Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
342/14.8T8MMN.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
NEGLIGÊNCIA
Data do Acordão: 12/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A circunstância do Agente de Execução não ter comunicado ao Tribunal que foram requeridas diligências de penhora não pode ser imputada na esfera jurídica do exequente, pois não existe assim qualquer comportamento negligente deste, o que impede a declaração de extinção da execução ao abrigo das disposições dos artigos 750º, nº 1 e 855º, nº 4, ambos do Código de Processo Civil.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 342/14.8T8MMN.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Évora – Secção Central de Execução de Montemor-o-Novo
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
Na presente execução proposta por “Banco (…), SA” contra (…), a sociedade exequente veio interpor recurso do despacho que ordenou a extinção da instância nos termos dos artigos 750º, nº 2, e 855º, nº 4, do Código de Processo Civil.
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Inconformada com tal decisão, a recorrente apresentou recurso de apelação e formulou a seguinte conclusão:
«Por violação do disposto no artigo 2º, nº 1, no artigo 750º, nº 2 e no artigo 855º, nº 4, do Código de Processo Civil, atento o que dos autos consta, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, revogar-se o despacho que ordenou que a execução fosse considerada extinta e substituir-se o mesmo por acórdão que ordene o normal e regular prosseguimento da execução, desta forma se fazendo correcta e exacta interpretação e aplicação da lei, se fazendo, em suma Justiça».
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A parte contrária não contra-alegou. *
Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC).
Analisadas as alegações de recurso o thema decidendum está circunscrito à apreciação da alegada errada interpretação do Tribunal recorrido quanto à questão da extinção da execução por falta de indicação de bens penhoráveis.
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III – Dos factos com interesse para a justa resolução do recurso (Do histórico do processo):
1 – Em 14 de Março de 2014, a sociedade exequente solicitou ao Agente de Execução que diligenciasse junto de diversas entidades sobre pedidos de informação relativos à existência de bens no património do executado (…).
2 – Em 08/05/2014, o Tribunal «a quo» proferiu a seguinte decisão:
«Em face da inexistência de bens penhorados e da falta de indicação de bens a penhorar, encontra-se a execução extinta nos termos do artigo 750º, nº 2, ex vi do artigo 855º, nº 4, CPC.
Custas a cargo de ambas as partes, repartidas na proporção de metade – artigo 536º, nº 1, CPC.
Notifique.
Dê baixa».
3 – Confrontado com o teor do requerimento de interposição de recurso, em 22/05/2014, o Tribunal de Primeira Instância solicitou ao Agente de Execução informação sobre a existência do requerimento referido em 1) e qual o motivo de não o ter juntado aos autos.
4 – Em 02/06/2014, o Agente de Execução veio informar que a sociedade exequente veio requerer a notificação do Instituto dos Registos e Notariado, da Direcção-Geral de Finanças e dos serviços da Vodafone, TMN, Optimus, Meo e Zon, a fim de apurar a morada do executado, bem como requisitou diversas diligências de penhora de saldos bancários.
Mais informou que até à data tinha obtido resposta do Instituto dos Registos e Notariado e da Meo.
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IV – Fundamentação:
No quadro da reforma da acção executiva, o juiz passou a exercer funções de tutela, intervindo em caso de litígio surgido na pendência da execução [artigo 723º, nº 1, alínea b)] e de controlo. Nesta sede, de acordo com a interpretação integrada dos artigos referentes à competência para a prática de actos, o juiz profere nalguns casos despacho liminar, intervém para resolver dúvidas, serve de garante na protecção de direitos fundamentais e na defesa do sigilo e assegura a realização dos fins da execução. Porém, deixou de ter a seu cargo a promoção das diligências executivas – na fase da penhora, da venda ou do pagamento – nem lhe incumbe extinguir a instância executiva.
Por força da lei, a prática de tais actos e a realização de outras diligências executivas, quando a lei não determine diversamente, passaram a caber ao agente de execução, como se extraí dos artigos 719º, nº 1 e 720º, nº 6, do Código de Processo Civil, que não surge no processo «como mandatário do exequente, ainda que sem representação, mas como auxiliar de justiça do Estado»[1].
