Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
978/09.9TBCTX-J.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: CONCLUSÕES DE RECURSO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
PROVA
Data do Acordão: 06/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: REVOGADA
Sumário: I - Pese embora a lei imponha ao recorrente o ónus de, no final das suas alegações, expor de forma sintética os fundamentos pelos quais pede a alteração ou anulação da decisão, atenta a natureza urgente do presente recurso, o facto de a extensão das conclusões não ter prejudicado o entendimento pelo credor reclamante da pretensão da recorrente, à qual respondeu em toda a linha, e finalmente, que este tribunal não tem dificuldade em sintetizar as questões que lhe foram submetidas, consideramos ser caso de afirmar o primado do fundo sobre a forma e não tendo esta causado qualquer dificuldade ao contraditório e ao direito processual de defesa, não se deve atender ao solicitado pelo credor reclamante na invocada “questão prévia” quanto à notificação para aperfeiçoamento das alegações.
II - O conhecimento das questões que excepcionalmente admitem recurso interlocutório em separado não se destina a uma espécie de resolução antecipada por via do mesmo das questões de fundo que são colocadas nas alegações de recurso, nem sequer a emitir pronúncia quanto à bondade ou necessidade da selecção da matéria de facto efectuada no despacho saneador que declarou a necessidade de prosseguimento dos autos para apreciar as supra referidas questões.
III - No incidente de reclamação de créditos, o CIRE impõe ao credor reclamante que impugne a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos que tenha sido apresentada pelo administrador de insolvência, o ónus de apresentação do requerimento probatório com o articulado, ficando consequentemente precludida a possibilidade de o apresentar posteriormente, mormente após despacho saneador que eventualmente venha a ser proferido.
IV - Atenta a estatuição do artigo 11.º do CIRE, dúvidas não devem existir que também antes de proferir sentença no apenso de graduação de créditos, o juiz possa convidar à prestação de esclarecimentos ou à junção de documentos quanto a factos alegados pelas partes, tanto mais que o artigo 17.º do CIRE manda aplicar subsidiariamente ao processo de insolvência, o Código de Processo Civil em tudo o que não contrariar as disposições daquele, não se vendo que usar as possibilidades conferidas ao juiz pelos artigos 265.º e 266.º do CPC, possa ser contrário ao regime previsto pelo CIRE.
Decisão Texto Integral:




Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[3]:

I – RELATÓRIO
1. AA, S.A., credor nos autos de insolvência de BB, Ld.ª, supra identificados, não se conformando com o despacho proferido em 8-7-2013 que deferiu os róis de testemunhas apresentados pelos credores impugnantes que identificou, e determinou a notificação dos credores autores dos requerimentos para, no prazo de 20 dias, juntarem aos autos cópia do meio de pagamento utilizado e dos contratos de fornecimento de água, luz, gás, televisão ou outro serviço no imóvel em causa, interpuseram o presente recurso de apelação da mesma, terminando com as seguintes conclusões[4]:
«1. O ora Recorrente não se conforma com o douto despacho recorrido, quer (i) quanto à decisão proferida de admitir os requerimentos de prova apresentados pelos credores reclamantes CC, DD, EE, FF, GG e HH; (ii) quer quanto à determinação de notificação de tais credores para juntarem aos autos "cópia do meio de pagamento utilizado e dos contratos de fornecimento de água, luz, gás, televisão ou outro serviço no imóvel em causa".
2. O ora Recorrente também não aceita, como oportunamente se pronunciou nos autos, que sejam admitidos os requerimentos de prova apresentados pelos credores reclamantes II e JJ, sobre os quais aquele douto despacho não se pronuncia.
3. Os credores reclamantes, cujos documentos probatórios, nomeadamente os respectivos róis de testemunhas, foram admitidos pelo douto despacho recorrido, não se tendo conformado com a lista de credores reconhecidos apresentada pelo Senhor Administrador de Insolvência nos termos do artigo 129.º do CIRE, vieram, ao abrigo do disposto no artigo 130.º do mesmo diploma legal, impugnar aquela lista, no que aos seus créditos respeita, pugnando, nomeadamente, pela tese de que os seu créditos beneficiam do direito de retenção.
4. O artigo 134.º do CIRE, que tem como epígrafe" Meios de prova, cópias e dispensa de notificação", dispõe no seu n.º 1 que "às impugnações e às respostas é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 25.º". Ou seja, de acordo com aquele preceito, os impugnantes devem oferecer todos os meios de prova deque disponham, com o requerimento de impugnação. Estando-lhes vedado que o façam posteriormente.
5. Aqueles credores, depois de notificados do douto despacho saneador, contendo os Factos Assentes e a Base Instrutória, vieram, sustentando-se no artigo 512.º do CPC, apresentar requerimentos probatórios, arrolando, nomeadamente, testemunhas.
6. O douto despacho recorrido admitiu esses requerimentos, violando, a nosso ver, o disposto no artigo 134.º do CIRE. O tribunal "a quo" reconhece naquele despacho que "à luz do disposto na conjugação dos artigos 134.º n.º 1 e 25.º, n.º 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa devem as provas ser oferecidas nos requerimentos iniciais". No entanto, sustentando-se no n.º 3 do artigo 265.º do CPC, veio o mesmo a admitir os ditos requerimentos probatórios, através dos quais são arroladas várias testemunhas.
