Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1195/13.9GFSTB.E1
Relator: MARTINHO CARDOSO
Descritores: CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
ERRO MÁXIMO ADMISSÍVEL
COMPETÊNCIA
CONTRA-ORDENAÇÃO
Data do Acordão: 01/20/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - A nova redação dada ao artigo 170º, nº 1, do Código da Estrada, pela Lei nº 72/2013, de 03/09, é aplicável quer os factos integrem responsabilidade contraordenacional, quer integrem responsabilidade criminal, e é aplicável a todos os processos pendentes (ou seja, mesmo que os factos sejam anteriores à entrada em vigor da referida lei).
II - Se, por imposição desse novo normativo, e aplicando as “margens de erro admissível” previstas, a conduta do agente deixar de constituir crime, passando a contraordenação, deve ser o Tribunal a apreciar e a decidir o processo que nele já se encontra, e, no caso (tendo havido condenação por crime em primeira instância), deve ser o Tribunal da Relação a proferir a decisão.
Decisão Texto Integral:
I

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

Nos presentes autos de Processo Abreviado acima identificados, do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, o arguido IADS foi, na parte que agora interessa ao recurso, condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos art.º 292.°, n.º 1 e 69.°, n.º l al.ª a), do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão, a cumprir por dias livres, em 24 períodos sucessivos, correspondentes a outros tantos fins-de-semana, a iniciar às 09h00 de Sábado e a terminar às 21h00 de Domingo, e com início no terceiro fim de semana seguinte ao da comunicação de qual o EP onde a pena deverá ser cumprida. Mais foi o arguido condenado na sanção acessória de inibição de conduzir veículos com motor pelo período de 1 ano e 4 meses.


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Inconformado com o assim decidido, o arguido interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:

A — O arguido, ora recorrente, foi condenado pela prática como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p, e p., pelo art. 292.° n.°1, do Cód. Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão a cumpri, por dias livres, em vinte e quatro períodos sucessivos.

13 – Foi igualmente condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 1 (um) ano e 3 (três) meses.

C – O douto Tribunal a quo considerou como provado que "no dia 22.12.2013. pelas 2h25m, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, matricula (….) pela Rua Luís de Camões no Pinhal Novo, com uma taxa de álcool no sangue de 1,21 gramas por litro".

D – O douto Tribunal a quo decidiu não aplicar a margem de erro máximo aplicável (EMA) ao resultado indicado pelo aparelho utilizado na fiscalização de álcool no sangue ao arguido.

E – Com a entrada em vigor das alterações ao Código da Estrada (CE) aprovadas pela Lei n.° 72/2013, de 03.09, passa a dever constar do auto de notícia por contra-ordenação, entre outros elementos, "o valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, quando exista, prevalecendo o valor apurado, quando a infracção for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares" (art. 170°, alínea b) cio CE).

F – Tratando-se de norma interpretativa, com eficácia retroactiva, a mesma deve ser aplicada aos casos ocorridos antes da sua entrada em vigor.

G – Tal norma aplica-se às infracções de condução automóvel na via pública em que o condutor exerce a condução sob o efeito do álcool, independentemente de assumirem natureza contra-ordenacional ou criminal.

H – Ao não proceder ao desconto do valor correspondente ao erro máximo admissível para o grau de alcoolemia indicado no alcoolímetro, o tribunal recorrido incorreu no vício do erro notório na apreciação da prova.

1– Entendemos que deverá ser deduzido o erro máximo admissível ao valor de álcool no sangue (1,21 g/1) do arguido, ora recorrente, o que necessariamente importará a absolvição do crime por que foi condenado.

J – Atenta a factualidade dada por provada, não poderá deixar de se considerar desproporcional, desadequada e extremamente exagerada a aplicação de uma pena de quatro anos de prisão, mesmo que a cumprir por dias livres, ao ora recorrente no caso em concreto, bem como a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de um ano e três meses.

L — A TAS ultrapassou apenas 0,01 g/I do limite estabelecido para a acção sei qualificada como ilícito criminal.

M — O arguido está social e familiar e profissionalmente inserido.

N O arguido confessou livre e integralmente os factos porque vinha acusado.

O — A pena imposta, não deve ser de modo elevada que inviabilize ou dificulte a sempre almejada reinserção social do arguido e a sua recuperação do problema de dependência alcoólica, o que se revelará corno impossível de conseguir ao impedir, durante vinte e quatro fins-de-semana, que o arguido contacte com a sua família e exerça a sua actividade profissional.

P — A pena em que o ora recorrente foi condenado deverá ser substituída por uma pena não privativa da liberdade, pois entendemos que, atenta a factualidade descrita, a mesma será adequada e suficiente às finalidades da punição, ou

Q — Caso assim não se entenda, deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, a pena em que o ora recorrente foi condenado ser reduzida e suspensa na sua execução, bem como ser reduzido o período da sanção acessória de inibição de conduzir.
R – Ao decidir como decidiu, a douta Sentença violou as disposições previstas nos arts. 292.º, n.° 1; 69.°, n.° 1, al. a); 40.º; 43.°, 70.°; 71.° e 72° do Cód. Penal.

Nestes termos, nos melhores de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo a douta Sentença ser substituída por outra de forma a acolher as pretensões do ora Recorrente, por assim ser de JUSTIÇA!

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O Ex.mo Procurador-Adjunto do tribunal recorrido respondeu, pugnado pela manutenção do decidido.

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Nesta Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.


II

Na sentença recorrida e em termos de matéria de facto, consta o seguinte:

-- Factos provados:

1.No dia 22.12.2013, pelas 2h25m, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, matricula (…..), pela Rua Luís de Camões, no Pinhal Novo, com uma taxa de álcool no sangue de 1,21 gramas por litro.

