Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
560/15.1GAVNO.E1
Relator: MARIA FERNANDA PALMA
Descritores: CRIME DE BURLA
MODO DE VIDA
Data do Acordão: 05/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Embora não directamente relacionado com o critério do bem jurídico, a burla consubstancia, também, um crime material ou de resultado, que apenas se consuma com a saída das coisas ou dos valores da esfera de “disponibilidade fáctica” do sujeito passivo ou da vítima e, assim, quando se dá um “evento” que, embora integre uma consequência da conduta do agente, se apresenta autónomo em relação a ela. No contexto em apreço, a questão adquire, inclusive, contornos especiais: uma vez que se está perante algo que já se apelidou de “crime com participação da vítima”, isto é, de um delito onde a saída dos valores da esfera de disponibilidade fáctica do legítimo titular decorre, em último termo, de um comportamento dosujeito passivo,a referida autonomização do evento reporta-se tanto à conduta do agente como à acção do próprio burlado. O que se afirma reflecte-se na particular estrutura que o nexo de imputação objectiva reveste na órbita da infracção em análise.
O crime em apreço representa um crime de resultado parcial ou cortado, caracterizando-se por uma “descontinuidade” ou “falta de congruência” entre os correspondentes tipos subjectivo e objectivo. Embora se exija, no âmbito do primeiro, que o agente actue com a intenção de obter (para si ou para outrem) um enriquecimento ilegítimo, a consumação do crime não depende da concretização de tal enriquecimento, bastando para o efeito que, ao nível do tipo objectivo, se observe o empobrecimento (dano) da vítima.

A consumação deste tipo legal de crime não deriva, apenas, do resultado consistente na saída dos bens ou valores da esfera de disponibilidade fáctica do legítimo titular, exigindo-se, para além disso, a verificação de um efectivo prejuízo patrimonial do burlado ou de terceiro.

A circunstância qualificativa do crime de burla prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 218.º do CP deve ser entendida como a maneira com que o agente logra obter os proventos indispensáveis à sua vida em comunidade, não sendo absolutamente preciso que se trate de uma ocupação exclusiva ou contínua, podendo até ser intermitente ou esporádica, desde que ela contribua significativamente para o sustento do visado.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora

No Processo Comum Coletivo nº 560/15.1GAVNO, do Juízo Central Criminal de Santarém, J4, da Comarca de Santarém, por acórdão de 10-02-2020, foi condenado o arguido HPCC pela prática, em autoria material e na forma consumada e como reincidente, de um crime de burla qualificada, p.p. pelos artigos 218.º, n.º 2, alínea b) do CPP por factos ocorridos em Outubro de 2015, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, efetiva.

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido HPCC, nos termos da sua motivação constante de fls. 1623 a 1642, recurso este extensivo à matéria de facto, concluindo nos seguintes termos:

O Recorrente discorda da decisão proferida sobre a matéria de facto, igualmente não se conformando com a qualificação jurídica operada, nem com a concreta medida da pena aplicada.

1º O Tribunal a quo decidiu condenar o arguido com referência aos factos ocorridos em Outubro de 2015 fundamentando tal convicção nas declarações do ofendido LS e das testemunhas MA e AB.

2º No entanto, tais depoimentos afiguram-se contraditórios e saem completamente descredibilizados em face da factualidade provada. Senão vejamos:

3º O ofendido LS, na sua inquirição em audiência de julgamento (cfr. depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal com início às 14h31m06s e termo pela 14h54m27s), que aqui se dá por integralmente reproduzido) refere, em súmula, que:

- Conhece o arguido H porque há quatro anos, no Verão de 2015, até 30 de agosto, o arguido terá pernoitado na sua pensão com mais dois ou três indivíduos, por uma noite.

- No final do dia seguinte, foi contactado por um deles, por telefone, dizendo que eram funcionários das finanças, que tinham recebido uma queixa e queriam dinheiro.

- Emite sempre fatura e que para parar o processo tinha de dar algum dinheiro

- A queixa seria por não ter sido emitida fatura, mas assevera que a funcionária que estava de serviço, garantidamente terá emitido fatura

- Os telefonemas eram efetuados por um homem que se referia aos clientes que passaram aquela noite

- Não se recorda das quantias que entregou, mas sabe que efetuou transferências bancárias existindo documentos comprovativos que entregou quando apresentou queixa

- Ia efetuando os depósitos consoante as indicações que lhe eram fornecidas por telefone

- Que estes telefonemas terão decorrido durante mais de um mês

- Recorda-se de mais tarde, ter feito um depósito no BIC ou BPN, porque lhe pediram para fazer nessa conta.

- Nessa altura não lhe disseram para que é que servia o dinheiro, tendo a chamada sido efetuada para o seu telemóvel

- Também recebeu mensagens escritas no telemóvel, tendo reconhecido as mensagens que se encontram transcritas nos autos

- Na segunda situação a pessoa identificava-se como sendo funcionário da ASAE ou da Polícia Judiciária, mas não se recorda como se identificava.

- Não explicava muito bem apenas dizendo que o processo da queixa ia prosseguir

- Não conhecia o nome, o telefone nem a voz da pessoa que efetuou estes segundos telefonemas

- Estabelece a ligação entre os indivíduos que pernoitaram no seu estabelecimento e os telefonemas que recebeu porque, passado um dia ou dois, tais indivíduos voltaram ao estabelecimento, para aí pernoitarem novamente e não havia disponibilidade de quartos e a partir daí é que começaram as ameaças

- Não tem ideia de quanto dinheiro chegou a depositar, referindo que para além dos depósitos constantes dos autos não houve mais nenhum

- Quando questionado se reconhece o nome JC, diz que lhe mandaram fazer um depósito nesse nome.

- Quando apresentou queixa não citou os nomes dos indivíduos que tinham ido pernoitar ao seu estabelecimento, porque na altura não lhe ocorreu levar os seus nomes

- Depreende que as pessoas que lhe ligaram são as mesmas que constam dos comprovativos dos depósitos efetuados

- Quando esses indivíduos foram pernoitar ao seu estabelecimento, em meados de Agosto, finais de Agosto ou Setembro, a sua funcionária recolheu a sua identificação que com toda a certeza consta dos registos do estabelecimento

- Quando questionado sobre se reconheceu as vozes das pessoas que lhe telefonaram, afirma que não e que apenas contactou com tais indivíduos uma vez

- Não sabe se as pessoas que lhe ligaram eram os mesmos indivíduos que pernoitaram no seu estabelecimento, depois é que depreendeu que fossem devido às ameaças constantes - Admite ter sido sugestionado pelos talões de depósito, efetuando a ligação entre as pessoas que lhe telefonavam aos documentos dos depósitos, porque lhe mandavam depositar naqueles nomes, naquelas contas

- Esta é a única relação que faz com o telefonema, não sabendo quem lhe ligou porque pelo telefone não consegue ver

- Não conseguiu identificar quem lhe telefonou, tendo depreendido que seriam os beneficiários dos depósitos

- Era quase sempre a mesma pessoa a telefonar, mas não sabe se era o arguido H

- Não se recorda dos nomes dos outros indivíduos, mas afirma ter registos manuscritos sobre a identidade dos mesmos no seu estabelecimento por ser recolhido o nome, o número de bilhete de identidade e a nacionalidade

- Questionado se passou recibo aos tais indivíduos, afirma que com certeza a funcionária passa sempre recibo

4º Depois foi confrontado com as suas declarações em sede de inquérito, constantes de fls. 72 e seguintes e que aqui se dão por reproduzidas, referindo que são verdadeiras (cfr. depoimento gravado através do sistema informático de gravação digital em uso no Tribunal com início às 15h02m18s e termo pelas 15h07m00s que aqui se dá por integrado).

5º Terminando o seu depoimento afirmando que era sempre a mesma pessoa que fazia os telefonemas todos, sensivelmente a mesma voz, sendo possível que fosse diferente… (cfr. depoimento gravado através do sistema informático de gravação digital em uso no Tribunal com início às 15h02m18s e termo pelas 15h07m00s que aqui se dá por integrado).

6º Ora, o Tribunal a quo decidiu conferir credibilidade às declarações do ofendido, não tomando em devida consideração a factualidade constante da alínea 26) dos factos provados: O arguido esteve detido entre 27/11/2006 e 26/04/2012 e está detido em cumprimento de pena desde o dia 12/03/2015.

7º Ou seja, o ofendido coloca o arguido no seu estabelecimento comercial em Agosto de 2015, afirmando que o conhece desta altura, quando na realidade o arguido já se encontrava detido em cumprimento de pena.

8º O ofendido afirma que tem registos de entrada dos hóspedes no seu estabelecimento comercial e que terá recolhido a identificação do arguido, mas na realidade nunca tais registos foram entregues na polícia ou nos autos.

9º O ofendido confirma que apenas estabelece a relação entre os indivíduos que pernoitaram no seu estabelecimento e o arguido por ser um dos beneficiários de um depósito que efetuou.

10º Por conseguinte, ao credibilizar integralmente as declarações prestadas por LS, o Tribunal recorrido, incorre em erro notório na apreciação da prova, pois consta da factualidade provada, factos em clara e flagrante contradição com o depoimento prestado por aquela testemunha (alínea 26) dos Factos Provados)

11º Das declarações prestadas pelo ofendido LS, apenas se pode extrair com um mínimo de certeza a cronologia dos acontecimentos, a receção de telefonemas e mensagens de texto por indivíduos desconhecidos, e a realização dos depósitos nas contas bancárias cujos documentos se encontram nos autos.

12º Não sendo possível concluir com um grau de certeza que permita afastar a presunção de inocência, que efetivamente o arguido participou naqueles acontecimentos.

13º Igualmente, apreciadas em conjunto as declarações prestadas por AB e MA, também não se pode extrair a conclusão que os telemóveis … e …. que foram usados em 21/10/2015 e nos dias seguintes sejam da titularidade do arguido e tenham sido por eles utilizados. Senão vejamos:

14º Apesar de constarem dos autos pesquisas solicitadas às operadoras telefónicas acerca da identificação do titular daqueles números de telemóvel, das mesmas não consta que tenham sido adquiridos pelo arguido.

15º Em 21/10/2015 e nos dias seguintes, o arguido encontrava-se detido em cumprimento de pena, não sendo permitido aos reclusos a detenção e uso de telemóveis particulares.

16º Nos presentes autos, não foi feita prova clara e inequívoca que, apesar de se encontram detido em estabelecimento prisional, o arguido era detentor de telemóvel e dos cartões de telemóvel correspondentes àqueles dois números.

17º Em relação ao contacto telefónico …, toda a prova produzida nos presentes autos é completamente omissa em relação à sua titularidade.

18º No que respeita ao contacto telefónico …, importa considerar as declarações prestadas pelas testemunhas A e MG. Assim:

19º Em primeiro lugar anote-se que as declarações prestadas pela testemunha AB em sede de inquérito, constantes do auto de inquirição de testemunha de fls 413 (cfr. leitura de declarações gravada através do sistema informático de gravação digital em uso no Tribunal com início às 15h33m09s e termo pelas 15h36m48s que aqui se dá por integrada) não podiam ter sido valoradas pelo Tribunal a quo para formar a sua convicção no sentido de que aqueles números de telemóvel pertenciam ao arguido. Porquanto:

20º De acordo com o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 132º e nº 3 do artigo 138º, ambos do Código de Processo Penal, quando as testemunhas são inquiridas perante autoridade judiciária são obrigadas a prestar juramento, após o que depõem.

21º Ora, compulsado o auto de inquirição da testemunha A verifica-se que, apesar de ter sido informado dos seus direitos e deveres nos termos do artigo 132º do Código de Processo Penal, o certo é que, nas declarações prestadas por esta testemunha não resulta que a mesma tenha prestado o juramento legal.

