Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2195/17.5T8STR-A.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: AUDIÊNCIA DE PARTES
FALSIDADE DA ATA
AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
NÃO JUNÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
PRAZO PEREMPTÓRIO
CONDENAÇÃO
RETRIBUIÇÃO ILÍQUIDA
Data do Acordão: 09/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMDA
Sumário: I – Tendo a recorrente estado presente, através da sua mandatária, na audiência de partes e sido notificada no final da respectiva acta, caso entendesse que esta não correspondia totalmente ao verificado nessa audiência, devia, conforme preceitua o n.º 1 do artigo 199.º do Código de Processo Civil, ter arguido a nulidade da acta enquanto a audiência não terminasse, sendo extemporânea tal arguição apenas no recurso interposto da decisão final;
II – Em acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, frustrada a tentativa de conciliação, deve o empregador, cumulativamente, e no prazo de 15 dias, (i) apresentar articulado a motivar o despedimento e (ii) juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas;
III – A não junção do procedimento disciplinar, no prazo, peremptório, de 15 dias, tem como consequência a declaração da ilicitude do despedimento;
IV – Não pode assacar-se à sentença recorrida o vício de nulidade, por falta de fundamentos de facto e de direito e por excesso de pronúncia, se face à não junção do procedimento disciplinar o tribunal declarou de imediato a ilicitude do despedimento e, em conformidade com o pedido reconvencional do trabalhador, que não foi objecto de resposta por parte da empregadora, condenou esta na reintegração daquele e no pagamento das retribuições intercalares;
V – Quanto a estas, a condenação é no pagamento das retribuições ilíquidas, mas sobre as mesmas deverão incidir os descontos legais, maxime as retenções na fonte (IRS, Segurança Social), a efectuar pela entidade empregadora, que terá que as entregar às entidades respectivas, pelo que a quantia a entregar/pagar, efectivamente, ao trabalhador será a apurada depois de efectuados esses descontos legais.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2195/17.5T8STR-A.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
BB (Autor/recorrido) apresentou, em 03-08-2017 e no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Juízo do Trabalho de Santarém – Juiz 2), formulário a que aludem os artigos 98.º-C e 98.º-D, do Código de Processo do Trabalho (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro), em que declarou opor-se ao despedimento promovido por Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de CC (Ré/recorrente) requerendo, subsequentemente, a declaração de ilicitude ou de irregularidade do mesmo, com as devidas consequências.

Após vicissitudes processuais que ora não relevam foi em 01-03-2018 designada a data para a audiência de partes, tendo desde logo a Ré sido citada com a advertência que, caso não comparecesse àquela, ficava notificada de que tinha o prazo de 15 dias a contar da data da audiência de partes para «(…) apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas, sob a cominação de ser declarada a ilicitude do despedimento d[o] trabalhador[] – artigos 98.º-G, n.º 1, al. a), 98.º-I, n.º 4, al. a) e 98.º-J, n.º 3, todos do Código de Processo de Trabalho».
Realizada a audiência de partes em 14-03-2018, da mesma ficou a constar, no essencial, o seguinte:
Declarada aberta audiência pela I. mandatária da empregadora foi dito que entende que o trabalhador foi corretamente despedido e que o processo disciplinar cumpre todas as formalidades legais e exigíveis, não havendo nesta fa[s]e a possibilidade de acordo.
Pelo I. mandatário do trabalhador foi dito que entende que não foram cumpridas as formalidades legais pelo que este despedimento é ilícito.
Após foi tentada a conciliação das partes, o que não se mostrou possível.
Seguidamente a Sr.ª Juiz proferiu o seguinte DESPACHO:
Tendo-se frustrado a tentativa de conciliação, determino que se notifique a empregadora para no prazo de 15 dias apresentar o articulado que motivou o despedimento, bem como para apresentar os documentos comprovativos do cumprimentos das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas, com as cominações previstas no artigo 98.º-J, n.º 3 do Código de Processo de Trabalho.
Com concertação de agendas, para a realização de audiência de discussão e julgamento designa-se o dia 28 de Abril de 2018, pelas 14 horas.
Do presente despacho foram os presentes notificados, do que disseram ficar cientes
(…)».
Posteriormente procedeu-se à rectificação da referida acta, no sentido da data que aí constava de 28 de Abril de 2018 para audiência final passar a constar 28 de Maio de 2018.

Em 28-03-2018 a Ré/empregadora apresentou contestação, na qual protestou juntar, através de remessa via CTT, o procedimento disciplinar que instaurou ao trabalhador e que culminou com o seu despedimento.