2.0 arguido havia estado a ingerir bebidas alcoólicas, designadamente vinho, licor de whisky e cerveja.

3.5abendo que a quantidade e qualidade das bebidas que havia ingerido eram aptas a determinar-lhe uma taxa de álcool no sangue superior a 1,208/1, motivo pelo qual, num primeiro momento, iniciou o percurso para casa a pé. 4.Contudo, começou a sentir-se cansado e voltou para junto do veículo, tendo então iniciado a condução conformado com o facto de ser detentor de uma taxa de álcool no sangue e tal conduta lhe ser vedada.

5.Agiu livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei penal.

6.0 arguido explora um estabelecimento comercial, de onde retira para si quantia próxima dos €400,00.

7.Vive com uma companheira que se encontra desempregada e uma filha comum de 6 anos de idade.

8.0 arguido tem ainda uma filha de 14 anos do seu primeiro casamento a quem presta alimentos no valor mensal de €125 00 e uma maior de 22 anos. 9.Tem de habilitações literárias a 4° classe.

10.Desde 2004 que o arguido apresenta consumos frequentes de álcool, actualmente potenciados na sua actividade profissional onde consome na companhia dos clientes.

11.Não tendo capacidade para fazer face à pressão de terceiros para consumir bebidas alcoólicas.

12.Do registo criminal do arguido consta a prática:

-em 23.6.1999 de um crime de exploração ilícita de jogo, pelo qual foi condenado na pena de 80 dias de prisão e na pena de 50 dias de multa; por sentença transitada a 17.5.2002 e proferida no âmbito do processo comum singular n.° (…..), que correu termos no 1° Juízo criminal do Tribunal Judicial de Setúbal.

-em 12.4.2002 de um crime de exploração ilícita de jogo, pelo qual foi condenado na pena de 100 dias de multa; por sentença transitada a 16.4.2004 e proferida no âmbito do processo sumaríssimo n.° (…..), que correu termos no 3° Juízo criminal do Tribunal Judicial de Setúbal.

- em 22.3.2003 de um crime de ofensa à integridade física grave, pelo qual foi condenado na pena de 2 anos 9 meses de prisão, suspensa por 3 anos; por acórdão transitado em julgado a 10.2.2006 e proferido no âmbito do processo comum colectivo n.° (…..), que correu termos na Vara de Competência Mista de Setúbal.
- em 2.8.2006 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pelo qual foi condenado na pena de 90 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 5 meses, por sentença transitada em julgado a 18.9.2006 e proferida no âmbito do processo sumário n.°(……), que correu termos no 3° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal.
- em 22.7.2007 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pelo qual foi condenado na pena de 75 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 4 meses, por sentença transitada em julgado a 17.9.2007 e proferida no âmbito do processo sumário n.° (…..), que correu termos no 3° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal.
- em 4.1.2004 de um crime de ameaça, de um crime de detenção de arma proibida, de um crime de maus tratos e de um crime de desobediência, pelos quais foi condenado na pena única de 2 anos 5 meses de prisão, suspensa por igual período; por acórdão transitado em julgado a 30.3.2009 e proferido no âmbito do processo comum colectivo n.° (….), que correu termos na Vara de Competência Mista de Setúbal.
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-em 3.9.2011 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pelo qual foi condenado na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 8 meses, por sentença transitada em julgado a 2.11.2011 e proferida no âmbito do processo sumário n.° (…..), que corre termos no 2° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal.

-em 28.7.2012 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pelo qual foi condenado na pena de 10 meses de prisão, substituída pela prestação de 300 horas de trabalho a favor da comunidade e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 8 meses, por sentença transitada em julgado a 20.9.2012 e proferida no âmbito do processo sumário n.° (…..), que corre termos no 2° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal.


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-- Factos não provados:

Com interesse para a boa decisão da causa inexistem.


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Fundamentação da decisão de facto:

A convicção do Tribunal para a determinação da matéria de facto dada como provada resultou da conjugação e análise crítica da prova produzida em audiência de discussão e julgamento e da prova documental constante dos autos e bem assim das regras de experiência comum, designadamente:

Nas declarações confessarias do arguido, que de uma forma espontânea e sincera explicou a forma como os factos ocorreram. Dando nota das bebidas que havia ingerido e das circunstâncias em que o fez. Bem como da consciência que tinha relativamente ao facto de que sendo fiscalizado acusaria álcool no sangue em excesso.

O arguido prestou ainda declarações relativamente às suas condições sociais e económicas que foram conjugadas com o teor do relatório social junto aos autos a fls.50 a 55.

Neste ponto cumpre esclarecer que apesar de referido no relatório que o arguido se encontrava na disposição de realizar tratamento, a verdade é que sobre tanto instado em julgamento, o mesmo referiu não ter qualquer dependência e entender que não necessita de tratamento.

Foi ainda analisado o conteúdo do Auto de Notícia de FIs.2/3;

E do talão do alcoolímetro a FIs.13, cujo resultado apresentado, assim foi considerado.

Na verdade, Um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizado nas condições normais, fornece indicações válidas e fiáveis para os fins legais.

Entendendo-se que a margem de erro admissível se deve observar aquando da aprovação do aparelho (ou nas aferições posteriores, ordinárias ou em extraordinária) e não em cada uma das utilizações em concreto.

Os EMA são limites definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como da finalidade para que são usados. Ou seja, tais valores limite, para mais e para menos, não representam valores reais de erro, numa qualquer medição concreta, mas um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedimentos de medição), o valor da indicação se encontra - Cfr. Maria do Céu Ferreira e António Cruz, in "Controlo Metrológico de Alcoolímetros no Instituto Português da Qualidade".