22º A referida testemunha A, aquando daquela inquirição solicitou que lhe fosse nomeado defensor, sem que o mesmo estivesse presente no ato, por razões que se desconhecem.

23º Tais omissões (de juramento e nomeação de defensor previamente solicitado) colocam em causa a credibilidade do ato de inquirição e consequentemente as declarações nele vertidas, pelo que padecem de nulidade, não sendo possível sanar tal nulidade em virtude do óbito do declarante.

24º Mais, as próprias declarações desta testemunha, quando conjugadas com o depoimento prestado pela testemunha MG, também não se afiguram minimamente credíveis. Senão vejamos:

25º Com efeito, a aludida testemunha A assevera, sumariamente, que:

- O contacto telefónico … nunca lhe pertenceu, sendo pertença do arguido, colocando tal aparelho dentro do estabelecimento prisional. Ora, como é sabido, nos estabelecimentos prisionais não é permitida a detenção e uso de telemóveis;

- Apenas utilizou tal contacto telefónico por uma única ocasião para efetuar uma chamada telefónica para a sua ex-companheira MG. Todavia, MG referiu em julgamento, que recebeu várias chamadas de AB daquele número de telefone e de vários outros números de telefone, durante o tempo em que aquele esteve preso

- Quando contactou MG, referiu-lhe que era o seu contacto de trabalho, sendo tal facto confirmado por MG

- Mais tarde, escreveu uma carta a MG informando que estava preso. MG, por sua vez, diz que tomou conhecimento da prisão do ex-companheiro, por telefone

- Pediu a MG para efetuar um carregamento de € 5,00 naquele telemóvel, a pedido do arguido e que não voltou a contactar a ex-companheira através deste contacto telefónico.

- A testemunha MG terá enviado uma carta à testemunha A informando que não tinha conseguido carregar o telemóvel com € 5,00, pelo que fez um carregamento de € 7,50. No entanto, MG, asseverou em julgamento, que nunca tinha mandado qualquer carta à testemunha A.

26º Na verdade, confrontando diretamente as declarações destas duas testemunhas, é evidente que as declarações de AB, não são verdadeiras, nem correspondem à realidade, o que até se compreende, uma vez que a testemunha não prestou juramento legal.

27º Tal testemunha, receando implicações na sua esfera pessoal pelo facto de não ser permitido o uso de telemóvel em estabelecimento prisional e pelos factos em investigação nos presentes autos, limitou-se “a contar uma história”, que lhe fosse mais favorável e o isentasse de qualquer responsabilidade nos telefonemas efetuados com o ofendido….

28º Quanto às declarações prestadas por MG em julgamento (cfr. depoimento gravado através do sistema informático de gravação digital em uso no Tribunal com início às 15h54m45s e termo pelas 16h07m34s que aqui se dá por integrado e início às 16h11m20s e termo pelas 16h16m39s que aqui se dá por integralmente reproduzido), a mesma referiu, além do mais, que:

- Fez vários carregamentos de telemóveis a pedido da testemunha AB, mas não se recorda dos números de telemóvel

- Uma das vezes que a testemunha A lhe ligou, disse-lhe que estava no trabalho e depois ficou sabendo que estava preso

- Tinha várias chamadas gravadas daquele contacto telefónico

- Recebeu chamadas de números de telefone que a testemunha AB referia serem do trabalho

- Existiu uma conversa com AB na qual ele dizia que era para carregar um telemóvel a pedido do dono do telemóvel, mas não se recorda em relação a que número de telemóvel se refere esta conversa.

29º Sendo que, em sede de inquérito, quando foi inquirida em 06/06/2016 (cfr. auto de inquirição de fls. 393 e seguintes que aqui se dá por integrado e leitura de declarações gravada através do sistema informático de gravação digital em uso no Tribunal com início às 16h07m41s e termo pelas 15h11m18s que aqui se dá por integrado), esta testemunha refere que o telemóvel com o nº … pertence à testemunha AB, que era o titular e utilizador habitual daquele contacto telefónico, o qual seria o seu contacto de trabalho, sendo que, em julgamento confirmou que aquele número ainda se encontrava no seu telemóvel, com registo de várias chamadas, no momento em que foi inquirida perante o órgão de polícia criminal.

30º Por conseguinte, das declarações prestadas por estas duas testemunhas não é possível extrair com o grau de certeza exigível em processo criminal, que efetivamente, aquele contacto telefónico pertencesse ao arguido HP e que tenha sido por este utilizado, nas circunstâncias fáticas descritas no libelo acusatório.

31º De toda a prova produzida em julgamento, apenas se conseguiu determinar com certeza que o ofendido efetuou um depósito bancário no valor de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) na conta bancária titulada pelo arguido.

32º Por todo o exposto, e tendo presente que no nosso sistema criminal vigora o princípio de in dubio pro reo, considera o Recorrente que, de toda a prova produzida em sede de julgamento não é possível concluir que o arguido participou nos factos descritos na acusação pública e que cometeu um crime de burla qualificada.

33º Na verdade, os testemunhos constantes dos autos são contraditórios com factos julgados provados, havendo manifestas divergências entre as declarações prestadas pelas mesmas testemunhas em inquérito e em julgamento e entre os testemunhos dos inquiridos entre si…

34º Razão pela qual, atenta a presunção de inocência, impunha-se dar como não provada a factualidade constante das alíneas 2), 10), 11), 12), 16), 18), 19), e 20) do douto Acórdão, na parte em que se refere que o arguido participou naqueles acontecimentos. Com efeito, existe manifesto erro na apreciação da prova, uma vez que o arguido é colocado no estabelecimento comercial do ofendido, numa altura em que já se encontrava detido.

35º O mesmo sucedendo em relação aos factos contantes das alíneas 23), 24) e 28) do mesmo Acórdão. Na verdade, não foi produzida qualquer prova no sentido de que o arguido usa estratagemas semelhantes aos dos autos para obter rendimentos e que essa é a sua única fonte de sustento.

36º Pelo contrário, acha-se provado nos autos, na alínea 61) do Acórdão que desde 2012 que o arguido aufere pensão de invalidez no valor aproximado de € 400,00 (quatrocentos euros).

37º Pelo que, mais uma vez o Tribunal Recorrido dá como provados factos que estão em clara contradição com outros factos também julgados como assentes, incorrendo em erro notório na apreciação da prova.

38º Por todo o exposto, os factos constantes das alíneas 2), 10), 11), 12), 16), 18), 19), 20), 23), 24) e 28) do douto Acórdão devem ser julgados não provados, absolvendo-se o arguido da prática de um crime de burla qualificada, com referência à factualidade ocorrida em outubro de 2015 e constante do libelo acusatório.

39º O ora Recorrente foi condenado pela prática de um crime de burla qualificada, pela alínea b) do nº 2 do artigo 218º do Código Penal, ou seja, pelo arguido fazer da burla modo de vida.

40º Salvo melhor opinião e sempre com o devido respeito, considera o Recorrente que, não se encontram reunidos todos os pressupostos para se operar uma condenação por burla qualificada nos termos da supra referida alínea b), uma vez que, para que a burla possa ser considerada “um modo de vida”, ela tem de contribuir significativamente para o sustento do arguido.

41º Com efeito, conforme se refere no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09/12/2015 proferido no processo 801/10.1TAESP.P1 e disponível em www.dgsi.pt, “I-Entende-se como fazendo “da burla modo de vida” – circunstância qualificativa prevista no artigo 218º 2 b) do CP – não apenas a entrega habitual à burla que se basta com a pluri-reincidência, mas fundamental é também a reiteração dos crimes, que representam e fornecem os créditos principais do arguido”

42º Assim, era necessário ter ficado demonstrado nos presentes autos, que crimes de burla cometidos anteriormente pelo arguido fornecem e representam os créditos principais do arguido, o que não sucedeu. Porquanto:

43º Nos presentes autos, apenas se apurou que o arguido cometeu um crime de burla em 01/04/2005 e entre 2012 e 2016 cometeu oito crimes de burla, desconhecendo-se quais os rendimentos que foram retirados pelo arguido destes concretos ilícitos criminais.

44º Desta feita, desconhecendo-se os montantes que o arguido se apropriou nos ilícitos criminais anteriores, nunca se poderá afirmar que daí retirou rendimentos que representam os seus principais créditos e que tais rendimentos contribuíram significativamente para o seu sustento.

45º Por outro lado, também se ignorou por completo, quando da prolação da sentença que “em 2012 (o arguido) passou a beneficiar de um subsídio estatal de cerca de 400 euros mensais por invalidez de caracter psiquiátrico, que foi suspenso durante algum tempo, entretanto reativado” (cfr. alínea 61) dos factos julgados provados constantes da sentença)

46º Isto é, na sua fundamentação, o Tribunal a quo não considerou devidamente que o arguido se encontra incapacitado de prestar trabalho.

47º O Tribunal a quo ignorou também o facto de o arguido auferir mensalmente € 400,00, sendo esta a sua principal fonte de rendimento que, na altura da alegada prática dos factos (2015) se encontrava bem próximo do montante correspondente ao salário mínimo nacional (€ 505,00).

48º Mais, o depósito em causa nos autos é de apenas € 750,00, pelo que, atento o seu valor, não permite afirmar que contribuiu decisivamente para o sustento do arguido.

49º Assim como, também não ficou minimamente evidenciado na decisão proferida pelo Tribunal a quo, quais os montantes que o arguido se apoderou nos restantes crimes de burla pelos quais já foi condenado, por forma a se compreender se contribuem significativamente para o seu sustento, para se afirmar a existência de “um modo de vida”

50º Pelo exposto, atendendo ao valor de € 750,00, terá de considerar-se que os factos se integram no conceito de crime de burla simples, previsto no artigo 217º do Código Penal.

51º O Recorrente discorda da sua condenação como reincidente. Porquanto:

52º O Tribunal a quo fundamenta esta decisão de condenação em reincidência, com base apenas no certificado de registo criminal do arguido, referindo expressamente que “(…) compulsado o certificado de registo criminal do arguido, constata-se que se encontra preenchido o pressuposto material no que respeita aos crimes patrimoniais, ou seja, podendo manter uma conduta lícita e conforme ao direito, o arguido não desenvolveu qualquer esforço no sentido de se inserir na sociedade, não se inibindo de praticar os ilícitos constantes dos presentes autos, de tipo idêntico aos que fundamentaram as suas condenações, o que demonstra que as mesmas não constituíram censura suficiente em ordem a afastá-lo da prática de novos crimes, sendo especialmente censurável tal desrespeito pelas condenações anteriores.

53º E afirmando apenas em termos genéricos “que da factualidade dada como provada avultam ostensivamente factos dos quais se pode retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra os crimes patrimoniais veiculada pelas anteriores condenações transitadas em julgado, afastando-se uma eventual situação de delinquência pluriocasional, resultante de fatores exógenos, designadamente a personalidade revelada pelo arguido, a ausência voluntária de hábitos de trabalho, de falta de investimento em atividade pessoais e profissionais minimamente estruturadas;”

54º O Tribunal Recorrido refere a ausência voluntária de hábitos de trabalho, esquecendo por completo que o arguido vive de uma pensão de invalidez e, sendo inválido, não pode ter hábitos de trabalho. Por conseguinte, a ausência de hábitos de trabalho não é voluntária, antes tem na sua origem a invalidez do arguido.

55º Refere-se ainda que o arguido não investe em atividades pessoais e profissionais minimamente estruturadas, não tendo esta afirmação qualquer suporte factual.

56º Pelo contrário, em contexto prisional, o arguido desenvolveu e predispõe-se a desenvolver atividades laborais (cfr. alíneas 68), 71 e 73) dos factos provados), tendo inclusivamente efetuado com sucesso uma formação em Matemática.

57º Por conseguinte, não podia o arguido ter sido condenado a título de reincidência.

58º Finalmente, o arguido não se conforma com a aplicação de uma pena de 4 (quatro) anos de prisão, considerando-a manifestamente exagerada em face da culpa.

59º Mais, tendo em consideração que o percurso de vida do arguido foi marcado por “disfuncionalidade familiar com episódios de violência doméstica e alcoolismo do progenitor, falta de estímulos positivos na sua infância e uma autonomia precoce sem controlo parental, o que se repercutiu negativamente nas capacidades de ascendência e de orientação do seu comportamento no sentido da responsabilidade social.”

60º E que presentemente o arguido revela uma atitude crítica em relação à sua pessoa e às suas atuações anteriores, encontrando-se bem inserido profissional e socialmente no estabelecimento prisional: casou em setembro de 2019 e tem tido ocupações profissionais, tendo solicitado novamente ocupação laboral.

61º Bem como o facto de a “burla” ter recaído apenas na quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), que se afigura um valor nada elevado,

62º Pelo que, considera que adequada à culpa e exigências de prevenção (geral e especial), a aplicação de uma pena de prisão que coincida com o mínimo legal, a qual mantém a garantia de dissuasão da prática de crimes tanto pelo arguido, como pelos outros cidadãos, faz subsistir o reforço da convicção de que as normas penais são válidas e eficazes, e aprofunda a consciência dos valores jurídicos.

63º Por todo o exposto, o Tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova e violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 218º, nº 2, al. b), 75 e 76º, ambos do Código Penal.

O Ministério Público respondeu, nos termos que constam de fls. 1645 a 1654, aqui dados por inteiramente reproduzidos, concluindo pela improcedência do recurso.

Neste Tribunal da relação de Évora, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu parecer, no qual se pronunciou no sentido improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Como o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelos recorrentes nas respetivas motivações de recurso, nos termos preceituados nos artigos 403º, nº 1 e 412º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal, podendo o Tribunal de recurso conhecer de quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida, cumprindo cingir-se, no entanto, ao objeto do recurso, e, ainda, dos vícios referidos no artigo 410º do referido Código de Processo Penal, - v. Ac. do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19 de Outubro - vejamos, pois, se assiste razão ao arguido, ora recorrente, no que respeita às questões que suscitou nas conclusões do presente recurso, quais sejam:

- A sua discordância quanto à matéria apurada nos pontos 2, 10, 11, 12, 16, 18, 19, 20, 23, 24 e 28, a qual, em sua opinião, deveria ser considerada como não provada, com o consequente erro notório na apreciação da prova;

- A violação do princípio in dubio pro reo;

- O erro na qualificação jurídica, devendo os factos subsumir-se, em sua opinião, à previsão da burla simples, p. e p. pelo artigo 217º do Código Penal.

- A excessividade da pena aplicada

Está em causa a seguinte matéria de facto apurada:

1) LRMS explorava no ano de 2015 o estabelecimento comercial ‘….’, sito em …, …, sendo que também procedia ao aluguer de quartos que tinha disponíveis para o efeito;

2) O arguido H e outro indivíduo, por meio não concretamente apurado, tiveram conhecimento do descrito em 1.º;

3) No dia 31.08.2015 por volta das 08 horas e 30 minutos, foi efectuada uma chamada telefónica para o número fixo da referida pensão, o …, tendo a mesma sido atendida pelo ofendido LRMS;

4) Nessa chamada, essa pessoa identificou-se como funcionário das finanças e disse que tinha na sua posse um processo com origem numa participação por não emissão de fatura a alguns hóspedes e que iria avançar com um processo;

5) Mais disse que poderia não avançar com o processo caso o ofendido efetuasse o pagamento da quantia de € 1.895,00 para a conta bancária com o número …, domiciliada na instituição bancária ‘…’;

6) O ofendido, convencido que os factos que lhe estavam a ser transmitidos correspondiam à verdade e por temer as consequências por poderiam advir daquele processo fiscal, efetuou quatro depósitos no dia 31.08.2015, um no valor de € 800,00, um no valor de € 380,00, um no valor de € 400,00 e outro no valor de € 315,00, na conta indicada, tendo para o efeito ido ao balcão de … da instituição bancária ‘…’;

7) A pessoa referida em 3) alegando que precisava de mais dinheiro para não avançar com o referido processo, exigindo assim que este efetuasse novos depósitos naquela conta bancária, no valor de pelo menos € 1.050,00;

8) O ofendido, uma vez mais convencido que os factos que lhe estavam a ser transmitidos correspondiam à verdade e por temer as consequências por poderiam advir daquele processo fiscal, efetuou os três seguintes depósitos: no dia 07.09.2015 efetuou um depósito no valor de € 600,00, no dia 10.09.2015 efetuou um depósito no valor de € 350,00 e no dia 11.09.2015 efetuou um depósito no valor de € 100,00, na conta indicada, tendo para o efeito ido ao balcão de … da instituição bancária ‘…’;

9) A conta n.º …, onde foram efetuados os depósitos pelo ofendido, encontra-se domiciliada na instituição bancária ‘…’, no balcão …, …, titulada pelo arguido LFDC e por EMSD, sendo que à data dos factos essa conta era somente movimentada pelo arguido L;

10) O arguido H, ainda na posse e conhecimento de que o ofendido LRMS explorava no ano de 2015 o estabelecimento comercial ‘…’, sita em …, …, sendo que também procedia ao aluguer de quartos que tinha disponíveis para o efeito, tomou uma resolução para determinar o ofendido a entregar-lhe quantias em dinheiro e desse modo apropriar-se do máximo de dinheiro do ofendido que conseguisse;

11) No seguimento dos seus intentos, o arguido H efetuou no dia 21.10.2015, por volta das 21 horas, uma chamada, do n.º …, de sua propriedade e que nesta data se encontrava na sua posse, para o número fixo da referida pensão, o …, tendo a mesma sido atendida pelo ofendido LRMS;

12) Nessa chamada, o arguido H identificou-se como sendo inspetor da polícia judiciária, e com o nome JC, tendo dito que tinha um processo, a que tinha de dar seguimento, relacionado com queixas devido a dormidas naquela pensão, tendo aí dito que a pessoa a quem havia dado dinheiro havia sido preso e que como tinha o telefone sob escuta havia provas de que tinha efetuado esses depósitos;

13) Ainda nessa chamada, foi transmitido ao ofendido que para o processo não andar para a frente teria de efetuar o pagamento da quantia de € 1.500,00 para o NIB …;

14) O ofendido, convencido que os factos que lhe estavam a ser transmitidos correspondiam à verdade e por temer as consequências por poderiam advir daquele processo, efetuou o depósito, no dia 22.10.2015, da quantia de € 750,00 para a referida conta bancária;

15)A conta bancária n.º …, com o NIB …, encontra-se domiciliada na instituição bancária ‘…’, tendo sido aberta na agência de …, e é titulada pelo arguido H;

16) Ainda na chamada efetuada no dia 21.10.2015, o arguido H solicitou ao ofendido que este fornecesse o seu número de telemóvel a fim de serem realizados os contactos futuros, o que este fez, fornecendo o número …, tendo desde essa data recebido diversas mensagens de texto do número … exigindo o pagamento da restante quantia, a fim de evitar que o processo fosse para a frente, o que o ofendido não efetuou por se aperceber que estaria a ser enganado;

17) O arguido não é inspetor da polícia judiciária, nem nunca foi, e sabia que os factos que tinha sido relatado ao ofendido não correspondiam à verdade;

18)O arguido apenas pretendeu induzir em erro o ofendido, levando-o a crer de que o que lhe dissera era verdade, e a efetuar o depósito bancário referido supra para a sua conta bancária, sem qualquer contrapartida, como ocorreu;

19)O arguido, ao atuar do modo descrito, solicitando e permitindo a realização do depósito bancário naquela conta, não obstante saber que tais factos não eram verdadeiros, mas que o ofendido estava convencido da veracidade dos mesmos, agiu, ainda, com o propósito de o convencer a efetuar tais pagamentos e de obter uma vantagem económica, de igual montante ao prejuízo causado, a que sabia não ter direito, nem qualquer sustento legal, integrando essa quantia no seu património, fazendo-a sua e usando-a de acordo com as suas necessidades e em seus proveitos, nomeadamente, em pagamentos e levantamentos de quantias em numerário, o que quis e logrou conseguir;

20) O arguido ao disponibilizar a sua conta bancária para que fosse aí recebido o depósito efetuado pelo ofendido, e tendo pleno conhecimento de que esse depósito apenas ocorreu porquanto logrou convencer o ofendido de que a historia que lhe contou era verdadeira e que assim conseguiria evitar que lhe fosse aberto um processo, sabia que o fundamento da realização desse depósito não era verdadeiro, e que por isso assentava em factos ilícitos, não sendo essa quantia devida, nem a si nem a qualquer outra pessoa, e não obstante saber que com essa conduta causava um prejuízo monetário ao ofendido de pelo menos igual montante, atuou com o intuito de obter para si ganhos monetários que sabia não lhes serem devidos nem terem qualquer sustento legal, agindo com esse propósito e intenção, o que quis e logrou conseguir;

21)Mais sabia o arguido que as histórias relatadas ao ofendido não eram verdadeiras, bem como que este apenas procedeu aos referidos depósitos devido ao ardil que criou para o convencer, aproveitando-se das fragilidades do ofendido para se locupletarem das quantias que recebeu, guardou e integrou no seu património não lhe pertencia nem lhes eram devidas;

22) O arguido, ao actuar da forma descrita agiu sempre de forma livre, voluntária, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal;

23) O arguido H, pelo menos desde Outubro de 2014 e até finais de Dezembro de 2015, que usa estratagemas em tudo semelhantes aos descritos supra para obter rendimentos, de forma contínua, que lhe permitam fazer face a todas as suas despesas pessoais e familiares, não desempenhando qualquer profissão, o que pretendeu e logrou conseguir;

24) O arguido dedicou-se, assim, e pelo menos durante esse período, a essa atividade ilícita, em exclusivo, a qual era a sua única fonte de sustento;

25) O arguido H foi condenado, para além das demais condenações pela prática de outros ilícitos criminais: no âmbito do processo n.º 453/02.2PBOER, do (extinto) 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oeiras, na pena única de dois anos e seis meses de prisão efetiva, por acórdão datado de 15.07.2003, transitado em julgado em 30.07.2003, pela prática entre 03.04.2002 e 07.08.2002, de cinco crimes de roubo, p. p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. p. pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, de um crime de coacção, p. p. pelo artigo 154.º, n.º 2 e 30.º, n.º 2, ambos do Código Penal, e, de um crime de abuso de confiança, p. p. pelo artigo 205.º, n.º 1 do Código Penal, na pena única 2 anos e 6 meses de prisão; no âmbito do processo n.º 717/06.6PWLSB, da (extinta) 1.ª Secção da 3.ª Vara Criminal de Lisboa, na pena única de 04 anos e 02 meses de prisão, por Acórdão proferido em 20.06.2007 e transitado em julgado em 05.07.2007, pela prática entre 19.06.2006 e 20.06.2006, de um crime de roubo, p. p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, de um crime de sequestro, p. p. pelo artigo 158.º, do Código Penal, e, de um crime de falsificação de documento, p. p. pelo artigo 256.º do Código Penal, na pena única de 4 anos e 2 meses de prisão; no âmbito do processo n.º 460/05.3PBOER, do (extinto) 1.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial de Oeiras, na pena única 02 anos e 09 meses de prisão, por Acórdão datado de 31.03.2009, transitado em julgado em 29.04.2009, pela prática em 01.04.2005,de um crime de burla, p. p. pelo artigo 217.º do Código Penal, e de um crime de passagem de moeda falsa, p. p. pelo artigo 265.º do Código Penal; no âmbito do processo n.º 460/05.3PBOER foi efetuado um cúmulo jurídico, que englobou as condenações sofridas neste processo e no processo n.º 717/06.6PWLSB, tendo sido aplicada uma pena única de 06 anos e 06 meses de prisão efetiva, tendo sido concedida liberdade definitiva ao arguido no dia 26.05.2013;no âmbito do processo n.º 937/12.4PHLSB, que corre termos na 1.ª Secção Criminal (J22) da Instância Central do Tribunal da Comarca de Lisboa, pela prática em 29 e 30 de Outubro de 2012 de um crime de crime de burla na forma tentada, e como reincidente, e de um crime de burla, como reincidentes, p.p. pelos artigos 217.º, n.º 1, 22.º, 23.º, 73.º e 75.º do Código Penal, nas penas de nove meses de prisão efetiva e de um ano e três meses de prisão efetiva, e em cúmulo, na pena única de um ano e seis meses de prisão efetiva, por Acórdão proferido em 21.11.2014 e transitado em julgado em 13.04.2015;

26) Esteve detido à ordem destes processos entre 27.11.2006 e 26.04.2012 e está detido em cumprimento de pena desde o dia 12.03.2015;

27) Não obstante, as referidas condenações não constituíram obstáculo bastante ao cometimento de novos crimes, antes revelando o arguido propensão para a prática de atos puníveis criminalmente, querendo manter uma conduta desconforme ao direito, sendo que desde que o mesmo foi libertado, pela última vez, até à data da prática dos factos pelos quais foi deduzida acusação não decorreram mais de cinco anos;

28) O arguido comete os ilícitos também enquanto se encontra detido, dentro do estabelecimento prisional, apresentando uma ausência voluntária de hábitos de trabalho, vivendo exclusivamente do produto criminoso dos seus atos, praticados principalmente contra o património de outros, quer se encontre em liberdade ou preso;

29) Por decisão transitada em julgado em 30.07.2003, o arguido foi condenado, em cúmulo jurídico na pena única de 2 anos e seis meses de prisão pela prática de 6(seis) crimes de roubo p.e p. pelo artigo 210, n.º1 do Código Penal ( doravante CP); ofensas à integridade física simples p. e p. pelo artigo 143, n.º1 do CP; coacção p. e p. pelo artigo 154 do CP; abuso de confiança p. e p. pelo artigo 205, n.º1 do CP por factos praticados entre Abril e Agosto de 2002 (processo n.º 453/02.2.PBOER – 3º juízo criminal de Oeiras) que foi declarada extinta pelo cumprimento em 28.02.2005;

30) Por Acórdão transitado em julgado em 05.07.2007, o arguido foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena de 4 anos e 2 meses de prisão pela prática de 1 crime de roubo p.e.p. pelo artigo 210, n.º1. al b) e n.º2 do CP; 2 crime de sequestro p.e p. pelo artigo 158, n.º1 e n.º 2. al. e) do CP e 1 crime de falsificação p. e p. pelo artigo 256, n.º1. al. a) e b) do CP por factos praticados em Junho de Setembro de 2006 ( processo n.º 717/06.6PWLSB da 3ª Vara criminal 1ª secção do Tribunal de Lisboa) declarada extinta;

31) Por Acórdão proferido em 2009/03/31 e transitado em julgado em 2009/04/29 o arguido foi condenado, na pena de 2 ANOS, 9 MESES de prisão, pela prática de um crime de passagem de moeda falsa p. e p. pelo artigo 265º do C. P. e um crime de burla simples p.e p. pelo artigo 217º do C. P. por factos praticados em 2005/04/01 (processo n.º 460/05.3PBOER, 2º juízo competência criminal do Tribunal Judicial de Oeiras) tendo, posteriormente, em cumulo jurídico com a pena aplicada no processo que antecede, sido aplicada a pena única de 6 anos e 6 meses de prisão, extinta em 31.10.2014;

32) Por Acórdão transitado em julgado em 2015/04/13, proferido pelo juiz 22, do juízo central criminal do tribunal judicial da comarca de Lisboa no processo n.º 937/12.4PHLSB, o arguido foi condenado pela prática de 1 crime de burla na forma tentada como reincidente p.e.p. pelo artigo 217º, nºs 1, 22.º, 23.º, 73º E 75º, todos do CP e 1 crime de burla simples reincidente p.e.p. pelo artigo 217º, n.1 e 75º, do CP por factos praticados em 2012/10/29 na pena de 1 ano e 6 meses de prisão efectiva, extinta em 31.10.2014;

33) Por sentença transitada em julgado em 06.05.2015, no tribunal judicial da comarca de Aveiro, juízo competência genérica de Ílhavo, juiz 2, no processo sumário n.º. 54/15.5GAILH, por factos praticados em 22.02.2015, o arguido foi condenado pela prática de 1 crime de condução de veiculo em estado de embriaguez p. e p. pelos artigos 292.º n. 1 e 69.º n.º 1 al. a) ambos do CP e 1 crime de condução sem habilitação legal p. e p. artigo 3.º nº 1 e 2 do decreto–lei nº 2/98 de 3/01, por referência aos artigos 121.º n.º 1 e 4 e 123.º,ambos do CE na pena de 180 dias de multa à taxa diária de € 5,00, no total de 900,00 EUROS, pena declarada extinta em 2017/04/24;

34) Por sentença transitada em julgado em 2015/10/19, tribunal judicial da comarca de Aveiro, juízo competência genérica de ílhavo, juiz 2, no processo sumário n. 121/15.5GAILH, por factos praticados em 2015/04/01, o arguido foi condenado pela pratica de 1 crime de condução sem habilitação legal p. e p. artigo 3.º nº 1 e 2 do decreto–lei nº 2/98 de 3/01, na pena de 220 dias de multa à taxa diária de 5,00, no total de 1100,00 euros , pena declarada extinta em 2018/12/03;

35) Por sentença transitada em julgado em 2019/05/02, do tribunal da comarca do Barreiro, juízo local criminal do Barreiro, juiz 2, processo Comum singular nº 1165/14.0PBEVR, por factos praticados em 2014/11/29, o arguido foi condenado pela prática de 1 crime de burla simples p.e p. pelo artigo 217º do C. P.na pena de 2 anos de prisão efectiva;

36) Por sentença transitada em julgado em 2015/11/26, no tribunal judicial da comarca de Aveiro, juízo local criminal de Ovar, no processo sumaríssimo n.º 316/14.9GCOVR, por factos praticados em 2014/07/18, o arguido foi condenado pela prática de 1 crime de condução sem habilitação legal p. e p. artigo 3.º nº 1 e 2 do decreto –lei nº 2/98 de 3/01, na pena de 40 dias de multa à taxa diária 6,00, no total de 240,00 euros substituída por 26 dias de prisão domiciliária, pena declarada extinta em 2016/12/02;

37) Por sentença transitada em julgado em 2016/01/19, no Tribunal da comarca de Leiria, juízo Local criminal de leiria , juiz 2, no processo comum singular n.º 400/13.6PBLRA, por factos praticados em 2013/06/13, o arguido foi condenado pela prática de 1 crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152 do CP na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa por igual período, declarada extinta em 2018/07/19;

38) Por sentença transitada em julgado em 2016/04/27, no tribunal da comarca de Castelo Branco, Juízo local criminal do Fundão, no processo comum singular n.º263/14.4GBFND, por factos praticados em 14/07/04, o arguido foi condenando pela prática de 1 crime de furto simples p. e p. artigo 203º, nº1 do CP e 1 crime de condução sem habilitação legal p. e p. artigo 3.º nº 1 e 2 do decreto –lei nº 2/98 de 3/01, na pena de 25 meses de prisão efectiva tendo em sentença cumulatória com a pena aplicada no processo n. 937/12.4PHLSB, sido condenado na pena única de 38 meses de prisão;

39) Por sentença transitada em julgado em 2017/12/04, do tribunal Judicial da comarca de Aveiro, juízo de competência genérica de Estarreja, no processo comum singular n.º 263/14.4GAETR, por factos praticados em 2014/07/21, o arguido foi condenado pela prática de 1 crime de furto simples p. e p. artigo 203º, nº1 do CP; 1 crime de condução sem habilitação legal p. e p. artigo 3.º nº 1 e 2 do decreto –lei nº 2/98 de 3/01,e 1 crime de burla na forma tentada p.e p. pelo artigo nº 217º, NºS 1 e 2, do CP na pena de 23 meses de prisão efectiva;

40) Por sentença transitada em julgado em 2016/06/23, do Tribunal judicial da comarca de Santarém, juízo de competência genérica de Rio Maior, no processo comum singular n. º 265/15.3GARMR, por factos praticados em 2015/04/28, o arguido foi condenado pela prática de 1 crime de furto simples p. e p. artigo 203º, nº1 do CP na pena de 200 dias de multa à taxa diária de €5,00, no total de 1.000,00 EUROS, pena esta convertida em 133 dias de prisão subsidiária que foi declarada extinta em 2017/06/01;

41)Por Acórdão transitado em julgado em 2018/02/14, Tribunal judicial da comarca de Leiria, juízo central criminal no processo comum colectivo n:º 313/14.4JALRA, por factos praticados em 2014/10/05 e 2014/10/13, o arguido foi condenado pela prática de 1 crime de furto simples p. e p. artigo 203º, nº1 do CP e 1 crime de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1 e 218º, nº 2,al. b) do CP na pena única de 5 anos e 2 meses de prisão efectiva;

42) Por sentença transitada em julgado em 2016/12/21, do Tribunal judicial da comarca de Santarém, juízo competência genérica do Cartaxo, processo sumário n. º 41/15.3GACTX, por factos praticados em 2015/02/19, o arguido foi condenado pela prática de crime de condução sem habilitação legal p. e p. artigo 3.º nº 1 e 2 do decreto –lei nº 2/98 de 3/01 na pena de 179 dias de multa à taxa diária € 5,00, no total de 895,00 euros pena esta convertida em 119 dias de prisão subsidiária;

43) Por sentença transitada em julgado em 2017/02/02, no Tribunal judicial da comarca de Santarém, juízo local criminal, juiz 2, no processo comum singular n.º 712/14.1PBSTR, por factos praticados em 2014, o arguido foi condenado pela prática de 1 crime de ameaça p.e p. artigo 153 n.º 1 do CP na pena de 3 meses de prisão substituída por 90 dias de multa à taxa diária de €5,00, no total de €450,00, pena extinta em 2018/07/10;

44) Por sentença transitada em julgado em 2017/11/13, no tribunal judicial da comarca de Coimbra, Juizo local criminal de Cantanhede, processo comum singular n.º 151/15.7T9CNT, por factos praticados em 2015/03/08, o arguido foi condenando pela prática de 1 crime de burla simples p.e p. pelo artigo 217º do C. P.na pena de 8 meses de prisão efectiva;

45) Por sentença transitada em julgado em 2017/11/13, Tribunal judicial da comarca de Santarém, juízo local Torres Novas no no processo comum singular n.º 57/15.0PATNV, por factos praticados em 2015/01/21, o arguido foi condenado pela prática de crime de burla simples p.e p. pelo artigo 217º do C. P. na pena de 26 Meses de prisão efectiva;

46) Por sentença transitada em julgado em 2018/06/14, no tribunal judicial da comarca de Lisboa oeste, Juízo local criminal da Amadora, no processo comum singular n.º 187/15.8PBAMD por factos praticados em 2015/02/28, o arguido foi condenado pela prática de 1 crime de burla simples p.e p. pelo artigo 217º do C. P na pena de 11 meses de prisão;

47) Por Acórdão transitado em julgado em 2018/09/12, do Tribunal da comarca de Leiria, Juízo central criminal, no processo comum colectivo n.º 994/16.4JFLSB, por factos praticados entre novembro de 2015 e novembro de 2016, o arguido foi condenado pela prática de 1 crime de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1 e 218º, nº 2, al. b) do CP e 1 crime de corrupção activa p. e p. pelo artigo 374º, n.º 1 do CP, na pena de 7 anos de prisão efectiva;

48) Por sentença transitada em julgado em 2018/11/29, no tribunal judicial da comarca de Lisboa oeste, Juízo local criminal de Cascais, no processo comum singular nº 990/15.9PRPRT, por factos praticados em 2015/08/05, o arguido foi condenado pela prática de 1 crime de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1 e 218º, nº 2, al. b) do CP na pena de 2 anos e 11 meses de prisão efectiva;

49) Por sentença transitada em julgado em 2019/03/18, do tribunal Judicial da comarca de Aveiro, juízo de competência genérica de Espinho, no processo comum singular n.º 538/16.8PAESP, por factos praticados em 2016/07/13, o arguido foi condenado por 1 crime de extorsão p. e p. pelo artigo 223 do CP na pena de 18 meses de prisão;

50) Por Acórdão transitado em julgado em 2019/05/29, tribunal judicial da comarca de Lisboa oeste, Juízo central criminal de Cascais, no processo comum colectivo nº: 46/15.4PDOER, por factos praticados em 2015/02/11, o arguido foi condenado pela prática de 1 crime de roubo qualificado p. e p. pelo artigo 210, nº 2 do CP na pena de 3 anos e 10 meses de prisão;

51)Por Acórdão transitado em julgado em 2019/07/12, Tribunal da comarca de Leiria, Juízo central criminal, no processo comum colectivo n.º 339/14.8GAACB, por factos praticados em 2014/12/02, o arguido foi condenado pela prática de 1 crime de detenção de arma proibida p. e p pelos artigos 3º, n.º 6, al. a) e 86º, n.º 1, al. c) e d) da Lei 5/2006, 23.02, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão;

52) Por sentença transitada em julgado em 2019/11/18, tribunal judicial da comarca de Setúbal, juízo local criminal, no processo comum singular n.º 134/18.5PBBRR, por factos praticados em 2018, o arguido foi condenado pela prática de 1 crime de burla na forma tentada p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1 e 2, 22º e 23º do CP, por referência aos artigos 75º e 76º do mesmo diploma legal na pena de 9 meses de prisão;

53) O arguido é o mais novo de seis irmãos, tendo vivenciado no seu processo de desenvolvimento comportamentos agressivos do progenitor, alcoólico, que protagonizava episódios de violência doméstica;

54) Aos nove anos de idade, o arguido passou a evidenciar problemas ao nível comportamental, o que contou com a intervenção da CPJ de …, tendo ficado internado na ..,, inserção com fraco sucesso devido às dificuldades que registou na sua adaptação, acabando por ser transferido para o …, onde concluiu o 2º ciclo de escolaridade;

55) A primeira experiência laboral do arguido terá ocorrido após saída do colégio, como servente na construção civil, ainda que por pouco tempo, por ter passado a privilegiar o convívio com pares marginais envolvendo-se em práticas delituosas, o que culminou na sua prisão aos dezasseis anos, tendo cumprido integralmente uma pena de dois anos e seis meses;

56) Regressado à liberdade definitiva em 16.02.2005, HC encetou uma relação amorosa com uma jovem de etnia cigana, tendo o casal passado a viver na zona de …, relacionamento que terminou após o nascimento do filho com doze anos de idade;

57) O menor encontra-se à guarda da avó paterna;

58) Após outro cumprimento de pena, o arguido colocado em liberdade, o arguido estabeleceu nova relação afectiva com uma jovem residente em …, …, (co-arguida em processos anteriores) passando o casal a viver em união de facto nessa cidade juntamente com as duas menores, filhas daquela;

59) Do percurso pessoal do arguido há a registar períodos marcados por forte instabilidade comportamental, apresentando um diagnóstico ao nível de saúde mental (patologia depressiva), tendo registado no decurso da última detenção internamento no departamento de psiquiatria do …;

60) Durante os períodos em que se manteve em liberdade HC foi seguido em consultas de psiquiatria em centro hospitalar da região onde residia;

61) Em 2012 passou a beneficiar de um subsídio estatal de cerca de 400 euros mensais por invalidez de carácter psiquiátrico, que foi suspenso durante algum tempo, entretanto reativado;

62) O arguido encontra-se preso desde 4 de Setembro de 2015, à ordem do Proc. Nº 57/15.0PATNV do Tribunal de Santarém – Torres Novas – Juízo Local Criminal;

63) No período referido em 58) registaram-se situações de violência doméstica que determinaram a intervenção da CPCJ local, tendo as menores sido afastadas do lar familiar;

64) O seu único filho permaneceu sob os cuidados da avó paterna, e o arguido não assumiu qualquer responsabilidade parental sobre o mesmo;

65) A companheira foi presa no Estabelecimento Prisional de Tires, desconhecendo-se a presente situação jurídica tendo a relação terminado;

66) O arguido veio a encetar novo relacionamento com jovem que conhecera em 2012, beneficiando de visitas dessa namorada, sendo que casaram em Setembro de 2019;

67) Em termos institucionais, o arguido após permanência nos Estabelecimentos Prisionais da … e de …, foi transferido para o EP de … por questões internas decorridas no estabelecimento prisional anterior;

68) Nesse período de permanência no EPM, de 02.07.2018 a 18.07.2019, frequentou as actividades ali disponibilizadas, tendo trabalhado como faxina da biblioteca e integrou com sucesso a FMC de Matemática, tendo mantido um comportamento institucional adequado;

69) Transferido para o EP do … manteve-se inactivo e registou uma participação em 07.09.2019 por posse de objecto não autorizado;

70) Nesse contexto prisional beneficiou de acompanhamento médico especializado, com terapêutica medicamentosa para controlo de ansiedade;

71)No presente contexto prisional, HC mantém-se inactivo apesar de ter solicitado uma actividade laboral, aguardando ser convocado, ocupando o tempo na sua cela ou em actividades recreativas no pátio;

72) O arguido beneficia de acompanhamento médico especializado, encontrando-se com terapêutica medicamentosa para controlo de ansiedade;

73) Novamente transferido para o EP de … em 04.11.2019, onde se encontra em regime de segurança máxima, HC tem mantido um comportamento institucional correcto tendo já solicitado a sua ocupação laboral;

74) No plano familiar dispõe do apoio da esposa, da sua mãe e filho, elementos de referência de suporte em meio livre.

Não se provou que:

- O arguido nas circunstancias referidas em 3) e outro individuo ou alguém a mando destes e com os seus plenos conhecimentos e acordos tenha efectuado a chamada telefónica;

- O arguido e outro individuo nas circunstancias referidas de 3) a 8) ao constatarem que o ofendido efetuou os referidos depósitos, reiteraram nas suas condutas e efetuaram, por si ou por intermédio de terceiro, e efetuaram novas chamadas para o ofendido;

- O arguido não é, ou foi, inspetor das finanças, e soubesse que os factos que tinham sido relatados ao ofendido não correspondiam à verdade.

- O arguido nas circunstâncias de 3) a 8) agiu de forma livre e concertada e com o propósito concretizado de, utilizando um plano previamente traçado e em comunhão de esforços com outro individuo, determinarem o ofendido a entregar-lhes o máximo de dinheiro que conseguissem, não obstante saberem que com tais condutas causavam um prejuízo patrimonial ao ofendido, o que quiseram e lograram conseguir;

- O arguido e outro individuo, nas circunstancias de 3) a 8), apenas pretenderam induzir em erro o ofendido, levando-o a crer de que o que lhe disseram era verdade, e a efetuar as transferências bancárias referidas supra para conta bancária do arguido L, sem qualquer contrapartida, como ocorreu;

- O arguido, ao actuar do modo descrito em 3) a 8), solicitando e permitindo a realização dos depósitos bancários naquela conta, não obstante saber que tais factos não eram verdadeiros, mas que o ofendido estava convencido da veracidade dos mesmos, agiu com o propósito de o convencer a efetuarem tais pagamentos e de obter uma vantagem económica, de igual montante ao prejuízo causado, a que sabia que não tinha direito, nem sustento legal, integrando tais quantias no seu património, fazendo-as suas e usando-as de acordo com as suas necessidades e em seus proveitos, nomeadamente, em pagamentos e levantamentos de quantias em numerário, o que quis e logrou conseguir.

- O arguido obteve nas circunstancias de 3) a 8) ganhos monetários que sabia não lhe serem devidos nem terem qualquer sustento legal, agindo com esse propósito e intenção, o que quis e logrou conseguir.

O Tribunal a quo fundou a decisão da matéria de facto nos seguintes termos:

“Quanto as condições socio económicas e antecedentes criminais a nossa convicção estribou-se na análise do CRC de fls. 1538 a 1536 verso e relatório de fls. 1516 verso a fls. 1518 verso cuja factualidade estrutural se reproduziu na matéria provada.

No que concerne às circunstancias de tempo, modo e lugar dos factos foi relevante o testemunho do ofendido LS. Com efeito, apesar de bastante comprometido pelo facto de não ter emitido factura após a estadia do arguido e outros indivíduos na sua pensão (negou em audiência), terminou, de forma assertiva e inequívoca, confirmando o teor das declarações prestadas em sede de inquérito.

Nas mesmas, relata com o pormenor possível a cronologia dos acontecimentos descrevendo os contactos desde a estadia do arguido e outros indivíduos até 30 de agosto de 2015, o início dos telefonemas e trocas de mensagens escritas.

Na sequência do alerta de queixa por parte de um dos indivíduos que pernoitara no seu estabelecimento recebeu uma chamada de pessoa que se intitulava funcionário das finanças. A partir desse momento, embora não consiga identificar de imediato a voz do remetente, foi compelido a depositar algumas quantias: 600 euros, 350 euros, 100 euros, etc numa conta bancária indicada pelo alegado funcionário. Estas quantias destinar-se-iam a terminar o processo inspectivo na autoridade tributária.

A conta encontrava-se titulada por LFDC.

As mensagens que trocou com o alegado funcionário encontram-se transcritas a fls. 64 e 65 dos autos e o número de telemóvel do remetente está identificado como sendo ….

Para além destes contactos foi, igualmente, abordado via telefónica por individuo que se intitulava inspector da polícia judiciária, detentor do número de telemóvel …, alertando-o para a existência de um processo sobre a estadia de indivíduos no seu estabelecimento. Para resolução do processo teria o ofendido de pagar a quantia de € 1500 euros.

LS procedeu ao depósito da quantia de €750 verificando tratar-se de conta titulada exclusivamente pelo aqui arguido tendo trocado posteriormente mensagens escritas com o remetente em causa a fim de protelar a entrega do remanescente.

Esta testemunha foi credível embora nem sempre clara em audiência de julgamento pelas razões conhecidas conseguindo identificar o arguido como um dos indivíduos que pernoitou no seu estabelecimento.

Ora, como é bom de ver, sem prejuízo do que infra se motivará, o relato do ofendido é de molde a posicionar o arguido como pessoa que pernoitou no estabelecimento e que tinha conhecimento da “ infração fiscal” cometida pela não emissão de factura.

Os acontecimentos posteriores pelo menos quanto ao contacto do falso inspector da judiciária, implicam o depósito em conta bancária titulada pelo arguido.

A testemunha EMSD cuidou de LC até aos 18 anos confirmando que este é titular de conta bancária onde o ofendido depositou algumas quantias. Desconhecendo o seu actual paradeiro a testemunha apenas foi relevante para identificar a conta bancária como aquela em que a partir da maioridade L passou a movimentar em exclusivo.

Foi clara e credível.

Do mesmo modo, a testemunha MA, na qualidade de ex companheira, do falecido AB (arrolado como testemunha da acusação) foi importante para, na esteira das declarações reproduzidas em sede de inquérito por aquele, firmar a nossa convicção quanto ao detentor do número …. Com efeito, A contactou através daquele número quando estava detido num Estabelecimento prisional, facto que este lhe omitiu na altura. Para que pudesse utilizar o telemóvel em apreço, de um amigo também detido, a testemunha teria de efectuar, como fez, um carregamento.

Desconhecendo a identidade do amigo em questão foi uma testemunha clara e credível.

A testemunha JS, militar da GNR descreveu a sua intervenção na fase de investigação explicando cronologicamente os factos relevantes para apreciar a responsabilidade criminal do arguido como seja a prova testemunhal de AB e documentação bancária que, através dos contactos telefónicos fornecidos pelo ofendido permitiram concluir pela participação do arguido H nos moldes descritos na acusação.

Finalmente, atendemos do ponto de vista da prova testemunhal, às declarações de AB entretanto falecido.

Lamentando o seu decesso, e admitida a reprodução das suas declarações em sede de inquérito, os factos relatados foram de extrema importância para concluir pela participação do arguido (vide fls. 413 dos autos).

Neste sentido, confirmou que quando se encontrava detido no Estabelecimento prisional de … pediu emprestado o telemóvel com o número … ao arguido com a condição imposta por aquele, de proceder a carregamentos. Solicitou à testemunha MA que efectuasse o carregamento para tal transmitindo o número à mesma.

Não se recordando do dia exacto que contactou a testemunha M afirmou, porém, ter ocorrido poucos dias após a sua detenção, ou seja, após, 4 de Outubro de 2015.

Conforme confirmado pela testemunha M, naquelas circunstancias terá dito tratar-se do seu contacto laboral para não lhe transmitir que estaria detido.

Ora, contrariamente aos factos ocorridos em Agosto de 2015 cuja prova é manifestamente insuficiente para identificar o arguido como interveniente, neste particular – factos de Outubro de 2015 – dúvidas não subsistem.

Semeando as declarações do ofendido L e das testemunhas MA e AB podemos firmar a nossa convicção de que:

- o numero de telemóvel … era pertença do arguido que o utilizou com o propósito de praticar os factos descritos ainda quando estava detido ;

- a conta onde foram efectuados é titulada por si exclusivamente pelo que só o mesmo a pode movimentar;

- detinha conhecimento pessoal que o ofendido não emitira factura referente à sua estadia e de terceiros.

Reforçamos, em concreto, quanto aos factos ocorridos em outubro, investigados pela testemunha JS, a nossa convicção positiva sobre o grau de participação e intervenção do arguido.

A documentação bancária de fls. 05 a 06; 48 a 53; 60; 61; 48 a 54; 155 a 156; 199 a 200; 203 a 210; 211 a 220; 356; 359 e comprovativos de depósitos efetuados, fls. 76 a 79 secundaram as declarações do ofendido e permitiram atestar a titularidade das contas destinatárias.

O modo de vida do arguido encontra-se espelhado não só no seu CRC mas no relatório social demonstrando não desempenhar qualquer atividade profissional vivendo dos ganhos com a prática de crimes de diversas naturezas e consequentemente, no seu percurso de vida, com vários momentos de privação da liberdade – vide ficha biográfica de fls. 132 e segs.

Aliás, inexiste junto da autoridade tributária declarações fiscais que evidenciem o inverso conforme consta de fls. 1010 a 1017.

No que respeita às condenações que o arguido foi alvo foram relevantes as certidões de fls. 535 a 543; fls. 572 a 586; fls. 587 a 594; fls. 595 a 605; fls. 610 a 614; fls. 615 a 723; fls. 746 a 959; 1211 a 1313; fls. 960 a 1005.

A matéria não provada resultou da escassez de elementos de prova que permitam concluir que o arguido juntamente com outro individuo praticaram os factos ocorridos em agosto de 2015.

Consigna-se que o arguido se remeteu ao silêncio, um direito que lhe assiste e pelo exercício do mesmo não poderá ser prejudicado.”

Vejamos então:

Desde logo, o arguido discorda de que tenha sido dada como apurada a matéria constante dos pontos 2, 10, 11, 12, 16, 18, 19, 20, 23, 24 e 28, a qual, em seu entender, deveria de ter sido considerada como não provada.

Para fundar esta sua consideração, muito embora de forma menos correta, já que reproduz depoimentos parciais em discurso indireto, entende que impunham decisão diversa da recorrida os depoimentos do ofendido LS, bem como das testemunhas MA e AB, esta entretanto falecida e cujo depoimento foi lido, em audiência de julgamento, ao abrigo do disposto no artigo 356º, nº 4, do Código de Processo Penal, v. ata a fls. 1576.

De salientar que o recorrente entende que o depoimento da testemunha AB, entretanto falecido, não deveria de ter sido atendido, já que a mesma havia sido ouvida perante autoridade judiciária, mas sem defensor, que havia pedido, e sem ter prestado o devido juramento.

Ora, como se pode constatar do artigo 120º do Código de Processo Penal, tal circunstância não constitui uma nulidade insanável, nem a mesma foi invocada pelo Defensor do arguido presente em audiência de julgamento, quanto muito estaríamos perante uma irregularidade, sem qualquer influência na prossecução do processo, pois que a decisão da matéria de facto sempre estará dependente da livre apreciação da prova, e que não foi atempadamente suscitada, pelo que se encontra sanada - cfr. artigo 123º do Código de Processo Penal.

Por outro lado, a motivação do recurso interposto e respetivas conclusões, não justificam qualquer despacho de aperfeiçoamento, já que se deduz perfeitamente a pretensão do arguido recorrente, qual seja, que a matéria objetiva e subjetiva que o incrimina seja dada como não pautada na sua totalidade.

Ora, o recurso da meteria de facto não se destina à realização de um segundo julgamento, mas sim à eventual correção de situações pontuais devidamente identificadas pelo recorrente.

Acresce, que o recorrente cita, em discurso indireto, excertos dos depoimentos das testemunhas aludidas, descontextualizando-os e dando-lhes uma interpretação condizente com a posição que defende, a qual sempre conduziria à sua absolvição.

Porém, da leitura atenta desses excertos, bem como da audição da prova produzida em audiência de julgamento, e análise da demais prova constante dos autos, conclui-se que os depoimentos ora indicados pelo arguido recorrente (prova testemunhal), não impõem decisão diversa da recorrida, para os efeitos aludidos no artigo 412º, nº 3, als. a) e b) e 4 do Código de Processo Penal.

Qualquer cidadão comum, colocado na posição do julgador, seguindo as regras da experiência social, chegaria à opinião que o tribunal a quo chegou, em matéria de julgamento de facto.

Isto com exclusão do ponto 28 da matéria apurada, o qual passará a ter a seguinte redação, esta sem qualquer relevância para a decisão de fundo:

O arguido comete os ilícitos também enquanto se encontrava detido, dentro do estabelecimento prisional, apresentando uma ausência voluntária de hábitos regulares de trabalho, vivendo do produto criminoso dos seus atos, para além de uma pequena pensão de reforma por invalidez, nos períodos em que a aufere, atos praticados principalmente contra o património de outros, quer se encontre em liberdade ou preso.

E a decisão foi tomada ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova.

A este respeito, preceitua o artigo 127º, do Código de Processo Penal, sob a epígrafe "livre apreciação da prova", que "Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente".

Só que este sistema, que assenta na livre convicção do julgador, com base nas regras da experiência, possui regras de motivação com a finalidade de permitirem um controlo quer por parte dos destinatários quer por parte, eventualmente, de um tribunal superior em sede de recurso.

Assim, como refere Marques Ferreira in Jornadas de Direito Processual Penal, pg. 229-230, citado por Maia Gonçalves, a fls. 665, do Código de Processo Penal anotado, 10ª edição, "A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via de recurso, conforme impõe inequivocamente o artigo 410º, nº 2.

E, extraprocessualmente a fundamentação deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efetivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais mas a própria sociedade".

Ora, no caso em apreço, e pelo que já se referiu, a fundamentação da decisão recorrida expõe de forma clara e percetível quer ao comum do cidadão, categoria na qual se integrarão os destinatários, quer ao Tribunal superior, quais as provas e o raciocínio lógico seguido na sua análise, que permitiu ao ora Tribunal recorrido concluir pela verificação da matéria fáctica dada como apurada e não apurada.

Igualmente, entende-se não ter existido qualquer erro notório na apreciação da prova, que o arguido recorrente, aliás, confunde com a livre apreciação da prova

Como se entende existir um erro notório na apreciação da prova, vício este constante do artigo 410º, nº 2, al. c) do Código de Processo Penal, quando "um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios" (Simas Santos e Leal-Henriques - Recursos em Processo Penal - pg. 76), isto é, "o erro notório previsto no artigo 410º, nº 2, al. c), do CPP, é um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio. As provas revelam claramente um sentido e a decisão extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial" - mesma obra a fls. 77, citando o Ac. do STJ de 03-06-98. Processo nº 272/98, considera-se que tal vício se não verifica, dada a clareza da matéria apurada e a pormenorizada, lógica e bem estruturada fundamentação da mesma.

Pelo exposto, e sem necessidade de mais delongas, com a pequena exceção acima descrita, esta sem qualquer relevância na decisão da matéria de facto, improcede no mais a pretensão do recorrente, pelo que a matéria de facto se encontra assente conforme o descrito.

De salientar, em prol da atenta análise da prova produzida, que o Tribunal a quo apenas considerou apurado um episódio de burla qualificada e não os dois constantes da acusação.

Entende o recorrente que foi violado o princípio in dubio pro reo.

Estamos perante um princípio geral do processo penal relativo à prova da questão de facto.

Ora, o princípio da investigação, por seu lado, obriga o Tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, pelo que, a falta das mesmas, não pode de forma alguma desfavorecer a posição do arguido. Como refere o Professor Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, volume primeiro, pg. 213, "um non liquet na questão da prova - não permitindo nunca ao juiz, como se sabe, que omita a decisão - tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo".

No caso em apreço, a prova foi reputada suficiente para a decisão da causa pelo Tribunal recorrido, isto é, foi considerada bastante e não dando margem para dúvidas quanto à autoria por parte do arguido de um dos crimes de burla agravada de que vinha acusado.

E, atenta a fundamentação da decisão, esta explanada de forma clara e pormenorizada, sendo perfeitamente consequente e lógico, seguindo a mesma, o raciocínio tecido pelo Tribunal conducente à condenação do arguido, por considerar provados os factos integradores dos elementos objectivos e subjectivos constitutivos do tipo legal de crime em causa, razão pela qual se entende não ter sido violado o aludido princípio in dubio pro reo.

Entende o arguido que deveria de ter sido condenado apenas pela prática de um crime de burla simples, p. e p. pelo artigo 217º do Código Penal, por entender não se dedicar à prática de burlas como modo de vida.

Sobre o crime em apreço, o Tribunal de 1ª Instância já referiu o seguinte:

“Pratica o crime de burla “quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial” – artigo 217º, n.º 1, do Código Penal.

E continua o n.º 1, do artigo 218º, do mesmo diploma legal que o crime é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias se o agente fizer da burla modo de vida.

Conforme resulta desta disposição normativa, a burla recobre situações em que o agente, com intenção de conseguir um enriquecimento ilegítimo (próprio ou alheio), induz outra pessoa em erro, fazendo com que a última, por esse motivo, pratique actos que causem a si mesma (ou a terceiro) prejuízos de carácter patrimonial. Ao invés do que sucede nos delitos contra a propriedade, que apenas tutelam a propriedade em si, o bem jurídico aqui protegido consiste no património, globalmente considerado.

A burla constitui, assim, um crime de dano, que só se consuma com a ocorrência de um prejuízo efectivo no património do sujeito passivo da infracção ou de terceiro.

Acresce que, embora não directamente relacionado com o critério do bem jurídico, a burla consubstancia, também, um crime material ou de resultado, que apenas se consuma com a saída das coisas ou dos valores da esfera de “disponibilidade fáctica” do sujeito passivo ou da vítima e, assim, quando se dá um “evento” que, embora integre uma consequência da conduta do agente, se apresenta autónomo em relação a ela. No contexto em apreço, a questão adquire, inclusive, contornos especiais: uma vez que se está perante algo que já se apelidou de “crime com participação da vítima”, isto é, de um delito onde a saída dos valores da esfera de disponibilidade fáctica do legítimo titular decorre, em último termo, de um comportamento do sujeito passivo, a referida autonomização do evento reporta-se tanto à conduta do agente como à acção do próprio burlado. O que se afirma reflecte-se na particular estrutura que o nexo de imputação objectiva reveste na órbita da infracção em análise.

O crime em apreço representa um crime de resultado parcial ou cortado, caracterizando-se por uma “descontinuidade” ou “falta de congruência” entre os correspondentes tipos subjectivo e objectivo. Embora se exija, no âmbito do primeiro, que o agente actue com a intenção de obter (para si ou para outrem) um enriquecimento ilegítimo, a consumação do crime não depende da concretização de tal enriquecimento, bastando para o efeito que, ao nível do tipo objectivo, se observe o empobrecimento (dano) da vítima.

A consumação deste tipo legal de crime não deriva, apenas, do resultado consistente na saída dos bens ou valores da esfera de disponibilidade fáctica do legítimo titular, exigindo-se, para além disso, a verificação de um efectivo prejuízo patrimonial do burlado ou de terceiro.

A determinação do que deve entender-se por “prejuízo patrimonial” encontra-se condicionada pelo conteúdo que se atribua ao património enquanto bem jurídico subjacente ao tipo legal da burla.

Debatem-se, na doutrina, três teses fundamentais: as concepções jurídicas, económicas e económico-jurídica.

Não entrando, por despiciendo, em tal discussão, sempre se dirá, porém, que seja qual for a concepção de património adoptada, qualquer delas só releva desde que envolva um prejuízo de natureza económica para o sujeito passivo ou para terceiro.

Sendo embora um crime material ou de resultado, que se consuma com a saída das coisas ou dos valores da disponibilidade fáctica da vítima, ou seja, quando ocorre o empobrecimento patrimonial do lesado, a burla configura, também, um crime de resultado parcial ou cortado, “caracterizando-se por uma “descontinuidade” ou “falta de congruência” entre os correspondentes tipo subjectivo e objectivo (…). Embora se exija, no âmbito do primeiro, que o agente actue com intenção de obter (para si ou para outrem) um enriquecimento ilegítimo, a consumação do crime não depende da concretização de tal enriquecimento, bastando para o efeito que, ao nível do tipo objectivo, se observe o empobrecimento (=dano) da vítima” – cfr. Almeida Costa, “Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, págs. 276 e 277.

Mas para que se verifique o crime, aquela intenção, tal como os demais elementos constitutivos do mesmo, terá de surpreender-se nos factos provados, pois que constitui matéria de facto.

A burla pressupõe um duplo nexo de imputação objectiva: enquanto delito de execução vinculada, ela pressupõe quer a existência de um nexo entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de actos tendentes a uma diminuição do seu património, quer a ocorrência de um nexo entre estes últimos e a efectiva verificação do prejuízo patrimonial – cfr. Almeida Costa, ob. cit., págs. 298 e 293.

No domínio da acção do agente, na produção do resultado típico há que apurar pois, a amplitude da sua vontade na representação desse facto agravativo, de forma a poder definir-se a modalidade da sua responsabilidade criminal (dolo directo, necessário, eventual?)

A análise valorativa jurídico-criminal do “telos” da norma, perante a acção desenvolvida pelo arguido, reclama averiguação factual sobre o conhecimento do agente sobre essa factualidade agravativa, sob pena de a norma agravanda deixar de ter qualquer significado jurídico-penal.

Quanto à conduta, a burla constitui, como se disse, um crime material ou de resultado, cuja consumação depende da verificação de um evento que se traduz na saída dos bens ou valores da esfera de “disponibilidade fáctica” do legítimo detentor dos mesmos ao tempo da infracção.

Por outro lado, a burla integra um delito de execução vinculada, em que a lesão do bem jurídico tem de ocorrer como consequência de uma muito particular forma de comportamento. Traduz-se ela na utilização de um meio enganoso tendente a induzir outra pessoa num erro que, por seu turno, a leva a praticar actos de que resultam prejuízos patrimoniais próprios ou alheios.

Para que se esteja em face de um crime de burla, não basta, porém, o simples emprego de um meio enganoso: torna-se necessário que ele consubstancie a causa efectiva da situação de erro em que se encontra o indivíduo. De outra parte, também não se mostra suficiente a simples verificação do estado de erro: requer-se, ainda, que nesse engano resida a causa da prática, pelo burlado, dos actos de que decorrem os prejuízos patrimoniais.

A consumação da burla passa, assim, por um duplo nexo de imputação objectiva: entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de atos tendentes a uma diminuição do património (próprio ou alheio) e, depois, entre os últimos e a efectiva verificação do prejuízo patrimonial.

No quadro do que se acaba de deixar dito, a qualquer dos momentos em que se desdobra o duplo nexo de imputação objectiva subjazem os pressupostos da chamada teoria da adequação (artigo 10.º, n.º 1, do Código Penal), encontrando-se, por isso mesmo, dependente das concretas circunstâncias do caso, aí se incluindo as características do burlado.

A colocação da tónica no aludido “conteúdo comunicacional” da conduta implica relevantes consequências ao nível das soluções concretas. Assim, a afirmação da verdade pelo agente não exclui a punição a título de burla se, atento o contexto em que foi proferida, assumir o prevalente sentido de uma declaração não séria e, nessa medida, se mostrar insusceptível de colocar termo ao estado de erro em que se encontra o sujeito passivo. Por outro lado, tendo em atenção a particular ingenuidade ou falta de resistência do burlado (por exemplo, mercê de fragilidade intelectual) admite-se a possibilidade de concluir pela idoneidade de um meio enganador via de regra incapaz de persuadir a generalidade das pessoas.

Importa, ainda referir nesta sede, que o erro do sujeito passivo tem de ser provocado astuciosamente.

No plano dos factos, a conduta do agente comporta a manipulação de outra pessoa, caracterizando-se por uma sagacidade ou penetração psicológica que combina a antecipação das reacções do sujeito passivo com a escolha dos meios idóneos para conseguir o objectivo em vista. Por outro lado, a experiência de todos os dias revela que, longe de envolver, de forma inevitável, a adopção de processos rebuscados ou engenhosos, aquela sagacidade comporta uma regra de “economia de esforço”, limitando-se o burlão ao que se mostra necessário em função das características da situação e da vítima. Numa tal adequação de meios – adequação essa que, atentas as particularidades do caso, pode encontrar o “ponto óptimo” no menos sofisticado dos procedimentos – radica, em suma, a inteligência ou astúcia que preside ao estereótipo social da burla e, sob pena de um divórcio perante as realidades da vida, tem de subjazer à “fattispecie” do n.º 1 do artigo 217.º.

Refira-se, por último, que só esta perspectiva se harmoniza com o entendimento pacífico de que a idoneidade do meio enganador utilizado pelo agente se afere tomando em consideração as características do concreto burlado.

De harmonia com o exposto, e na medida em que se exprime a adequação do comportamento do agente às características do caso concreto, o domínio-do-erro por parte do agente esgota o conteúdo útil da inclusão do advérbio “astuciosamente” no n.º 1 do artigo 217.º, do Código Penal, enquanto nota caracterizadora do “modus operandi” da burla: por referência ao disposto no n.º 1 do artigo 10.º, do Código Penal. Ele exprime, no contexto de um “iter criminis” que comporta, de permeio, a intervenção de outra pessoa (sujeito passivo), a exigência de um rigor intensificado – o mesmo que se coloca na esfera da autoria mediata fundada no domínio-do-erro – ao nível da aplicação dos critérios gerais da imputação objectiva.

A burla integra um crime doloso, não tendo lugar o seu sancionamento na forma negligente (artigos 217.º, n.º 1, e 13.º, do Código Penal).

A circunstância qualificativa do crime de burla prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 218.º do CP deve ser entendida como a maneira com que o agente logra obter os proventos indispensáveis à sua vida em comunidade, não sendo absolutamente preciso que se trate de uma ocupação exclusiva ou contínua, podendo até ser intermitente ou esporádica, desde que ela contribua significativamente para o sustento do visado.

O quadro factual alusivo a um número (nove) significativo de condutas, configuradoras de crimes de burla, relativamente homogéneo na execução e concentrado no tempo (de 2005 a 2018, com um interregno de 7 anos entre 2002 e 2012) e a situação sócio-económica do mesmo, onde pontifica uma condição (permanente) deficitária, com períodos consideráveis de privação da liberdade e de desemprego consente, por ilação lógica dele decorrente, ter-se por verificada a referida qualificativa.

Revertendo ao concreto caso, e em síntese, da matéria de facto apurada, resulta que entre a astuciosa conduta do arguido e os actos praticados por aquele existe um nexo de causalidade, sendo certo ainda e também que o arguido agiu de forma livre e consciente, pois que tendo conhecimento da infracção tributária praticada pelo ofendido fez-se passar, em Outubro de 2015, por inspector da judiciária como investigador do crime perpetrado criando a aparência que mediante uma determinada quantia o processo seria resolvido favoravelmente o que sabia não corresponder à realidade.

Fez suas as quantias depositadas em conta por si titulada.

Como assim, não poderá deixar de ser condenado pela prática do crime de burla por que vinha acusado, verificados que se mostram os elementos objectivo e subjectivo do crime praticado em Outubro de 2015.

Por outro lado, por manifesta inexistência de prova respeitante à sua intervenção nos factos ocorridos em Agosto de 2015, quanto aos mesmos, resulta cristalino não estar preenchido, desde, logo, o tipo objetivo e subjectivo de ilícito do crime que vem imputado, pelo que este não poderá deixar de ser absolvido da sua prática, sem necessidade de ulteriores considerações.”

Concorda-se inteiramente com estas considerações, mormente com a sua parte teórica, pelo que, a fim de não sermos redundantes nos abstemos de abstemos de expor sobre esta matéria.

Já sobre o caso concreto, refere-se que o arguido não tem nem nunca teve um modo de vida adequado socialmente, já que não possui formação ou ocupação profissional, sendo que os seus problemas de saúde o não justificam completamente, tanto mais, que a pensão de invalidez já lhe foi retirada em tempos.

Os seus antecedentes criminais, aliás muito extensos, apontam para uma vivência de todo anti-social, dita habitualmente, marginal, tudo indicando que subsiste de delitos contra o património de terceiros, pelo que as burlas e outros expedientes constituirão o seu modo de vida, sendo certo que já revelou em meio prisional ter possibilidades de agir de forma distinta.

