Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1390/12.8TBVNO.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
PAGAMENTO DO PREÇO
EXTINÇÃO DO DIREITO DE RETENÇÃO
PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
Data do Acordão: 07/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário:
1 - Não tendo as partes estabelecido prazo para cumprimento da obrigação, a mesma deve ser cumprida num prazo razoável.
2 – Pode considerar-se prazo razoável, para cumprimento da prestação, o prazo de cerca de seis meses para reparação de uma caixa de velocidades de um automóvel, em face das dificuldades em detetar uma microfissura e em adquirir peças adequadas no mercado de usados.
3 – O depositário goza do direito de retenção sobre as coisas que lhe tiveram sido entregues em consequência dos respetivos contratos, pelos créditos deles resultantes.
4 – No entanto, tal direito de retenção extingue-se desde que o depositante preste caução suficiente, dado que o retentor passa a possuir uma garantia de cumprimento, donde a retenção deixa de ser legítima.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Ourém – Instância Local – Secção Cível – J1) corre termos ação declarativa de condenação pela qual AA demanda BB, alegando em síntese:
- Celebrou um contrato de empreitada com o R. em que este se comprometeu a proceder à reparação do seu veículo, tendo sido acordado entre ambos que o preço do serviço se situaria entre 2.000 e 2.200 euros, com IVA incluído;
- Foi igualmente acordado um prazo entre 2 e 3 semanas para a realização da reparação da viatura, mas passado esse período temporal, começou a questionar o R. sobre se o veículo já estaria pronto, tendo este arranjando desculpas para não entregar o veículo devidamente reparado;
- O veículo só foi reparado passados 6 meses depois do prazo acordado;
- Na altura da entrega da viatura, o R. cobrou-lhe um preço muito superior ao acordado, que não aceitou;
- O R. comunicou-lhe que iria reter a viatura até que o preço da reparação da mesma, por si exigido, fosse pago;
- Esteve privado do uso da viatura desde a data em que decorreu o prazo acordado pelas partes para a sua reparação até ao presente.
Concluindo pede:
- a condenação do R. a reconhecer o A. como dono e legítimo proprietário do veículo em causa nos autos, a restituir-lhe tal viatura, e ainda a declarar-se que o R. incumpriu a sua obrigação e a pagar uma indemnização por esse incumprimento no valor diário de 60 euros, desde o dia 1-3-2012 até à efetiva entrega da viatura.
O autor na petição veio solicitar a prestação de caução da quantia reclamada pelo R. como preço dos serviços por estes prestados com a reparação da viatura, ou seja do valor de 4.635,55 euros, tendo a prestação de caução sido deferida pelo Tribunal.
O R. citado veio contestar e reconvir, tendo naquela sede impugnado parcialmente os factos e sustentado não ter o autor direito a qualquer indemnização.
Em sede de reconvenção pede a condenação do autor a pagar-lhe a quantia de 4.635,55 euros, correspondente ao preço dos serviços por si prestados na reparação da viatura, acrescida dos juros de mora vencidos desde o dia 13-7-2012, e vincendos até integral pagamento, devendo declarar-se que goza do direito de retenção do veículo até que lhe seja pago o custo da reparação efetuada ao mesmo, e ainda condenação do A. no pagamento da quantia diária de 15 euros, desde 15-9-2012 até ao dia em que o veículo seja retirado das suas instalações a título de guarda, recolha e parqueamento da viatura, a liquidar em execução de sentença.
Posteriormente, o A. veio solicitar a ampliação do pedido, que veio a ser admitida, solicitando a condenação do R. numa indemnização pela reparação dos danos que este último provocou na viatura em causa nos autos durante o período temporal em que a viatura esteve parqueada na sua oficina, fixando o valor dessa indemnização na quantia de € 625,00 em relação à reparação da chapa do veículo, em € 950,00, acrescida do IVA no que respeita à pintura da viatura, e na importância de € 400,00 no que diz respeito à substituição do forro do tablier.
Saneado o processo e realizada audiência final veio a ser proferida sentença cujo dispositivo reza:
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente, por provada, a presente ação e decide-se condenar o R. nos pedidos apresentados pelo A. consistentes em:
1-) A reconhecer o A. como dono e legítimo proprietário do veículo automóvel de matrícula …-…-HU.
