Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
212/14.0TBPTG-A.E1
Relator: JOSÉ MANUEL GALO TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: CITAÇÃO EDITAL
Data do Acordão: 10/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: Se nas autoridades e serviços indicados no art.º 236.º, n.º 1, Cód. Proc. Civil, não existe morada actualizada do réu, porque este nunca a actualizou nos diversos serviços, não é necessária a obtenção de informações junto da autoridade policial para se realizar a citação edital.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:
*

I – RELATÓRIO

Na acção comum, a correr termos na secção cível da Instância Local, o Réu AA não se conformou com o douto despacho proferido em 17/11/2015, que indeferiu a arguição da nulidade da citação.
Alega o recorrente que a residência que constava dos Autos já não corresponde à sua morada há mais de vinte anos. Mais salienta que a sua morada actual registada em vários serviços, nomeadamente Autoridade Tributária e Aduaneira, apresentando as facturas desses serviços, consumos mensais que evidenciam que este aí reside.

A seu ver, foi feita prova documental de tais factos no requerimento que arguiu a nulidade. No entanto, essa argumentação foi desvalorizada e não está tomada em consideração na prolação da decisão.

Inconformado com tal decisão, o recorrente apresentou recurso de apelação e formulou as seguintes conclusões:
1. O Recorrente poderia ter sido encontrado e consequentemente sido citado pessoalmente.
2. O Recorrente apenas não foi citado pessoalmente porque não foram realizadas as diligências legalmente obrigatórias, nos termos do art. 236º do CPC, pois que se tivessem sido feitos o Sr. Agente de Execução lograria encontrar e citar pessoalmente o Recorrente.
3. Os requisitos do art. 225º e 236º do CPC foram violados, o que determinada a utilização indevida da citação edital, determinando que se considere que não houve citação e consequentemente todo o processado é nulo (art. 187º a), 188º).
4. Pelo que, deverá ser repetido todo o processado posterior à Petição Inicial, incluindo a citação.
*

A parte contrária não contra-alegou.

*

Da interpretação e análise das transcritas alegações de recurso apresentadas resulta que a matéria a decidir se resume à apreciação do acerto jurídico da decisão jurídica.

*

Cumpre apreciar e decidir.

*

II – FUNDAMENTAÇÃO

É entendimento universal que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº4 e 639º, nº1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº2, ex vi do artigo 663º, nº2, do NCPC). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

*

A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (primeira parte do nº1 do artigo 219º do Novo Código de Processo Civil). Com a citação, que completa o esquema da relação processual iniciado, num primeiro lance, com a proposição da acção, o réu fica constituído no ónus de contestar[1].

A citação é o acto processual mais relevante tendente a assegurar a realização dos princípios do contraditório e da transparência e que, assim, em termos abstractos, permite que sejam impulsionadas e perfectibilizadas as garantias de defesa.

As partes devem poder exercer em condições de igualdade o direito de acesso aos Tribunais. Para tanto, é imprescindível que se verifique, em termos reais, o cumprimento integral do princípio do contraditório, o qual tem consagração constitucional nos artigos 2º e 20º, nº1, da Constituição da República Portuguesa e está reflectido na lei ordinária nos artigos 3º e 4º do Novo Código de Processo Civil, entre outros.

Só assim, na verdade, se pode perspectivar que o princípio do contraditório foi observado e que ao réu foi, na prática, dada a possibilidade de uma actuação na lide em condições idênticas à do autor, princípio e possibilidade essas que que defluem dos aludidos normativos constitucionais.

Na realidade, ao sistema processual civil repugnam as decisões proferidas à revelia dos interessados, pela fácil constatação de que, em tais circunstâncias, os riscos de injustiça material são muito superiores aos que se conseguem através de processos com contraditório efectivo.

A lei adjectiva distingue a falta de citação da nulidade da citação. Haverá falta de citação quando: (a) o acto tenha sido completamente omitido; (b) tenha havido erro de identidade do citado; (c) se tenha empregado indevidamente a citação edital; (d) se mostre que foi efectuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade, como decorre da letra da lei. Haverá nulidade da citação quando, na sua realização, não hajam sido observadas as formalidades prescritas na lei, como resulta do disposto no nº1 do artigo 191º do mesmo diploma.

Aquilo que está em causa é apurar se a opção pela realização da citação edital sem recurso a obtenção de prévia informação junto da autoridade policial competente configura uma nulidade de citação.

O apelante assinala que «não se vislumbra assim como não se logrou citar pessoalmente o Réu, sendo a única explicação, a omissão de diligências legalmente exigidas para que se proceda à citação edital.

Efectivamente, se o Sr. Agente de Execução, após ter constatado que a morada constante dos autos não era a morada do Réu, tivesse consultado as bases de dados supra mencionadas, teria conseguido encontrar o Réu».

