Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1330/16.5T8LLE-C.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
TEMPESTIVIDADE
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - São extemporâneos os embargos de terceiro deduzidos pelo recorrente aquando do agendamento do segundo leilão eletrónico para venda do imóvel penhorado nos autos, quando está provado que no primeiro leilão eletrónico o recorrente apresentou uma proposta de compra daquele imóvel e, perante a desistência do melhor proponente, foi notificado enquanto segundo melhor proponente, para manifestar a intenção de aquisição, nada tendo dito.
II - Em termos substanciais pode afirmar-se que o direito do recorrente, que alega ser arrendatário do referido imóvel, não estaria, através do leilão anunciado em 2022, em maior perigo de ser ofendido ou colocado em causa do que estaria através da penhora concretizada em 2019 ou através do primeiro leilão havido em 2020.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que o Novo Banco, S.A.[1] move a Martep - Gestão de Complexos Urbanísticos, Lda., veio C… deduzir os presentes embargos de terceiro, pedindo, além do mais, que: i) a venda executiva seja sustada até à prolação de decisão sobre o mérito dos embargos; ii) seja declarado que é titular de um contrato de arrendamento sobre o imóvel penhorado desde maio de 2002 e formalizado em 17.09.2013; iii) seja reconhecido ao embargante o direito de retenção e de não entregar o imóvel enquanto não vir satisfeito o seu direito de crédito.
Alega, em síntese, que é arrendatário do imóvel penhorado nos autos, situação de que foi informado por diversas vezes pelo Sr. Agente de Execução, o qual, porém, se absteve de descrever essa situação no anúncio de venda executiva do imóvel, pelo que com essa venda previsivelmente será requerida e ordenada a entrega do imóvel aqui penhorado, livre de pessoas e bens, podendo recorrer-se ao arrombamento, o que tem a virtualidade de privar o embargante do gozo do locado, o que faz com que tenha o justo receio de que os seus direitos venham a ser afetados por tal diligência, sendo que o embargante tomou conhecimento do anúncio de venda após a sua publicação em 15.04.2022.
Mais alega que realizou diversas benfeitorias no imóvel, em valor não inferior a € 130.167,63, pelo que, ainda que por mera hipótese, o contrato de arrendamento caducasse com a venda executiva, sempre o embargante gozaria do direito de retenção pelo valor do seu crédito.
Conclusos os autos, o Sr. Juiz a quo proferiu despacho a rejeitar liminarmente os embargos, por os considerar por extemporâneos.
Inconformado, o embargante apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«I. Por despacho/sentença proferida em 12/05/2022, foi indeferido liminarmente os embargados de terceiro apresentados pelo ora requerente.
II. Nos seus embargos, o ora recorrente invocou ser arrendatário, desde maio de 2002, do imóvel cuja venda por leilão eletrónico se encontra em curso e que o seu direito a utilizar o locado se encontrava em causa por força do anúncio da venda executiva, com a referência nº LO936192022 e publicado no site e-leilões em 15/04/2022, já que o Sr. Agente de Execução não fez qualquer referência ao arrendamento e ao inerente direito de utilização do imóvel por parte do ora recorrente.
Já que,
III. Caso a venda judicial seja concretizada, será requerida a entrada do imóvel pelo respetivo comprador, podendo recorrer-se ao arrombamento, sem que este tenha conhecimento da situação jurídica do mesmo.
IV. O que tem a virtualidade de perturbar o domicílio e os direitos do ora recorrente enquanto arrendatário, violando a sua privacidade e privando-o do gozo do locado.
V. Pelo que, a omissão do Sr. Agente de Execução faz com que o ora recorrente tenha o justo receio de que os seus direitos venham a ser afetados por tal diligência, representando uma ameaça aos mesmos.
VI. Por isso, o ora recorrente pediu a sustação da venda até à prolação de sentença sobre o mérito dos mesmos; A declaração de que é titular de um contrato de arrendamento sobre o imóvel penhorado desde maio de 2002 e formalizado em 17/09/2013; A declaração da oponibilidade do referido contrato de arrendamento relativamente à execução e a ilegitimidade da entrega que viesse a ser requerida no processo; A determinação da retificação do anúncio de venda do imóvel, devendo constar que o imóvel se encontrava ocupado pelo ora recorrente, que era titular de um contrato de arrendamento habitacional, com prazo de 30 anos, iniciado em 17/09/2013.
VII. Subsidiariamente, pediu ainda que fosse reconhecido um direito de crédito no valor de € 130.167,63 relativamente às benfeitorias que realizou e ainda o direito de retenção e de não entregar o imóvel enquanto não visse satisfeito o seu direito de crédito.
VIII. O Tribunal a quo decidiu rejeitar liminarmente os embargos apresentados pelo ora recorrente, fundamentando tal decisão na sua suposta extemporaneidade, pois entendeu que o ora recorrente tomou conhecimento da penhora do imóvel que lhe foi dado de arrendamento, pelo menos, em 15/05/2019.
IX. Ora, com o devido respeito pelo douto entendimento do Tribunal a quo, estamos em crer que errou na interpretação da lei, designadamente na interpretação dos artigos 350º e 342º, ambos do CPC.
X. Assim, da análise dos dois normativos acima referidos, resulta que o terceiro ou lesado pode deduzir embargos de terceiro relativamente à penhora ou a qualquer outra diligência praticada na execução.
XI. Contudo, o tribunal a quo determinou que o prazo de que o ora recorrente dispunha para reagir se devia contar da data em que tomou conhecimento da penhora, diligência essa contra nem sequer se insurgiu, mas sim contra o anúncio de venda e da eventual ordem de entrega do imóvel subsequente à venda judicial, já que os direitos do recorrente não foram afetados ou colocados em causa com a penhora, mas poderão vir a sê-lo com a eventual ordem para entrega do locado.
XII. Como os embargos apresentados pelo ora recorrente têm função preventiva, não lhe é aplicável o disposto no nº 2 do artigo 344º do CPC, encontrando-se o ora recorrente em tempo quando os deduziu.
XIII. De referir ainda que, a omissão da existência do contrato de arrendamento no anúncio de venda pode gerar a nulidade da venda, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 838º do CPC.
XIV. Pelo que, a pretensão deduzida pelo ora recorrente devia ser apreciados no âmbito dos embargos que apresentou e não em momento posterior ou em ação autónoma, por uma questão de economia processual.
XV. Deste modo, o tribunal a quo erro na decisão que tomou sobre a matéria de direito, decisão essa que se impugna pelo que se disse anteriormente.
XVI. Devendo a sentença/despacho recorrido ser revogado e substituído por um outro que admita liminarmente os embargos e ordenando a produção de prova.
Nestes termos e nos mais de direito, deve a decisão ora recorrida ser revogada e, por conseguinte, substituído por um outro que admita liminarmente os embargos e ordenando a produção de prova.»

Contra-alegou a exequente, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão essencial decidenda consubstancia-se em saber se os embargos de terceiro foram deduzidos em tempo, como sustenta o embargante/recorrente, ou se, ao invés, são extemporâneos, como se entendeu na decisão recorrida.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Os factos a considerar na decisão do recurso são os que constam do relatório, havendo ainda a acrescentar a seguinte factualidade:
1 - Por apenso à execução que Novo Banco, S.A. moveu contra Martep - Gestão de Complexos Urbanísticos, Lda. [apenso B], veio o ora embargante/recorrente, em 15.05.2019, deduzir oposição à execução mediante embargos de executado.
2 - Nesse apenso foi proferida decisão, a 23.05.2019, que indeferiu liminarmente os embargos, por manifesta falta de legitimidade do embargante, tendo essa decisão transitado em julgado
3 – O embargante/recorrente apresentou uma proposta de compra do imóvel penhorado no leilão eletrónico encerrado em 10.12.2020 e, perante a desistência do melhor proponente, foi notificado enquanto segundo melhor proponente, em 05.01.2021, para manifestar a intenção de aquisição, nada tendo dito.

O DIREITO
Escreveu-se na decisão recorrida:
«(…), não obstante o Embargante nunca esclarecer no seu articulado o momento que tece conhecimento da alegada ofensa, o necessário é que dos autos de execução resulta claramente que o Embargante, ao menos desde 15/5/2019 tem conhecimento da penhora do imóvel.
Com efeito, o aqui Embargante entendeu deduzir oposição à execução por embargos de executado, instaurados em 15/5/2019 quando o imóvel já se encontrava penhorado, tendo sido esses embargos liminarmente indeferidos por ilegitimidade do Embargante (que não tinha a qualidade de executado). Na petição de embargos, o Embargante alude expressamente à penhora do imóvel também, objecto destes embargos de terceiro, da qual revelou inteiro conhecimento.
Acresce que tendo sido decidida a venda do imóvel em leilão electrónico, o aqui Embargante apresentou uma proposta de compra no leilão electrónico encerrado em 10/12/2020 e perante a desistência do melhor proponente, foi inclusivamente notificado enquanto segundo melhor propoente (em 5/1/2022) para manifestar a intenção de aquisição (tudo como consta no expediente junto aos autos de execução).
Em conclusão, o Embargante tomou conhecimento do processo executivo e da penhora, pelo menos em 15/5/2019 e da decisão de venda do imóvel, pelo menos em 10/12/2020, razão porque os presentes embargos são claramente extemporâneos.»
E assim é efetivamente. Senão vejamos.
Dispõe o artigo 344º, nº 2, do CPC:
«O embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efetuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respetivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas.»
Nas suas alegações diz o recorrente que «[a] diligência que o ora recorrente entendeu que ofendia ou poderia colocar em causa o seu direito a utilizar o locado (que corresponde ao imóvel cuja venda se encontra em curso) é o anúncio da venda executiva, com a referência nº LO936192022 e publicado no site e-leilões em 15/04/2022, já que o Sr. Agente de Execução não faz qualquer referência ao arrendamento e ao inerente direito de utilização do imóvel por parte do ora recorrente».
Está provado que o recorrente, que deduziu embargos de executado em 15.05.2019, tinha, pelo menos desde essa data, conhecimento da penhora que incide sobre o imóvel em causa, sendo que tais embargos foram indeferidos liminarmente com fundamento na ilegitimidade do recorrente.
E, quanto ao leilão que alegadamente ofende o invocado direito ou colocaria em causa esse alegado direito do recorrente a utilizar o locado, é o segundo que se realiza nos presentes autos, sendo certo que o recorrente teve conhecimento do primeiro leilão, que ocorreu em dezembro de 2020, não tendo deduzido embargos de terceiro, só o tendo feito agora com o segundo leilão, quando a finalidade de um e outro leilão era a mesma, ou seja, a venda do imóvel penhorado nos autos.
Ademais, nesse primeiro leilão, face ao desinteresse do melhor proponente na aquisição do imóvel, o recorrente, que fez a segunda melhor proposta de aquisição, notificado para efetuar o depósito do preço, nada disse.
Assim, o invocado contrato de arrendamento, alegadamente outorgado a 17.09.2013, estaria já em vigor à data da penhora e do primeiro leilão, pelo que a oportunidade de dedução de embargos de terceiro há muito se encontra precludida.
Em termos substanciais pode-se afirmar sem qualquer hesitação que o direito do alegado arrendatário não estaria, através de segundo leilão anunciado em abril de 2022, em maior perigo de ser ofendido ou colocado em causa do que estaria através da penhora concretizada em 2019, ou através do leilão havido em 2020.
Como bem refere a exequente/recorrida nas contra-alegações, «admitindo-se os embargos de terceiro nos termos invocados pelo recorrente e em relação a acto posterior à penhora, como dedutíveis a todo tempo, admitiríamos de igual molde, uma violação do princípio da segurança jurídica que está ínsita no estabelecimento de um prazo de caducidade, ao manter em aberto a possibilidade de embargar qualquer acto consequente do acto ofensivo, a todo tempo
Por conseguinte, o recurso improcede.
Vencido, o recorrente suportaria as respetivas custas, de acordo com o princípio da causalidade vertido nos artigos 527º, nºs 1 e 2, e 529º, nºs 1 e 4, do CPC, as quais não lhe são tributadas por beneficiar de apoio judiciário.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Sem tributação, em face do apoio judiciário de que beneficia o recorrente.
*
Évora,10 de novembro de 2022
(Acórdão assinado digitalmente no Citius)
Manuel Bargado (relator)
Albertina Pedroso (1º adjunto)
Francisco Xavier (2º adjunto)

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[1] Por despacho de 13.12.2021 foi considerada habilitada Ares Lusitani - STC, S.A. a prosseguir a instância executiva em substituição do exequente Novo Banco, S.A..