7. Dos credores reclamantes acima referidos, CC, DD, EE, FF, GG e HH, apenas a primeira apresentou com a sua impugnação da lista de créditos reconhecidos pelo Senhor Administrador de Insolvência, rol de testemunhas. Todos os outros não arrolaram, com as suas impugnações, qualquer testemunha, nem apresentaram qualquer outra prova, com excepção do credor reclamante FF, que juntou cópia do contrato promessa de compra e venda.
8. Ou seja, tendo tais credores o ónus processual de apresentaram as provas com o requerimento inicial de impugnação, não o fizeram. Apenas mais tarde, após o despacho saneador o fizeram, de forma intempestiva.
9. O poder de direcção do processo e o princípio do inquisitório, que promanam do artigo 265.º do CPC, não vão tão longe, que possibilitem a supressão dos ónus processuais que incubem às partes, designadamente o de apresentarem as respectivas provas no tempo e peça processual determinados pela lei adjectiva.
10. Mas é nisso que se traduz, efectivamente, o douto despacho recorrido, pois a Meretíssima "Juiz a quo" substituiu-se aos credores impugnantes no impulso processual de apresentação de provas, apresentando ela, pela sua mão, os róis de testemunhas que aqueles credores deveriam ter atempadamente apresentado e que não fizeram
11. O artigo 265.º do CPC determina expressamente que os poderes aí conferidos ao Juiz o são, sem prejuízo dos ónus de impulso processual que competem às partes.
12. A Meretíssima Juiz "a quo" sobrepôs-se ao princípio de auto responsabilização das partes, (…) E sobrepôs-se ainda ao princípio da preclusão (…).
17. Os róis de testemunhas apresentados pelos credores reclamantes, que impugnaram os seus créditos, após a apresentação dos seus requerimentos inicias de impugnação da lista de credores apresentada pelo Senhor Administrador de Insolvência, ao abrigo do atrigo 129.° do CIRE, mais concretamente após ter sido proferido o despacho saneador, não podem ser admitidos. Pelo que deve, nessa parte, revogar-se o douto despacho recorrido.
18. Subjacente à determinação feita no douto despacho recorrido, para que os credores impugnantes juntem aos autos "cópia do meio de pagamento utilizado e dos contratos de fornecimento de água, luz, gás, televisão ou outro serviço no imóvel em causa", está o entendimento da Meretíssima Juiz" a quo", de que os credores impugnantes podem, no presente processo especial de insolvência, obter do tribunal a declaração de que os mesmos são titulares do direito de retenção, para dessa forma, os respectivos créditos, reclamados naquele processo, beneficiarem da dita garantia. Ou seja, que aqueles credores podem obter aquele título, por decisão proferida no presente processo de insolvência.
19. O ora Recorrente tem vindo a insurgir-se contra essa possibilidade, como o fez, nomeadamente, nas respostas que apresentou às impugnações dos créditos apresentadas pelos credores reclamantes acima referidos e nas respostas às suas reclamações dos Factos Assentes e da Base Instrutória
28. A Meretíssima Juiz "a quo" tem orientado o processo, no sentido de admitir que os credores reclamantes em causa possam vir a obter o título justificativo do direito de retenção que alegam, mas que não têm, no próprio processo de insolvência, mediante sentença que declare a titularidade de tal direito.
33. A especialidade do processo de insolvência não se coaduna com a morosidade advinda da prova da existência de título em momento posterior ao da apresentação da reclamação do respectivo crédito.
34. Ou seja, os credores reclamantes que invocaram nas suas reclamações de créditos serem titulares de direito de retenção e que não apresentaram o respectivo título justificativo com as respectivas reclamações de créditos, o que acontece, nomeadamente, com os credores reclamantes acima referidos e constantes do douto despacho recorrido, CC, DD, EE, FF, GG e HH, não podem obter esse título, por declaração do tribunal, no presente processo de insolvência.
35. E, por essa razão, revela-se totalmente inútil, processualmente desajustado e manifestamente dilatório para a celeridade do processo de insolvência, que aqueles credores juntem aos autos documentos que permitam evidenciar que ocupam determinado andar, loja, sala ou outro espaço do imóvel apreendido para a Massa Insolvente, como são aqueles que a Meretísisima Juiz determinou que fossem juntos aos autos (…) já que são documentos que visam levar o tribunal a avaliar se deve ou não declarar, no presente processo especial de insolvência, que os credores em causa são ou não titulares do direito de retenção, o que é processualmente inadmissível.
36.Deve por isso ser o douto despacho recorrido revogado, também na parte em que determinou que os credores reclamantes juntassem aos autos aqueles documentos.
40. O douto despacho recorrido violou, no mínimo, o disposto nos artigos 128.º e 134.º do CIRE e nos artigos 265.º e 659.º do CPC.».

2. Pelo credor EE foram apresentadas contra-alegações, que finalizou dizendo: «Deverá este douto Tribunal notificar o Recorrente para aperfeiçoar as Conclusões das suas Alegações e indeferir o peticionado pelo mesmo, confirmando o Despacho recorrido e as diligencias probatórias ali ordenadas».

3. Observados os vistos, cumpre decidir.

*****
II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 660.º, 661.º, 664.º, 684.º, n.º 3, 685.º-A, n.º 1, e 713.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[5], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
II.1. Questão prévia
O credor reclamante EE, veio nas suas alegações de recurso invocar como questão prévia a falta de Conclusões nas alegações do recorrente, nos termos legalmente previstos, concluindo solicitando a este Tribunal que notifique o recorrente para aperfeiçoar as mesmas.
