Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1002/21.9T8PTM.E1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
REPETIÇÃO
CADUCIDADE
Data do Acordão: 10/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I –Para efeito de proibição da repetição de providências prevista no artigo 362.º, n.º 4, do CPC de 2013 entende-se incluídos não apenas os casos de caducidade ou de injustificação como ainda os de desistência do pedido relativamente a providência anteriormente decretada.
II - Há repetição de providência anteriormente requerida quando existe a necessária semelhança essencial das partes, dos fundamentos e do pedido. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 - Relatório.

“Algartemático – Gestão e Inovação Turística, S.A.” veio, depois de decretada a restituição provisória da posse, nos presentes autos de procedimento cautelar, deduzir incidente de oposição contra M… e G… (requerentes).
Alegou, em suma, que a questão da restituição provisória da posse já foi julgada noutra acção, pelo que se verifica a excepção de caso julgado. E as requerentes e o seu mandatário sabem que correu termos no tribunal de Portimão providência cautelar de restituição provisoria da posse contra a ora requerida e intentada pelo falecido A…, com o número 2536/18.8T8PTM, porque as requerentes são autoras no processo 297/19.2T8PTM do Juiz 4 central cível do Tribunal de Portimão, onde se encontra a certidão do processo 2536/18.8T8PTM em que aquele A… pediu de igual forma a restituição provisória da posse. O então requerente A… veio a desistir do pedido da providência de restituição provisória da posse, tendo a ora requerida ficado legitimamente na posse da fracção, de forma continua ininterrupta, sem oposição de quem quer que fosse, tendo como suporte um contrato de promessa de compra e venda com eficácia real e posse através da entrega da chave e não de forma violenta.
Alega ainda que as requerentes intentaram providencia cautelar de arresto e bem assim acção sob a forma de processo comum, que correu termos no Tribunal de Portimão sob o número 297/19.2T8PTM do juízo central cível juiz 4, contra A… e a ora requerida.
A douta sentença proferida no processo 297/19.2T8PTM julgou improcedente a acção. Ficou demonstrado que as requerentes não tinham a posse, e que o falecido, A…, conferiu a posse à requerida pela entrega da chave, que a requerida tinha a posse da fracção, que nela fez obras e mantinha a posse até hoje.
A requerida está a ocupar a fração há mais de um ano, tendo como título o contrato de promessa de compra e venda, não tendo obtido essa posse de forma violenta.
As requerentes sabem destes factos, quer porque forma dados como provados na acção que moveram com o número 297/19.2 T8PTM. Pelo que, ainda que outra razão não houvesse, estava caduco o direito de pedir a restituição.
A chave foi entregue à requerida, tendo a requerida mantido a posse do imóvel.
A escritura definitiva não foi realizada porque o vendedor A… e os seus herdeiros não se prontificaram a fazê-la. A requerida, depois de diversas notificações e tentativas, entendeu proceder à resolução do contrato e invocar o direito de retenção sobre a fracção até que lhe seja paga a indemnização a que tem direito. Não estão reunidos os pressupostos de que depende a providencia decretada, previstos no artigo 377.º do Código Civil.
Mais requer a condenação das requerentes como litigantes de má-fé em multa e indemnização condignas.
As requerentes vieram pronunciar-se, pugnando pela inexistência das aludidas excepções.
Foi então proferida decisão que revogou a 1.ª decisão de restituição provisória da posse.
Inconformadas com esta decisão, as requerentes recorreram, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
«1- Por decisão proferida a 02.06.2021 o Tribunal a quo julgou procedente o procedimento cautelar instaurado pelas aqui Apelantes, deferindo a sua pretensão de que fosse ordenado à aqui Apelada a restituição provisória da posse da fracção autónoma, destinada a habitação, designada pela letra “TA”, correspondente ao apartamento n.º …, do prédio urbano sito na … Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da freguesia de Albufeira e Olhos de Água, àquelas.
2- Não se conformando com aquela decisão, depois de decretada a restituição provisória da posse, veio a aqui Apelada deduzir incidente de oposição,
3- o qual foi julgado “…totalmente procedente…”, assim levando à revogação da providência anteriormente decretada e, consequentemente, determinou que lhe fosse restituída a fracção autónoma, conforme Decisão datada de 28.07.2021 que ora se quer em crise.
4- Por não se conformarem com Decisão que julgou procedente o incidente de oposição, vieram as Apelantes dela recorrer, nos termos do presente recurso.
5- O Tribunal a quo decidiu como decidiu (pela procedência da oposição) porquanto, atendendo ao desfecho de um pretérito procedimento cautelar (com o n.º 2536/18.8T8PTM), “…nesse procedimento cautelar (com o mesmo objectivo que o presente) o falecido desistiu do pedido.”, entendeu que: “…nem a providência pode ser repetida (a homologação da desistência do pedido tem o mesmo efeito da decisão desfavorável ao desistente) nem, sobretudo, as requerentes têm o direito que se arrogam à restituição da posse (a desistência extinguiu esse direito).”