2-) A pagar ao A. uma indemnização correspondente ao valor da reparação dos danos sofridos pelo veículo …-…-HU enquanto esteve parqueado na oficina do R. e provocados por este, consistentes em uma amolgadela no pára-lamas e no pára-choques situados atrás do lado direito. Esta indemnização será liquidada em incidente a instaurar para o efeito.

Por outro lado, decide-se declarar improcedente a restante parte da presente ação principal, designadamente em relação aos outros pedidos formulados pelo A. nos presentes autos.
Consequentemente, decide-se absolver o R. dos pedidos formulados pelo A.:
a) de condenação daquele em proceder à restituição ao A. da viatura …-…-HU antes de este último lhe pagar o valor do preço da obra por aquele realizada;
b) em declarar que o R. incumpriu a sua obrigação e em condenar este último no pagamento de uma indemnização pelo alegado dano de privação do uso do veículo, à razão diária de 60 euros, e contado desde o dia 1-3-2012 até à data da entrega da viatura ao A.;
c) em condenar o R. no pagamento de uma indemnização pelos restantes danos que o R. alegadamente tinha provocado na viatura em causa enquanto esta esteve parqueada nas suas instalações.
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Condenam-se ainda o A. e o R. no pagamento das custas da acção principal do presente Processo em razão do decaimento ( cfr. artigo 527º, do Código de Processo Civil). Fixa-se a proporção da responsabilidade do A. nas custas da acção principal em 95% e do R. em 5%.
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Por outro lado, decide-se declarar parcialmente procedente, por provada, a reconvenção deduzida pelo R. e reconvinte.
Em conformidade, decide-se condenar o A. e reconvindo nos pedidos reconvencionais consistentes em:
a-) A pagar ao R. a quantia de 4.635,55 euros, correspondente ao preço dos serviços prestados por este último na obra que realizou a favor do A., que consistirá na dívida de capital.
b-) A pagar ao R. o valor dos juros de mora que se venceram desde o dia 1-10-2012, calculados sobre o montante referido em a), à taxa legal dos juros de mora dos créditos que sejam titulares empresas comerciais em vigor em cada período temporal e ainda dos que se vencerem até integral e efetivo pagamento.
c-) Declarar que o R. goza do direito de retenção sobre o veículo de matrícula …-…-HU até que lhe seja pago o custo da reparação do mesmo.
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Por outro lado, decide-se declarar improcedente a restante parte da reconvenção, designadamente em relação ao outro pedido formulado pelo R. e reconvinte nos presentes autos.
Consequentemente, decide-se absolver o A. e reconvindo do pedido reconvencional formulado pelo R. de condenação daquele no pagamento de uma compensação pela guarda, recolha e parqueamento do veículo ..-…-HU, à razão diária de 15 euros, desde o dia 15-9-2012 até ao dia em que o veículo for retirado das instalações do R., e ainda do pagamento dos juros de mora sobre a dívida de capital referida em a), desde 13-7-2012 até 30-9-2012, inclusive.
Condenam-se ainda o R. e o A. no pagamento das custas da reconvenção em razão do decaimento (cfr. artigo 527º, do Código de Processo Civil). Fixa-se a proporção da responsabilidade do R. nas custas da reconvenção em 25% e do A. em 75%.
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Desta decisão foi interposto recurso de apelação, por parte do autor, tendo apresentado as respetivas alegações e concluído por formular as seguintes conclusões, que se transcrevem:
a) As obrigações devem ser pontualmente cumpridas;
b) Não cumpre, pontualmente, a sua obrigação o R. que leva 4 meses para reparar uma caixa de velocidades de um veículo Mercedes;
c) Nem tal prazo é razoável, nos termos e para os efeitos do artº 772/1 C. C.
d) Não cumpre, pontualmente, a sua obrigação o R. que ao reparar a caixa de velocidades de um veículo instala um cárter que terá sido furtado, se a tal o dono do veículo não deu consentimento;
e) A instalação desse cárter viola o artº 837 C. C.;
f) Não é aceitável, à luz da experiência comum, que levando-se 4 meses a reparar a caixa de velocidades de um veículo, tal não cause transtornos ao dono do mesmo;
g) Mantendo-se o veículo à guarda, recolha e armazenamento do R., este tem o dever de cuidar do mesmo, evitando a sua deterioração;
h) Mais ainda se o veículo permanece em seu poder como retentor;
i) Ao não cuidar do veiculo como um proprietário diligente violou os artºs 758 e 671, C. C., constituindo-se na obrigação de indemnizar;
j) A entrega do veiculo como a prestação de caução extinguem ou impedem o reconhecimento do direito de retenção, mostrando-se violados os artºs 756-d) e 761, C. C.,
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Cumpre apreciar e decidir.