Efectivamente, de acordo com o preceituado no artigo 685.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil na redacção aplicável, “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
A nossa jurisprudência, estribada nos ensinamentos doutrinários, tem vindo a entender quanto a este preceito legal, que as conclusões das alegações do recurso devem ser um resumo, uma síntese, explícita e clara, das razões que o recorrente expôs na fundamentação das alegações, havendo que delas se depreender claramente quais as questões postas ao Tribunal ad quem, quais os supostos erros cometidos na decisão recorrida e quais os fundamentos por que se pretende obter a sua alteração ou revogação.
Na verdade, sendo pelas conclusões que se limita o objecto do recurso, à luz dos princípios que enformam os preceitos legais aplicáveis, mormente o princípio da cooperação, o ónus de formular conclusões sintéticas visa facilitar a realização do contraditório, e evidentemente balizar o objecto do recurso, a fim de permitir ao Tribunal decidir sobre todas as questões que lhe sejam colocadas pelo recorrente.
De facto, o texto da lei é claro, impondo ao recorrente o ónus de, no final das suas alegações, expor de forma sintética os fundamentos pelos quais pede a alteração ou anulação da decisão.
No caso sub judice, apreciadas as extensas conclusões de recurso apresentadas pela Apelante, verifica-se que as mesmas não configuram um resumo, uma síntese do que aquela expôs nas respectivas alegações, antes repetindo a fundamentação anteriormente expressa no corpo das mesmas nas próprias conclusões, porque pura e simplesmente optou por quase reproduzir o corpo das alegações formuladas, em técnica jurídica claramente arredada do cumprimento do preceito legal em referência.
Não obstante, tem sido entendimento da ora Relatora que nos casos em que estamos perante processo urgente e é facilmente possível discernir aquilo com que não se conformam os recorrentes, por razões de economia processual se deve optar por não determinar o cumprimento integral de tal preceito, procedendo à imediata análise do recurso[6].
No caso em apreço, tal conclusão tem ainda mais pertinência por verificarmos que - por vicissitudes processuais que desconhecemos já que estamos a apreciar um recurso em separado -, o despacho recorrido e as alegações e contra-alegações foram, respectivamente, proferido e apresentadas antes da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (as contra-alegações têm data de 16 de Agosto de 2013), mas o recurso só foi recebido por despacho proferido em 05-04-2016, volvidos quase três anos sobre o despacho recorrido!
Tal é tanto mais incompreensível (pelo menos com os elementos de que dispomos) quando estamos em processo legalmente declarado como tendo natureza urgente, dispondo o artigo 9.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[7] que «o processo de insolvência, incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos, tem carácter urgente e goza de precedência sobre o serviço ordinário do tribunal».
De facto, esta norma visou esclarecer as dúvidas que foram suscitadas na interpretação do artigo 10.º, n.º 1, do CPEREF, na vigência do qual existiram diferentes entendimentos quanto a saber se a urgência se estendia a todos os apensos do processo ou se apenas abrangia os nomeados no referido artigo: os embargos e, quando devessem ser processados por esse meio, os recursos.
Com a redacção do citado preceito do CIRE a questão ficou completamente esclarecida, não havendo agora qualquer margem para entendimento diverso daquele que a lei afirma: o processo de insolvência e tudo o que se relaciona com o mesmo, incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos tem carácter urgente. Acresce ainda a este carácter de urgência, a atribuição pelo mesmo normativo de prioridade aos processos de insolvência, significando isso que os mesmos gozam de precedência sobre o serviço ordinário do tribunal.
«Isto significa que, naquilo que respeita a actos a praticar pelo órgão judicial, sejam os do próprio juiz sejam os da secretaria, eles devem ser concretizados com prevalência sobre os previstos na generalidade dos processos submetidos ao regime ordinário de serviço.
Naturalmente, tratando-se da comparação com outros processos prioritários, respeitar-se-á a respectiva hierarquia, se ela resultar da lei, ou, em igualdade de circunstâncias, serão todos tratados da mesma maneira»[8].
Não se desconhece que os presentes autos tiveram o seu início em tribunal de competência genérica, ao qual se encontravam cometidas - até à entrada em vigor da LOSJ, em 1 de Setembro de 2014 -, atribuições em vários tipos processuais de natureza urgente. Porém, atento o lapso de tempo decorrido, entendemos que agora urge efectivamente decidir, sem mais delongas.
Pelo exposto, considerando a natureza urgente do presente recurso, o facto de a extensão das conclusões não ter prejudicado o entendimento pelo credor reclamante da pretensão da recorrente, à qual respondeu em toda a linha, e finalmente, que este tribunal não tem dificuldade em sintetizar as questões que lhe foram submetidas, consideramos ser caso de afirmar o primado do fundo sobre a forma e não tendo esta causado qualquer dificuldade ao contraditório e ao direito processual de defesa, não se deve atender ao solicitado pelo credor reclamante na invocada “questão prévia”.
Assim, no caso em apreço, as únicas questões a decidir são as de saber se deve ser revogado o despacho recorrido:
- substituindo-o por outro que não admita os requerimentos de prova apresentados pelos identificados credores reclamantes após o despacho saneador;
- e que não admita a determinação judicial para que os credores juntem aos autos documentos;
- sendo esse o caso, determinar a consequente anulação de todos os actos entretanto eventualmente praticados e que decorram do despacho recorrido.