6- Ou seja, foram 2 (dois) os fundamentos aduzidos na Decisão que ora se quer em crise, nos quais o Tribunal a quo se sustentou para julgar procedente o incidente de oposição da aqui Apelada, a saber:
a. “…nem a providência pode ser repetida (a homologação da desistência do pedido tem o mesmo efeito da decisão desfavorável ao desistente)…”; e
b. “…nem, sobretudo, as requerentes têm o direito que se arrogam à restituição da posse (a desistência extinguiu esse direito).”
7- Contudo, não só os supra referidos fundamentos não têm nenhum suporte na factualidade que indiciariamente foi dada como provada pelo Tribunal a quo na Decisão que ora se quer em crise,
8- como juridicamente não se verificam, por não se encontrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.
Senão vejamos,
9- O primeiro fundamento que o Tribunal a quo aduz para decidir pela procedência do incidente de oposição é que, in caso, se verifica uma repetição de providência.
10- Ora, resulta do disposto no artigo 362.º, n.º 4 do Código de Processo Civil que: “Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado.”
11- Pelo que, para que possa merecer colhimento a convicção do Tribunal a quo, de estarmos perante uma repetição de providência cautelar, sempre teria de se verificar que:
a. ambas as providências foram instauradas na dependência da mesma causa; e
b. existe uma semelhança essencial entre ambas as providências (o receio, a possibilidade de lesão do direito, a dificuldade de reparação e o direito provavelmente existente são os mesmos);
12- Contudo, nenhum destes pressupostos se verificam.
13- Não se verifica jurídica e factualmente que ambas as providências foram instauradas na dependência da mesma causa porquanto:
- a pretérita providência cautelar (com o n.º 2536/18.8T8PTM), enquadra-se juridicamente no âmbito do direito real de gozo e consubstancia-se factualmente num diferendo, ocorrido na vigência do contrato promessa sem tradição da coisa, no qual o esbulhado (o ali requerente) se opunha ao uso e fruição da fracção objecto desse contrato pela ali requerida, conforme factos indiciariamente dados como provados na Decisão que ora se quer em crise com os números 14., 15., 16., 17., 18., 19., 20., 21., 22., 23., 24., 25., 38., 39., 40., 41., 49. e 50.;
- a presente providência, enquadra-se juridicamente no âmbito do direito real de garantia e consubstancia-se factualmente num diferendo, ocorrido após a resolução do contrato-promessa sem tradição da coisa, por a aqui Apelada haver declarado a sua perda de interesse na realização do negócio prometido, no qual as Apelantes se opõem a que aquela, a coberto do direito de retenção, mantenha a posse da fracção prometida vender, para garantia do pagamento de um montante indemnizatório que calcula para além dos termos constantes no contrato-promessa, conforme factos indiciariamente dados como provados na Decisão que ora se quer em crise com os números 30., 31., 32., 33., 34., e 35.;
14- Nem se verifica que existe uma semelhança essencial entre ambas as providências (o receio, a possibilidade de lesão do direito, a dificuldade de reparação e o direito provavelmente existente são os mesmos) porquanto:
- na pretérita providência cautelar (com o n.º 2536/18.8T8PTM), o ali requerente fez uso da providência cautelar (restituição da posse) para reagir, se opor, ao esbulho de que foi alvo, e assim fazer valer o seu direito de usar e fruir a coisa (a fracção), conforme factos indiciariamente dados como provados na Decisão que ora se quer em crise com os números 36., 37., 38., 39., 40., 41. e 42., ou seja, neste caso, a posse que aqui está em causa é um direito real de gozo;
- na presente providência, as ora Apelantes fazem uso da providência cautelar (restituição da posse) para reagir, se oporem, à retenção que a Apelada executou sobre a fracção, como garantia do pagamento de um crédito que fixou de forma infundada, injustificada e sem título, conforme factos indiciariamente dados como provados na Decisão que ora se quer em crise com os números 30., 31., 32., 33., 34. e 35., ou seja, neste caso, a posse que aqui está em causa é um direito real de garantia;
15- Em face do que se deixa dito andou mal o Douto Trbunal a quo quando entendeu que a presente providência cautelar constitui uma repetição da pretérita providência, nos termos do disposto no artigo 362.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, porquanto tal não se verifica atendendo à factualidade por si dada como provada e porque juridicamente não se verificam nenhum dos pressupostos que permitem a aplicação daquele dispositivo legal.
16- O segundo fundamento que o Tribunal a quo aduz para decidir pela procedência do incidente de oposição é que, in caso, as ora Apelantes não têm o direito (à restituição da posse) que pretendem fazer valer, uma vez que o mesmo se encontra extinto, em resultado da desistência do pedido formulada pelo falecido A… na pretérita providência cautelar (com o n.º 2536/18.8T8PTM).
17- Ora, resulta do disposto no artigo 285.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que: “A desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer.”
18- Pelo que, para que possa merecer colhimento a convicção do Tribunal a quo, de que as ora Apelantes não têm o direito que pretendem fazer valer, sempre teria de se verificar que o direito em causa é um e apenas um.
19- Contudo a verdade é que o direito que o falecido A… tinha na sua esfera jurídica, e do qual abdicou por força da desistência do pedido que formulou, não é o mesmo que as ora Apelantes querem fazer valer na presente providência cautelar,
20- conforme supra se deixou dito e em resumo se reitera:
- na pretérita providência cautelar, o direito de restituição da posse que o ali requerente pretendia fazer valer visava lhe fosse reconhecido o uso e fruição de uma coisa por forma a afastar o esbulho de que foi alvo, no âmbito do direito real de gozo;
- na presente providência, o direito de restituição da posse que as ora Apelantes pretendem fazer valer visa afastar a retenção da fracção pela Apelada para garantia do pagamento de um crédito, no âmbito do direito real de garantia;
21- Não bastante, o direito invocado pelo falecido A… nasceu na sua esfera jurídica mas, em resultado da sua declaração de vontade, nunca chegou a fazer parte da sua herança, já o que as Apelantes querem fazer valer teve a sua génese em momento muito posterior ao óbito daquele, pelo que nunca integrou a esfera jurídica do falecido
22- Em face do que se deixa dito andou mal o Douto Trbunal a quo quando entendeu que, nos termos do disposto no artigo 285.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, a desistência que o falecido A… promoveu na providência cautelar com o n.º 2536/18.8T8PTM fez extinguir o direito que as Apelantes ora pretendem fazer valer, porquanto estamos perante direito distintos, detidos por sujeitos diferentes e exercidos em momentos e de forma diversa.
23- Destarte, ao abrigo do que se deixa dito, forçoso é de concluir que se verifica uma absoluta desconformidade entre a factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo e a fundamentação por si aduzida, porquanto daquela, ao invés do aposto na fundamentação:
- não resulta que estarmos perante uma repetição de providência cautelar na dependência da mesma causa, conforme disposto no artigo 362.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, tanto mais que não se verificam nenhum dos pressupostos que permitem a aplicação daquele dispositivo legal (as duas providências serem instauradas na dependência da mesma causa e existir uma semelhança essencial entre as duas); e
- não se verifica que as Apelantes não têm o direito a que se arrogam, em resultado da prévia extinção desse direito, conforme disposto no artigo 285.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, tanto mais que o direito que estas pretendem fazer valer é novo, distinto e exercido em momento e de forma diferente de qualquer outro que haja sido previamente titulado pelo falecido A…;
24- Pelo que a Decisão que ora se quer em crise deveria ter sido proferida no sentido de julgar totalmente improcedente o incidente de oposição deduzido pela aqui Apelada e, consequentemente, mantida a anterior decisão que julgou procedente o procedimento cautelar instaurado pelas aqui Apelantes, determinando-se, in fine, a restituição a posse da fracção a estas.
25- Decisão esta que, na apreciação que fez dos factos, entendeu não se verificar o direito de retenção que a aqui Apelada invoca para manter a posse da fracção.
26- Resulta do disposto na alínea f), n.º 1 do artigo 755.º do Código Civil que: “Gozam ainda do direito de retenção: O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos temos do artigo 442.º;”
27- Pelo que o exercício daquele direito pressupõe o preenchimento dos seus pressupostos, a existência de promessa de transmissão ou de constituição de direito real; a entrega (ao promitente-comprador) da coisa objecto do contrato-promessa; a titularidade, por parte do beneficiário, de um direito de crédito sobre a outra parte, decorrente do incumprimento definitivo do contrato-promessa; e o crédito reclamado ter sustento nos termos legais ou convencionados;
28- Sucede que na presente situação não se verificam 3 (três) dos 4 (quatro) supra mencionados pressupostos, porquanto:
- não ocorreu a entrega (ao promitente-comprador) da coisa objecto do contrato-promessa, este apossou-se dela recorrendo ao esbulho (violento) dos seus legítimos e legais possuidores, conforme factos indiciariamente dados como provados na Decisão que ora se quer em crise com os números 15., 16., 17., 18., 19., 20., 21., 22., 23., 26., 32., 33., 34., 38., 39., 40., 41. e 50.;
- não se verifica a titularidade, por parte do beneficiário, de um direito de crédito sobre a outra parte, decorrente do incumprimento definitivo do contrato-promessa, uma vez que foi a aqui Apelada quem expressamente comunicou que procedia à resolução do contrato promessa, assente na sua declaração de perda de interesse na realização do negócio prometido, através da missiva por esta remetida às rr Apelantes, em Janeiro 2021, conforme facto indiciariamente dado como provado na Decisão que ora se quer em crise com o número 30.; e
- o crédito reclamado ter sustento nos termos legais ou convencionados, já que a aqui Apelada arrogou-se credora de um crédito que fixou arbitrária e infundadamente em 350.000,00 €, sem que o mesmo tenha qualquer sustento nos termos apostos no contrato-promessa, o qual expressamente estatuía que em caso de incumprimento o montante devido era o correspondente ao dobro do sinal, ou seja 100.000,00 € (=2 x 50.000,00 €), conforme factos indiciariamente dados como provados na Decisão que ora se quer em crise com os números 31. e 49..
29- Atento o que se deixa dito, andou bem o Tribunal a quo quando na primeira Decisão que proferiu, a 02.06.2021, entendeu não reconhecer à aqui Apelada o direito de retenção que esta invoca, ao abrigo do disposto na alínea f), n.º 1 do artigo 755.º do Código Civil, por ser manifestamente infundado.
30- Destarte, deve ser revogada a Decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou procedente o incidente de oposição, porquanto ofende o disposto nos artigos 362.º, n.º 4 e 285.º, n.º 1, ambos, do Código de Processo Civil.
31- E, consequentemente, mantida a Decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou procedente o procedimento cautelar instaurado pelas aqui Apelantes e não reconhecendo o direito de retenção invocado pela Apelada.
Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas Doutamente suprirão, requer-se que seja revogada a Decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou procedente o incidente de oposição e, consequentemente, mantida a Decisão anteriormente proferida que julgou procedente o procedimento cautelar instaurado pelas aqui Apelantes e que não reconheceu o direito de retenção invocado pela aqui Apelada, assim se fazendo a costumada Justiça!!! »
Não há contra-alegações.
Dispensados os vistos, nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Factos indiciariamente provados na 1.ª instância:
1.1 Factos indiciariamente provados:
Na anterior decisão proferida antes de cumprido o contraditório consideraram-se indiciariamente provados os seguintes factos:
1. No passado dia 14.04.2020 faleceu, no estado civil de solteiro e sem descendentes, o Sr. A…, deixando como seus únicos herdeiros: por vocação legal, a Sr.ª sua mãe, Dr.ª M…; e por vocação testamentária, o Sr. J…, tudo conforme certidão de habilitação de herdeiros com certidão de testamento que se juntou como documento 1, anexado ao requerimento inicial.
2. No dia 21.07.2021 o Sr. J… renunciou gratuitamente à herança do falecido A…, a favor da Sr.ª Dr.ª G…, conforme certidão da renúncia abdicativa de herança que se juntou como doc. 2.
3. Em face do exposto, na presente data, concorrem à herança do falecido: a Sr.ª Dr.ª M…, a qual desempenha as funções de cabeça-de-casal; e a Sr.ª Dr.ª G…, ambas Requerentes nos presentes autos.
4. No dia 31.07.2020, no desempenho das suas funções de cabeça-de-casal, a Sr.ª Dr.ª M… procedeu à comunicação às Finanças do óbito do falecido A…, conforme documento que se juntou como doc. 3.
5. Na mesma fazendo constar, como a bem a integrar a herança jacente daquele, a fracção autónoma, destinada a habitação, designada pela letra “TA”, correspondente ao apartamento n.º … do prédio urbano sito na Rua do …, Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º … da freguesia de Albufeira e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de Albufeira e Olhos de Água, conforme certidão predial e caderneta predial que se juntaram, respectivamente, como documentos 4 e 5.
6. O falecido A…, filho da Primeira Requerente e irmão da Segunda Requerente, adquiriu a fracção supra-identificada no decurso do ano de 2002, conforme certidão predial supra junta como doc. 4, momento a partir do qual passou a ter a sua posse.
7. Ocupando-a e dela fazendo uso e fruindo.
8. De forma pública e pacífica.
9. Sem prejudicar ou lesar direitos alheios.
10. Praticando sobre a mesma os mais diversos actos de administração e conservação.
11. E dela extraindo, de forma plena, todas as suas aptidões e utilidades.
12. Desde sempre a referida fracção foi tida pelo falecido António Ramos como uma casa de férias para uso de toda a família.
13. Pelo que, desde 2002, e ininterruptamente, não só aquele, mas também as ora Requerentes, a usaram e fruíram.
14. Acontece que, em 14.11.2017, o falecido A… celebrou com a Requerida um contrato-promessa de compra e venda com eficácia real, pelo qual prometeu vender e esta prometeu comprar, a fracção supra-identificada, conforme cópia do mesmo que se juntou como doc. 6.
15. Tendo ficado expressamente convencionado entre as partes que não se procedia à tradição da fracção prometida vender para a Requerida, conforme resulta do disposto na cláusula quarta do referido contrato, razão pela qual, após a celebração daquele contrato-promessa, o falecido A… e a sua família continuaram na posse da fracção.
16. Sucede que em Maio de 2018, sem que tivesse sido celebrado o contrato prometido, ao contrário do convencionado e contra a vontade do falecido A…, a Requerida forçou a entrada na fracção.
17. Arrombando a sua fechadura e trocando-a, assim impedindo o acesso à mesma pelo seu proprietário e restantes familiares.
18. Situação que apenas foi ultrapassada com a intervenção das forças da autoridade (GNR).
19. E obrigou o falecido A… a colocar uma nova fechadura na porta da fracção.
20. Mas, no dia 2 de Julho de 2018, a Requerida voltou a arrombar a porta da fracção.
21. Desta feita em momento em que o falecido A… se encontrava no seu interior, o que não foi motivo para dissuadir as pessoas que agiam a rogo da Requerida.
22. Porquanto, recorrendo à intimidação, acabaram por lograr forçá-lo a abandonar a fracção, ainda que contra a sua vontade.
23. Tendo, de imediato, procedido à mudança da fechadura, tudo conforme resulta dos factos apostos no aditamento à queixa-crime apresentada pelo falecido A… que se juntou como doc. 7.
24. Acto contínuo, nesse mesmo dia, a Requerida remeteu uma carta ao falecido A…, pela qual o interpelava para a celebração da escritura definitiva.
25. Mais comunicando que, caso a mesma não se viesse a ser celebrada, este se devia considerar notificado da perda de interesse no negócio por aquela e, consequentemente, procederia à resolução do contrato, onforme carta que se juntou como doc. 8.
26. Nem a escritura definitiva se veio a celebrar, nem o falecido A… ou a restante família conseguiram voltar a aceder à fracção, porquanto, sempre que o tentaram fazer, foram impedidos por pessoas ligadas à aqui Requerida.
27. A qual, pese embora haja expressamente declarado a perda de interesse no negócio, apoderou-se da fracção, dela fruindo e retirando proveitos financeiros.
28. A Requerida tem como objecto social a gestão e administração de imóveis, conforme se alcança da ficha informativa, a si referente, retirada do site do Portal da Justiça que se juntou como doc. 9.
29. Como já referido, no dia 14.04.2020 o Sr. A… faleceu, e de forma abrupta e inesperada.
30. Em Janeiro de 2021, as Requerentes receberam uma carta da Requerida, pela qual esta expressamente declarou que perdeu todo o interesse no contrato-promessa e na celebração da escritura prometida, considerando o contrato definitivamente não cumprido e, consequentemente, procedia à sua resolução.
31. Mais comunicando que iria exercer o direito de retenção sobre a fracção até que lhe fosse pago, pelas Requerentes, um montante indemnizatório que fixou, todo conforme carta que se juntou como doc. 10.
32. Em resposta, por carta remetida pelos seus mandatários a 03.02.2021, as Requerentes expressamente refutaram o teor e as conclusões da carta a que respondiam, nomeadamente não reconhecendo à Requerida o direito a ter a posse da fracção e mormente, não lhe reconhecendo qualquer direito de retenção sobre a mesma.
33. Pelo que declararam que aquela deveria, no prazo máximo de 10 (dez) dias, proceder à sua entrega, tudo conforme carta que se juntou como doc. 11.
34. Em “resposta”, a Requerida remeteu-se ao completo silêncio pelo que, no passado dia 09.03.2021, os mandatários das Requerentes remeteram carta à Requerida a interpelá-la para, no prazo máximo de 10 (dez) dias, proceder à entrega da fracção autónoma, conforme carta que se junta como doc. 12.
35. O que até hoje não sucedeu.
Consideram-se indiciariamente assentes os seguintes factos alegados na oposição:
36. O falecido António Paulo da Veiga Ramos intentou contra a ora requerida “Algartemático – Gestão e Inovação Turística, S.A.” um procedimento cautelar de restituição provisória de posse que deu origem ao processo 2536/18.8T8PTM que correu termos no Juízo Central Cível de Portimão, Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro.
37. No requerimento inicial, apresentado em 10/10/2018, o então requerente alegou ser proprietário da fracção objecto dos autos (apartamento n.º …, do prédio urbano sito na Rua do …, Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º … da freguesia de Albufeira e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da freguesia de Albufeira e Olhos de Água), sendo dela possuidor há mais de 15 anos.
38. Mais alegou que em 14/11/2017 celebrou contrato de promessa de compra e venda com eficácia real com a requerida, prometendo vender-lhe e esta comprar-lhe a referida fracção pelo valor de 200.000,00€, tendo ficado acordado que não haveria tradição.
39. Mais alegou que em Março/Abril de 2018 o requerente entregou uma chave à requerida (tendo ficado com uma chave para si) para que esta efectuasse pinturas no imóvel.
40. E alegou que no dia 23/05/2018, quando convocado para a escritura, o Notário constatou a existência de um arrolamento, não se tendo realizado a escritura e que no dia 26/05/2018, quando pretendia entrar no imóvel, não conseguiu, pois a fechadura estava mudada; mais alegou que depois de ir à GNR mudou a fechadura.
41. Alegou que no dia 01/07/2018, regressou ao apartamento e mais uma vez a fechadura tinha sido mudada e, nesse mesmo dia, volta a trocar a fechadura para, no dia seguinte, dia 02/07/2018 ter sido empurrado para fora do imóvel a mando da requerida, que mudou a fechadura e ficou a ocupar a fracção apesar de o ali requerente ter chamado a GNR.
42. Terminou pedindo a restituição do requerente à posse da indicada fracção.
43. A ali e aqui requerida apresentou oposição.
44. Invocou que o ali requerente lhe entregou de livre e espontânea vontade as chaves do imóvel em questão e que fez obras, tendo reparado e beneficiado o imóvel e remodelado e mobilado o seu interior, tendo passado a ocupá-lo e a vender a turistas o respectivo alojamento.
45. O então requerente A… veio, por requerimento de 16/01/2019, a desistir do pedido da providência de restituição provisoria da posse, tendo o Tribunal, por decisão já transitada de 17/01/2019, homologado a desistência do pedido e julgado extinta a instância cautelar.
46. A partir daí a requerente continuou a ocupar a fracção.
47. As ora requerentes intentaram acção sob a forma de processo comum, que correu termos no Tribunal de Portimão sob o numero 297/19.2T8PTM do Juízo Central Cível, Juiz 4, contra A… e a ora requerida.
48. Nessa acção proferida sentença, que não transitou em julgado e, após, foi declarada extinta a instância por deserção.
49. A ora requerida pagou 50.000,00€ de sinal ao falecido A… aquando da outorga do contrato-promessa.
50. A… havia entregue uma chave da fracção à ora requerida.
1.2 Factos indiciariamente não provados:
Face à prova produzida, não resultaram indiciados os seguintes factos alegados na oposição, designadamente os relacionados com os factos provados no processo 297/19.2T8PTM (já que tal sentença não transitou, tendo a acção sido extinta pela deserção), nomeadamente os constantes dos artigos 146.º a 204.º.
Os restantes não merecem resposta por apenas conterem matéria que se limita a impugnar factos contidos no requerimento inicial ou por apenas conterem matéria de direito, conclusiva ou que nada de novo acrescenta.

2 – Objecto do recurso.
Questões a decidir, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelas recorrentes nas conclusões da sua alegação, nos termos do artigo 635.º, n.º 4 do CPC, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso:
1.ª Questão - Saber se estamos perante uma repetição da providência.
2.ª Questão – Em caso negativo, saber se se verificam os requisitos da restituição provisória da posse.

3 - Análise do recurso.

1.ª Questão - Saber se estamos perante uma repetição da providência.
A 1.ª decisão deste procedimento cautelar julgou procedente o procedimento cautelar e ordenou à Algartemático – Gestão e Inovação Turística, S.A., a restituição provisória às requerentes da posse da fracção autónoma, por considerar que os actos objectivos da posse das requerentes, ou melhor, do falecido possuidor, criam a aparência do exercício do seu direito de propriedade, ou seja, demonstram o animus e que as requerentes beneficiam, ademais, da situação configurada nos autos, sendo manifesto que a requerida não podia, numa situação de autotutela, apossar-se da fracção, quando não tinha havido tradição da mesma.
Contrariamente, na 2.ª decisão que deferiu a oposição - a decisão recorrida - o entendimento do Tribunal foi de que “nem a providência pode ser repetida (a homologação da desistência do pedido tem o mesmo efeito da decisão desfavorável ao desistente) nem, sobretudo, as requerentes têm o direito que se arrogam à restituição da posse (a desistência extinguiu esse direito)”.
Vejamos:
Nos termos do artigo 362.º do CPC - Âmbito das providências cautelares não especificadas: «(…) 4 - Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado.»
Com a referida estatuição, pretende-se, por um lado, afirmar/concretizar os princípios da economia e da celeridade processuais e, por outro lado, prevenir eventuais pronúncias de sinal contraditório ou de conteúdo repetitivo sobre o mesmo objecto.
A expressão “repetição da causa” inculca que só é hoje tida por inadmissível a providência que tenha o mesmo conteúdo da anteriormente caducada ou julgada injustificada e se baseie no mesmo fundamento de facto.
A este propósito Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, volume III, 3.ª edição, 2004, página 124), entende ser inadmissível a mesma pretensão cautelar, ainda que com fundamento diverso e, no mesmo sentido, Lopes do Rego, (Comentários ao CPC, volume I, 2.ª edição, 2004, Almedina, página 344), que refere que a dita norma apenas inviabiliza “a nova dedução de pretensão idêntica (ainda que alicerçada em factos diferentes)” e que a figura da excepção de caso julgado, aplicável, “sempre obstaria a sucessiva repetição de providências idênticas, alicerçadas numa mesma causa de pedir”.
Note-se que a expressão "mesma causa" é diferente de "mesmo processo" (se se entendesse a equiparação a “processo” e se o procedimento cautelar fosse julgado improcedente, o autor poderia intentar acção declarativa e, em seguida, instaurar novo procedimento cautelar, para assegurar o direito, com o mesmo ou diverso fundamento, ou instaurar diversos procedimentos cautelares, antes da propositura da acção declarativa, até conseguir obter acolhimento favorável junto do tribunal, o que esvaziaria de sentido útil o preceito).
Assim, o que a lei pretende é evitar que, no âmbito do mesmo litígio, haja repetição de procedimento cautelar com o propósito de assegurar o mesmo direito, no confronto de identidade de partes, mesmo que o fundamento do procedimento cautelar seja diverso.
O actual artigo 362.º, n.º 4, do CPC de 2013 distingue duas situações:
A) Aquela em que a providência haja sido julgada injustificada, que pressupõe a análise dos fundamentos invocados em que se louvou a solicitação da medida.
B) Aquela em que a providência tenha caducado, estando subjacente que não merece protecção a parte requerente que deixa caducar uma medida decretada.
Refere a este propósito Abrantes Geraldes (Ob. cit., página 102):
«Entende-se que a proibição de repetição de providências abarca não apenas os casos de caducidade ou de injustificação como ainda os de desistência relativamente a providência anteriormente decretada – neste sentido Ac. RC de 17.11.87, in BMJ 371º p. 559; Ac. RE de 9.06.94, in CJ tº III, p. 283 e Ac. STJ de 29.02.96, in BMJ 454º p. 663, sendo que esta ultima decisão não atendeu à tese inversa defendida por lebre de Freitas Parecer publicado na R.O.A ano 57.º p. 463 ( Aí refere «…o efeito do caso julgado é próprio duma decisão de mérito, como tal definidora das situações jurídicas das partes. A preclusão consistente na indiscutibilidade da solução dada às questões por ele abrangidas pressupõe o acertamento definitivo dessas situações jurídicas, só possível num processo que tenha por objecto a afirmação da sua existência e a solicitação da tutela judiciária adequada a esse acertamento. O juízo sobre a probabilidade da existência do direito que tem lugar no procedimento cautelar (o simples fumus boni iuris) afasta, por definição, a ideia de acertamento definitivo que o caso julgado pressupõe (art. 386.º do CPC). Quanto ao juízo sobre o periculum mora, não envolve qualquer decisão sobre a relação de direito material, pelo que, não integrando uma decisão de mérito, não poderia dar lugar ao efeito de caso julgado; por outro lado, ao inverso do juízo sobre o fumus boni iuris, está condicionado pelas circunstâncias de facto ocorrentes ao tempo da sua emissão, constituindo um juízo temporalmente limitado. Finalmente, o juízo sobre a adequação da providência cautelar solicitada é um juízo de carácter tipicamente processual (cf. Art. 199.º CPC)»).
Desta forma, a desistência do pedido deve ser equiparada à caducidade, já que nos termos do art.º 295.º, n.º 1 do CPC, a desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer, o que implica o reconhecimento, pelo autor, de que a sua pretensão é infundada.
Que pretensão, que direito? Obviamente, a pretensão e o direito objecto da providência requerida e nada mais. Ou seja, o direito de requerer a providência adequada ao afastamento do referido 'periculum in mora'. A sua pretensão é somente a de evitar uma lesão grave resultante da mora. Desistindo dessa pretensão, desistindo desse direito fica definitivamente impedido de voltar a exercê-lo, pela simples razão de que se extinguiu (não há que confundir a caducidade ou a desistência do direito substantivo de propositura da acção com a caducidade ou desistência da providência cautelar).
Relativamente à desistência de pedido, defendem as recorrentes o seguinte: “o direito que o falecido A… tinha na sua esfera jurídica, e do qual abdicou por força da desistência do pedido que formulou, não é o mesmo que as ora Apelantes querem fazer valer na presente providência cautelar (…) pois na pretérita providência cautelar, o direito de restituição da posse que o ali requerente pretendia fazer valer visava lhe fosse reconhecido o uso e fruição de uma coisa por forma a afastar o esbulho de que foi alvo, no âmbito do direito real de gozo e na presente providência, o direito de restituição da posse que as ora Apelantes pretendem fazer valer visa afastar a retenção da fracção pela Apelada para garantia do pagamento de um crédito, no âmbito do direito real de garantia e o direito invocado pelo falecido A… nasceu na sua esfera jurídica mas, em resultado da sua declaração de vontade, nunca chegou a fazer parte da sua herança, já o que as Apelantes querem fazer valer teve a sua génese em momento muito posterior ao óbito daquele, pelo que nunca integrou a esfera jurídica do falecido”
Mas não têm razão.
Com efeito, o direito que está em causa – antes e agora - é o de afastar a lesão decorrente da demora processual para defesa uma posse (correspondente ao direito de propriedade) sobre um determinado imóvel contra um (mesmo) ato de esbulho (violento) praticado pela requerida, posse essa que integra o acervo hereditário do dito António Ramos e, por isso, se transmitiu aos respetivos herdeiros, requerentes do 2.º procedimento cautelar.
É isso que está em causa no procedimento cautelar.
E foi desse direito que o falecido desistiu no primeiro procedimento intentado no âmbito deste litígio.
E quando é que há repetição da causa?
Determina o art.º 581.º, nº. 1 do CPC que a causa se repete “quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”.