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O objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, as questões que importa apreciar são as seguintes:
1ª – Saber se no caso em apreço, o tempo que levou a reparação do veiculo automóvel se pode considerar razoável;
2ª – Dos prejuízos sofridos pelo recorrente, decorrentes do tempo que levou a reparação do seu veículo automóvel;
3ª – Do direito de retenção.
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Na sentença recorrida foi considerado como provada a seguinte matéria de facto:
1 - Consta de uma informação prestada por uma Conservatória do Registo Automóvel datada de 10-9-2012 que sobre o veículo automóvel de marca Mercedes – Benz, de matrícula …-…-HU, existia uma inscrição de aquisição do direito de propriedade a favor do A., e uma inscrição de penhora efetuada através de apresentação realizada em 30-3-2012.
2 - O R. exerce a atividade de manutenção e de reparação de veículos automóveis, por conta própria.
3 - Anteriormente o R. exerceu a sua atividade na oficina: “A … – Reparação de Automóveis, Lda.”, sita em Ourém, a qual está vocacionada para a assistência a veículos de marca Mercedes.
4 - No mês de Fevereiro de 2012, o A. e o R. encontraram-se e aquele queixou-se a este último de uma avaria na caixa de velocidades do veículo referido em 1).
5 - Em resposta o R. prontificou-se a reparar a avaria de que o A. se queixou.
6 - Nesse mesmo mês de Fevereiro de 2012, o A. deixou o veículo referido em 1) na oficina do R. a fim de ele proceder à reparação da avaria.
7 - A reparação da caixa de velocidades do veículo referido em 1), sem a parte referente à coulocha ou ao cárter da caixa, teria o custo normal e de mercado entre 3 e 5 mil euros.
8 - Na altura referida em 6), o A. deslocava-se da sua residência, sita em … para Oliveira de Azeméis, onde exercia a sua atividade na área da construção civil.
9 - Passados cerca de 10 dias depois da altura referida em 6), o A. comprou um veículo automóvel de marca e modelo: Opel Corsa, passando a fazer as suas deslocações com esta viatura, designadamente a que se encontra referida em 8).
10 - Passadas 2/3 semanas depois da altura referida em 6), o A. passou a questionar o R. sobre se o serviço já estava pronto.
11 - O mandatário do A. enviou ao R., este recebeu-a, a carta datada de 3-7-2012, que se encontra junta a fls. 13, e que cujo conteúdo se dá por reproduzido e no qual consta, designadamente, que: “Por mandato do sr. AA venho notificá-lo de que este se apresentará nas suas instalações no próximo dia 5/7/2012, pelas 15 horas, para lhe ser entregue o veículo automóvel Mercedes …, que lhe foi entregue para reparação…Caso não tenha sido possível reparar a avaria do veículo deve ser entregue no estado em que se encontrava quando aí foi deixado”.
12 - O R. enviou ao A., e este recebeu-a, a carta registada datada de 14-9-2012, cuja cópia se encontra junta a fls. 14 e 15, e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual consta, designadamente, que o assunto é: “reparação da sua viatura …-…-HU”, e ainda que: “Junto segue a minha fatura nº 0414 de 13-7-2012, no valor de 4.635,55 euros, referente ao custo de reparação da caixa de velocidades que mandou efetuar no seu veículo supra referido. Porque Vª exª até à presente data não compareceu na minha oficina para proceder ao pagamento e levantamento da viatura, remeto-lhe a mesma pelo correio, informando-o desde já, que enquanto não proceder ao pagamento da totalidade do valor da reparação exercerei o direito de retenção sobre o veículo reparado…Mais o informo de que, caso a liquidação da fatura não ocorra até ao final do corrente mês de Setembro, irei exigir judicialmente o respetivo pagamento”.