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III – Fundamentos
III.1. – De facto
Para além da que já consta no relatório supra, é a seguinte a materialidade que resulta dos autos com interesse para a decisão do presente recurso:
1.No despacho saneador proferido nos autos[9] foi considerado existirem créditos que permanecem controvertidos, em consequência do que foi seleccionada para a base instrutória, relativamente a cada um dos supra identificados credores, e quanto ao direito de retenção as questões relativas ao quantum entregue à insolvente; à cláusula relativa ao acordo quanto ao estabelecimento do dobro do valor da quantia entregue em caso de incumprimento por parte do promitente vendedor entretanto declarado insolvente; e à ocupação dos espaços identificados como fracções por parte dos indicados credores reclamantes.
2. Aquando da apresentação das respectivas reclamações de créditos dirigidas ao Senhor Administrador da Insolvência, os credores CC, DD, EE, FF, GG e HH, II e JJ, apresentaram prova documental[10].
3. Aquando da apresentação das respectivas impugnações dirigidas ao Tribunal, os credores DD, EE, FF, GG, HH, CC, II e JJ, não apresentaram requerimento probatório.
4. Aquando da apresentação das respectivas impugnações dirigidas ao Tribunal, os credores CC, II e JJ, indicaram prova testemunhal.
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III.2. – O mérito do recurso
Pretende a Recorrente que seja revogado o despacho ora recorrido, porquanto em seu entender o mesmo violou, no mínimo, o disposto nos artigos 128.º e 134.º do CIRE, e nos artigos 265.º e 659.º do CPC uma vez que:
1) os róis de testemunhas foram apresentados pelos credores reclamantes que impugnaram os seus créditos, após a apresentação dos seus requerimentos iniciais de impugnação da lista de credores apresentada pelo Senhor Administrador de Insolvência, ao abrigo do disposto no artigo 129.º do CIRE, mais concretamente após ter sido proferido o despacho saneador, não podendo ser admitidos;
2) o credor reclamante só é admitido ao concurso de credores, seja em execução singular, seja em processo de insolvência, desde que munido de título executivo; o crédito reclamado, seja em acção comum singular, seja em processo de insolvência, só pode ser reconhecido e posteriormente graduado, se estiver titulado, razão por que, é totalmente inútil, processualmente desajustado e manifestamente dilatório para a celeridade do processo de insolvência, que aqueles credores juntem aos autos documentos que permitam evidenciar que ocupam determinado andar, loja, sala ou outro espaço do imóvel apreendido para a Massa Insolvente, como são aqueles que a Mm.ª Juíza determinou que fossem juntos aos autos.
Antes de entrarmos na análise propriamente dita de cada uma das questões colocadas, entendemos ser útil relembrar que estamos perante recurso de uma decisão intercalar, cuja admissibilidade decorre do disposto no artigo 691.º, n.º 2, alínea i) do CPC, por se tratar de despacho de admissão (latu sensu considerada) de meios de prova, actualmente prevista no artigo 644.º do novo CPC com a epígrafe «apelação autónoma».
Trata-se de preceito que constitui um dos sinais mais evidentes das modificações operadas no regime de recursos pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto.
«Em primeiro lugar, traduz a absorção do anterior recurso de agravo pela apelação. Independentemente de a decisão incidir sobre o mérito ou sobre questões formais, a sua impugnação segue as regras unitárias previstas para a apelação, ainda que sujeição de determinadas situações a regimes especiais.
Em segundo lugar, foi estabelecido um elenco taxativo de decisões intercalares que admitem recurso imediato, relegando para momento ulterior a impugnação das demais»[11].
Assim, verificados os demais pressupostos da recorribilidade, o legislador acautelou a possibilidade de serem interpostos recursos autónomos nas situações que elencou no n.º 2 do preceito, erigidas como aquelas que em seu entender constituiriam um maior risco de invalidação da decisão final, e relegando todas as demais decisões ali não previstas - ou passíveis de enquadramento na absoluta inutilidade a que alude a alínea m) -, para impugnação no âmbito do recurso que eventualmente venha a ser interposto da decisão final, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo em referência.
No caso da admissão de recurso do despacho que admita ou rejeite meios de prova, «[a] razão da integração de tais situações no leque das decisões imediatamente recorríveis liga-se à necessidade de atenuar os riscos da eventual inutilização do processado, especialmente nos casos em que a impugnação incide sobre decisões que tenham rejeitado meios de prova.
Com efeito, a sujeição de tais decisões à regra geral da impugnação diferida potenciaria o risco de anulação do processado, quer para produção de meios de prova rejeitados, quer para reformulação da decisão da matéria de facto proferida com base em meios de prova ilegalmente admitidos»[12].
Por isso, «deve merecer especial consideração por parte da Relação a efectiva utilidade do julgamento de recursos que ainda se encontrem pendentes quando seja proferida a decisão final. Se esta for favorável ao recorrente, sem que seja interposto recurso pela parte contrária, verificar-se-á, em regra, inutilidade superveniente dos recursos de decisões interlocutórias que porventura ainda estejam pendentes de decisão final. Por outro lado, tendo subido tais recursos em separado, se acaso entretanto for interposto recurso da decisão final, pode revelar-se importante conhecer previamente o resultado daqueles, na medida em que possam considerar-se prejudiciais»[13].
No caso dos autos, verifica-se que apesar de ter sido agendada a audiência de discussão e julgamento aquando do despacho ora recorrido, a mesma não se veio a realizar, conforme se pode constatar pelo despacho prévio ao despacho de recebimento do presente recurso, no qual se determinou a «regularização do processado físico» e a actualização da «árvore de intervenientes», «para que se possa proceder a um agendamento faseado da audiência de discussão e julgamento», existindo consequentemente utilidade no conhecimento do presente recurso.