O Autor/trabalhador contestou o articulado da empregadora, sustentando, entre o mais e no que aqui importa, que deve o despedimento ser de imediato declarado ilícito uma vez que com o articulado motivador do despedimento não foi junto o procedimento disciplinar.

A Ré/empregadora não respondeu ao referido em articulado.

Em 18-05-2018 foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor:
«Em face do exposto decide-se julgar a ação procedente e, em consequência:
1. Declara-se a ilicitude do despedimento de BB;
2. Condena-se a empregadora ASSOCIAÇÃO HUMANITÁRIA DOS BOMBEIROS DE CC a:
2.1. Reintegrar o trabalhador BB, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
2.2. A pagar ao trabalhador todas as retribuições que o mesmo deixou de auferir desde 14 de julho de 2017 até à data do trânsito em julgado da presente sentença, as quais incluem todas as quantias que o mesmo auferiria se estivesse a trabalhar, nomeadamente, retribuição base e diuturnidades, proporcionais de subsídio de férias e de natal, subsídio de isenção de horário, subsídio de refeição e prémio de risco que, até à data da apresentação do articulado do trabalhador se cifravam em € 22 205,75 (vinte e dois mil, duzentos e cinco euros e setenta e cinco cêntimos), acrescidas de juros de mora à taxa legal de 4% até integral pagamento.
Custas pela empregadora.
Valor: € 22 205,75 (vinte e dois mil, duzentos e cinco euros e setenta e cinco cêntimos)».
Para tanto, na fundamentação da sentença escreveu-se:
«No caso em apreço, a empregadora não juntou o procedimento disciplinar nem os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas.
Nos termos da disposição legal citada não basta juntar aos autos o articulado. É o que resulta do elemento literal da norma, que prevê a declaração de ilicitude do despedimento como consequência para a falta de junção do articulado ou para a falta de junção dos documentos.
Consequentemente impõe-se, ao abrigo do citado n.º 3 do artigo 98.º-J, proferir sentença, declarando a ilicitude do despedimento de que foi alvo o trabalhador e, uma vez que o mesmo optou pela reintegração, condenar a empregadora a reintegrar o trabalhador e a pagar as retribuições que o mesmo deixou de auferir desde a data do despedimento – 14 de julho de 2017 - até trânsito em julgado da presente sentença, as quais incluem todas as quantias que o mesmo auferiria se estivesse a trabalhar, nomeadamente, retribuição base e diuturnidades, proporcionais de subsídio de férias e de natal, subsídio de isenção de horário, subsídio de refeição e prémio de risco.
Tais quantias são devidas até trânsito em julgado da presente sentença já que a data do termo do contrato (17/11/2019), ocorrerá em momento posterior àquele trânsito [cf. artigo 98.º-J, n.º 3 do Código de Processo de Trabalho e 393.º, n.º 2, al. a) do Código do Trabalho]».

Em 23-05-2018 a Ré apresentou requerimento ao tribunal, no qual alegou, no essencial, que até à audiência final – que se encontrava designada para 28-05-2018 – tinha a possibilidade de juntar o procedimento disciplinar e, se bem se depreende, que não juntou o mesmo antes por alguns documentos se encontrarem em poder do Autor.
E concluiu assim o requerimento:
Nestes termos e nos demais de direito aplicável vem a Autor[a] requerer:
1. A junção de documentação enviada via CTT, pois justificou o real impedimento para a sua anterior junção.
2. Que sejam reanalisados os documentos carreados no presente requerimento, nomeadamente a carta de demissão, entre outros factos que importam ser valorados e reconhecidos em sede de sentença, e para apuramento de valores».

Em 28-05-2018, a Ré interpôs recurso da sentença, tendo desde logo arguido, expressa e separadamente, a nulidade da mesma.
A terminar as alegações formulou as seguintes conclusões:
«I- A sentença não especifica os fundamentos de direito e de facto que justificam a decisão, é nula, assim o determina o art.º 615 do C.P.C. n.º 1 b), em concatenação com o artigo 608.°, n.º 2, 607.°, n.º 4, 615.°, todos do Código de Processo Civil.
II- A sentença recorrida violou assim, por erro de interpretação e aplicação, por ir ainda mais além condenação extra vel ultra petitum, prevista no art.º 74° do CPT; que constituiria excesso de pronúncia, pois devido ao pedido de demissão do proprio trabalhador, a reintegração nunca poderá ocorrer, além de que os valores peticionados não correspondem aos valores auferidos pelo trabalhador se este estivesse a exercer as suas funções, visto que não foram efectuadas as deduções fiscais e ainda esteve aquele em baixa médica.
III- A Acta não cumpre todos os requisitos previstos no art.º 98º-I do CPT (Audiência de partes), pois o autor não expôs sucintamente os fundamentos de facto e de direito da sua pretensão, nem o réu lhe respondeu, não podendo o Meritíssimo Juiz procurar conciliar as partes, quando os fundamentos de facto e de direito não foram apresentados por qualquer uma das partes presentes; e não designou data em que pudesse a referida audiência de julgamento ser realizada;
IV- De tal modo a referida Ata de Tentativa de Conciliação que não espelha a realidade dos factos, sendo nula por violação da aI.) b) do n.º 4 do artº 98.º-I do CPT.
V- Se por um lado, a junção do procedimento disciplinar visa essencialmente permitir ao trabalhador a sua defesa em pleno tendo amplo conhecimento dos factos que lhe são imputados pelo despedimento, tal requisito encontra-se preenchido e documentalmente provado, com perfeito conhecimento quer do apelado, quer do juiz "a quo, além dei que o n.º 3 do art.º 98J do CPT, tem de ser lido literalmente, sendo que a conjunção coordenativa utilizada é alternativa, pelo que tendo sido apresentado o articulado motivador tempestivamente, o referido tem de ser aceite e analisado, destarte, impede por consequência a declaração de ilicitude no despedimento, além de que,
VI- Até à data de audiência, em última instância, tem a Recorrente possibilidade de juntar os documentos que protestara juntar tendo justificado a impossibilidade de juntar atempadamente, por intervenção de terceiros que “desviaram” documentação própria do processo disciplinar.
VII- Sendo considerado o justo impedimento deve a audiência de julgamento realizar-se seguindo-se os demais tramites legais.
Termos em que deve o presente ser considerado procedente por devidamente provado e fundamentado, e consequentemente deve ser revogada: a douta Sentença, devendo por consequência ser declarada nula, assim como a respectiva acta de audiência de partes e, caso assim não se entenda o justo impedimento justificado pela apresentação posterior do procedimento disciplinar, com a designação de audiência de julgamento e com a subsequente tramitação legal.
Fazendo-se assim a costumada justiça por VOSSAS EXCELÊNCIAS».

Contra-alegou o Autor, a pugnar pela improcedência do recurso, assim concluindo:
«1-Não merece qualquer reparo a douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz, a qual foi proferida em conformidade com as normas aplicáveis a este tipo de processo, em concreto em estrita observância e cumprimento pelo estipulado no art.º 98.º-J n.º 3 do C.P.T., sendo que jamais poderia ter sido outra a sentença, atento o que consta, ou, a bem da verdade, não consta, dos autos.
2- A R. recorrente não deu qualquer cumprimento ao disposto no art.º 98.º J n.º 3 do C.P.T. e tão pouco sequer apresentou qualquer réplica, isto é, não apresentou qualquer resposta à reconvenção.
3- Não poderia de forma alguma o Meritíssimo Juiz a quo proferir qualquer oura sentença que não aquela que foi proferida, isto é aplicar o disposto no art.º 98.ºJ n.º 3 do C.P.T. e declarar a ilicitude do despedimento do A. com todas as legais e devidas consequências e condenar a R. recorrente nos termos em que condenou.
4 – Carece pois o presente recurso de todo e qualquer fundamento legal sendo o mesmo manifestamente infundado pelo que se requer que seja sobre o mesmo proferida decisão sumária nos termos do disposto no art.º 656.º do C.P.C.
5 – Não é admissível que a R. recorrente faça as afirmações que faz nas suas alegações, afirmações essas que se traduzem numa deturpação da realidade e alteração da verdade: a audiência de julgamento foi designada para o dia 28/05/2018 e nunca e jamais para o dia 28/04/2018 como a R. recorrente bem sabe.
6 – A R. recorrente nunca juntou quaisquer documentos até à prolação da sentença no dia 18/05/2018; aliás a R. recorrente após a apresentação do articulado motivador e até ao dia 23/05/2018 nada mais juntou, nem apresentou, nem fez.
7 -Por último um recurso é um recurso e não uma contestação ou uma P.I. ou um qualquer outro articulado, não podendo de forma alguma agora a R. recorrente querer fazer o que em tempo devido não fez, alterando de forma inqualificável a verdade e deturpando tudo.
8 – Por tudo o exposto em sede de contra-alegações, e tendo presente o teor e o conteúdo do recurso apresentado pela R. recorrente e as afirmações aí feitas, e tendo presente o disposto no art.º 542.º do C.P.C. sob a epígrafe “ Litigância de má-fé – noção de má-fé”, e as suas alíneas b) e c) entende o A. recorrido que a conduta da R. recorrente integra e preenche uma clara e patente situação de litigância de má-fé, e por isso deve a mesma ser condenada como tal, isto é, como litigante de má-fé em multa adequada a ser doutamente fixada por Vossas Excelências.
9- E deverá ainda ser a R. recorrente condenada como litgante de má-fé a pagar ao R. recorrido a indemnização prevista no art.º 453.º n.º 1 al.a) do C.P.C., isto é, no reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários, a qual deverá ser fixada em quantia não inferior a € 2.500,00 ( dois mil e quinhentos euros).
10 – Por último e por tudo o que vem de se expor, tem necessáriamente o recurso apresentado pela R. recorrente que improceder totalmente, devendo ser o mesmo alvo de decisão sumária, uma vez que o mesmo para além de carecer de todo e qualquer fundamento legal e material é manifestamente infundado.
Termos em que dever ser o presente recurso considerado totalmente improcedente com todas as legais e devidas consequências,
Só assim se fazendo a acostumada e devida justiça de que Vossas Excelências tanto são apanágio».

Admitido o recurso na 1.ª instância e recebidos os autos neste tribunal, presentes ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, neles emitiu douto parecer, que não foi objecto de resposta, no sentido da improcedência do recurso.

Elaborado projecto de acórdão, colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objecto do recurso e factos
Sabido como é que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, como resulta do disposto nos artigos 639.º, n.º 1 e 635.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, no caso são as seguintes as questões essenciais a decidir, tendo em conta a precedência lógica que apresentam:
1. se a acta da audiência de partes é nula, por inobservância do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 98.º-I, do Código de Processo do Trabalho, e por a data que aí consta para a audiência final corresponder a um sábado;
2. se a sentença é nula, por não especificação dos fundamentos de facto e de direito e por excesso de pronúncia;
3. se tendo sido apresentado articulado motivador do despedimento, por um lado, a não junção do procedimento disciplinar no prazo da contestação não determina que se declare de imediato a ilicitude do despedimento e, por outro, se verificou justo impedimento para a não junção do procedimento disciplinar no prazo da contestação;
4. se deve a Ré ser condenada por litigância de má fé.
A matéria de facto a atender é a que resulta do relatório supra, que aqui se dá por reproduzido, sendo de destacar o seguinte:
a) O trabalhador apresentou formulário a que aludem os artigos 98.º-C e 98.º-D, do Código de Processo do Trabalho, pedindo a declaração de ilicitude ou de irregularidade do despedimento promovido pela aqui Ré/recorrente;
b) a Ré/empregadora apresentou articulado motivador do despedimento, mas no prazo da contestação não juntou o procedimento disciplinar nem alegou qualquer impossibilidade para essa apresentação;
c) na contestação/resposta do Autor, este alegou, além do mais, que a Ré não apresentou o procedimento disciplinar, pelo que deve ser de imediato declarada a ilicitude do despedimento; e deduziu pedido reconvencional;
d) notificada de tal articulado, a Ré nada disse;
e) em 18-05-2018 foi proferida sentença que, com fundamento na não apresentação do procedimento disciplinar nem junção dos documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas decretou de imediato a ilicitude do despedimento.

III. Enquadramento jurídico
1. Da (alegada) nulidade da acta da audiência de partes
Alega a recorrente (conclusão III) que «A Acta não cumpre todos os requisitos previstos no art.º 98º-I do CPT (Audiência de partes), pois o autor não expôs sucintamente os fundamentos de facto e de direito da sua pretensão, nem o réu lhe respondeu, não podendo o Meritíssimo Juiz procurar conciliar as partes, quando os fundamentos de facto e de direito não foram apresentados por qualquer uma das partes presentes; e não designou data em que pudesse a referida audiência de julgamento ser realizada».
Vejamos.
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 98.º-I, do Código de Processo do Trabalho, declarada aberta a audiência de partes, o empregador expõe sucintamente os fundamentos de facto que motivam o despedimento; seguidamente responde o trabalhador, após o que o juiz procurará conciliar as partes (n.º 2 do mesmo artigo).
Já se transcreveu supra o consta, no essencial, da audiência de partes.
Recorde-se que aí consta que a empregadora afirmou que considera que o trabalhador foi correctamente despedido e que o processo disciplinar cumpre as formalidades legais, não havendo, na referida audiência, possibilidade de acordo.
Por sua vez, o trabalhador afirmou que não foram cumpridas as formalidades legais, pelo que o despedimento é ilícito.
Mais consta que foi tentada a conciliação das partes, mas que tal não foi possível.
Ora, no confronto entre o que, de acordo com o artigo 98.º-I, deve constar da audiência de partes e o que, efectivamente, dela consta não se descortina a omissão nesta de qualquer elemento relevante.
Com efeito, por um lado, a empregadora aí deixou assinalado que considerava que o procedimento disciplinar que instaurou ao trabalhador cumpria as formalidades legais, tendo este sido despedido com justa causa; por outro lado, o trabalhador alegou que o procedimento disciplinar não cumpria as formalidades legais, pelo que o despedimento era(é) ilícito.
Assim, a discordância das partes na referida audiência centrou-se na nulidade ou não do procedimento disciplinar.
E não obstante o tribunal ter tentado a conciliação, tal não foi possível.
Não se vislumbra, face à posição das partes e à divergência manifestada na audiência de partes, que outros elementos devessem constar da acta.
Se bem se interpreta a posição da recorrente, designadamente tendo em conta a leitura das alegações, ela sustenta que na audiência de partes “muito mais foi dito” e que deveria ter sido consignado na respectiva acta.
Tal alegação parece remetermos para uma eventual falsidade da acta.
Ora, se esta era, efectivamente, a pretensão da recorrente, dir-se-á que o invocado poderá integrar uma nulidade (secundária) prevista no artigo 195.º do Código de Processo Civil, de acordo com o qual a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
E não se detecta que a eventual incorrecção ou omissão da acta possa influir no exame ou decisão da causa.
Todavia, ainda que assim se não entendesse, a invocação da nulidade apenas no recurso em apreciação é manifestamente extemporânea.
Atente-se para tanto no que estabelece o artigo 199.º do Código de Processo Civil:
«1. Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o acto não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
2. Arguida ou notada a irregularidade durante a prática de acto a que o juiz presida, deve este tomar as providências necessárias para que a lei seja cumprida.
3. Se o processo for expedido em recurso antes de findar o prazo marcado neste artigo, pode a arguição ser feita perante o tribunal superior, contando-se o prazo desde a distribuição».
Ora, tendo a recorrente estado presente, através da sua ilustre mandatária, na audiência de partes realizada em 14-03-2018 e tendo sido logo aí notificada dos termos da acta, era esse o momento para arguir qualquer eventual nulidade desta.
Porém, apenas com a interposição do recurso, em 28-05-2018, vem questionar a desconformidade da acta com a respectiva diligência, pelo que tal arguição se há-de ter por extemporânea.
Quanto ao facto de na acta ter ficado a constar a data de 28-04-2018 para a realização da audiência de julgamento, quando deveria ter ficado a constar 28-05-2018 (data esta que a recorrente reconhece no recurso que foi a acordada), apenas se oferecer dizer que, em conformidade com o que prescreve o artigo 249.º do Código Civil, o erro de escrita, revelado pelas circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá lugar à rectificação desta, pelo que não se alcança outra consequência que não a da rectificação operada pelo tribunal a quo.
Improcedem, por consequência, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

2. Da (alegada) nulidade da sentença
Recorde-se que a recorrente sustenta que a sentença é nula com dois fundamentos: por não especificar os fundamentos de facto e de direito e por excesso de pronúncia.
É incontroverso que é nula a sentença que, entre o mais, não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão [alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil] e que conheça de questões de que não podia tomar conhecimento [alínea d) do mesmo n.º e artigo].
Todavia, não se lobriga que a sentença padeça de tal vício.
Expliquemos porquê.

