Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1882/04-3
Relator: JOSÉ TEIXEIRA MONTEIRO
Descritores: RECURSO DE AGRAVO
SUBIDA DO RECURSO
EFEITOS DO RECURSO
OBTENÇÃO DE PROVA
OMISSÃO
DIREITO COMUNITÁRIO
Data do Acordão: 10/28/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: TRIBUNAL JUDICIAL DE ODEMIRA
Processo no Tribunal Recorrido: 33-A/1999
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO EM MATÉRIA CÍVEL, COM SUBIDA IMEDIATA E EM SEPARADO
Decisão: NEGADO CONHECIMENTO DO AGRAVO
Sumário:
I – No requerimento em que a parte indique as suas provas, estas não têm de ser só de natureza testemunhal, podendo ser de natureza pericial, depoimento de parte ou mesmo de requisição de informações a Entidades Terceiras, públicas ou privadas, desde que o requerente fundamente a razão da sua impossibilidade de obtenção desses dados e convença o Tribunal da sua existência;
II – Se o requerente, na sua peça, que indica os seus meios de prova, identifica a existência de algum ou de alguns desses elementos na posse de um Estado-Membro da CE, ou de um seu súbdito e invoca a necessidade desses elementos como fundamentais para a descoberta da verdade e concretização da Justiça nessa lide, é-lhe legítimo solicitar ao Tribunal diligências de indagação dessa existência:
III – Se o Estado Português é membro subscritor da Convenção de Haia, de 28.03.1970, ratificada, ratificada desde 11.05.1975, sendo dela, igualmente, subscritor a outra Parte Contratante da qual se pretende a obtenção dos elementos probatórios, será ilegítima a recusa do Tribunal recorrido de solicitação «de qualquer acto de instrução, ou de quaisquer outros actos judiciários», como consta do art. 1º da dita Convenção;
IV – Sendo a outra Parte Contratante um Estado-Membro da CE em que, igualmente se integra o nosso Estado, então, por força do princípio da prevalência das regras contidas no Regulamento (CE) 1206/2001, de 28.05.200, do art. 4º do seu texto, e art. 19º, 21º e 22º do mesmo Regulamento, em vigor desde 1.07.2001 (nº1 do seu art. 24º), o acto recorrido parece insustentável e, a seu tempo, derrogado por força das citadas normas.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório:

Requerente/agravante: H Reuss.
Requerida/agravada: A Reuss, devidamente identificados nos autos principais.
Pretensão do agravante: após a elaboração das peças de saneador, MA (Matéria Assente) e BI (Base Instrutória), o agravante apresentou requerimento com a indicação julgada pertinente da prova que se propunha produzir ou recolher nos autos.
Como algumas delas estavam fora do seu alcance, solicitou ao Tribunal recorrido, ao abrigo do art. 535º do CPC, lhe desse a pertinente sequência.
Na parte quinta do despacho em reapreciação, foi decidido indeferir tal pretensão. Por isso, inconformado com tal decisão, o requerente/agravante formulou o requerimento de fls. 28, só relativamente ao conteúdo dessa quinta parte do aludido despacho, invocando que o Tribunal recorrido omitiu os poderes que lhe conferem o art.535º, indispensáveis para a obtenção de uma equilibrada decisão dos autos, pelo que interpôs recurso de agravo, com subida imediata e em separado ao abrigo do art. 734º, nº2, do CPC, invocando que a retenção do mesmo, até à oportuna subida com eventual recurso da decisão final, o tornaria absolutamente inútil, sendo os elementos em falta, a solicitar a uma Entidade Estrangeira, um Estado-Membro da CE, absolutamente indispensáveis a uma correcta decisão dos autos, o que acarretaria obstáculo à obtenção do pedido.

