina situa-se uma consola de comandos, com 5 botões de cor amarela, identificados pela palavra «STOP» e uma tecla de cor verde, identificada com a palavra «START».
17) A máquina é ligada à corrente eléctrica, introduz-se uma moeda de € 0,50 e a máquina proporciona 10 créditos por moeda de € 0,50.
18) Pressiona-se o primeiro botão amarelo, ao lado do verde, para decidir o número de créditos a apostar e prime-se o botão verde, surgindo automaticamente em cada um dos 5 mostradores números de 1 a 13, ou um asterisco que substitui qualquer um deles, acendendo-se por debaixo dos mesmos um par de luzes.
19) O número 1 corresponde ao Às, o 13 ao Rei, o 12 à Dama, o 11 ao Valete e os restantes às demais cartas do baralho. Os quatro pares de luzes, de cores diferentes, correspondem aos quatro naipes que constituem o baralho – copas, ouros, paus e espadas.
20) O jogador usa as teclas «STOP» para fixar os números e cor que pretender para conseguir uma combinação premiada.
21) O jogo processa-se associando os números exibidos à luzes coloridas debaixo deles, onde poderão resultar combinações premiadas como no vídeo- poker- por exemplo, a sequência (9-8-7-6-5), o trio (4-4-4-7-3), etc.
22) Se a combinação não é conseguida, o jogador perde o valor apostado.
23) Os créditos ganhos pela obtenção de combinações premiadas surgem no mostrador da máquina.
24) Se o jogador não obtiver prémio, retoma o jogo com os pontos que tiver em crédito, ou, não os tendo, introduzindo mais moedas na máquina.
25) A máquina aceita um número indeterminado de moedas de € 0,50. Aceita de 1 a 50 apostas em cada jogada, podendo o jogador apostar entre € 0,05 e € 2,50 por jogada.
26) A velocidade do jogo é igual das máquinas de vídeo-poker dos casinos, podendo o jogador perder várias dezenas de euros por minuto, caso aposte no máximo e perca.
27) O objectivo do jogo é a obtenção de combinação de cores e números, resultante do accionamento dos botões da máquina e dependendo unicamente da sorte e do acaso, e não da perícia ou destreza do jogador.
28) No interior desta máquina encontravam-se 15 moedas de € 0,50.
29) Ambas as máquinas se destinavam ao uso dos clientes do estabelecimento onde se encontravam.
30) As máquinas desenvolvem jogos que consistem na aplicação de dinheiro na esperança de ganhar mais dinheiro ou outros prémios, em resultado de combinações obtidas exclusivamente por sorte.
31) O arguido conhecia as características das máquinas, bem como dos jogos por elas desenvolvidos, tendo pretendido obter lucro através da sua exploração, sabendo que tal não lhe era permitido.
32) O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, conhecendo o carácter reprovável das sua condutas
33) O arguido vive com a mulher e dois filhos.
34) Aufere mensalmente cerca de € 500.
35) Actualmente já não explora qualquer estabelecimento de café.
36) Tem o 4º ano de escolaridade.
37) Não tem antecedentes criminais.
Quanto aos factos não provados, ficou consignado na sentença:
“Não se provou que:
- O arguido recebia as quantias colocadas nas máquinas.”
Relativamente à fundamentação da decisão de facto, ficou expresso:
“O decidido funda-se em todos os meios de prova produzidos em audiência, valorados na sua globalidade.
No que se refere aos factos provados, o decidido funda-se desde logo nas declarações do arguido, que admitiu a quase totalidade dos factos, confirmando que efectivamente conhecia a forma de funcionamento dos jogos em causa e que o resultado dos mesmos dependia exclusivamente da sorte.
O arguido afirmou, no entanto, que não sabia que não podia explorar tais máquinas no seu estabelecimento, embora afirmasse que teve um “palpite” de que tal não poderia ser feito. No decurso das suas declarações acabou por admitir que efectivamente sabia que se tratavam de jogos de “batota”, que só poderiam ser praticados nos casinos.
Face ao teor de tais declarações, o tribunal ficou convencido que o arguido sabia efectivamente que a exploração dos jogos que efectuava não era autorizada no seu estabelecimento, mas fê-lo porque, de acordo com as suas palavras, pretendia ganhar mais algum dinheiro.
O tribunal valorou ainda o relatório pericial de fls. 67 a 78 dos autos.
Relativamente ao facto não provado, o decidido funda-se na circunstância de não ter sido feita prova acerca da verificação do mesmo.
Com efeito, o arguido negou que fosse ele a recolher o dinheiro das máquinas, mas sim um individuo que lá o iria recolher e depois lhe daria uma parte.
Não tendo sido produzida qualquer outra prova a esse respeito, ao tribunal não restou senão considerar tal facto como não provado.
A ausência de antecedentes criminais do arguido resultou provada face ao teor do documento de fls. 118.
As condições pessoais do arguido resultaram provadas face ao teor das suas próprias declarações.”
3. Analisando
Dispõe o artº 108º nº 1 do Dec. Lei 422/89 de 2/12, na redacção do Dec. Lei 10/95 de 19/1, que “Quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias.”
O artº 1º do citado Dec. Lei esclarece que jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.
E de acordo com o artº 4º al. g) do mesmo diploma legal constitui jogo de fortuna ou azar aquele que é desenvolvido em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
Por sua vez no nº 1 artº 159º do referido Dec. Lei definem-se as modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar como sendo as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas de valor económico.
No nº 2 do mesmo preceito estabelece-se que são abrangidos pelo disposto no número anterior, nomeadamente, rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos.
Estas modalidades afins estão dependentes de autorização do membro do Governo responsável pela administração interna, nos termos do artº 160º, qualificando-se como contra-ordenações as violações do disposto nos artºs 160º a 162º.
Ora, o elemento diferenciador entre jogo de fortuna ou azar e modalidade afim radica nas “operações oferecidas ao público”, existentes nas modalidades afins e inexistentes no jogo de fortuna ou azar. Ou seja, nas modalidades afins pressupõe-se sempre a procura e oferta ao público pelas respectivas promotoras e não a mera colocação dos jogos em estabelecimentos para o efeito, em que o público aí se dirige para a respectiva prática.
No caso dos autos dúvidas não existem que a máquina apreendida, descrita nos pontos 3 a 11 dos factos provados, desenvolve um jogo cujo resultado não está dependente da perícia do jogador, mas da sorte e, encontrando-se a mesma em estabelecimento aberto ao público, onde se dirigem os interessados, não integra a modalidade de “operação oferecida ao público”, na qual o promotor é que vai junto do público oferecer o jogo.
Estamos, assim, perante um jogo de fortuna ou azar e não perante modalidade afim, conforme foi considerado na sentença recorrida, pelo que, deverá ser o arguido condenado pela prática do outro crime de exploração ilícita de jogo, pelo qual se encontrava acusado, e em relação ao qual foi absolvido.
Relativamente à pena a impor ao arguido, tendo em atenção a moldura penal abstracta prevista para o ilícito em questão – prisão de 1 mês a 2 anos e multa de 10 a 200 dias - face ao circunstancialismo apurado, entendemos como adequada a pena fixada para o outro crime de exploração ilícita de jogo pelo qual o arguido foi condenado, ou seja, 2 meses de prisão, substituídos por multa, à taxa diária de € 6, e 30 dias de multa, à mesma taxa diária.
Em cúmulo jurídico destas duas penas parcelares, nos termos do disposto no artº 77º do C. Penal, deverá o arguido ser condenado numa pena única de 3 meses de prisão, substituídos por multa, à taxa diária de € 6 e em 45 dias de multa, à mesma taxa diária.

III. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Criminal da Relação de Évora, em conceder provimento ao recurso interposto pelo MºPº, revogando-se a decisão recorrida na parte em que absolveu o arguido da prática de um crime de exploração ilícita de jogo, condenando-se o mesmo pela prática de um crime p. p. pelo artº 108º nº 1 do Dec. Lei 422/89 de 2/12 na pena de 2 (dois) meses de prisão, substituídos por multa, à taxa diária de € 6 (seis euros) e em 30 (trinta) dias de multa, à mesma taxa diária.
Em cúmulo jurídico desta pena parcelar com aquela que lhe foi fixada na decisão recorrida pela prática do outro crime de exploração ilícita de jogo, condenam o arguido na pena única de 3 (três) meses de prisão, substituídos por multa, à taxa diária de € 6 (seis euros) e em 45 (quarenta e cinco) dias de multa, à mesma taxa diária.
Em tudo o mais mantêm o decidido em 1ª instância.

Sem custas.
Honorários a favor do ilustre defensor oficioso interveniente em audiência de julgamento, de harmonia com a tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro.

Évora, 04 de Março de 2008
(Processado e revisto pela relatora, a primeira signatária)

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Maria Guilhermina Vaz Pereira Santos de Freitas

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Carlos Jorge Viana Berguete Coelho

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Frederico João Lopes Cebola

Notas:
Cfr:
Acórdão do STJ de 28/11/2007 em www.dgsi.pt/stj nº =7P3186;
Acórdão do TRE de 11/07/2006, agora, em www.dgsi.pt/tre Proc. nº 1254/06-1
Acórdão do TRE de 13/02/2007, em CJ ano XXXII, 2007, tomo I, pág.258;
Acórdão do TRE de 19/10/1999, CJ XXIV- 1999, tomo IV pág 296;
Acórdão do TRL de 21/03/06 CJ XXXI, 2006, tomo II, pág. 120;
Acórdão do TRL de 26/10/2005, CJ ano XXX, 2005, tomo IV, pág. 147;
Acórdão do TRL de 10/02/2005, CJ XXX, 2005, tomo I, pág 141;
Acórdão do TRL de 21/05/2002, CJ XXVII, 2002, tomo III, pág 12;
Acórdão do TRP de 07/02/07, CJ XXXII, 2007, tomo I, pág 209.
Chambel Mourisco