13 - O R. procedeu à emissão da fatura nº 0414, datada de 13-7-2012, cuja cópia se encontra junta a fls. 16, e cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, onde descreve os materiais e a mão-de-obra aplicados para a reparação do veículo referido em 1), e ainda as respetivas contrapartidas, tendo tais trabalhos e materiais o custo total de 4.635,55 euros, incluindo o IVA à taxa legal.
14 - A fatura referida em 13) foi enviada pelo R. ao A. conjuntamente com a carta referida em 12).
15 - O mandatário do A. devolveu ao R. a fatura referida em 13) através da carta datada de 24-9-2012, que se encontra junta a fls. 18.
16 - O custo de uma caixa de velocidades para um veículo de marca Mercedes é de 8.284,48 euros, acrescido do IVA.
17 - Na sequência do facto referido em 6), o R. desmontou a caixa de velocidades do veículo referido em 1), verificou quais eram as peças danificadas, soube os preços das que tinha de adquirir para substituição junto do agente da Mercedes e comunicou tal informação ao A.
18 - Em resposta, o A. disse ao R. para comprar as peças e reparar a caixa de velocidades, o que o R. fez.
19 - Após a reparação da caixa de velocidades, o R. experimentou o veículo referido em 1) e verificou que a avaria naquela persistia.
20 - Comunicou a situação ao A. e este quis, ele próprio, experimentar o veículo.
21 - Na sequência, o A. circulou com o veículo referido em 1) durante o dia e foi entregá-lo novamente na oficina do R., confirmando que a avaria persistia.
22 - O R. desmontou novamente a caixa de velocidades e, após diversos ensaios feitos a todos os componentes e com o auxílio de um técnico especializado em caixas da marca Mercedes, concluiu que além das peças danificadas e substituídas havia uma “microfissura” nos canais do óleo, não detetável à vista desarmada.
23 - A avaria referida em 22) fazia com que o óleo passasse de um canal para o outro.
24 - A microfissura referida em 22) não era reparável e implicava a substituição do cárter ou coulocha da caixa de velocidades.
25 - O R. teve dificuldades em encontrar o cárter referido em 24) no mercado de usados, e só em Espanha conseguiu encontrar essa peça usada pelo preço de 1.000 euros, que adquiriu.
26 - Após o R. montou a peça referida em 25) no veículo mencionado em 1).
27 - Na sequência do facto referido em 26), a caixa de velocidades do veículo referido em 1) ficou em boas condições de funcionamento, mantendo-se nessa situação atualmente.
28 - O R. aplicou os materiais e a mão-de-obra descritos na fatura referida em 13) na reparação da viatura mencionada em 13), que tiveram o custo aí igualmente mencionado.
29 - Quando em Julho de 2012, o R. comunicou a contrapartida da reparação referida na fatura mencionada em 13), e o A. achou caro e se recusou a pagar, aquele comunicou a este último que o veículo referido em 1) ficaria retido na sua oficina até que a reparação fosse paga.
30 - O A. era e é proprietário de um outro veículo da marca Mercedes, com a matrícula CZ-42-49.
31 - Durante o período temporal em que o veículo referido em 1) esteve nas instalações da oficina do R. para ser efetuada a sua reparação foi provocada pelo R. uma amolgadela no pára-lamas e no pára-choques situados atrás do lado direito.
32 - O A. procedeu à reparação do estrago no veículo referido em 31), que teve um custo não concretamente apurado.
33 - O A. gastou a quantia de 950 euros, acrescida do IVA, para proceder à pintura do veículo …-…-HU e da quantia de 100 euros para forrar o tablier de tal viatura.
O Tribunal considerou que não ficaram provados os seguintes factos com relevância para o objeto em causa nos presentes autos:
A - Na altura referida em 6), o A. e o R. acordaram que o custo da reparação da viatura referida em 1) seria entre 2.000 e 2.200 euros, com IVA incluído.
B - Em Sintra, a testemunha Paulo … prontificou-se a mandar a caixa de velocidades do veículo referido em 1) à Alemanha para ser reparada.
C - Na ocasião referida em 6), o A. esclareceu o R. que precisava do carro com urgência, tendo sido acordado entre ambos um prazo de 2/3 semanas para a realização da reparação da avaria.