Destes dispositivos decorre que o agente de execução tem competência para efectuar todas as diligências do processo executivo que não sejam da competência da secretaria (artigo 719º, nºs 3 e 4), nem do juiz (artigo 723º), sendo que, indiscutivelmente, por exclusão de partes, no seio desta competência residual se integra a decisão de extinguir a execução.
De harmonia com o disposto nº 1 do artigo 754º do Código de Processo Civil, o agente de execução tem o dever de prestar todos os esclarecimentos que lhe sejam pedidos pelas partes, incumbindo-lhe, em especial, informar o exequente de todas as diligências efectuadas, bem como dos motivos da frustração da penhora e providenciar pelo imediato averbamento no processo de todos os actos de penhora que haja realizado.
Nos termos do nº 2 do citado dispositivo, as informações e comunicações referidas no número anterior são efectuadas preferentemente por meios electrónicos, após a realização de cada diligência ou do conhecimento do motivo da frustração da penhora.
Esse dever de informação e comunicação do agente de execução perante as partes, garante da transparência na condução de cada processo e está igualmente inscrito no artigo 42º da Portaria nº 282/2013, de 29/08[2] [3].
Neste enquadramento, a lei processual civil estabeleceu que, se não forem encontrados bens penhoráveis no prazo de três meses a contar da notificação prevista no nº 1 do artigo 748º[4] ou se nesse intervalo temporal não forem requeridas consultas e diligências prévias à penhora, observa-se o disposto no nº 1 do artigo 750º[5], sendo o executado citado, conforme se retira igualmente da letra do nº 4 do artigo 855º[6] do Código de Processo Civil. E na falta de indicação de bens penhoráveis ou frustrando-se a citação do executado, é declarada extinta a execução, consoante o caso.
Neste caso, para além da questão controvertida atinente à possibilidade do Tribunal declarar a extinção da instância[7], verifica-se que, por lapso, decorrente da prévia omissão do dever de informação que incumbia ao Agente de Execução, o Tribunal julgou extinta a execução, quando se mostravam em curso diligências tendentes ao apuramento da existência de bens no património do executado e tinham sido requisitadas igualmente diligências de penhora.
Deste modo, ao abrigo do princípio constitucional do acesso à tutela jurisdicional, no momento da prolação da decisão extintiva, não estavam preenchidos os pressupostos que permitiam concluir que os prazos consignados nos artigos 855º, nº 4 e 750º, nº 2, do Código de Processo Civil se mostravam ultrapassados e que, a par disso, existia assim uma situação de negligência do exequente na promoção do regular andamento dos autos.
Embora se admita que, face ao tempo decorrido, a informação em causa possa ter sido entretanto disponibilizada ao exequente, a avaliação do mérito da decisão é realizada com base nos dados de facto e direito em que a decisão foi proferida. E, por conseguinte, revoga-se a decisão de extinção da execução, ordenando-se o regular andamento dos autos.
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V – Sumário:
1 – O agente de execução tem o dever de prestar todos os esclarecimentos que lhe sejam pedidos pelas partes, incumbindo-lhe, em especial, informar o exequente de todas as diligências efectuadas, bem como dos motivos da frustração da penhora e providenciar pelo imediato averbamento no processo de todos os actos de penhora que haja realizado.
2 – A circunstância do Agente de Execução não ter comunicado ao Tribunal que foram requeridas diligências de penhora não pode ser imputada na esfera jurídica do exequente, pois não existe assim qualquer comportamento negligente deste, o que impede a declaração de extinção da execução ao abrigo das disposições dos artigos 750º, nº 1 e 855º, nº 4, ambos do Código de Processo Civil.
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V – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida, com o consequente prosseguimento dos autos.
Sem custas nos termos e ao abrigo do artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
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Évora, 21/12/2017
José Manuel Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel Maria Peixoto Imaginário
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[1] Rui Pinto, Manual da Execução, pág. 134.
[2] Aqui aplicável, na redacção introduzida pela Portaria nº 233/2014, de 14/11.