Porém, tal conhecimento não se destina a uma espécie de resolução antecipada por via do mesmo das questões de fundo que são colocadas nas alegações de recurso, nem sequer a emitir pronúncia quanto à bondade ou necessidade da selecção da matéria de facto efectuada no despacho saneador que declarou a necessidade de prosseguimento dos autos para apreciar as supra referidas questões.
Em síntese, trata-se tão somente de avaliar se a Senhora Juíza usou indevidamente ou não o princípio do inquisitório, questão basilar a que no fundo se reconduzem as duas supra identificadas questões que ora estão em apreço.
Conforme resulta dos termos da própria formulação legal constante do artigo 1.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas[14], “[o] processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente”[15].
Efectivamente, tendo presente o carácter universal do processo de insolvência, e para que esta característica própria de execução universal seja assegurada, são legalmente consagrados vários procedimentos que visam acautelar o tratamento igualitário dos credores.
Para atingir esse fito, o primeiro dos efeitos da declaração de insolvência no que tange ao património do devedor, é a apreensão judicial dos seus bens, que é declarada pelo juiz logo na sentença que decreta a insolvência (artigo 36.º, alínea g), segunda parte), para imediata entrega ao administrador de insolvência de todos os bens susceptíveis de penhora que integrem o património do devedor à data da declaração de insolvência, assim como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo, os quais passam a constituir a massa insolvente (artigo 46.º, n.º 1, do CIRE), que abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo, excepção feita aos bens isentos de penhora que só são integrados na massa insolvente se o devedor voluntariamente os apresentar, ressalvando-se ainda as situações de impenhorabilidade absoluta.
Precisamente por se tratar de um processo de execução universal, nele são chamados a concorrer todos os credores, porquanto são estes que o processo de insolvência visa tutelar, satisfazendo os mesmos, na medida do possível, com a repartição por eles do produto obtido com a liquidação do património do insolvente.
De facto, nos termos do n.º 3 do artigo 128.º do CIRE, que sob a epígrafe «reclamação de créditos» dá início ao título e capítulo dedicados à «verificação de créditos», a verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento, à custa da massa insolvente, acrescentamos.
Ora, em face do disposto no artigo 128.º, n.º 1, alíneas a) a e) do CIRE, no requerimento de reclamação de créditos - que atenta a inovação operada nesta matéria pelo referido código, é agora dirigido ao administrador da insolvência (n.º2) -, os credores devem mencionar, para além do mais, a proveniência do seu crédito, a sua natureza, a existência de garantias e a taxa de juros aplicável, em suma, devem fornecer ao administrador de insolvência todos os elementos necessários para caracterizar o crédito de que se arrogam titulares.
Para além disso, nos termos do corpo do citado n.º 1, devem apresentar tal requerimento «acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham», isto naturalmente para prova perante o administrador da insolvência do crédito que invocam ter, em todas as vertentes que relevam para a respectiva verificação e graduação.
Depois, nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo para apresentação das reclamações, o administrador da insolvência tem o dever de apresentar na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, das quais fazem parte, para além dos que tenham deduzido reclamação nos termos sobreditos, também outros credores que sejam do conhecimento daquele (artigo 129.º, n.º 1, do CIRE).
Em conformidade com o disposto no artigo 130.º, n.º 1, do CIRE, as listas apresentadas podem ser impugnadas por qualquer interessado, através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos, cabendo resposta à impugnação, nos termos previstos no artigo 131.º do mesmo código.
Quanto aos meios de prova, rege o artigo 134.º, n.º 1, do CIRE, estatuindo que às impugnações e às respostas é aplicável o n.º 2 do artigo 25.º, de acordo com o qual, o requerente deve ainda oferecer todos os meios de prova de que disponha, ficando obrigado a apresentar as testemunhas arroladas (…).
Assim, daquela remissão decorre que tanto o credor impugnante como o respondente devem oferecer todos os meios de prova de que disponham com o requerimento dirigido ao juiz em que efectuam a impugnação.
E se o não fizerem neste momento? Fica precludida a possibilidade de apresentarem requerimento probatório noutra fase do processo? É a questão que os autos convocam: saber se o uso pelo legislador no artigo 25.º, n.º 2 do CIRE do verbo dever, tem ou não o alcance de um verdadeiro ónus.
Vejamos, então, o que aconteceu no caso dos autos.
Após a reclamação dos créditos o administrador da insolvência elaborou a relação a que alude o artigo 129.º do CIRE, na qual constavam parcialmente os créditos reclamados pelos credores reclamantes, com base nos documentos oportunamente apresentados pelos mesmos, tendo aquele aduzido questões de natureza jurídica para não reconhecer quer uma parte dos créditos quer a existência de direito de retenção.
Podendo tal lista ser impugnada pelos credores reconhecidos pelo administrador de insolvência, em requerimento dirigido ao Juiz com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos, nos termos do preceituado no artigo 130.º, n.º 1, do CIRE, pelos credores reclamantes foi tempestivamente apresentada impugnação, essencialmente reiterando os fundamentos que já haviam exposto na reclamação de créditos: em todos os casos estamos perante a invocação de um crédito decorrente do incumprimento do contrato e de direito de retenção, ambos emergentes dos contratos-promessa de compra e venda oportunamente apresentados. Aquando da apresentação das respectivas impugnações dirigidas ao Tribunal, os credores DD, EE, FF, GG, HH, CC, II e JJ, não apresentaram requerimento probatório, enquanto os credores CC, II e JJ, indicaram prova testemunhal.
Tendo a Mm.ª Juiz entendido que tal matéria se encontrava controvertida, necessitando consequentemente da produção de prova, nos termos do artigo 136.º do CIRE, elaborou despacho saneador, o qual desempenha nos termos do indicado preceito duas tarefas: a selecção da matéria de facto prevista no artigo 511.º do CPC para o qual o n.º 3 daquele preceito remete; e a verificação e graduação dos créditos reconhecidos, com o valor de sentença, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, a não que a verificação de algum dos créditos necessite de produção de prova, caso em que a graduação de todos os créditos tem lugar na sentença final (n.º 7).
Havendo lugar a diligências probatórias a realizar antes da audiência de discussão e julgamento o juiz ordena as providências necessárias e, produzidas as provas - com a particularidade de aproveitarem a todos os interessados a prova produzida por qualquer deles (artigo 137.º do CIRE) -, o juiz marca a audiência de julgamento (artigo 138.º), na qual são observados os termos estabelecidos para o processo sumário, com as especialidades indicadas no artigo 139.º do CIRE.
Assim, «uma vez que a lei é omissa, devem considerar-se aplicáveis todas as regras subsequentes ao proferimento do despacho saneador em processo comum ordinário, e até à realização da audiência de julgamento, com as especialidades dos artºs 137.º e 138.º (cfr. artºs 17.º do CIRE e 463.º, n.º 1, do CPCivil)»[16]. Mas também será assim quanto ao disposto no artigo 512.º do CPC?
Cumpre desde logo notar que a remissão para o mesmo não consta no n.º 3 do artigo 136.º que expressamente remete para os artigos 510.º e 511.º do CPC e não já para o 512.º.
Por seu turno, a circunstância de o artigo 134.º, n.º 1, remeter para o artigo 25.º, n.º 2, do CIRE, e de neste constar o expresso dever de apresentação da prova com o requerimento, não é inócua.
Efectivamente, o termo empregue pelo legislador “deve” é simultaneamente indicativo e injuntivo. Por isso, se tem entendido que o n.º 2 do artigo 25.º «impõe ao requerente a necessidade de oferecer com a petição os meios de prova de que disponha» (…) só lhe sendo possível juntar elementos de prova após a apresentação da petição quando demonstre a impossibilidade em que se encontrava de os indicar na altura da instauração da acção»[17].
Na verdade, é conveniente não esquecer que o preceito se refere ao requerimento da declaração de insolvência quando apresentado por outrem que não o devedor, aludindo concretamente aos meios de prova de que disponha, e assim abrindo consequentemente a possibilidade de o fazer posteriormente quando tal se mostre justificado. Porém, a tramitação subsequente da declaração de insolvência não contempla um momento processual semelhante ao previsto no incidente de verificação e graduação de créditos, quanto à prolação de despacho saneador.
Por isso, sendo a reclamação de créditos uma fase do processo de insolvência de estrutura declarativa, e atenta a regra subsidiária prevista no artigo 17.º do CIRE, de acordo com a qual o processo de insolvência se rege pelo CPC em tudo o que não contrarie as disposições daquele código, cumpre questionar se a previsão do artigo 512.º é aplicável à reclamação de créditos em processo de insolvência quando haja lugar à prolação de despacho saneador.
Ora, de acordo com a parte final do artigo 17.º do CIRE, a aplicação das normas do processo comum de declaração, a que cabe apelar para integrar a regulamentação do processo de insolvência, abrangendo quaisquer dos seus incidentes, apensos e recursos, só fica excluída quando se verifique que a mesma é contrária a regra expressamente consagrada no CIRE.
Como vimos, mostra-se claramente previsto no artigo 25.º, n.º 2, por expressa remissão do artigo 134.º, n.º 1, do CIRE, norma especial quanto aos meios de prova, atenta a respectiva epígrafe, o dever de apresentação do requerimento probatório com o requerimento de impugnação. Portanto, no caso em apreço, a expressa previsão existente no CIRE, sendo diversa das normas do CPC relativas ao processo comum, desde logo - ao tempo das impugnações apresentadas nestes autos -, os artigos 467.º, n.º 2, quanto à faculdade de apresentação de prova com a petição inicial, que se retira do uso da expressão «pode»; e o artigo 512.º quanto à notificação para apresentação dos meios de prova ou para alteração dos apresentados nos articulados; afasta a possibilidade de aplicação subsidiária daquelas regras do Código de Processo Civil porque as mesmas são contrárias a expressa previsão do CIRE. Como tal, atento o disposto no artigo 17.º do CIRE, fica excluída a possibilidade de aplicação subsidiária do CPC.
De facto, diferentemente da regra geral, o CIRE estabeleceu de forma injuntiva para este tipo de processo, que o momento processual para o exercício do direito de apresentação da prova pertinente aos factos alegados pelo credor impugnante é coincidente com a apresentação da respectiva impugnação, em clara distinção do regime do processo civil então vigente, mas de forma próxima ao que já se mostrava estabelecido no regime do processo civil experimental[18] e no código do trabalho[19].
Assim, deve concluir-se que no incidente de reclamação de créditos, o CIRE impõe ao credor reclamante que impugne a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos que tenha sido apresentada pelo administrador de insolvência, o ónus de apresentação do requerimento probatório com o articulado, ficando consequentemente precludida a possibilidade de o apresentar posteriormente, mormente após despacho saneador que eventualmente venha a ser proferido.