E sabido que a qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exatos. Esta incerteza de medição é avaliada no ato da aprovação de modelo por forma a averiguar se o instrumento durante a sua vida útil possui características construtivas, por forma a manter as qualidades metrológicas regulamentares, nomeadamente fornecer indicações dentro dos erros máximos admissíveis prescritos no respetivo regulamento - Cfr. ww.spmet.pt/cominicacoes_2_encontro/Alcoolimetros_MCFerreira.pdf.

E por isso, que em domínios de medição com vários níveis de exigência metrológica se definem classes de exatidão em que os EMA são diferenciados de classe para classe. No caso dos alcoolímetros não existem classes de exatidão diferenciadas, mas existem dois tipos de alcoolímetros: uns designados de "qualitativos", outros de "quantitativos". Apenas este últimos têm características metrológicas suscetíveis de ser utilizados para medir a alcoolémia, para fins legais, dentro dos EMA definidos na lei. Os designados de qualitativos apenas servem para despistar ou confirmar situações de alcoolémia mais ou menos evidente, exigindo depois, se for caso disso, uma medição rigorosa com um alcoolímetro quantitativo legal.

Os EMA constituem simples factores de correcção considerados no momento de Aprovação de Modelo [AP]; de Primeira Verificação [PV] e de Verificação Periódica [VP].

Qualquer alcoolímetro que os respeite é aprovado e torna-se a partir de então um instrumento válido e fiável para as subsequentes medições realizadas, as quais devem ser consideradas nos valores obtidos sem nova consideração ou ponderação dos mesmos EMA.

Por isso é que com periocidade regular os aparelhos de medição do teor de álcool no sangue têm de ser submetidos a controlo, verificação periódica, assim como outros instrumentos de medição têm de ser submetidos a aferição.

A definição, através da Portaria n° 1556/2007, de determinados EMA, quer para a Aprovação do Modelo e Primeira Verificação, quer para a Verificação Periódica, visa definir barreiras limite dentro das quais as indicações dos instrumentos de medição, obtidas nas condições estipuladas de funcionamento, são corretas. Ou seja, um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizado nas condições normais, fornece indicações válidas e fiáveis para os fins legais.

Como se vê, os EMA não se destinam a atuar nas medições concretas efetuadas por cada aparelho aprovado e/ou verificado, mas antes a atuar em momentos prévios ou seja, nas operações de aprovação e verificação. Depois de aprovado e/ou verificado o alcoolímetro nos termos prescritos na lei, o mesmo, em cada concreta utilização, fornece medições válidas e fiáveis para os fins legais.

Foi ainda valorado o conteúdo do certificado de registo criminal de fls.14 a 26.


III
De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer.

De modo que as questões postas ao desembargo desta Relação são as seguintes:
1.ª – Que quando em Fevereiro de 2014 o tribunal "a quo" elaborou a sentença recorrida, devia ter feito a dedução do erro máximo admissível (EMA) à taxa de alcoolemia de 1,21 g/l, indicada em 22-12-2013 pelo alcoolímetro, dedução que a Lei n.º 72/2013, de 3-9, tornou obrigatória a partir de 1-1-2014;

2.ª – Que, não obstante, são exageradas quer a pena de 4 meses de prisão, mesmo que a cumprir por dias livres, quer a sanção acessória de inibição de conduzir veículos com motor pelo período de 1 ano e 4 meses.


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Vejamos:

No tocante à 1.ª das questões postas:

Estabelece o art.º 292.º, n.º 1, do Código Penal, que «quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2g/l‚ é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal».

Por outro lado, o art.º 69.º, n.º 1 al.ª a), do mesmo código, estabelece que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre 3 meses e 3 anos quem for punido pelo crime previsto no art.º 292.º.

A taxa de álcool no sangue com que o arguido em 22-12-2013 se encontrava a conduzir era de 1,21 gramas/litro.

A esta TAS não foi deduzido qualquer erro máximo admissível (EMA) pelo tribunal "a quo" (nem pelo OPC).

A medição foi feita em 22-12-2013. A sentença recorrida foi depositada em 18-2-2014.

À data dos factos referidos no presente processo, o art.º 170.º do Código da Estrada tinha a seguinte redacção, resultante da versão conferida pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23-2:

1 - Quando qualquer autoridade ou agente de autoridade, no exercício das suas funções de fiscalização, presenciar contra-ordenação rodoviária, levanta ou manda levantar auto de notícia, que deve mencionar os factos que constituem a infracção, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foi cometida, o nome e a qualidade da autoridade ou agente de autoridade que a presenciou, a identificação dos agentes da infracção e, quando possível, de, pelo menos, uma testemunha que possa depor sobre os factos.

2 - O auto de notícia é assinado pela autoridade ou agente de autoridade que o levantou ou mandou levantar e, quando for possível, pelas testemunhas.

3 - O auto de notícia levantado e assinado nos termos dos números anteriores faz fé sobre os factos presenciados pelo autuante, até prova em contrário.

4 - O disposto no número anterior aplica-se aos elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares.

5 - A autoridade ou agente de autoridade que tiver notícia, por denúncia ou conhecimento próprio, de contra-ordenação que deva conhecer levanta auto, a que é correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 1 e 2, com as necessárias adaptações.