D - No princípio de Abril de 2012 o R. pediu ao A. os documentos para ir com o veículo referido em 1) à inspeção.
E - Na sequência, o A. entregou os documentos do veículo referido em 1) ao R. e ficou convicto que a viatura estava arranjada.
F - Posteriormente, sempre que o A. procurava levantar o veículo, o R. dizia-lhe que o mesmo ainda não estava pronto ou que tinha surgido outra avaria.
G - Quando o A. se apresentava para levantar o veículo referido em 1) ou falar com o R. acerca do que se estava a passar, este último não aparecia ou as portas da oficina estavam fechadas.
H - O tempo normal para reparar uma caixa de velocidades num veículo idêntico ao referido em 1) não excede 30 dias.
I - Durante o período de 6 meses, o A. alugou um outro veículo para a sua atividade quotidiana diária e para se deslocar de e para o seu local de trabalho.
J - Muito antes da data em que enviou a carta referida em 12), o R. comunicou ao A. o custo da reparação referida do veículo referido em 1) e descriminou tudo o que tinha feito no âmbito dessa reparação.
K - O R. exibiu ao A. um orçamento com o custo de reparação de uma caixa de velocidades de um veículo Mercedes, que solicitou a um agente da Mercedes.
L - Quando o A. entregou o veículo referido em 1) na oficina do R., já o trazia da oficina do concessionário da Mercedes em Ourém, não tendo o mesmo sido ali reparado.
M - No agente Mercedes o cárter referido em 24) tinha o custo de 1.124,14 euros, acrescido de IVA no valor de 258,55 euros.
N - Informado da avaria e do custo do cárter referido em M), o A. pediu ao A. que tentasse encontrar um cárter usado.
O - Na ocasião referida em 6), o veículo mencionado em 30) estava em condições de ser utilizado pelo A.
P - Durante o período temporal em que o veículo referido em 1) esteve nas instalações da oficina do R. foram provocadas amolgadelas no guarda-lamas e pára-choques situados atrás do lado esquerdo, foram provocados estragos no pára-brisas e no tablier, e a pintura do veículo ficou sem brilho.
Q - Devido a falha na reparação efetuada ao mesmo pelo R., o veículo referido em 1) avariou no dia 17-2-2014, tendo o mesmo sido colocado na oficina da empresa S… para ser reparado.
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Conhecendo da 1ª questão
Invoca o recorrente que o tempo de reparação do seu veículo automóvel durante quatro meses, não se pode considerar um prazo razoável.
Para apreciar tal questão vejamos a matéria que foi considerada provada e que está relacionada com o tempo da reparação do veículo automóvel, constante nos pontos 2, 3, 4, 5, 6, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20, 21,22,23, 24, 25, 26, 27 dos factos provados.
Da análise destes factos dados como provados, demonstrado ficou que entre as partes foi celebrado um contrato de empreitada, na modalidade de prestação de serviços, tendo-se o réu comprometido a realizar uma obra do recorrente, consistente na reparação da caixa de velocidades do seu veículo de matrícula …-…-HU.
Estabelece o artigo 1207º, do Código Civil, que: empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço.
No presente caso foi o recorrente que encomendou ao réu a realização da obra em causa e que consistia na reparação da caixa de velocidades do seu veículo automóvel, não tendo as partes estabelecido qualquer prazo para a sua reparação.
O recorrente não provou que tivesse acordado com o réu, o prazo de 2 a 3 semanas para a realização da reparação da viatura. Também não ficou demonstrado nos autos que o prazo normal para a realização da caixa de velocidades de uma viatura será de 30 dias.
Ficou provado que o réu concluiu a obra da reparação da caixa de velocidades da viatura, no mês de Julho de 2012.
Será que o tempo que mediou entre a entrega da viatura do recorrente, na oficina do réu (Fevereiro de 2012), até Julho de 2012, (data em que o réu concluiu a obra), foi o adequado e razoável para a efetivação da obra em questão.
Tendo em conta o exposto, nos termos do artº 777º, nº 2, do C. Civil, será o Tribunal a estabelecer o prazo que considera razoável, para a reparação da viatura.