Pela primeira parte do despacho de fls.35, e a coberto do disposto nos arts.733º, 734º, nº2, 737º, nº1 e 740, nº1, ‘a contrario’, o Tribunal recorrido admitiu o presente recurso, ora em apreço, o qual veio a ser instruído, tendo o agravante formulado as pertinentes conclusões.
II – Conclusões do recurso:

Destas, destaco um breve resumo do seguinte conteúdo:

a) O agravante requereu, em sede de indicação de prova, a obtenção de informações junto de entidades públicas e privadas na RDA (República Federal da Alemanha), tendo fundamentado a sua pretensão, a qual é essencial à descoberta da verdade nesta lide, face aos factos que alegou como fundamento da pretensão;
b) Socorrendo-se do disposto no art. 535º do CPC, a sua pretensão tem cobertura legal, e é passível de ser solicitado a um Estado subscritor da Convenção de Haia, assinada a 28.03.1970, relativa a obtenção de provas em matéria civil e comercial, sendo a presente acção de natureza cível e estando Portugal vinculado por aquela Convenção, desde 11.05.1975;
c) Por outro lado, já se encontra em vigor, desde 1.07.2001, o Regulamento (CE) nº1206/2001, do Conselho, de 28.04.2001, relativo a essa mesma matéria, prevalecendo a disciplina do regulamento [veja-se alínea (17)] sobre as convenções internacionais celebradas pelos Estados-Membros, imediatamente vigente, por força dos seus arts.19º, 21º e 22º, à luz do conteúdo do art. 1º deste Regulamento, não podia ser recusada a pretensão do agravante;
d) Atenta a natureza da lide e dos regimes jurídicos acima mencionados, era legítima a pretensão formulada pelo agravante tendo o Tribunal recorrido cometido ofensa na interpretação que deu ao referido conjunto de normas, com vista à descoberta da verdade pelos Tribunais Portugueses, como determinam aqueles diplomas.

Por consequência, Deve revogar-se o despacho agravado e determinar ao Tribunal recorrido que faça expedir para as autoridades judiciárias do referido Estado, que sejam competentes [elaborando-se o pertinente formulário processual anexo A, ou formulário H, veja-se nº1 do art.4º do Regulamento, levando-se em conta o disposto na sua alínea f), com observância do disposto no art.10º, se for caso disso, e com a pesquisa de qualquer outro meio mais expedito, se a regulamentação judiciária dos dois Estados-Membros o estipular].

Não houve contra-alegações da parte agravada.
Todavia, no Tribunal recorrido foi exarado o despacho a que alude o art.744º do CPC, mantendo-se intocado o despacho agravado.
III – Questões a dirimir:

A única questão que importa solucionar: qual o efeito que o Tribunal Recorrido deveria ter atribuído ao recurso, por um lado; e, pelo outro, quais as consequências no destino do recurso neste Tribunal, pela inexistência desse efeito.

IV - Questão prévia:

1 - A jurisprudência mantém um entendimento muito restrito da admissibilidade e imediata subida deste género de recursos de agravo, especialmente na forma separada que «implicitamente lhes acarreta um efeito suspensivo» do despacho impugnado.
Com efeito, vejam-se os Acs. publicados nos BMJ 285º e 292º, respectivamente a pags.242 e 272, por um lado; e o Ac. da CJ. De 1978, Vol. IV, pag.1313, e aí encontraremos, numa linha de ensinamento constante, que a leitura do então nº2 do art.734º teria de receber uma leitura totalmente restritiva. Para tanto, bastaria atentar na expressão que o legislador fixou na última parte do nº2 desse preceito: «...absolutamente inúteis.»
Comenta um desses Arestos que nesta ideia de inutilidade não cabe, por exemplo, a decisão da não admissibilidade do rol de testemunhas possa determinar a admissibilidade de um agravo com subida imediata. Na verdade, o recurso que se venha a interpor da decisão final, a apelação, ao ter de apreciar, em primeiro lugar, a relevância do agravo (os recursos são conhecidos pela ordem da sua interposição, salvo se algum factor de manifesta evidência imponha o contrário), pode resolver essa questão, dando provimento ao agravo e revogando a decisão apelada.

1.1 - Isto era assim no domínio do CPC que vigorou até 1.01.1997. Mas se formos analisar as correspondentes normas processuais do regime, várias vezes revisto, que vigora desde 1.01.1997, elas em nada divergem do anterior regime.
Poder-se-á dizer que o actual código tem uma vertente processual acentuadamente mais célere (vejam-se os arts.265º e 266º do CPC: princípios de inquisitório e de cooperação, passíveis de serem impostos às partes). Não se discute que o legislador tem vindo a imprimir ou, pelo menos, a dar relevância a essa vertente, ao ponto de ter criado um incidente processual de pedido de aceleração da decisão de um processo que se não apresente com uma evolução e/ou tramitação sequente e relativamente rápida.
E não menos verdade que existe um art.3º-A que propugna pelo princípio de igualdade das partes. Isto é texto legal positivo, não é letra morta.

1.2 - Mas nesse campo processual da subida dos agravos e dos seus efeitos, nada decidiu, por isso não parecer conveniente.
É que, se admitirmos que este agravo até tinha fundamento (o que não parece muito dubitável), ele teria produzido efeito suspensivo no processo principal. Neste só se praticariam meros actos urgentes, se os houvesse.
Na actual circunstância, não tendo a decisão posto termo ao processo, ou a parte do processo, por um lado; e não revestindo os demais requisitos para que, simplesmente, se lhe admita a fixação do efeito suspensivo, tal recurso não entrava o andamento do processo principal e a sua decisão apenas iria repercutir os seus efeitos no processo principal, eventualmente com uma audiência de discussão já realizada, quiçá, uma decisão final já exarada e, quem sabe, já objecto de recurso por uma ou por ambas as partes. Nenhum resultado útil imediato repercutiria nos aludidos autos que não fosse a anulação, ou não, de uma parte de processado, para complementação da instrução, na parte que foi objecto de recusa no Tribunal recorrido.
Se o recurso não limitaria o andamento do processo principal, sem qualquer incidência sobre a questão de fundo, parece que não se estaria a praticar um acto de jurisdição totalmente inútil, por ora. Estamos no domínio de uma mera questão processual.
Mas, na pior das hipóteses (nada se pode excluir), se o agravo improcedesse, apenas teria servido um estorvo para a realização da Justiça.

2 - Efeito suspensivo, dos autos principais, só o produzem os agravos especificamente previsto no seu regime. E, como tal, das duas uma, ou sobem ao Tribunal de recurso nos próprios autos e não podem sofrer mais tramitação no Tribunal recorrido; ou sobem em separado, com o especificado efeito (pense-se na absolvição de instância de um ou algum dos RR. ou AA. das peças processuais, ou até a inadmissibilidade de um incidente de instância: de chamamento à autoria ou à demanda de um terceiro ao lado de uma das partes), cujo processo, para estes termina e, por isso, tem necessariamente subida imediata.

2.1 - Não estamos em face de nenhum destes casos. E o Tribunal Recorrido também se não pronunciou sobre tal efeito.
O Relator optou pela não arguição de uma tal questão — como podia e devia fazer, na alínea b), do nº1 do art. 700º do CPC — pelo simples facto de não estar a provocar uma série de notificações, decursos de prazos e vir, eventualmente a receber uma reclamação para a conferência e ficar vencido.
Na verdade, era isto mesmo que me impunha o disposto no nº1 do art.703º, por tal questão não ter sido, ainda, discutida no decurso do processo, nomeadamente na fase de alegações, como é processualmente admissível. O que importa é que uma e outra das partes tenham tido a oportunidade de se poderem pronunciarem, mesmo que o não façam materialmente.
Para que haja uma decisão definitiva, pelo menos de cariz e reflexão colectiva, dada a vexata quaestio que subjaz a tudo isto, eis que se decide pela inoportunidade e extemporaneidade da subida do recurso, o qual terá efeito meramente devolutivo e subida conjunta com o que venha a ser, eventualmente, interposto da decisão final.
Consequentemente, acordar-se-á no não conhecimento, por ora, do seu objecto.
V – Decisão:

Em consequência de tudo quanto se expôs, os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora acordam:
a) Em declarar o efeito meramente devolutivo do agravo interposto pelo recorrente, o qual subirá nos próprios autos, conjuntamente com o recurso que, eventualmente, venha a ser interposto da decisão final.
b) Por extemporâneo, não se conhece, por ora, do seu objecto.
c) Custas pelo agravante.

Évora, 28/10/2004.

(José Teixeira Monteiro)
(Bernardo Domingos)
(Pedro Antunes).