Acontece que à data em que foi proferida a sentença já se encontrava em vigor, desde o dia 1-1-2014, a Lei n.º 72/2013, de 3-9, a qual introduziu ao n.º 1 do art.º 170.º do Código da Estrada a seguinte redacção (mantendo-se, no mais, a redacção anterior):

1 - Quando qualquer autoridade ou agente de autoridade, no exercício das suas funções de fiscalização, presenciar contraordenação rodoviária, levanta ou manda levantar auto de notícia, o qual deve mencionar:

a) Os factos que constituem o infracção, o dia, o hora, o local e as circunstâncias em que foi cometido, o nome e a qualidade da autoridade ou agente de autoridade que o presenciou, a identificação dos agentes da infracção e, quando possível, de, pelo menos, uma testemunha que possa depor sobre os factos,

b) O valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, quando exista, prevalecendo o valor apurado, quando a infracção for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares.

Ora, perante esta alínea b), ao valor registado (no caso: 1,21 g/l de TAS) passou a ser, após 1-1-2014, deduzido o erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição (que no tocante aos alcoolímetros é o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, constante do art.º 8.º da Portaria n.º 1556/2007, de 10-12), para se encontrar o valor apurado, quando a infracção for aferida por aparelhos devidamente aprovados nos termos legais, o que é, sem dúvida, o caso dos autos.

Assim, socorrendo-nos do quadro anexo a que se refere o mencionado art.º 8.º da Portaria n.º 1556/2007, e depois de operarmos a conversão dos valores em TAE (teor de álcool no ar expirado) que aí constam para os de TAS (teor de álcool no sangue) em que se exprimem os resultados fornecidos pelos alcoolímetros, temos que aquela taxa de 1,21 g/l, deduzido o EMA aplicável ao caso concreto[1], fica em 1,11 g/l.

Assim, nos presentes autos, a TAS a considerar é a de 1,11 g/l.

Esta alteração ao Código da Estrada dirimiu assim a querela jurisprudencial que dividia os tribunais superiores quanto ao desconto, ou não, do erro máximo admissível relativamente ao controlo da taxa de alcoolemia.

Pese embora o facto do mencionado art.º 170.º do Código da Estrada se reportar, naturalmente, apenas às contra-ordenações, vem sendo consensualmente aceite pela jurisprudência que tal norma de atribuição de valor probatório aos exames realizados deve aplicar-se em matéria criminal.

Nesse sentido podem ver-se o Ac. TRE de 18-02-2014, processo 287/13.9GAOLH.E1[2], aonde é expendido que apesar de a previsão - literal e sistematicamente - se ater às contra-ordenações, é obviamente extensível a qualquer ilícito punitivo, designadamente o penal, sempre que um tipo penal esteja dependente de uma quantificação mensurável por aparelho legalmente aprovado.

Também o Ac. TRL de 21-01-2014, processo 270/13.4PAAMD.L1-5, considerou que embora [a alteração introduzida no art.º 170.º do Código da Estrada, pela Lei n.º 72/2013] se refira, como é natural, apenas, às contra-ordenações (uma vez que o Código da Estrada não prevê crimes), não se identifica qualquer razão válida para não aplicar o disposto na alínea b) aos casos em que a condução de veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue acima de determinado limite constitua um crime.

Seria incompreensível que para o preenchimento de um ilícito contra-ordenacional se procedesse à dedução do erro máximo admissível ao valor registado pelo alcoolímetro e que, quando o valor registado fosse igual ou superior a 1,2 g/l, já não se procedesse a essa dedução.

Com o mesmo entendimento, podem ainda ver-se o Ac. TRL de 11-02-2014, processo 36/10.3PASCR.L1-5.

Estabelecido, pois, que a alteração ao art.º 170.º do Código da Estrada se aplica quer quando os factos integrarem responsabilidade contra-ordenacional, quer quando forem de natureza criminal, outra questão, porém, se levanta no presente processo – a de se a alteração legislativa é de aplicação retroactiva, isto é, se é aplicável aos processos pendentes.

E embora com fundamento diverso, a conclusão reiteradamente alcançada pela jurisprudência dos tribunais superiores é a de que aquela alteração legislativa é de aplicação retroactiva, isto é, é aplicável aos processos pendentes. Na verdade, embora uns afirmem que «a primeira parte da al.ª b) do n.º 1 do art.º 170.º do Código da Estrada, na redacção dada pela Lei n.º 72/2013, de 3-9, é aplicável aos processos pendentes porque, sendo lei inovadora, contém um regime que concretamente se mostra mais favorável ao arguido nos termos do art.º 2.º, n.º 4, do Código Penal» (cf., v.g., Ac. TRE, de 18-02-2014, processo 287/13.9GAOLH.E1, Ac. TRC de 26-2-2014, processo 140/13.6GTVIS.C1; e Ac. TRP de 15-1-2014, processo 117/13.5PCVCD.P1) e outros considerem que se «trata de norma de natureza interpretativa e, como tal, de aplicação imediata aos casos não transitados» (cf., v.g., Acórdãos TRP de 15-1-2014, processo 295/12.7SGPRT.P1 e de 4-6-2014, processo 807/13.9GAVFR.P1; e Ac. TRL de 21-1-2014, processo 270/13.4PAAMD.L1-5), o certo é que todos estão de acordo em que a nova redacção da al.ª b) do n.º 1 do art.º 170.º do Código da Estrada é aplicável aos processos pendentes[3].

Aplicabilidade aos processos pendentes da qual também comungamos, não terminando esta parte do assunto sem que tomemos partido pela posição que considera existir uma sucessão de leis no tempo, das quais, nos termos dos art.º 2.º, n.º 4, do Código Penal, e 29.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, se aplica a mais favorável ao arguido, portanto a versão do art.º 170.º do Código da Estrada resultante das alterações introduzidas pela Lei n.º 72/2013.