Quanto a esta questão não podemos deixar de estar de acordo com o que é dito pelo Mº Julgador “a quo”, na sentença impugnada:
Quanto a esta situação verifica-se que ficou igualmente demonstrado nos autos que na sequência do facto referido em 6), o R. desmontou a caixa de velocidades do veículo referido em 1), verificou quais eram as peças danificadas, soube os preços das que tinha de adquirir para substituição junto do agente da Mercedes e comunicou tal informação ao A. Em resposta, o A. disse ao R. para comprar as peças e reparar a caixa de velocidades, o que o R. fez. Após a reparação da caixa de velocidades, o R. experimentou o veículo referido em 1) e verificou que a avaria naquela persistia. Comunicou a situação ao A. e este quis, ele próprio, experimentar o veículo. Na sequência, o A. circulou com o veículo referido em 1) durante o dia e foi entregá-lo novamente na oficina do R., confirmando que a avaria persistia. O R. desmontou novamente a caixa de velocidades e, após diversos ensaios feitos a todos os componentes e com o auxílio de um técnico especializado em caixas da marca Mercedes, concluiu que além das peças danificadas e substituídas havia uma “microfissura” nos canais do óleo, não detetável à vista desarmada. A avaria referida em 22) fazia com que o óleo passasse de um canal para o outro. A microfissura referida em 22) não era reparável e implicava a substituição do cárter ou coulocha da caixa de velocidades. O R. teve dificuldades em encontrar o cárter referido em 24) no mercado de usados, e só em Espanha conseguiu encontrar essa peça usada pelo preço de 1.000 euros, que adquiriu. Após, o R. montou a peça referida em 25) no veículo mencionado em 1).
Resulta destes outros factos que o R. teve grandes dificuldades para detetar a avaria principal da caixa de velocidades do veículo do A. e que a impedia de funcionar corretamente. Para o efeito teve de desmontar pelo menos por duas vezes a caixa de velocidades e teve de realizar experiências com a viatura de forma a verificar o seu funcionamento. Além disso, o R. teve dificuldades em encontrar uma das peças da caixa de velocidades, designadamente o cárter, no estado de usado. Apenas conseguiu encontrar a mesma em Espanha quando teve a oportunidade de se deslocar a esse país.
Em conformidade, tendo em conta todas essas vicissitudes ocorridas para que o R. conseguisse detetar a avaria principal na caixa de velocidades do veículo, e ainda para encontrar a referida peça para resolver em definitivo o problema, não consideramos excessivo que o R. tenha estado desde Fevereiro a Julho de 2012 para proceder à reparação do veículo e para realizar a referida obra. Consideramos assim adequado e razoável esse prazo para o R. realizar a obra e concluir a mesma, nos termos do artigo 777º, nº2, do Código Civil.
Em conformidade, ter-se-á que concluir que o R. realizou a obra, consistente na reparação da caixa de velocidades do veículo dentro do prazo que o Tribunal considera adequado e razoável para a realização da mesma, atentas as dificuldades que surgiram para a sua efetivação. Consequentemente, considera o Tribunal que o R. não entrou em mora, ou em incumprimento na realização da obra, pelo facto de apenas ter concluído a mesma em Julho de 2012.
Deste modo, não se registará este requisito do incumprimento ou do cumprimento em mora pelo R., em relação ao período que vai desde 1-3-2012 a Julho de 2012, conforme era sustentado pelo R.
Face ao exposto, improcede, assim a 1ª questão suscitada pelo recorrente no recurso ora em análise.

Conhecendo da 2ª questão
Conforme se decidiu acima, o veículo do recorrente de matrícula …-…-HU, ficou imobilizado na oficina do réu entre Fevereiro e Julho de 2012, a aguardar a realização da sua reparação.
Assim, teremos de concluir que o recorrente esteve privado do uso daquele veículo durante aquele período temporal.
O recorrente veio alegar ter sofrido um dano resultante da privação do uso do veículo …-…-HU.
Conforme se disse acima, não ficou demonstrado e provado que as partes tivessem estabelecido um prazo para cumprimento da reparação do automóvel, logo o réu não incumpriu as suas obrigações.
O recorrente invoca ter sofrido danos resultantes da privação do uso do seu veículo. No entanto não provou que sofreu transtornos resultantes da paralisação do veículo e da impossibilidade de o utilizar.