Assim sendo, bem andou o Tribunal a quo ao subsumir a sua conduta do modo por que o fez.

Quando à pena concretamente aplicada, atenta, igualmente, a reincidência, o Tribunal a quo pronunciou-se nos seguintes termos:

“No Código Penal vigente, máxime respectivos artigos 75.° e 76.°, a reincidência é perspectivada exclusivamente como uma causa de agravação da pena — não como uma modificação típica, seja ao nível do tipo-de-ilicito seja ao nível do tipo-de-culpa — conducente à aplicação ao agente da moldura penal cabida ao facto mas agravada no seu mínimo.

Seguiu-se, assim, a tradição do nosso direito — de fazer avultar na reincidência a vertente da culpa agravada do agente, só de forma mediata podendo entrar em linha de conta a sua perigosidade eventualmente aumentada; sem prejuízo, no entanto, da circunstância de, se na situação convergirem os pressupostos não coincidentes — da reincidência e da aplicação de uma pena relativamente indeterminada, as disposições desta última prevalecerem sobre as daquela (cfr. artigo 76.º, n.° 2, do Código Penal).

O conceito de reincidência abrange agora, por outro lado, tanto a reincidência homótropa (entre crimes da mesma espécie ou natureza) como a polítropa (também chamada mera sucessão de crimes, que poderia dar-se entre crimes de qualquer espécie ou natureza), sujeitando a lei ambas a igual tratamento.

O artigo 75.º, n.º 1, do Código Penal estatui que «é punido como reincidente quem, por si ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a seis meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a seis meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.». O seu n.º 2 acrescenta que «O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.».

Os pressupostos formais da reincidência são, assim, o cometimento de um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a seis meses; a condenação anterior, com trânsito em julgado, de um crime doloso, em pena de prisão superior a seis meses e o não decurso de mais de 5 anos entre o crime anterior e a prática do novo crime.

O pressuposto material da reincidência é que se mostre que, segundo as circunstâncias do caso, a condenação ou condenações anteriores não serviram ao agente de suficiente advertência contra o crime.

No dizer do Prof. Figueiredo Dias, os requisitos da reincidência, que já eram muito apertados em relação do Código Penal de 1886, foram mais restringidos com as alterações ao Código Penal de 1982, introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, «... respondendo assim à evolução actual no sentido de a agravação por reincidência dever ser eliminada.» (cfr. Código Penal, Actas e Projecto da Comissão de Revisão”, edição Ministério da Justiça, 1993, pág. 480).

Ainda no entendimento do Prof. Figueiredo Dias, «O critério essencial da censura ao agente por não ter atendido a admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, se não implica um regresso à ideia de que verdadeira reincidência é só a homótropa, exige de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados, que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e daquela culpa. Uma tal conexão poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução; se bem que ainda aqui possam intervir circunstâncias ( v.g., o afecto, a degradação social e económica, a experiência especialmente criminógena da prisão, etc.) que sirvam para excluir a conexão, por terem impedido de actuar a advertência resultante da condenação ou condenações anteriores. Mas já relativamente a factos de diferente natureza será muito mais difícil (se bem que de nenhum modo impossível) afirmar a conexão exigível. Desta maneira, se não é a distinção dogmática entre reincidência homótropa e polítropa que reaparece em toda a sua tradicional dimensão, é em todo o caso a distinção criminológica entre o verdadeiro reincidente e o simples multiocasional que continua aqui a jogar o seu papel.» (cfr. “Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime”, notícias editorial, pág. 268 e ss).

Como advertem os Cons. Simas Santos e Leal Henriques, “a prática do segundo crime pode não indiciar desrespeito pela condenação anterior, a reiteração criminosa pode ficar a dever-se a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas. Em tal caso não deve haver lugar a agravação, uma vez que não pode afirmar-se uma maior culpa referida ao facto. Por esta via de agravação ope judicis, exclui-se a delinquência pluriocasional do âmbito da reincidência.” (in “Código de Processo Penal anotado”, 2ª ed., pág. 737 e ss).

Dito de outro modo, podendo a reiteração criminosa resultar de causas meramente fortuitas, ou exclusivamente exógenas e não operando a qualificativa por mero efeito das condenações anteriores, a comprovação da intima conexão entre os crimes não se basta com a simples remissão para o Certificado de Registo Criminal do arguido, exigindo-se uma «específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor». (cfr. entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Março de 2008, Proc. 4833/07-3ª, e de 4 de Dezembro de 2008, Proc. 3774/08-3ª, in www.dgsi.pt).

Neste âmbito defendemos tal como o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, seguindo o entendimento do Prof. Eduardo Correia, que “Este Elemento material deve ser provado com as regras gerais do processo, não havendo qualquer presunção, mesmo ilidível, de que a anterior condenação não serviu ao delinquente de prevenção contra o crime (…).” (c[fr. “Comentário do Código Penal”, Univ. Católica Editora, 2008, pág. 241).

No caso sub judice, compulsado o certificado de registo criminal do arguido, constata-se que se encontra preenchido o pressuposto material no que respeita aos crimes patrimoniais, ou seja, podendo manter uma conduta lícita e conforme ao direito, o arguido não desenvolveu qualquer esforço no sentido de se inserir na sociedade, não se inibindo de praticar os ilícitos constantes dos presentes autos, de tipo idêntico aos que fundamentaram as suas condenações, o que demonstra que as mesmas não constituíram censura suficiente em ordem a afastá-lo da prática de novos crimes, sendo especialmente censurável tal desrespeito pelas condenações anteriores.

Com efeito, da factualidade dada como provada avultam ostensivamente actos dos quais se pode retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra os crimes patrimoniais veiculada pelas anteriores condenações transitadas em julgado, afastando-se uma eventual situação de delinquência pluriocasional, resultante de factores exógenos, designadamente a personalidade revelada pelo arguido, a ausência voluntária de hábitos de trabalho, de falta de investimento em actividade pessoais e profissionais minimamente estruturadas; tudo o que deve concorrer para a determinação da pena concreta a aplicar ao arguido.

Contudo, como decorre do infra exposto, o crime patrimonial anterior por que o arguido foi condenado foi praticado há menos de cinco anos ( 2018) em relação à data da prática do crime em apreço, verificando-se que a pena aplicada foi de 9 meses e que, concretamente e consequentemente, a aplicar ao arguido poderá ultrapassar os 6 (seis) meses, não pode deixar de se concluir que estão preenchidos todos os pressupostos formais da reincidência.

Nos termos do artigo 76.º, n.º 1 do CP: “Em caso de reincidência, o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado. A agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores.”

A moldura penal pela prática do crime de burla qualificada nos termos do artigo 218, n.º 2 do CP oscila entre dois a oito anos de prisão.

Uma vez que o arguido é reincidente a moldura penal oscila entre dois anos e oito meses de prisão a oito anos de prisão.

O artigo 40.º do Código Penal elege como fins das penas e das medidas de segurança a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente infractor na sociedade. Em articulação com este preceito, o n.º 1 do artigo 71.º do diploma legal citado, estabelece que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

No processo de escolha da medida da reacção criminal a culpa assume, assim, a dignidade de pressuposto incontornável de toda e qualquer punição.

Como considera Figueiredo Dias, in Das Consequências Jurídicas do Crime), a culpa e a prevenção constituem os dois vectores fundamentais em que assenta a operação de determinação da medida da pena. “Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena.

Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela imanente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção.”

O crime em apreço não dispõe de punição alternativa.

Para a determinação da medida concreta da pena, importa ponderar todas as circunstâncias que, não integrando o tipo legal de crime em análise, se revelem susceptíveis de evidenciar as exigências concretas da culpa e da prevenção, em conformidade com o estatuído no n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, tendo presente a sua natureza ambivalente, bem como a necessidade de ponderação global e valoração concreta de todas as circunstâncias apuradas.

A culpa do agente, por consubstanciar um juízo de valor, é insuscetível de medição exacta, pelo que, se confere ao julgador alguma flexibilidade na sua apreciação – que Anabela Miranda Rodrigues sublinha não ser ilimitada, mas consubstanciar discricionariedade juridicamente vinculada, sindicável por via de recurso – e que, não obstante, deverá ser integrada pela consideração das exigências de prevenção de futuros crimes (cfr. “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2, Abril -Junho de 2002, pág. 147/182).

O quantum de culpa constituirá sempre o limite máximo da pena a aplicar, em nome do princípio da culpa em sentido unilateral, segundo o qual, apesar de poder haver culpa sem pena, a pena dependerá sempre da existência de culpa, nos termos do disposto no artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal.

Neste contexto, a prevenção geral determinará o mínimo abaixo do qual a intervenção punitiva do Estado seria de todo ineficaz para restabelecer a confiança comunitária na norma e ao mesmo tempo o máximo, que será o ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e de estabilização das expectativas comunitárias; a culpa funcionará sempre como limite máximo inultrapassável da pena, ainda que abaixo do óptimo encontrado quando operando com critérios de prevenção geral; por último, dentro da moldura assim encontrada, funcionará a prevenção especial positiva que determinará o quantum necessário para permitir ao arguido a sua ressocialização.

No caso sub judice, como factores que condicionaram a trajectória de vida do arguido surge a disfuncionalidade familiar com episódios de violência doméstica e alcoolismo do progenitor, falta de estímulos positivos na sua infância e uma autonomia precoce sem controlo parental, o que se repercutiu negativamente nas capacidades de ascendência e de orientação do seu comportamento no sentido da responsabilidade social.

Acresce que, a sucessiva reincidência na prática delituosa conduziu ao contacto com a justiça, que o privou de liberdade, mas não constituiu suficiente advertência para acautelar a renovação das condutas delituosas.

O facto da prática dos factos pelos quais o arguido está acusado ter ocorrido na sequência da prática de sucessivos crimes de idêntica natureza reforça as necessidades de protecção, pelo que a sua situação sugere necessidades de intervenção direccionadas ao desenvolvimento de uma maior consciência crítica e de contenção da sua problemática criminal.

O Tribunal ponderou ainda o elevado grau de ilicitude dos factos, bem como a intensidade do dolo com que o arguido agiu, que foi eventual. Também foram ponderadas as qualidades da sua personalidade manifestadas na actualidade sobre os factos revelando uma atitude mais critica à sua pessoa.

Por outro lado, a quantia angariada pelo ardil não é muito elevada - € 750 – ponderando, igualmente, a sua inserção sócio-profissional e familiar tendo solicitado ocupação laboral no Estabelecimento prisional.

No que concerne às necessidades de prevenção geral, diremos que as mesmas são se fixam num grau muito alto, merecendo, no caso em apreço, um especial cuidado, não só porque têm frequentemente sido levadas a cabo na nossa sociedade, como também pelo modo próprio e motivos subjacentes, sendo necessário repor a confiança nas normas jurídicas violadas de tal forma que se evitem situações de insegurança.

Entende-se, assim, que é simultaneamente adequado às exigências de prevenção geral e especial e respeitador do limite imposto pela culpa a aplicação ao arguido de uma pena de 4 (quatro ) anos de prisão.”

Ora, concorda-se inteiramente com o decidido.

Com efeito, tanto a culpa do arguido, esta patente no modo como planeou todo o engodo em que o ofendido caiu, com o consequente prejuízo que lhe causou, como os seus antecedentes criminais, estes consideráveis, impõem esta pena já situada perto da sua moldura abstrata máxima, e não o seu mínimo legal, como o pretende o arguido.

Assim, e pelo exposto, acordam os juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento ao recurso, mantendo, com exceção do ponto citado, este irrelevante para a decisão da causa, o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.

Évora, 11 de maio de 2021

Maria Fernanda Palma

Maria Isabel Duarte