A confortar esta opção de que a Lei n.º 72/2013 não é interpretativa, temos a constatação de que o Supremo Tribunal de Justiça sempre recusou produzir, no campo da aplicabilidade ou não da margem de EMA ao resultado do alcoolímetro, um Acórdão de uniformização de Jurisprudência sobre esta matéria – cf. os Acórdãos de 10-9-2009 (Rel. Souto de Moura) e de 17-12-2009 (Rel. Rodrigues da Costa), ambos publicados no sítio www.dgsi.pt –, por inexistência de “qualquer divergência de interpretação normativa, mas no âmbito da produção, interpretação e valoração da prova…”[4]. Ora – e como se conclui no Ac. TRE de 18-2-2014, proferido no processo 287/13.9GAOLH.E1, já acima citado –, se não havia divergência de interpretação normativa não há lei interpretada. Não havendo lei interpretada não pode haver lei interpretativa.

Aqui chegados, a que a alteração ao art.º 170.º do Código da Estrada introduzida pela Lei n.º 72/2013 se aplica aos processos pendentes, isso

quer dizer que, afinal, a TAS com que o arguido conduzia deve ser fixada não nos 1,21 g/l que consta do ponto 1 dos factos provados da sentença recorrida, mas antes em 1,11 g/l – do que resulta dever ser o arguido absolvido da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos art.º 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, pelo qual fora acusado e condenado.

Ao que outra questão nos passa a afligir:

Sendo que o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos art.º 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, se degradou na contra-ordenação muito grave p. e p. pelos art.º 81.º n.º 1, 2 e 5 al.ª b), 146.º, al.ª j), 138.º, n.º 1, e 147.º, n.º 1 e 2, do Código da Estrada, por o arguido conduzir com uma TAS de 1,11 g/l, sancionável com coima de 500,00 a 2500,00 €, a questão é a quem compete agora apreciar a responsabilidade contra-ordenacional do arguido.

E também quanto a este específico tema da degradação do crime de condução de veículo em estado de embriaguez para uma contra-ordenação por condução sob influência de álcool diversas são as soluções acolhidas pela jurisprudência.

Há quem diga o processo deve ser remetido para a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (doravante ANSR), por ter passado a ser a entidade competente para conhecer a contra-ordenação: acórdãos TRE de 18-2-2014, proferido no processo 287/13.9GAOLH.E1 (aonde o assunto, embora não conste da decisão final, por não ser o caso, é tratado no corpo do aresto) e de 25-2-2014, processo 40/13.0PTFAR.E1, relatado pelo Ex.mo Desembargador Fernando Pina, não publicado; e ainda acórdão TRP de 28-9-2011, processo 211/11.3GAPFR.P1 .

Há quem diga que o processo é para ser decidido pela própria Relação, aonde se encontra no momento da percepção da aplicabilidade da nova versão conferida ao art.º 170.º do Código da Estrada pela Lei n.º 72/2013, por a tanto impor o disposto no art.º 77.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, se, ademais, o processo contiver todos os elementos de facto a tanto necessários e sem que nisso se veja qualquer atropelo à garantia do duplo grau de jurisdição: acórdãos TRP de 15-1-2014, processo 295/12.7SGPRT.P1 e de 4-6-2014, processo 807/13.9GAVFR.P1; ver ainda, embora que não no âmbito da nova redacção dada ao art.º 170.º do Código da Estrada pela Lei n.º 72/2013, o acórdão TRP de 9-2-2011, processo 41/10.0GBMCD.P1.

E há quem diga que o processo é para ser decidido na 1.ª Instância, para onde será devolvido pelo tribunal da Relação, atento o disposto no art.º 77.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, e por respeito ao duplo grau de jurisdição relativamente à aplicação da coima e da sanção acessória de inibição de conduzir pela contra-ordenação na qual se degradou o crime: acórdãos TRL de 21-1-2014, processo 270/13.4PAAMD.L1-5 e de 7-5-2008, processo 2199/2008-3 e de 9-12-2009, processo 531/09.7GAVNF.P1; e Ac. TRP de 28-9-2011, processo 211/11.3GAPFR.P1.

Ora sobre esta matéria rege o art.º 77.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, que estabelece no seu n.º 1 que o tribunal poderá apreciar como contra-ordenação uma infracção que foi acusada como crime.

Em face do estatuído nesta norma, não vemos como seja possível remeter para a ANSR para apreciar como contra-ordenação uma infracção que foi acusada como crime. Cremos pois caber tal apreciação aos tribunais judiciais. E neste mesmo sentido o decidem unanimemente a doutrina: Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações”, UCE, pág. 317; António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, “Notas ao Regime Gera das Contra-Ordenações e Coimas”, Almedina, 2.ª edição, p. 205; António Joaquim Fernandes, “Regime Geral das Contra-Ordenações – Notas Práticas”, 2.ª ed., pág. 132; e Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, “Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral”, 2.ª edição, 2003, p. 441 – por estas duas últimas obras sendo citado o acórdão STJ de 26-11-1986, BMJ n.º 361, pág. 296, em que se decidiu: A degradação de crimes em contra-ordenações, operada pela lei, torna esta mais favorável em matéria de aplicação da lei no tempo, cabendo a respectiva convolação nos poderes dos tribunais judiciais, como, aliás, o refere expressamente o art. 77.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro).

Agora a questão é a qual dos tribunais judiciais envolvidos, a 1.ª Instância ou a Relação, cabe fazer a respectiva convolação.

As decisões dos tribunais da Relação que, nestes casos, atribuem essa competência à 1.ª Instância, fazem-no por a 1.ª Instância ter absolvido do crime de condução de veículo em estado de embriaguez e não ter conhecido da responsabilidade contra-ordenacional, como manda o art.º 77.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações.