Quanto a esta questão encontra-se demonstrado nos presentes autos que na altura referida no ponto 6, da matéria de facto provada, o recorrente deslocava-se da sua residência, sita em … para Oliveira de Azeméis, onde exercia a sua atividade na área da construção civil. Passados cerca de 10 dias depois da altura referida no ponto 6 da matéria de facto provada, o recorrente comprou um veículo automóvel de marca e modelo Opel Corsa, passando a fazer as suas deslocações com esta viatura, que se encontra referida no ponto 8 da matéria de facto provada.
O recorrente não provou como lhe competia, que tivesse sofrido transtornos resultantes da privação do veículo de matrícula …-…-HU, para a sua atividade profissional ou para deslocações de lazer, na medida em que comprou imediatamente um outro veÍculo para substituir o que estava na garagem a arranjar.
Deste modo, perante a falta de prova desses elementos do incumprimento do contrato por parte do réu e dos danos que teriam sido sofridos pelo recorrente, também esta segunda questão tem de improceder.
Face ao exposto, improcede, assim a 2ª questão suscitada pelo recorrente no recurso ora em análise.

Conhecendo da 3ª questão
Alega o recorrente que a entrega do veículo como a prestação de caução extinguem ou impedem o reconhecimento do direito de retenção, mostrando-se violados ao artºs 756º-d) e 761º, do C. Civil.
O réu reconvinte, veio pedir a condenação do recorrente (autor nos presentes autos), no pagamento do preço dos serviços por si prestados na realização da obra em causa nos autos, ou seja a reparação da caixa de velocidades do veículo do autor, de matrícula …-…-HU, designadamente, os materiais e a mão de obra aplicadas. O valor desse preço seria na perspetiva sustentada pelo réu de € 4.635,55.
Ficou demonstrado nos presentes autos que o réu procedeu efetivamente à reparação da caixa de velocidades do veículo …-…-HU, designadamente com a substituição das peças necessárias para o efeito.
Bem como está comprovado nos autos que após o réu ter realizado a reparação das outras peças e ter montado a peça referida em 25), o cárter no veículo, a caixa de velocidades de tal viatura ficou em boas condições de funcionamento.
A bem da verdade terá de se dizer que tal peça, o cárter da caixa de velocidades não foi furtada, conforme esclareceu em 20/02/2014, a S…, Lda. (Concessionário e Oficina Autorizada Mercedes-Benz), cujo documento se encontra nos autos a folhas 141.
Do exposto concluímos que o réu executou a obra e cumpriu a sua prestação a que se encontrava obrigado, nos termos do artº 1208º, do C. Civil. Também resulta dos autos que foi o réu que forneceu na totalidade os materiais para proceder á reparação da caixa de velocidades do veículo do recorrente.
É do senso comum que, em todas as obras realizadas pelos empreiteiros existe, por um lado, a componente dos materiais aplicados e, por outro, a componente da mão-de-obra. Consequentemente, o preço da obra inclui o valor dos materiais que foram aplicados na mesma pelo empreiteiro e que foram por ele adquiridos por força do artº 1210º, nº 1, do C. Civil, e ainda o custo da mão-de-obra por ele aplicada na realização da obra.
Determina o artigo 1207º, do Código Civil, que a pessoa que beneficia da obra realizada pelo empreiteiro, ou seja o denominado: “dono da obra” fica obrigado a pagar um preço a este último.
Em conformidade, o A. obrigou-se a pagar o preço dos trabalhos que havia acordado com o R., e que este deveria levar a cabo no âmbito do referido contrato de empreitada.
Deste modo, o A., na qualidade de dono de obra, estará obrigada a proceder ao pagamento das contrapartidas pelos serviços prestados pelo R., e pelos materiais por este fornecidos, na medida em que, conforme se referiu, este último cumpriu a obrigação a que se tinha vinculado, procedendo à reparação da caixa de velocidades do veículo …-…-HU, e esta ficou a funcionar corretamente.
Na presente situação, não ficou provado que as partes do contrato tivessem ajustado o preço global ou parcelar pela execução da obra, designadamente na altura da celebração do contrato de empreitada em questão.