[3] No desenvolvimento da ideia expressa no preâmbulo da Portaria nº 282/2013, de 29/08, o artigo 62º, nº 1, desse instrumento legislativo, preceitua que «o sistema informático de suporte à actividade dos agentes de execução assegura a disponibilização ao exequente, através do sistema informático de suporte à actividade dos tribunais, no endereço http://citius.tribunaisnet.mj.pt, de informação sobre: a) O resultado das diligências prévias à penhora, previstas nos artigos 748º e 749º do Código de Processo Civil; b) Todas as demais diligências efectuadas pelo agente de execução ou sob sua responsabilidade; c) O motivo de frustração da penhora (nº 1)».
[4] Artigo 748º (Consultas e diligências prévias à penhora):
1 - A secretaria notifica o agente de execução de que deve iniciar as diligências para penhora:
a) Depois de proferido despacho que dispense a citação prévia do executado;
b) Depois de decorrido o prazo de oposição à execução sem que esta tenha sido deduzida;
c) Depois da apresentação de oposição que não suspenda a execução;
d) Depois de ter sido julgada improcedente a oposição que tenha suspendido a execução.
2 - O agente de execução começa por consultar o registo informático de execuções.
3 - Quando contra o executado tiver sido movida execução, terminada nos últimos três anos, sem integral pagamento e o exequente não haja indicado bens penhoráveis no requerimento executivo, o agente de execução deve iniciar imediatamente as diligências tendentes a identificar bens penhoráveis nos termos do artigo seguinte; caso aquelas se frustrem, é o seu resultado comunicado ao exequente, extinguindo-se a execução se este não indicar, em 10 dias, quais os concretos bens que pretende ver penhorados.
4 - Se não ocorrer a extinção da execução, o agente de execução prossegue com as diligências prévias à penhora.
[5] Artigo 750º (Diligências subsequentes):
1 - Se não forem encontrados bens penhoráveis no prazo de três meses a contar da notificação prevista no n.º 1 do artigo 748.º, o agente de execução notifica o exequente para especificar quais os bens que pretende ver penhorados na execução; simultaneamente, é notificado o executado para indicar bens à penhora, com a cominação de que a omissão ou falsa declaração importa a sua sujeição a sanção pecuniária compulsória, no montante de 5% da dívida ao mês, com o limite mínimo global de 10 UC, se ocorrer ulterior renovação da instância executiva e aí se apurar a existência de bens penhoráveis.
2 - Se nem o exequente nem o executado indicarem bens penhoráveis no prazo de 10 dias, extingue-se sem mais a execução.
3 - No caso previsto no n.º 1, quando a execução tenha início com dispensa de citação prévia, o executado é citado; se o exequente não indicar bens penhoráveis, tendo-se frustrado a citação pessoal do executado, não há lugar à sua citação edital deste e extingue-se a execução nos termos do número anterior.
[6] Artigo 855.º
Tramitação inicial
1 - O requerimento executivo e os documentos que o acompanhem são imediatamente enviados por via electrónica, sem precedência de despacho judicial, ao agente de execução designado, com indicação do número único do processo.
2 - Cabe ao agente de execução:
a) Recusar o requerimento, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o preceituado no artigo 725.º;
b) Suscitar a intervenção do juiz, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 723.º, quando se lhe afigure provável a ocorrência de alguma das situações previstas nos nºs 2 e 4 do artigo 726.º, ou quando duvide da verificação dos pressupostos de aplicação da forma sumária.
3 - Se o requerimento for recebido e o processo houver de prosseguir, o agente de execução inicia as consultas e diligências prévias à penhora, que se efectiva antes da citação do executado.
4 - Decorridos três meses sobre as diligências previstas no número anterior, observa-se o disposto no n.º 1 do artigo 750.º, sendo o executado citado; no caso de o exequente não indicar bens penhoráveis, tendo-se frustrado a citação pessoal do executado, não há lugar à citação edital deste e extingue-se a execução nos termos previstos no n.º 2 do artigo 750.º.
5 - Nas execuções instauradas ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 550.º, a penhora de bens imóveis, de estabelecimento comercial, de direito real menor que sobre eles incida ou de quinhão em património que os inclua só pode realizar-se depois da citação do executado, em consequência da aplicação do disposto no artigo 726.º.
[7] Este colectivo já pronunciou sobre a questão da possibilidade do Tribunal «a quo» proferir decisão de extinção da execução no âmbito do processo registado sobre o número 232/08.3TBCUB.E1.