Não é esse, porém, o caso destes autos.

Sobre o assunto se debruçou o acórdão da Relação do Porto de 27-10-2010, proferido no processo 741/10.4GBVNG.P1, sustentando ser o Tribunal da Relação quem deve determinar a sanção aplicável à contra-ordenação praticada pelo arguido, posição com o qual concordamos.

Com efeito, a Relação conhece de facto e de direito (art.º 428.º do CPP). E se a Relação verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou da respectiva qualificação jurídica já conhecida do arguido – tanto assim que é ele próprio que levanta a questão no recurso –, aprecia a causa (só não o fazendo se no processo não constarem todos os elementos de facto necessários ao doseamento quer da coima, quer da sanção acessória de inibição de conduzir, caso em que o processo terá que voltar à 1.ª Instância a fim de os mesmos serem coligidos, situação em que então caberá a essa Instância a fixação das sanções em causa).

Ora constatou esta Relação, na deliberação a que alude o art.º 424.º, n.º 1, do CPP, a existência na matéria de facto assente como provada da sentença recorrida de todos os elementos de facto necessários à fixação quer do montante da coima, quer do âmbito da sanção acessória de inibição de conduzir veículos com motor – pelo que está tudo em condições de se prosseguir pelo caminho agora encetado.

Uma vez que não se pode invocar no caso dos autos o direito a um segundo grau de jurisdição.

Na verdade, o que o protocolo n.º 7 à CEDH confere no seu art.º 2.º é o direito a um duplo grau de jurisdição, mas só em matéria penal [n.º 1].

E a nossa Constituição, no seu art.º 32.º, n.º 1, também só assegura o duplo grau de jurisdição para o processo penal, já não também para quando estão em causa apenas contra-ordenações ou quaisquer outros processos sancionatórios, situação em que apenas é assegurado ao arguido os direitos de audiência e defesa (cf. n.º 10 daquela disposição constitucional). [5]

Daí que, perante a alteração da matéria de facto e a absolvição do arguido pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos art.º 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, se imponha decidir a causa, tendo em vista o enquadramento dos factos na contra-ordenação muito grave de condução de veículo sob influência de álcool, p. e p. pelos art.º 81.º n.º 1, 2 e 6 al.ª b), 146.º, al.ª j), 138.º, n.º 1, e 147.º, n.º 1 e 2, do Código da Estrada, por o arguido conduzir com uma TAS de 1,14 g/l, sancionável com coima de 500,00 a 2500,00 € e sanção acessória de inibição de conduzir de 2 meses a 2 anos.

O que, afinal, até entronca na 2.ª das questões postas ao desembargo desta Relação pelo recorrente, qual seja a de aferir se a pena principal e a sanção acessória de inibição de conduzir veículos com motor que lhe foram aplicadas se encontram correctamente doseadas.

Comecemos pela sanção acessória de inibição de conduzir:

Numa moldura abstracta que ia de 3 meses a 3 anos de inibição de conduzir veículos com motor, a 1.ª Instância fixara essa sanção acessória em 1 ano e 4 meses – o que, transposto para a moldura de 2 meses a 2 anos de inibição de conduzir resultante das disposições legais do Código da Estrada acima mencionadas, daria agora uma sanção acessória de à volta de 10 meses.

Ora bem.

Estabelece o art.º 139.º, n.º 1, do Código da Estrada, que a medida e o regime de execução da sanção determinam-se em função da gravidade da contra-ordenação e da culpa, tendo ainda em conta os antecedentes do infractor relativamente ao diploma legal infringido ou aos seus regulamentos. Já quanto ao quadro de agravantes previstas no n.º 3 da mesma disposição legal, o mesmo não tem aplicação ao caso dos autos.

Assim, ponderando a matéria de facto considerada como provada através dos itens enunciados no referido art.º 139.º, n.º 1, e tendo ainda em conta que o grau de alcoolemia do arguido (1,11 g/l) é devera elevado em termos de contra-ordenação muito grave de condução de veículo sob influência de álcool e ainda que já por quatro vezes foi condenado pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez e considera-se adequada e proporcional à culpa fixar a pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor em dez meses.

Quanto à coima, que vai de 500,00 a 2.500,00 €, convém lembrar o estatuído no art.º 172.º do Código da Estrada, que tem por epígrafe cumprimento voluntário:

1 - É admitido o pagamento voluntário da coima, pelo mínimo, nos termos e com os efeitos estabelecidos nos números seguintes.

2 - A opção de pagamento pelo mínimo deve verificar-se no prazo de 15 dias úteis a contar da data da notificação para o efeito.

3 - Em qualquer altura do processo, mas sempre antes da decisão, pode ainda o arguido optar pelo pagamento voluntário da coima, a qual, neste caso, é liquidada pelo mínimo, sem prejuízo das custas que forem devidas.

4 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o pagamento voluntário da coima determina o arquivamento do processo, salvo se à contraordenação for aplicável sanção acessória, caso em que prossegue restrito à aplicação da mesma, ou se for apresentada defesa.

Assim, será o arguido notificado para, querendo, em 15 dias úteis a contar da data da notificação para o efeito, pagar voluntariamente a quantia de 500,00 €, correspondente ao mínimo da coima aplicável pela contra-ordenação muito grave de condução de veículo sob influência de álcool, p. e p. pelos art.º 81.º n.º 1, 2 e 6 al.ª b), 146.º, al.ª j), 138.º, n.º 1, e 147.º, n.º 1 e 2, do Código da Estrada.

