Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO E DE TRABALHO DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
Data do Acordão: | 01/26/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | 1-A indemnização destinada a compensar o dano de natureza não patrimonial pretende atribuir ao lesado uma quantia que proporcione certas condições decorrentes da utilização do dinheiro; 2-Contemplando tal indemnização uma vertente punitiva, deve ter um alcance significativo, e não meramente simbólico. Sumário da Relatora | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 1179/14.0TBSTR.E1 ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I – As Partes e o Litígio Recorrente / Ré: (…) Seguros, SA Recorrido / Autor: (…) Trata-se de uma acção declarativa de condenação através da qual o A peticionou a condenação da R a pagar-lhe a quantia de €30.000 acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da citação, a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial que sofreu na decorrência de acidente de viação causado por veículo seguro pela R. II – O Objeto do Recurso Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente, condenando a R a pagar ao A a quantia de € 19.500 (dezanove mil e quinhentos euros) acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% a contar da data da prolação da decisão até efectivo e integral pagamento. Inconformada, a R apresentou-se a recorrer, pugnando pela alteração da sentença recorrida, devendo o montante indemnizatório não ultrapassar a quantia de € 5.000 (cinco mil euros). Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos: «1) A ora Apelante não se pode conformar com a douta sentença, no que respeita ao montante arbitrado a título de indemnização por danos não patrimoniais. 2) A ora recorrente não pode deixar de pugnar pela injusta aplicação do direito e dos princípios da equidade e adequação relativamente à atribuição ao recorrido da quantia de 19.500,00€ a título de danos não patrimoniais. 3) Com efeito, apesar das lesões sofridas pelo A. serem dignas e merecedoras de tutela jurídica, não podem as mesmas justificar a atribuição do montante designado pelo Tribunal a quo. 4) A ora recorrente não coloca em causa que ao A. deva ser atribuída uma quantia ajustada aos danos sofridos a titulo de danos não patrimoniais em decorrência do acidente supra mencionado, contudo a fixação de tal indemnização deve assentar num critério objectivo, olvidado de qualquer subjectividade inerente à sensibilidade humana, pelo que deve a indemnização arbitrada ser revogada e substituída por uma de valor substancialmente inferior que se julgue digna tendo em conta os princípios da adequação e equidade, nunca superior a 5.000,00. 5) Com efeito a Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem fixado para casos de gravidade superior no que concerne à IPP e restantes situações de facto a ponderar, indemnizações a título de danos não patrimoniais, manifestamente inferiores ao ora objecto de recurso. 6) Face ao exposto, e atendendo designadamente aos factos dados como provados no que respeita a esta questão o valor arbitrado é extremamente exagerado e infundado, devendo este ser reduzido para um montante que não ultrapasse os 5.000,00€. 7) Deste modo, a quantia arbitrada pelo Tribunal “a quo”, ora objecto de recurso, viola além do mais o princípio da igualdade, na medida em que, a manter-se, o recorrido ficaria beneficiado em detrimento de outros lesados, violando assim a ratio do disposto nos artigos 496º e 566º do Código Civil.» O A apresentou contra-alegações, sustentando ser de manter a decisão recorrida. Assim, a questão a decidir consiste no seguinte: da excessividade do montante indemnizatório arbitrado no tribunal a quo. III – Fundamentos A – Os factos provados em 1.ª instância 1. No dia 30 de Novembro de 2012, transitavam na E.N. 114-2, na localidade de Almoster, o veículo pesado de mercadorias com a matrícula BP, pertencente a (…), e o automóvel ligeiro de mercadorias com a matrícula RN, pertencente ao autor. 2. O “BP” rodava no sentido Atalaia-Louriceira, 3. Conduzido por (…), segundo as instruções, a mando, e ao serviço do respectivo proprietário. 4. O “RN” circulava em sentido contrário, conduzido pelo autor, 5. Pela metade direita da estrada, considerando o seu sentido de marcha. 6. Ao Km 4,500, o “BP” ultrapassou o eixo da estrada e passou a ocupar a metade esquerda da mesma, considerando o seu sentido de marcha, 7. E colidiu frontalmente, nessa semi-faixa de rodagem da estrada, com o “RN”, que rodava nessa semi-faixa, correspondente à sua mão de trânsito. 8. Como consequência directa dessa colisão, o “RN” ficou destruído e o autor sofreu lesões. 9. À data do acidente, a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo “BP” fora transferida para a ré, através da apólice nº (…). 10. A ré aceitou a responsabilidade pelos danos causados e ressarciu o autor pela destruição do “RN” e pagou-lhe despesas de deslocação para tratamentos e medicamentos. 11. Como consequência do embate, o autor sofreu grande traumatismo abdominal e traumatismo dos membros inferiores. 12. Na sequência do embate, foi assistido no Hospital de Santarém. 13. Onde lhe fizeram várias análises e exames, radiografias e ecografias. 14. Em consequência do embate o autor sofreu fracturas das duas pernas. 15. E foi operado em 4 de Dezembro de 2012. 16. Nessa operação fizeram-lhe encavilhamento tibial direito com bloqueio bipolar e osteossíntese tibial esquerda com 3 fios de K. e encavilhamento peroneal esquerdo com colocação de tala engessada. 17. E foram-lhe pensadas várias feridas nas duas pernas. 18. Teve alta do Hospital de Santarém no dia 11 de Dezembro de 2012. 19. Passou a ser acompanhado no Serviço de Ortopedia desse Hospital. 20. Depois foi assistido e fez tratamentos na (…) Clínica Médica-Lisboa, por conta da seguradora (…) Seguros, S.A. 21. O autor fez 47 sessões de fisioterapia. 22. Tendo tido alta em 14 de Outubro de 2013. 23. As suas lesões ficaram estabilizadas em 8 de Novembro seguinte. 24. Mas o autor ficou com várias sequelas: rigidez da tíbio-társica esquerda, com limitação da mobilidade na flexão e na extensão, e rigidez do pé esquerdo na inversão. 25. No processo de Acidente de Trabalho, que correu no Tribunal do Trabalho de Santarém (Pº …/13.0TTSTR), foi fixada ao autor, pela TNI, a IPP de 14,51%. 26. O autor, como consequência do acidente, teve 344 dias de doença. 27. Esteve 11 dias em internamento hospitalar. 28. Para tratamentos, o autor teve que fazer pelo menos 11 deslocações a Lisboa. 29. À data do acidente, o autor exercia a actividade de carpinteiro e de gerente duma empresa de carpintaria em nome individual. 30. Com ganhos não inferiores aos 7.000,00 €/ano. 31. Em consequência do referido nos pontos 8, 11 a 17, 19 a 21, 24, 26 e 28, o autor sofreu muitas dores, angústias, perturbações e incómodos. 32. O autor continuará a suportar os desgostos e os sofrimentos resultantes do referido em 24. B – O Direito Importa apreciar se a quantia de €19.500 arbitrada pelo tribunal a quo se afigura excessiva, em face dos concretos contornos do caso, e se deverá ser reduzida a não mais de €5.000, como pretende a Recorrente. Ora vejamos. Os danos de natureza não patrimonial são danos que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito – cfr. art.º 496.º do CC. O montante adequado a indemnizá-los, nos termos do disposto no art.º 496.º n.º 3, 1.ª parte e 494.º do CC, resultará de um julgamento de equidade que terá por base o bom senso, o equilíbrio e a noção das proporções, atendendo às circunstâncias concretas de cada caso tendo em conta a situação económica do agente e do lesado, sem esquecer os padrões geralmente adoptados pela jurisprudência. Há que atender ainda ao grau de culpa do agente, o que implica que a compensação pelos danos não patrimoniais contemple uma vertente punitiva[1], «assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, por forma a desgravá-la do comportamento do lesante.»[2] Estão em causa prejuízos de natureza infungível em que, não sendo possível uma reintegração por equivalente, pretende-se atribuir ao lesado uma compensação que proporcione certas condições decorrentes da utilização do dinheiro. «Se a indemnização por danos não patrimoniais não elimina o dano sofrido, pelo menos permite atribuir ao lesado determinadas utilidades que lhe permitirão alguma compensação pela lesão sofrida sendo, em qualquer caso, melhor essa compensação do que coisa nenhuma.»[3] Vem sendo avançado pela jurisprudência que tais compensações devem ter um alcance significativo, e não meramente simbólico.[4] O juízo de equidade a que alude o artigo 496.º do CC envolve necessariamente uma margem de graduação que envolve o subjectivismo que é necessariamente inerente a esse juízo. Por via disso, «a alteração de montantes indemnizatórios não se justifica quando nos encontramos dentro dessa margem de razoabilidade, justificando-se já quando ocorre manifesta desproporcionalidade, pois equidade não é sinónimo de arbitrariedade».[5] Neste caso concreto, importa levar em conta os traumatismos e fracturas sofridos pelo A (fracturas das duas pernas, o que acarreta significativa afectação ao nível da locomoção), o internamento e a intervenção cirúrgica a que foi submetido, os pensos, tratamentos e sessões de fisioterapia que lhe foram aplicados; o período de 344 dias de doença com que se confrontou, as sequelas que permanecem após a estabilização das lesões sofridas na decorrência da colisão de veículos, as quais determinaram a fixação, em sede do processo de acidente de trabalho, de IPP, pela TNI, de 14,51%. Cabe ainda ponderar as dores, angústias e perturbações que sofreu, assim como os desgostos e sofrimentos que continuará a suportar por via das sequelas que regista ao nível da perna esquerda, com limitação da mobilidade na flexão e na extensão, e no pé esquerdo, onde regista rigidez na inversão. Por outro lado, atento o circunstancialismo em que o A foi colhido, apresenta-se significativamente acentuado o grau de culpa do agente. Veja-se: ocorreu colisão frontal na semi-faixa de rodagem em que seguia o A, na sua mão de trânsito, resultando destruído o veículo em que seguia; a colisão foi causada pelo facto de o veículo pesado de mercadorias ter ultrapassado o eixo da estrada passando a ocupar a metade esquerda da mesma, atento o sentido em que seguia. Os factos revelam, pois, que o A, que seguia na faixa de rodagem que lhe era destinada, se deparou com o veículo pesado de mercadorias com que veio a colidir. Confrontou-se com fracturas nas duas pernas, que lhe determinaram, para além do mais, 344 dias de doença, acarretando sequelas que permanecerão por toda a sua vida, sem que para isso tivesse contribuído a sua conduta. O que se verificou em resultado da condução temerária desenvolvida pelo condutor do veículo seguro pela R. Em face do exposto, levando ainda em conta os critérios seguidos pelos Tribunais Superiores[6], afigura-se adequada a quantia fixada pelo Tribunal a quo a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial. O que implica na improcedência do presente recurso. As custas recaem sobre a Recorrente – art.º 527.º n.º 1 do CPC. IV – DECISÃO Nestes termos, decide-se pela improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida. Custas pela Recorrente. Évora, 26 de Janeiro de 2017 Isabel de Matos Peixoto Imaginário Maria da Conceição Ferreira Rui Machado e Moura __________________________________________________ [1] Ac. STJ de 19/05/2009 (Fonseca Ramos). [2] Luís Manuel Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 13.ª edição, p. 303. [3] Luís Manuel Menezes Leitão, ob. cit., p. 302. [4] Ac. STJ de 25/06/2002, in CJ 2002, T II, p. 128 e ss; Ac. STJ de 02/12/2013 (Garcia Calejo). [5] Ac. STJ de 15/05/2013 (Salazar Casanova). [6] Cfr., entre outros, Ac. STJ de 21/03/2013 (Salazar Casanova) que considerou adequada a indemnização de €40.000 de danos de natureza não patrimonial em que o lesado ficou a padecer uma IPP de 15 pontos, registou dor, desgostos, sofrimentos e abalo psíquico, esteve internado 4 dias, foi submetido a uma intervenção cirúrgica à coluna, esteve doente e com incapacidade total para o trabalho durante 7 meses; Ac. STJ de 02/12/2013 (Garcia Calejo) que reputou adequada a quantia de €20.000 para indemnizar danos de natureza não patrimonial em que o lesado registou 6 meses de incapacidade, não foi submetido a intervenções cirúrgicas nem a internamentos, tendo sofrido lesões que lhe acarretaram uma IPP de 27 pontos e uma incapacidade para o trabalho durante 189 dias. |