Como é comummente afirmado, o Código de Processo do Trabalho justifica-se pela existência de princípios específicos que lhe são próprios.
Entre tais princípios encontra-se o da simplificação e celeridade processual, o que significa que os interesses gerais imanentes aos litígios laborais, como sejam a paz social, impõem uma justiça célere, o que passa, naturalmente, pela forma de processo.
É neste âmbito que, certamente, se insere a inclusão no actual Código de Processo do Trabalho (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 09-11, com as alterações decorrentes do Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13-10) de uma acção declarativa de condenação, com processo especial, de natureza urgente, acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento [cfr. artigo 26.º, n.º 1, alínea a), do referido compêndio legal].
Este processo especial aplica-se nas situações previstas no artigo 387.º do Código do Trabalho, verificando-se sempre que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, e inicia-se mediante a apresentação pelo trabalhador de um requerimento em formulário próprio, junto da secretaria do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação do despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior (cfr. n.º 2 do artigo).
No âmbito da tramitação processual a observar, estabelece o artigo 98.º-C, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, que no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento inicia-se com a entrega pelo trabalhador do formulário a que se vem fazendo alusão.
E, frustrada a conciliação, na audiência de partes, o juiz: «Procede à notificação imediata do empregador para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado a motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos das formalidades exigidas (…)» [n.º 4, alínea a) do artigo 98.º-J, do Código de Processo do Trabalho].
Nos termos do n.º 3 do artigo 98.º-J, do mesmo compêndio legal: «Se o empregador não apresentar o articulado referido no número anterior [articulado a motivar o despedimento], ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador (…)».
Assim, para que o juiz não decrete de imediato a ilicitude do despedimento é necessário que, cumulativamente e no prazo de contestação [como se assinalou no acórdão deste tribunal de 09-06-2016 (Proc. n.º 482/14.3TTSTB.E1, disponível em www.dgsi.pt) o prazo de 15 dias que a lei fixa cumulativamente para a apresentação do articulado motivador do despedimento e junção do procedimento disciplinar não implica, necessariamente, que ambos devam ser praticados em simultâneo: a junção aos autos do procedimento disciplinar, por exemplo, no primeiro dia do prazo, ou porventura até aquando da realização da audiência de partes, não preclude o direito de o empregador motivar depois o despedimento, no prazo restante, tal como a apresentação deste articulado não impede uma posterior junção daquele processo disciplinar, se a mesma ainda vier a ocorrer dentro do prazo de 15 dias que a parte dispõe para o efeito], o empregador:
(i) apresente articulado a motivar o despedimento;
(ii) junte o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas.
No caso, a empregadora juntou o articulado a motivar o despedimento, pelo que é pacífico que cumpriu o primeiro requisito.
Já quanto ao procedimento disciplinar, é também pacífico que não foi junto no prazo da contestação.
Assim, não se mostra cumprido este requisito para que o juiz não decretasse de imediato a ilicitude do despedimento.
Como de modo impressivo se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-07-2013 (Proc. n.º 885/10.2TTBCL.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt): «coloca-se a questão de saber se a acção pode prosseguir, na hipótese de a empresa entregar o articulado dentro do prazo legal, mas não juntar o procedimento disciplinar.
A letra da lei, como vimos, é clara: como a oração está construída na negativa, a vírgula antes do “ou” contém, em si, implícita, a conjunção coordenada copulativa. Assim, para que seja declarado ilícito o despedimento é suficiente que falte, ou o articulado ou o procedimento disciplinar; os dois têm de ser entregues sob pena da cominação estatuída.
A razão de ser da lei, tal como se deduz do Preâmbulo do DL n.º 295/2009, de 13 de Outubro e dos estudos prévios citados, foi a de obter celeridade processual, permitindo ao juiz uma decisão o mais rapidamente possível.
Apesar de o procedimento disciplinar ser um instrumento complementar ao articulado - peça central do processo - o legislador exigiu a sua entrega imediata pelos seguintes motivos:
1) Nos casos em que o despedimento tenha sido proferido sem precedência do procedimento disciplinar, visa-se excluir, ab initio, o prosseguimento da acção (o despedimento seria sempre ilícito ao abrigo do art. 381.º, al. c) do CT/2009);
2) Nos casos em que existe um procedimento disciplinar interno à empresa, a lei exige a sua junção dentro do prazo de 15 dias, supondo que, tratando-se de um documento já previamente elaborado, está disponível para ser entregue a fim de:
a) Permitir, ao trabalhador, a consulta do mesmo e o acesso a toda a informação relevante para organizar a sua defesa;
b) Permitir, ao juiz, a verificação da legalidade dos actos praticados no procedimento, nomeadamente, se a decisão disciplinar e o articulado inicial se situaram dentro dos limites dos factos elencados na nota de culpa.
Sendo assim, os elementos de interpretação da norma do art. 98.º-J, n.º 3 indicam, em consonância, que a não junção do procedimento disciplinar, no prazo de 15 dias, tem por consequência a declaração da ilicitude do despedimento, assumindo este prazo uma natureza peremptória, que não admite a possibilidade de, a requerimento do empregador, ser concedido um prazo acrescido».
Deste modo, como se assinalou no citado acórdão, o prazo de 15 dias para a junção do articulado e do procedimento disciplinar é um prazo peremptório, cujo decurso extingue o direito de praticar o acto, sendo a sua falta sancionada com a declaração da ilicitude do despedimento.
Deste modo, se a falta de junção do procedimento disciplinar tinha como consequência a imediata declaração da ilicitude do despedimento, ao tribunal a quo nada mais restava, perante essa falta, senão declarar essa ilicitude.
Por isso, não pode assacar-se à sentença recorrida o vício de nulidade, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito.
E o mesmo se verifica quanto à arguida nulidade, por excesso de pronúncia: tendo na contestação ao articulado motivador do despedimento o trabalhador deduzido reconvenção, que não foi objecto de qualquer resposta por parte da empregadora, tal tem a consequência prevista no artigo 574.º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 60.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, ou seja, consideram-se admitidos por acordo os factos não impugnados, excepto se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles, ou se só puderem ser provados por documento escrito, excepções que aqui não se localizam.
Daí que, tal como peticionado pelo trabalhador/recorrido, o tribunal a quo declarou a ilicitude do despedimento e condenou a recorrente na reintegração do trabalhador, bem como no pagamento das retribuições intercalares.
Note-se que no articulado motivador do despedimento a Ré/recorrente afirmou expressamente (artigo 41.º) que no dia 14 de Julho de 2017 comunicou ao Autor/recorrido o seu despedimento imediato.
E, como é sabido, a decisão de despedimento torna-se eficaz logo que é levada ao conhecimento do destinatário, pelo que o efeito extintivo do contrato se verifica depois de ser recebida pelo trabalhador ou de ser dele conhecida, sendo irrevogável desde esse momento, salvo declaração em contrário (neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27-02-2008 e de 22-10-2008, disponíveis em www.dgsi.pt, sob Recursos 07S4479 e 08S1034, respectivamente).
Assim, se o contrato de trabalho pode cessar, entre o mais, por despedimento por facto imputável ao trabalhador [cfr. artigo 340.º, alínea c), do Código do Trabalho], e se assim cessou, como a própria Ré confessou no articulado 41.º motivador do despedimento, não se alcança como, contraditoriamente, a mesma Ré pode invocar que posteriormente ao despedimento o Autor apresentou a “demissão”: se o contrato já havia cessado por despedimento, carece de qualquer relevância jurídica a invocação de uma posterior e eventual “demissão” do trabalhador.
Refira-se também, a propósito das retribuições intercalares, que a condenação não poderia deixar de ser – como o foi – nas retribuições ilíquidas.
Com efeito, haverá que ter presente que a retribuição do Autor, bem como as prestações acessórias, era ilíquida, embora, obviamente, sujeita aos descontos legais: por isso, a condenação da Ré nas retribuições, lato sensu, terá que ser também nos valores ilíquidos, sobre a qual deverão incidir os descontos legais, maxime as retenções na fonte (IRS, Segurança Social) a efectuar pela entidade empregadora, que terá que as entregar às entidades respectivas (neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-05-2006, Recurso n.º 2059/05, disponível em www.dgsi.pt).
Ou seja, a Ré é condenada no pagamento da quantia ilíquida ao Autor, mas nessa quantia ilíquida deverá proceder aos descontos/retenções legais a que se encontra obrigada, e entregá-los às respectivas entidades, pelo que a quantia a entregar/pagar, efectivamente, será a devida depois de efectuados esses descontos legais.
Aqui chegados, impõe-se concluir pela improcedência das conclusões das alegações de recurso também quanto à arguida nulidade da sentença.

3. Quanto às consequências da não junção do procedimento disciplinar no prazo da contestação e se houve justo impedimento para essa não junção
Esta questão encontra-se interligada com a arguida nulidade da sentença, por falta de fundamentos de facto e de direito e por excesso de pronúncia.
Como aí se deixou explicitado, para o qual se remete, a falta de junção do procedimento disciplinar tem como consequência a imediata declaração de ilicitude do despedimento.
A recorrente parece ainda sustentar que até à data de audiência tinha a possibilidade de juntar os documentos (leia-se procedimento disciplinar), face ao disposto no artigo 63.º do Código de Processo do Trabalho e artigo 423.º do Código de Processo Civil.
Assim não entendemos: como resulta do já afirmado, está em causa um processo especial, de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, que contém um regime específico quanto ao prazo, peremptório, de apresentação do procedimento disciplinar e cuja não observância determina a imediata declaração de ilicitude do despedimento, pelo que não pode aqui invocar-se o regime geral quanto à apresentação de documentos posteriormente aos articulados.
Finalmente, ainda relacionado com esta matéria, a recorrente parece invocar o justo impedimento para não ter apresentado o procedimento disciplinar no prazo da contestação, alegando que houve intervenção de terceiros, que “desviaram” documentação própria do procedimento disciplinar e, por isso, impossibilitaram a sua apresentação atempada.
Ora, independentemente de tal configurar ou não fundamento para justo impedimento, o certo é que a sua invocação no presente recurso é manifestamente extemporânea.
Com efeito, com o articulado motivador do despedimento a Ré protestou juntar o procedimento disciplinar: porém, não o juntou nem alegou qualquer justo impedimento para essa não junção.
Apenas com o requerimento que apresentou em 23 de Maio de 2018, já após a prolação da sentença recorrida, é que, se bem se depreende da alegação, veio invocar a impossibilidade de anteriormente ter procedido à junção do procedimento disciplinar: contudo, ao contrário do determinado no referido n.º 2 do artigo 139.º do Código de Processo Civil, não juntou qualquer prova do alegado…!
Face ao que se deixa referido não pode ter-se por verificado o alegado justo impedimento.
Por consequência, improcedem, também quanto a esta questão, as conclusões das alegações de recurso.

4. Da (alegada) litigância de má fé da Ré/recorrente
No entendimento do Autor/recorrido, deve a Ré/recorrente ser condenada por litigância de má fé por ter alterado a verdade dos factos e ter feito do processo e dos meios processuais um uso manifestamente reprovável.
Vejamos.

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 542.º do Código de Processo Civil, à semelhança do que dispunha o n.º 1 do artigo 456.º do anterior Código de Processo Civil, tendo litigado de má fé a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta o pedir.
O n.º 2 dos mesmos preceitos caracterizam a má fé numa dupla vertente: (i) a má fé material ou substancial, que se reporta aos casos de dedução de pedido ou de oposição cuja falta de fundamento se conhece, à alteração consciente da verdade dos factos ou à omissão de factos cruciais; (ii) a má fé instrumental que respeita ao uso reprovável do processo ou dos meios processuais para conseguir um fim ilegal, para entorpecer a acção da Justiça ou para impedir a descoberta da verdade.
Quanto àquela vertente, estipula a alínea a) do n.º 2 do artigo 542.º que se diz litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; e também litiga de má quem tiver alterado a verdade dos factos [alínea b) do mesmo número e artigo].
A propósito do referido n.º 2 do artigo 456.º do anterior Código de Processo Civil, escreveu-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, que «[c]mo reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagram-se expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos (…)».
Extrai-se, pois, da lei, que são punidas como litigantes de má fé não só as condutas dolosas como também as gravemente negligentes.
Como ensinava Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 1981, pág. 262), pode-se caracterizar a lide, em atenção à conduta do litigante, em:
a) lide cautelosa, em que a parte assegurou de todos os meios para se assegurar que tinha razão;
b) lide simplesmente imprudente, em que a parte cometeu imprudência, mas imprudência levíssima ou leve;
c) lide temerária, em que a parte incorreu em culpa grave ou em erro grosseiro, foi para juízo sem tomar em consideração as razões ponderosas que comprometiam a sua pretensão;
d) lide dolosa, em que a parte praticou um acto que merece censura e condenação: sabia que não tinha razão e, apesar disso, litigou.
Ora, a lei ao aludir a dolo ou negligência grave pretende reportar-se a estas duas últimas modalidades de lide.
Como se observou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-03-2014 (Proc. 1063/11.9TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt), «(…) hoje (artigo 542.º do C.P.C. de 2013 que corresponde ao mencionado artigo 456.º do C.P.C./61), a condenação como litigante de má fé pode ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, constituindo lide temerária aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição " cuja falta de fundamento não devia ignorar", ou seja, não é agora necessário, para ser sancionada a parte como litigante de má fé, demonstrar-se que o litigante tinha consciência de não ter razão", pois é suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização».
Ora, no caso concreto, no essencial o que a Ré sustenta no presente recurso é que a não junção do procedimento disciplinar no prazo da contestação não tem como consequência a imediata declaração de ilicitude do despedimento, e que esta ilicitude também não pode ter as consequências condenatórias da decisão recorrida, maxime quanto à reintegração e aos valores das retribuições intercalares.
Como se viu pela análise anteriormente efectuada, a Ré sustentou uma posição jurídica desconforme com a correcta interpretação da lei: contudo, não se afigura que tal posição jurídica seja absolutamente desrazoável, diremos até descabida, para a qualificar como litigância de má fé.
Por isso, ressalvado o devido respeito pelo entendimento sufragado pelo recorrido, entende-se não condenar a Ré por litigância de má fé.

5. Vencida no recurso, deverá a recorrente/Ré suportar o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, do Código de Processo Civil).

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto por Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de CC, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela Ré/recorrente.
Évora, 12 de Setembro de 2018
João Luís Nunes (relator)
Paula do Paço
Moisés Silva
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[1] Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Paula do Paço, (2) Moisés Silva.