Note-se que esta interpretação, como dito já defendida no âmbito dos referidos regime e código na vigência do CPC aplicável ao caso dos autos, é agora a considerada como sendo o entendimento aplicável ao novo regime processual civil introduzido pelo DL n.º 41/2013, de 26 de Junho. De facto, «se no n.º 2 do art. 467.º do CPC-95/96 a apresentação do requerimento probatório com a petição inicial era uma faculdade – “o autor pode” -, com o novo Código passa a ser um dever – “o autor deve” – ou, melhor, um ónus, ressalvando-se, compreensivelmente, como já dispunha o RPCE, a possibilidade de ajustamento do rol à factualidade ulteriormente alegada pelo réu», bem como a hipótese de o requerimento ser alterado nos casos em que tenha lugar a audiência prévia (artigo 598.º, n.º 1, do NCPC). Porém, «a imposição da apresentação de um requerimento probatório com o articulado e as restrições à sua alteração reforçam a ideia de estarmos perante um verdadeiro ónus de apresentação integral do requerimento probatório em simultâneo com a alegação do facto a provar». Assim, salvo o enquadramento nas referidas normas especiais quanto às alterações aos requerimentos probatórios, «a parte deve requerer a produção de todos os meios de prova com os articulados», sob pena de preclusão da oportunidade de requerer a apresentação dos meios de prova.
Acresce que, «estamos perante um ónus da parte cuja não observância é insusceptível de gerar um convite do tribunal ao aperfeiçoamento do articulado (…), sob pena de violação do dever de imparcialidade»[20], sendo também vedado o uso dos princípios do inquisitório ou da adequação formal para considerar admissível a produção dos meios de prova intempestivamente apresentados pela parte.
Pelo exposto, concluímos que os requerimentos probatórios apresentados pelos credores reclamantes após o despacho saneador são intempestivos, não podendo consequentemente ser admitidos, o que impõe a revogação do despacho proferido nessa parte (não levando no caso à anulação dos actos praticados porquanto, tudo indica que a audiência de julgamento ainda não foi realizada).
Porém, tal revogação do despacho que admitiu os requerimentos probatórios apresentados posteriormente ao despacho saneador, não obsta, face ao expressamente previsto no artigo 137.º do CIRE, que a prova produzida por qualquer um dos interessados aproveite a todos eles.
E obstará a que o juiz do processo determine oficiosamente a realização de outros meios de prova que entenda pertinentes? Esta é a segunda questão trazida à apreciação deste tribunal.
Começaremos, desde já, por responder que não.
Efectivamente, nos termos do artigo 265.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências probatórias ou instrutórias que repute necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, com o único mas determinante limite estabelecido na parte final do preceito: de o poder fazer unicamente quanto aos factos de lhe que é lícito conhecer.
Por isso, «a Ex.ma Juíza, no contexto da sua competência, mormente, do poder dispositivo, de direcção, inquisitório e de cooperação – [segundo este princípio as partes devem cooperar com o tribunal para a justa composição do litígio, o que implica, naturalmente, a colaboração probatória] – princípios previstos nos arts. 264º e 265º, nº3, e 266º do Código de Processo Civil – solicitou ao administrador da insolvência que fornecesse elementos para caracterizar os créditos reclamados. (…)
Sendo o processo de insolvência um processo urgente, um acrescido dever de celeridade na condução do processo, visando esclarecer dúvidas e remover obstáculos tudo em ordem à prevalência de razões substantivas sobre razões formais não é defeso ao julgador.
Ao invés do afirmado pelo recorrente, nessa actuação não está qualquer decisão-supresa, ou de favorecimento, mas antes a afloração daqueles princípios que valem também no processo de insolvência e seus apensos(…)[21]».
Assim sendo, e estatuindo o artigo 11.º do CIRE que “no processo de insolvência, embargos e incidente de qualificação de insolvência, a decisão do juiz pode ser fundada em factos que não tenham sido alegados pelas partes”, dúvidas não devem existir que também antes de proferir sentença no apenso de graduação de créditos, o juiz possa convidar à prestação de esclarecimentos ou à junção de documentos quanto a factos alegados pelas partes, tanto mais que o artigo 17.º do CIRE manda aplicar subsidiariamente ao processo de insolvência, o Código de Processo Civil em tudo o que não contrariar as disposições daquele, não se vendo que usar as possibilidades conferidas ao juiz pelos artigos 265.º e 266.º do CPC, possa ser contrário ao regime previsto pelo CIRE.
Isto mesmo foi entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça no já citado Acórdão, afirmando que «esta indicação de concretas fases do processo, onde não se alude a outros incidentes, como o da graduação dos créditos (que, em bom rigor, é decidida não em incidente mas por sentença), não exclui que o juiz possa convidar as partes ou o administrador da insolvência a prestar informações reputadas pertinentes.
Por outro lado, não se tratava de factos não alegados, mas antes de obter informação para que a sentença reflectisse, fosse consonante com a realidade material – o princípio da materialidade subjacente – como exigência da ideia de justiça é um imperativo dos Tribunais como órgão de soberania».
Aplicando este ensinamento ao caso dos autos devemos concluir que, estando questionada no despacho saneador a ocupação das «fracções» pelos credores reclamantes, e sendo a resposta a tal questão reputada essencial para que a sentença de graduação de créditos reflita a materialidade subjacente, nada obsta a que a informação pretendida possa ser solicitada pelo juiz e posteriormente ser tida em conta na sentença de graduação de créditos.
Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, improcedem as conclusões do presente recurso nesta segunda parte.
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III.2.3. - Síntese conclusiva:
I - Pese embora a lei imponha ao recorrente o ónus de, no final das suas alegações, expor de forma sintética os fundamentos pelos quais pede a alteração ou anulação da decisão, atenta a natureza urgente do presente recurso, o facto de a extensão das conclusões não ter prejudicado o entendimento pelo credor reclamante da pretensão da recorrente, à qual respondeu em toda a linha, e finalmente, que este tribunal não tem dificuldade em sintetizar as questões que lhe foram submetidas, consideramos ser caso de afirmar o primado do fundo sobre a forma e não tendo esta causado qualquer dificuldade ao contraditório e ao direito processual de defesa, não se deve atender ao solicitado pelo credor reclamante na invocada “questão prévia” quanto à notificação para aperfeiçoamento das alegações.
II - O conhecimento das questões que excepcionalmente admitem recurso interlocutório em separado não se destina a uma espécie de resolução antecipada por via do mesmo das questões de fundo que são colocadas nas alegações de recurso, nem sequer a emitir pronúncia quanto à bondade ou necessidade da selecção da matéria de facto efectuada no despacho saneador que declarou a necessidade de prosseguimento dos autos para apreciar as supra referidas questões.
III - No incidente de reclamação de créditos, o CIRE impõe ao credor reclamante que impugne a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos que tenha sido apresentada pelo administrador de insolvência, o ónus de apresentação do requerimento probatório com o articulado, ficando consequentemente precludida a possibilidade de o apresentar posteriormente, mormente após despacho saneador que eventualmente venha a ser proferido.
IV - Atenta a estatuição do artigo 11.º do CIRE, dúvidas não devem existir que também antes de proferir sentença no apenso de graduação de créditos, o juiz possa convidar à prestação de esclarecimentos ou à junção de documentos quanto a factos alegados pelas partes, tanto mais que o artigo 17.º do CIRE manda aplicar subsidiariamente ao processo de insolvência, o Código de Processo Civil em tudo o que não contrariar as disposições daquele, não se vendo que usar as possibilidades conferidas ao juiz pelos artigos 265.º e 266.º do CPC, possa ser contrário ao regime previsto pelo CIRE.
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IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, revogando o despacho recorrido na parte em que admitiu os requerimentos probatórios apresentados pelos credores reclamantes após o despacho saneador, confirmando-o no demais.
Custas pelo recorrente, na proporção de metade.
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Évora, 30 de Junho de 2016


Albertina Pedroso [22]


Elisabete Valente


Bernardo Domingos





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[1] Distribuído à ora relatora em 9-6-2016
[2] Instância Central, Secção Comércio, Juiz 2.
[3] Relatora: Albertina Pedroso;
1.º Adjunto: Elisabete Valente;
2.º Adjunto: Bernardo Domingos.
[4] Que restringimos, tanto quanto possível, à respectiva pretensão recursória, .
[5] Doravante abreviadamente designado CPC, sendo aplicável aos termos do presente recurso o texto decorrente do Código de Processo Civil de 95/96, na redacção do DL n.º 303/3007, e não o regime aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, por estar em causa decisão recorrida anterior a 1 de Setembro de 2013 – cfr. artigos 5.º, 7.º, n.º 1 e 8.º deste diploma.
[6] Assim, por exemplo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 22-1-2013, no processo 811/12.4TMCBR-A.C1, nota de rodapé 1, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Doravante abreviadamente designado CIRE,
[8] Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Reimpressão, Quid Juris, 2009, pág. 98.
[9] Com base no despacho saneador proferido nos autos, cuja junção aos presentes foi solicitada pela ora Relatora à primeira instância ao abrigo do disposto no artigo 700.º, n.º 1, alínea d), do CPC, uma vez que dos autos de recurso em separado não constava esse elemento do processo.
[10] Conforme certidão das identificadas impugnações junta aos presentes autos de recurso em separado que suporta ainda os pontos 3 e 4.
[11] Cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª edição revista e actualizada, Almedina 2010, págs. 194 e 195.
[12] Cfr. autor e obra citados, pág. 205.
[13] Ibidem, nota de rodapé 324, pág. 206.
[14] Doravante abreviadamente designado CIRE.
[15] Na redacção vigente à data em que a insolvência foi declarada, a qual foi entretanto alterada pela Lei n.º 16/2012, que lhe deu a seguinte redacção: 1 - O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.
[16] Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2009, Reimpressão, pág. 468.
[17] Cfr. autores e obra citada, pág. 157.
[18] Cfr. quanto a este regime e neste sentido, Ac. TRL de 03-12-2013, proferido no processo n.º 2500/10.5TBALM. L1-7, disponível em www.dgsi.pt.
[19] Cfr. Ac. TRL de 05-06-2013, proferido no processo n.º 3931/11.9TTLSB.L1-4, também disponível em www.dgsi.pt.
[20] Cfr. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Os Artigos da Reforma, vol. I, Almedina 2014, 2.ª edição, págs. 473 a 475.

[21] Cfr., por todos, o Ac. STJ de 07-02-2013, proferido no Processo n.º 148/09.6TBPST-F.L1.S1 - 7ª SECÇÃO, disponível em www.dgsi.pt.

[22] Texto elaborado e revisto pela Relatora.