Nas palavras de Alberto dos Reis[2], a lei tem horror à citação edital [considera muito precária esta forma de citação, porque não tem confiança nela como meio eficaz de dar conhecimento ao réu de que contra ele foi proposta determinada acção, só em última hipótese admite o seu emprego].

No entanto, actualmente, face aos desenvolvimentos da sociedade de informação e à criação de bases de dados centralizadas, os riscos inerentes à citação edital são reconhecidamente menores do que aqueles que se verificavam ao tempo em que o catedrático de Coimbra se pronunciou a propósito deste modo de citação.

Neste enquadramento, prescreve o Código de Processo Civil que «quando seja impossível a realização da citação por o citando estar ausente em parte incerta, a secretaria diligencia obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, designadamente, mediante prévio despacho judicial, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres e, quando o juiz o considere absolutamente indispensável para decidir da realização da citação edital, junto das autoridades policiais» (artigo 236º, nº1, do Código de Processo Civil).

Sustenta o apelante que o normativo precipitado no artigo transcrito foi incumprido, na medida em que ocorreu uma omissão das diligências ali inscritas. E conclui que, face à opção imediata pelo recurso à citação edital, «será julgado numa acção de quase € 30.000,00 sem ter oportunidade de a contestar, apresentar a sua prova, ficando, assim, forte e definitivamente prejudicado, havendo aqui uma violação do princípio da igualdade entre as partes».

A realização de diligências junto da entidade policial depende da formulação de um juízo prévio de absoluta indispensabilidade, tendo em vista decidir se é caso de ordenar ou não a realização da citação edital[3].

É evidente que não pode o Recorrente ser prejudicado nos seus direitos de defesa e nas respectivas garantias processuais com base numa deficiência técnica ou informática das bases de dados. No entanto, em contraponto, nenhuma parte passiva pode censurar a decisão de ter sido ordenada a sua citação edital quando se coloca voluntariamente numa situação de contumácia, adopta comportamentos que impedem ou dificultam a realização da citação pessoal ou mesmo quando não actualiza a mudança de residência junto dos serviços de identificação civil, da segurança social, da fazenda pública e de outros serviços estaduais.

No despacho recorrido está escrito que «resulta absolutamente claro do teor dos autos que foram cumpridas todas as formalidades legais necessárias à realização da citação edital, designadamente as tentativas frustradas de citação por via postal e por contacto pessoal do Solicitador de Execução, e o cumprimento das diligências previstas no artigo 236º, nº1, do NCPC, as quais se revelaram infrutíferas, pois que, ao contrária do que vem afirmar, o Réu não manteve actualizada a sua morada, designadamente nos serviços de identificação civil e na Segurança Social, conforme se afere pelo teor de fls. 44-48».

Na informação datada de 16/03/2015, o Senhor Agente de Execução afirma que «segundo informações obtidas no local, o Réu reside na morada indicada na petição inicial, contudo nunca conseguiu este AE chegar à fala com o mesmo aparentando até que o Réu evita ser localizado por este AE, conforme já descrito nos autos e tendo em conta as diligência já efectuadas» (fls. 26 dos autos de recurso). Antes, na informação datada de 30/10/2014 (fls. 25 dos autos de recurso) estão relatadas ainda duas diligências tendentes à citação pessoal do Réu AA.

Na base de dados da segurança social não constava qualquer morada actualizada. A documentação emitida pela Conservatória do Registo Predial apontava como morada a rua que estava originariamente indicada. A residência constante do Registo Automóvel também estava desactualizada.

Assim, aquilo que importa aferir é ao recurso à citação edital se deve a causa não imputável ao requerente, interpretada em termos de causalidade objectiva.

Analisadas as diligências encetadas no âmbito da acção declarativa tendentes à efectiva citação do réu para os termos da mesma e avaliada a postura deste perante essas diligências ocorridas não era exigível a obtenção de informações junto da autoridade policial ao abrigo da regra prevista na parte final do número 1 do artigo 236º do Novo Código de Processo Civil.

Em abono da verdade, existe um comportamento omissivo indutor do recorrente que favoreceu a realização da citação edital e, em face de todo o conjunto de circunstâncias verificadas no caso concreto, o tribunal recorrido não violou a citada norma legal. Esta disposição assume um carácter não obrigatório e cuja concretização depende de um juízo valorativo sobre a sua pertinência – rectius, indispensabilidade –, que deve ser avaliado à luz das circunstâncias do caso.

*

III – DECISÃO

Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto.

Custas a cargo do apelante.

Notifique.

*

(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº5, do Código de Processo Civil).

*

Évora, 6 de Outubro de 2016

José Manuel Galo Tomé de Carvalho

Mário Branco Coelho

Isabel de Matos Peixoto Imaginário