Por seu lado, os números 2, 3 e 4 desse mesmo preceito, concretizando melhor, dispõem que “há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e há identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico”. Acrescentando-se, no último normativo, e para o caso que aqui nos importa, que “nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real”.
As partes são as mesmas sob o aspecto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial.
Daí resulta que as partes não têm que coincidir do ponto de vista físico, sendo mesmo indiferente a posição que as partes assumam em ambos os processos, podendo ser autores numa ação e réus na outra (cfr., por todos, Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, Coimbra Editora, 2001, página 319).
Por outro lado, há identidade de pedidos quando numa e noutra ação se pretende obter o mesmo efeito jurídico, ou seja, terá de ser o mesmo direito subjetivo cujo reconhecimento se pretende, o que significa não ser exigível uma rigorosa identidade formal entre os pedidos.
E finalmente a identidade da causa de pedir “pressupõe que o acto ou o facto jurídico de onde o autor pretende ter derivado o direito é idêntico”.
Por isso há que procurar a identidade da causa de pedir na questão fundamental levantada nos dois procedimentos cautelares (cfr., por todos, Acórdão do STJ de 26/10/89, BMJ n.º 390, página 379).
Que dizer do nosso caso?
I - Houve 1.º procedimento cautelar de restituição de posse 2536/18.8T8PTM, que correu termos no Juízo Central Cível de Portimão, Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, em que veio a ser proferida sentença de homologação da desistência do pedido com transito em 05.02.2019:
Requerente- O falecido A…;
Requerida - “Algartemático – Gestão e Inovação Turística, S.A.”
Pedido- A restituição do requerente à posse da indicada fracção.
Causa de pedir: alegou ser proprietário da fracção objecto dos autos e que em 14/11/2017 celebrou contrato de promessa de compra e venda com eficácia real com a requerida, prometendo vender-lhe tendo ficado acordado que não haveria tradição e entregou uma chave à requerida (tendo ficado com uma chave para si) para que esta efectuasse pinturas no imóvel.
Por o Notário ter constatado a existência de um arrolamento, não se realizou a escritura e que no dia 26/05/2018, quando pretendia entrar no imóvel, foi impedido violentamente.
O então requerente A… veio, por requerimento de 16/01/2019, a desistir do pedido da providência de restituição provisoria da posse, tendo o Tribunal, por decisão já transitada de 17/01/2019, homologado a desistência do pedido e julgado extinta a instância cautelar.
II - Em 4.05.21 outro procedimento cautelar de restituição de posse (os presentes autos):
Requerentes – M… …;
Requerida – “Algartemático…”
Pedido - A restituição do requerente à posse da indicada fracção.
Causa de pedir: alegam ser herdeiras do proprietário da fracção objecto dos autos; a interpelação em 2018 para a celebração do contrato definitivo sob pena de perda de interesse da requerida no contrato de promessa de compra e venda caso e posse indevida por esbulho em 2018 (a escritura não se realizou e a requerida permaneceu no imóvel), sendo que a requerida comunicou em Janeiro de 2021 a resolução pela perda de interesse e que mantinha a ocupação por direito de retenção.
Assim, ante os elementos disponíveis, entendemos que estamos perante a repetição de providência anteriormente requerida, já que existe a necessária semelhança essencial das partes, dos fundamentos e do pedido - Cfr. o acórdão do STJ de 29.02.1996, BMJ 454, página 663.
Em ambas a pretensão é a restituição da posse;
O receio é o mesmo, é a mesma a possibilidade de lesão do direito e a mesma dificuldade de reparação e, ainda, é o mesmo o direito provavelmente existente, pois estamos em ambas, no âmbito da mesma situação relativa às vicissitudes do mesmo contrato de promessa de compra e venda da mesma fracção e pretende-se acautelar a dificuldade de reparação no tempo das consequências da resolução do litígio que continua a ser o mesmo, arrastando-se no tempo com as contingências das atitudes das partes relativamente ao contrato.
E até o esbulho corresponde à mesma situação de 2018.
Do confronto entre ambas as acções, verifica-se que, na anterior acção o requerente pretendia exercer o mesmo direito que agora formula, ou seja, reagir contra os danos resultantes do comportamento dos requeridos em virtude do incumprimento contratual da promessa de compra e venda.
Por isso é a mesma “questão fundamental”, a mesma causa de pedir.
Por outro lado, embora não sejam exactamente as mesmas partes formais, o pressuposto da identidade das partes deve ser entendido do ponto de vista da sua qualidade jurídica – art.º 498.º, n.º 2 do CPC, ou seja, só é necessário que do ponto de vista jurídico, as partes em causa representem os mesmos interesses.
Verifica-se, por conseguinte, estamos, em termos práticos, perante uma situação de repetição da mesma providência, o que não é admissível nos termos do art.º 362.º, n.º 4 do CPC.
Resta, pois, concluir que a decisão sob censura não merece qualquer reparo, ficando prejudicada a análise da 2.ª questão supra mencionada.

4 – Dispositivo.
Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação interposto, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pelas recorrentes.
Évora, 28.10.2021