Mas para o caso de o arguido não efectuar aquele pagamento voluntário e para evitar a prolação de novo acórdão apenas para então ser fixado o montante da coima, desde já se fixará a mesma para o caso de vir a ocorrer essa eventualidade.

Ora a determinação da medida da coima é feita de acordo com os critérios estabelecidos no art.º 18.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, o qual, citado apenas na parte que agora interessa ao caso, estabelece que:

1. A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.

2. Se o agente retirou da infracção um benefício económico calculável superior ao limite máximo da coima, e não existirem outros meios de o eliminar, pode este elevar-se até ao montante do benefício, não devendo todavia a elevação exceder um terço do limite máximo legalmente estabelecido.

Ao invés do que sucede no Código Penal relativamente à pena de multa (sanção que se aproxima da coima), pena cuja medida é determinada em dois momentos, isto é, através de duas operações sucessivas, determinando-se na primeira o número de dias de multa através dos critérios gerais de fixação das penas (culpa/prevenção) e na segunda o quantitativo da cada dia de multa – taxa diária – em função da capacidade económica e financeira do agente e dos seus encargos pessoais, a coima tem de ser determinada num só momento, isto é, através de uma só operação, pelo que os critérios consagrados no n.º 1 do mencionado art.º 18.º – gravidade da contra-ordenação, culpa, situação económica do agente e benefício que este retirou da prática da contra-ordenação – terão de ser considerados em simultaneidade, ou seja, em um único acto.

Além disso, o limite máximo da coima, quando o agente retira da prática da contra ordenação um benefício (calculável) superior a esse mesmo limite, pode elevar-se até ao montante do benefício obtido, caso inexistam outros meios de o eliminar, elevação/agravação que no entanto não deve exceder um terço do limite máximo estabelecido, o que significa que nem sempre a determinação da medida da coima é feita dentro dos limites (pré)definidos na lei, isto é, a partir do tipo contra-ordenacional que o agente preencheu e da moldura sancionatória que lhe cabe.

Mas voltemos aos parâmetros que regem a determinação da medida da coima.

No que toca à gravidade da contra-ordenação, deve atender-se ao grau de violação ou perigo de violação dos bens jurídicos e interesses ofendidos, ao número de bens jurídicos e interesses ofendidos e suas consequências e à eficácia dos meios utilizados.

Como referem Lopes Rocha, Gomes Dias e Ataíde Ferreira, in Contra-Ordenações, pág. 30, A gravidade da contra-ordenação revela o grau de ilicitude e este afere-se pelo modo de execução da infracção, pela gravidade das suas consequências, pela natureza dos deveres violados, enfim, pelas circunstâncias que antecederam, envolveram e se seguiram ao cometimento da infracção.

A este respeito, escreveu o Prof. Figueiredo Dias[6] que “[...] não se trata de uma culpa, como a jurídico-penal, baseada numa censura ética, dirigida à pessoa do agente e à sua atitude interna, mas apenas de uma imputação do facto à responsabilidade social do seu autor; dito de outra forma, da adscrição social de uma responsabilidade que se reconhece exercer ainda uma função positiva e adjuvante das finalidades admonitórias da coima.”

Corolário da neutralidade ética – não do ilícito de mera ordenação social, que supõe já realizada a valoração legal – mas da conduta que integra aquele ilícito, em si mesma, isto é, divorciada da proibição legal, diz o Prof. Figueiredo Dias, a coima representa um mal que de modo algum se liga à personalidade ética do agente e à sua atitude interna, antes servindo como mera “admonição”, como mandato ou especial advertência conducente à observância de certas proibições ou imposições legislativas, assim se compreendendo que não seja co-natural a uma tal sanção uma dimensão de retribuição ou expiação de uma culpa ética, como o não será também a da ressocialização do agente. Desligada, é certo, da personalidade do agente, a coima só cobra, porém, sentido e justificação se entendida como reacção a um facto censurável, imputado à responsabilidade social do seu autor por desrespeito dos deveres impostos pela ordem jurídica. Daí a necessidade de tutela das expectativas comunitárias na manutenção (ou mesmo reforço) da vigência da norma jurídica violada.

Daí também, por outras palavras, que – pese embora o silêncio, neste aspecto, do normativo do n.º 1 do cit. art. 18º – as exigências de prevenção geral (positiva ou de integração) não devam, pura e simplesmente, ser expurgadas de consideração na graduação da coima, o que, em si, nada terá de ilegítimo, pois que a culpa (entendida não como uma censura de tipo ético-pessoal, repete-se, mas com o sentido acima referido), além de suporte axiológico-normativo da pena, como inequivocamente o proclama o art. 8.º, n.º 1 do RGCO, funcionará sempre como limite máximo e inultrapassável de quaisquer considerações preventivas.”

Relativamente à situação económica do agente e ao benefício económico resultante da contra-ordenação, o julgador visará, por um lado, a eliminação ou, pelo menos, o esbatimento das diferenças de sacrifício que o pagamento da coima implica entre os infractores possuidores de diferentes meios de a solver e, por outro lado, a eliminação do eventual benefício económico retirado da contra-ordenação.

Ora da aplicação destes critérios ao caso concreto sob recurso, da ponderação do que está no mesmo em causa, resulta que a coima deve ser fixada em mil e duzentos € – recordando-se ser este o valor alternativo ao pagamento voluntário da coima pelo mínimo de 500 € acima assinalado.


IV

Termos em que se decide:

1.º

Nos termos da nova redacção conferida pela Lei n.º 72/2013 ao art.º 170.º, do Código da Estrada, aplicável por força do disposto no art.º 2.º, n.º 4, do Código Penal, alterar a TAS constante do ponto 1 dos factos provados da sentença recorrida, a qual era de 1,21 g/l e passa a ser de 1,11 g/l.