Acresce que ficou igualmente demonstrado nos autos que para proceder à reparação da caixa de velocidades do veículo do A/recorrente, quer no que respeita à sua reconstrução, quer à substituição do cárter, o R. aplicou todos os materiais e a mão-de-obra que se encontram descritos na fatura que se encontra descrita no ponto 13). Fatura essa que foi emitida pelo R. e que foi apresentada ao A/recorrente, como descrevendo esses materiais e mão-de-obra aplicados na reparação da caixa de velocidades, e ainda as contrapartidas pelos mesmos. Além disso, também ficou demonstrado nos autos que os custos dos materiais e da mão-de-obra que se encontram descritos na fatura referida em 13) serão os adequados e os praticados no mercado. Para além do mais, os custos dos materiais descritos na fatura foram aqueles que foram cobrados ao R. quando procedeu à sua aquisição.
De todo o exposto, resulta que a dívida total do A. em relação ao preço dos serviços efetuados pelo R. cifra-se naquela quantia de 4.635,55 euros. Este corresponderá assim ao preço global da obra efetuada pelo R. em benefício do A/recorrente, ou seja os serviços de mecânica referidos supra, e ainda os materiais aplicados na reparação da viatura.
Pois, contrariamente ao alegado pelo autor/recorrente, não ficou demonstrado nos autos que o A. e o R. tivessem acordado quanto ao valor do preço da obra na altura da celebração do contrato de empreitada, que segundo alega o autor/recorrente seria uma quantia muito inferior
Do acabado de expor, teríamos que reconhecer que o réu e reconvinte beneficia do direito de retenção sobre a viatura em causa, o veiculo …-…-HU, até que o autor/recorrente lhe pague o preço da reparação da viatura, realizado por aquele.
Acontece que no caso dos presentes autos o autor/recorrente, prestou caução suficiente, no valor de € 4.635,55, à qual não se opôs o réu/reconvinte, sendo a mesma julgada validamente prestada, (por decisão proferida no apenso de caução, datada de 19/11/2013) pelo que cessou o direito de retenção do réu/reconvinte, nos termos do artº 756º d), do C. Civil.
Conforme se refere no Ac. do TRP. de 12/10/2009, in C.J. Tomo 4,187/188, “a natureza provisória do direito real de garantia que é o direito de retenção conduz necessariamente ao pressuposto da sua cessação, se a outra parte prestar caução suficiente como se prevê no citado artº 756º, al. d)”,
Também Menezes Leitão in Garantias das Obrigações, 3ª ed. Almedina, 244/245, sobre a “Extinção do Direito de Retenção” refere que “uma outra causa de extinção do direito de retenção é a sua substituição por caução, face ao que se dispõe no artº 756º, al. d). Uma vez caucionado o crédito, o retentor passa a possuir uma garantia de cumprimento pelo que a retenção da coisa deixa de ser legítima”.
Assim, não se pode corroborar o decidido na 1ª instância relativamente à questão do direito de retenção, onde se omitiu pura e simplesmente o facto de o autor/recorrente, voluntariamente se ter apresentado a prestar caução, o que foi deferido.
Pelo que temos de reconhecer que a caução prestada pelo autor/recorrente, é meio idóneo para fazer cessar o direito de retenção, pelo que se deve considerar o mesmo extinto.
Não vislumbramos nos autos que haja notícia que o veículo já tenha sido entregue ao autor/recorrente, sendo que este também não terá diligenciado, após a prestação da caução, perante o Tribunal, para que o veículo lhe fosse entregue de imediato.
Seja como for, neste momento haverá que desbloquear a situação no sentido de o autor/recorrente, poder deter e fazer uso do veículo de sua propriedade.
Nestes termos procede nesta vertente o recurso.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação nos termos supra aludidos, revogando-se a decisão recorrida na parte em que não ordenou a restituição por parte do réu, do veiculo ao autor/recorrente, após este ter garantido o pagamento do preço da reparação, através de caução e que declarou gozar o réu do direito de retenção sobre o veiculo em causa, até lhe ser pago o custo da reparação, mantendo-se no mais o decidido.
Custas pelo apelante e apelado na proporção de 2/3 para aquele e 1/3 para este.

Évora, 12 de Julho de 2016
Maria da Conceição Ferreira
Mário António Mendes Serrano
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes