Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
810/17.0EAEVR.E1
Relator: JOÃO CARROLA
Descritores: RECURSO
CONTRA-ORDENAÇÃO
TAXA DE JUSTIÇA
NOTIFICAÇÃO
PAGAMENTO
Data do Acordão: 04/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. O regime processual específico da contraordenação pelo qual a arguida havia sido condenada por decisão administrativa consta nos Decretos Lei n.ºs 40/2017 de 4.04 e 113/2006 de 12.06 que não contém normas que regulem expressamente a forma da notificação para pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso de contraordenação.
II. O artigo 8.º n.º 8 do Regulamento das Custas Processual não prevê uma notificação específica para o pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso, limitando-se a dispor que a mesma é autoliquidada nos 10 dias subsequentes à notificação ao arguido da marcação da audiência de julgamento.
III. Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 47.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, a notificação para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida, deve ser dirigida tanto à arguida sociedade e seu representante legal bem como à sua Ilustre Mandatária, caso exista, ou ao defensor nomeado.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório
No processo de impugnação judicial de contraordenação n.º 810/17.0EAEVR, do Juízo Local Criminal ..., Comarca ..., por despacho, proferido em audiência a 05/12/2022, o tribunal, por falta de pagamento da taxa de justiça, decidiu a não apreciação da impugnação judicial apresentada e remessa dos autos à entidade administrativa, dando sem efeito a audiência de julgamento agendada.

Desse despacho veio recorrer a arguida “A..., Lda.” concluindo da sua motivação:
“1 – A recorrente, enquanto arguida no processo de contraordenação, deveria ter sido notificada pelo Tribunal, conforme art.º 8º, n.º 8 RCP, para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida. Não o tendo sido.
2 - A recorrente, enquanto interessada, deveria ter sido notificada pelo Tribunal, conforme art.º 642, n.º 1 CPP, para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida. Não o tendo sido.
3 – Tratando – se de pagamento da taxa de justiça, outro entendimento não se poderá ter que não o de que estamos perante ato pessoal a praticar pela parte, neste caso a recorrente. Não bastando por isso a notificação da sua mandatária, conforme resulta do art.º 247.º, n.º 2 CPP, mas tendo a secretaria que notificar igualmente a recorrente. O que não fez.”
Termina pedindo a revogação do despacho recorrido, permitindo à recorrente fazer junção aos autos do comprovativo de liquidação da taxa de justiça, a qual pagou já em 6 de dezembro de 2022, permitindo assim a apreciação da referida impugnação judicial em audiência de julgamento.

A este recurso respondeu o M.º P.º, concluindo nessa resposta:
“1. A sociedade recorrente apresentou impugnação judicial e foi notificada da data da realização da audiência de julgamento, sem todavia, da mesma constar a informação sobre a taxa de justiça devida, designadamente o seu valor e modo de pagamento.
2. A sociedade recorrente nunca foi notificada para proceder ao pagamento da taxa de justiça.
3. A Ilustre Mandatária da Recorrente foi notificada da data de audiência de julgamento, e simultaneamente do pagamento da taxa de justiça, tendo sido posteriormente novamente notificada para proceder ao pagamento da taxa de justiça, sob pena de a impugnação não ser apreciada, e ser a mesma devolvida à entidade administrativa.
4. Ocorreu uma irregularidade processual, uma vez que a sociedade recorrente nunca foi notificada para pagamento da taxa de justiça, como o impunham os preceitos legais aplicáveis, designadamente os arts. 8.º, n.ºs 7 e 8 do Regulamento de Custas Processuais, 47.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10.
5. Assim, deve o despacho judicial que determinou a não apreciação da impugnação judicial, e a sua remessa à entidade administrativa com fundamento na falta de pagamento da taxa de justiça, ser revogado, por preterição de notificação formal ao arguido, devendo os autos prosseguir.”
Termina no sentido de que se dê provimento ao recurso interposto pela sociedade recorrente.

Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta teve vista nos autos, elaborando parecer em que propugna pela procedência do recurso.
Foi dado cumprimento ao artigo 417.º n.º 2 do C.P.Penal, não tendo sido oferecida resposta ao parecer.

II.
Colhidos os vistos legais, procedeu-se a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as quais, conforme jurisprudência constante e pacífica, delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271), a questão suscitada resume-se a saber se ocorreu falta de notificação da arguida, para proceder ao pagamento da taxa de justiça, com violação do disposto nos arts. 8.º, n.º 8 do Regulamento de Custas Processuais, 47º RGCO e 642.º n.º 1 do Código de Processo Civil.

O despacho recorrido apresenta o seguinte teor:
“"No presente processo de impugnação judicial de decisão administrativa proferida pela ASAE, não tendo sido paga a coima aplicada, há lugar ao pagamento de taxa de justiça, a qual, nos termos do artº. 8º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), é paga 10 (dez) dias após o recebimento do processo do processo com designação da data para a realização do julgamento ou com o despacho que recebe o recurso e determina a sua decisão por mero despacho.
Nos presentes autos, não foi feito o pagamento da taxa de justiça nessa data, tendo então sido a recorrente notificada por despacho datado de 23-11-2022 para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida e advertida das cominações legais para a falta desse mesmo pagamento.
Constata-se que a taxa de justiça devida não foi paga pelo que, nos termos do artº. 8º do RCP e do artº. 642º do CPC, aplicável através do artº. 4º do CPP, se determina a remessa dos autos à entidade administrativa e a não apreciação da impugnação judicial apresentada por falta de pagamento da taxa de justiça.
Mais dou sem efeito a audiência de julgamento agendada. Desconvoque as testemunhas.”

Apreciando:
Factos processuais relevantes a considerar:
- A arguida apresentou em 1ABRIL2022 um recurso contra a decisão da Direcção Geral dos Recurso Naturais, Segurança e serviços Marítimos que a condenou no pagamento de uma coima por uma contraordenação;
- O recurso foi enviado para o Ministério Público que o apresentou ao tribunal recorrido, vindo a ser autuado e distribuído como processo de recurso de contraordenação em 14JULHO2022;
- Concluso o processo ao juiz, em 19SETEMBRO2022 foi admitido o recurso e determinada a notificação da arguida para, em 10 dias, vir indicar a prova que pretende produzir, por forma a ser designada data para julgamento;
- Por despacho de 26OUTUBRO2022 foi designada data para julgamento;
- Em 26OUTUBRO2022 foi expedida carta registada para a mandatária da arguida para a notificar daquele despacho bem como de que “Deverá ainda proceder ao pagamento da Taxa de Justiça devida, no montante de 1 U.C. (U.C =102,00), sendo esta autoliquidada no prazo de 10 DIAS a contar da presente notificação – art.º 8.º n.ºs 7 e 8 do Regulamento das Custas Processuais.”
- Em 17-11-2022 foi expedida notificação à arguida da data para julgamento sem qualquer menção a taxa de justiça inicial;
- Em 23NOVEMBRO2022 foi proferido despacho determinando a notificação da recorrente para efectuar o pagamento da taxa de justiça devida, com as cominações legais da falta de pagamento;
-Tal notificação foi cumprida em 23NOVEMBRO2022 por carta dirigida à mandatária da recorrente arguida – ref.ª ...89.
- Tal pagamento de taxa de justiça não se mostra efectuado e no dia 5DEZEMBRO2022, para o qual estava designada a audiência de julgamento, o tribunal proferiu o despacho agora sob recurso.

O regime processual específico da contraordenação pelo qual a arguida havia sido condenada, que consta nos Decretos Lei n.ºs 40/2017 de 4.04 e 113/2006 de 12.06, não contém normas que regulem expressamente a forma da notificação para pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso de contraordenação.
Também o artigo 8º n.º 8 do Regulamento das Custas Processual não prevê uma notificação especifica para o pagamento da taxa de justiça, limitando-se a dispor que a mesma é autoliquidada nos 10 dias subsequentes à notificação ao arguido da marcação da audiência de julgamento.
Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 47.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, as notificações devem ser dirigidas ao arguido e seu representante legal, caso exista, e será dirigida ao defensor escolhido cuja procuração conste do processo ou ao defensor nomeado. Sempre que exista defensor escolhido, o arguido deverá ser informado através de cópia da decisão ou despacho.
Decorre deste regime que tanto a arguida como a sua Ilustre Mandatária deveriam ter sido notificadas para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida, pois, apesar de a sociedade recorrente, no caso, estar representada por advogado, a exigência da lei e a possibilidade de a recorrente não estar assistida por Mandatário, levam a concluir que a notificação informativa do pagamento da taxa de justiça lhe deveria ter sido efectuada, não podendo a mesma ser responsabilizada pela deficiência da notificação.
A idêntica conclusão chegaríamos tendo por base o art.º 113º, n.º 10 do Código de Processo Penal como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19.11.1997,processo n.º 9740973, Relator Cachapuz Guerra, disponível em www.dgsi.pt, embora dirigido ao, então, n.º 5 do art.º 113 CPP, que perfilhou no seu sumário, o seguinte entendimento:
I - A notificação para pagamento da taxa de justiça acrescida, prevista no n.2 do artigo 80 do Código das Custas Judiciais, deve também ser feita ao advogado do arguido, requerente da instrução.
II - A 1ª parte do n.5 do artigo 113 do Código de Processo Penal não posterga a regra de que todas as notificações são feitas aos mandatários, nomeados ou constituídos.
Esse dispositivo consagra a mera insubstituibilidade da notificação pessoal do arguido pela do defensor, não dispensando, no entanto, a deste último, em consonância com o disposto no artigo 203 do Código de Processo Civil.” (sublinhado nosso)
Tendo a carta registada enviada à arguida para a notificar da data da audiência de julgamento, como acima se disse, não abrangido a indicação de que deveria ainda “proceder ao pagamento da Taxa de Justiça devida, no montante de 1 U.C. (U.C =102,00), sendo esta autoliquidada no prazo de 10 DIAS a contar da presente notificação – art.º 8.º n.ºs 7 e 8 do Regulamento das Custas Processuais”, como expressamente se mencionou na carta expedida à respectiva mandatária, mostra-se evidente que a arguida recorrente não foi validamente notificada para efeitos do apontado pagamento.
Ainda que esse não fosse o entendimento, como não havia sido efetuado o pagamento até à data do julgamento, a secretaria deveria ter notificado, a recorrente para, em 10 (dez) dias, proceder ao pagamento omitido acrescido de multa, em conformidade com o disposto no art. 642.º, nº 1 do Código de Processo Civil, o que não realizou (vide no mesmo sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 04.05.2010, processo n.º 360/08.8TBPSR.E1, Relator António Condesso, e 0 4.04.2013, processo 2121/11.5TBABF.E1, Relator Martinho Cardoso, e Acórdão da Relação de Coimbra, de 19.12.2017, processo nº 544/16.2T8CNT.C1, Relator Brizida Martins, todos disponíveis em www.dgsi.pt.), o que também não foi realizado.
Neste conspecto, a alegação da recorrente deve proceder, uma vez que estamos perante uma irregularidade processual, pela falta de notificação da sociedade recorrente para o pagamento da taxa de justiça devida, nos termos do disposto nos arts. 8.º, n.ºs 7 e 8 do Regulamento de Custas Processuais, 47.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, e 642.º, nº 1 do Código de Processo Civil.
A necessidade de notificar expressamente a recorrente para pagar a taxa de justiça mostra-se, entretanto, já prejudicada, na medida em que, como alega na motivação de recurso, terá pago a 6.12.2022 - embora não se mostre demonstrado ainda nos autos esse pagamento -, ou seja, depois do despacho recorrido.
Terá, portanto, o tribunal de, demonstrado que se mostre nos autos esse efectivo pagamento alegado como feito a 6.12.2022, designar data para o julgamento e prosseguir os ulteriores termos.

III.
Tudo visto e ponderado, decide-se conceder provimento ao recurso interposto, revogando o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que designe data para a audiência de julgamento e convoque os respectivos intervenientes.
Sem custas.
Feito e revisto pelo 1º signatário.
Évora, 18 de Abril de 2022.
João Carrola
Maria Leonor Esteves
Gomes de Sousa