2.º

Revogar a sentença recorrida, na parte em que condenou o arguido como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, e na das sanções que, por via disso, lhe aplicou.

3.º

Declarar o arguido IADS autor de uma contra-ordenação muito grave de condução sob a influência de álcool, p. e p. pelos art.º 81.º n.º 1, 2 e 5 al.ª b), 146.º, al.ª j), 138.º, n.º 1, e 147.º, n.º 1 e 2, do Código da Estrada, e em consequência:

A) Ordenar, nos termos do disposto no art.º 172.º, n.º 1, 2 e 4, do Código da Estrada, a sua notificação para, no prazo de 15 dias úteis, a contar da data da notificação para o efeito, pagar voluntariamente a quantia de 500,00 (quinhentos) €, correspondente ao mínimo da coima aplicável por aquela contra-ordenação, para o que deverá solicitar a emissão das respectivas guias;

B) Caso o arguido não efectue aquele pagamento voluntário, desde já se fixa o valor da coima pela aludida contra-ordenação no montante de 1.200 (mil e duzentos) €.

C) Condenar o arguido na sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir veículos motorizados pelo período de 10 (dez) meses.


4.º

Ordenar se proceda à comunicação para efeitos do registo previsto no art. 144.º do Código da Estrada.

5.º

Todas as diligências referentes ao cumprimento do ordenado em 3.º e 4.º, bem como as referentes à entrega da carta e a demais tramitação que a tal respeito descrevem os art.º 69.º, do Código Penal, e 500.º, do Código de Processo Penal, correrão no tribunal recorrido – pelo que, transitado que se mostre o presente acórdão, descerão logo os autos à 1.ª Instância.

6.º

Não é devida tributação (art.º 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

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Évora, 20-1-2015

(elaborado e revisto pelo relator, que escreve com a ortografia antiga)

João Martinho de Sousa Cardoso

Ana Maria Barata de Brito


[1] Sobre as operações de conversão de TAE em TAS e valor do EMA aplicável, cfr. o estudo «A Alcoolemia e o Controlo Metrológico dos Alcoolímetros», de António Cruz, Maria do Céu Ferreira e Andreia Furtado, de 28-4-2008, fls. 7, acessível na Internet mediante procura pelos nomes dos autores.

[2] Tanto este como os demais acórdãos de tribunais da Relação citados estão acessíveis em www.dgsi.pt.

[3] À qual, por enquanto e publicados, apenas foge o acórdão da Relação do Porto de 19-2-2014, processo 403/13.0PAMAI.P1, relator José Piedade, no qual, em resumo, se considera que: III - A Lei n 72/2013, de 03/09, que alterou o C. da Estrada, não tem natureza interpretativa, por tal não resultar de declaração expressa ou de inferência clara e segura acerca dessa intenção, não se podendo a mesma presumir.

IV – Não é de aplicação retroactiva, com base no art. 2º do CP, norma referente à elaboração do auto de notícia e ao modo de obtenção da prova que dele deve constar.

[4] No acórdão relatado pelo Cons. Rodrigues da Costa considerou-se a propósito, sublinhando-se a passagem fulcral - II - No presente caso não se está perante uma oposição de acórdãos por força da interpretação contraposta das normas aplicáveis, não obstante ambos terem decidido de forma divergente questões de facto idênticas; a questão vem a traduzir-se, apenas, numa questão de prova. III - No acórdão indicado como fundamento não se dissente da ideia de que há erros máximos admissíveis para o funcionamento dos aparelhos designados como alcoolímetros, cujas percentagens, de acordo com o teor de álcool no ar expirado, vêm indicadas no anexo ao diploma. Simplesmente considerou-se – ao contrário do acórdão recorrido – que esses aparelhos são técnico-cientificamente fiáveis e credíveis, desde que aprovados pela entidade competente e sujeitos às operações de verificação exigíveis, onde são levados em conta aqueles erros máximos admissíveis. IV - A partir daí são aptos a darem o valor a considerar para efeitos de prova da taxa de álcool no sangue do indivíduo sujeito ao teste, constituindo mesmo prova legal; se não confia nesse resultado, o sujeito ao teste tem ao seu dispor a contraprovaconsistente numa análise ao sangue destinada a elidir a presunção em que assenta a exactidão do valor fornecido pelo aparelho. Por conseguinte, é sempre no domínio da prova que o problema é colocado, e não em norma que prescreva qualquer comportamento em face dos dados fornecidos pelos alcoolímetros. V - Assim sendo, como as soluções opostas relativamente a questões fácticas idênticas, não assentaram em qualquer divergência de interpretação normativa, mas no âmbito da produção, interpretação e valoração da prova, rejeita-se o recurso para fixação de jurisprudência.

[5] Além disso, mesmo para quem, no âmbito do direito criminal, defenda a necessidade de salvaguardar sempre a possibilidade de uma instância de recurso quanto à pena, se tem entendido que não há violação do duplo grau de jurisdição se o tribunal de julgamento já condenou e a Relação altera a pena na sequência do recurso, que até pode ser procedente na parte em que o arguido v.g. pediu a desqualificação do crime por que fora condenado. Só nos casos em que o arguido foi absolvido em 1.ª Instância e a Relação entende que ele deve ser condenado, aí sim, como nunca houve decisão sobre a pena e há que assegurar o recurso também em matéria de pena, o processo deverá ser reenviado para o efeito.

[6] “O movimento da Descriminalização e o Ilícito de Mera Ordenação Social”, in “Jornadas de Direito Criminal (CEJ)”, p. 331.