Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
39/16.4T8EVR-A.E1
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
Data do Acordão: 04/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I- O processo especial de revitalização tem mais que ver com as partes do que propriamente com o Tribunal, a este competindo mais uma função de defesa da legalidade.
II- Na fase liminar do processo, o juiz não vai fazer uma avaliação completa da situação económico-financeira da entidade objecto da revitalização.
III- Nesta fase, apenas lhe compete ver da verificação dos requisitos formais da apresentação à revitalização.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes nesta Relação:

A apelante “AA, Lda.”, na qualidade de credora reclamante do presente processo especial de revitalização, a correr seus termos no tribunal judicial da comarca – a que voluntariamente se apresentou a requerente “BB, S.A.”, vem interpor recurso do douto despacho que aí foi proferido a 15 de Janeiro de 2016 (agora a fls. 188 verso a 192 dos autos), e que veio a admitir liminarmente o prosseguimento dos autos para negociações em vista a alcançar-se um Plano de Revitalização – com o fundamento que aí é aduzido de que “A complicada destrinça entre ‘situação económica difícil’, ‘situação de insolvência meramente iminente’ ou ‘situação de insolvência actual’ do devedor, dada a multiplicidade de factores ou circunstâncias reflectidas no iter da actividade económica do requerente e a respectiva evolução, não cabe no ‘despacho imediato’ referido na alínea a), do nº 3, do artº 17º-C ou no do artº 17º-I, nº 1”, pelo que “Mostram-se deste modo subtraídos à apreciação judicial o juízo prévio de avaliação sobre o concreto estado do devedor, a ponderação do melhor caminho para se regenerar, a conformidade dessa decisão à lei e adequação do processo requerido” –, agora intentando a sua revogação e que não venha a ser autorizado o prosseguimento dos autos, alegando, para tanto e em síntese, que já havia pedido a insolvência dessa sociedade, antes de a mesma vir peticionar a sua revitalização, o que esta apenas fez para evitar aquela declaração de insolvência, pois não tem qualquer viabilidade, tendo, inclusive, o seu gerente, iniciado a comercialização dos seus meios de produção incluindo “os suínos que faziam parte da sua produção”, por aí se vendo que não se encontra “em situação de insolvência iminente, mas em clara e manifesta situação de insolvência actual, uma vez que tinha efectuado um despedimento colectivo de todos os seus trabalhadores, tinha vendido todos os seus meios de produção, os já referidos activos de suínos, viaturas, máquinas da fábrica de rações, bem como tinha encerrado a actividade”. E por outro lado, “deveria o Tribunal a quo pronunciar-se quanto ao requerimento apresentado pela recorrente e, ao não fazê-lo, deferindo sem mais o PER da recorrida, não obstante as alegações da recorrente, incorreu no vício de omissão de pronúncia” – o que, só por si, conduzirá à anulação do douto despacho recorrido, e assim se dando provimento ao presente recurso de Apelação, aduz.
A Apelada “BB, SA” vem contra-alegar (a fls. 21 a 22 verso dos autos), para dizer, também em síntese, que não assiste razão à Apelante, não sendo “verdade que a recorrida esteja a dissipar os seus bens, que tenha cessado, ou tenha qualquer intenção de cessar, com a sua actividade e efectuado anteriormente qualquer despedimento colectivo; se assim fosse, qual o motivo de recorrer ao presente procedimento?”. Pois que, diz, “se a recorrida obtiver o desiderato de aprovar e homologar a proposta de plano de recuperação que irá apresentar aos credores, tal evidenciará, por parte destes, uma manifesta confiança na sua viabilidade, a qual não se coaduna, nem compadece, com os gravíssimos factos ora imputados, de forma infeliz, pela recorrente”. Pelo que, conclui, bem decidiu o Tribunal a quo no douto despacho recorrido, o qual deve ser mantido nos precisos termos em que foi proferido, prosseguindo os autos os seus ulteriores trâmites, e assim improcedendo o presente recurso.
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Provam-se os seguintes factos, com interesse para a decisão:

1) A 7 de Janeiro de 2016 apresentou-se a requerente “BB, S.A.” em Tribunal, pedindo o início de um processo de revitalização relativo a si própria, “pretendendo, assim, estabelecer negociações com os seus credores, de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização”, “pois a requerente é susceptível de recuperação e reúne todas as condições para atingir tal desiderato” (vide o documento respectivo que ora constitui fls. 25 a 27, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, sendo a data de entrada em Juízo a que vem aposta a fls. 72 verso dos autos).
2) Mas a 8 de Janeiro de 2016 veio a credora, agora recorrente, “AA, Lda.” deduzir oposição a tal processo, por entender “que a requerente despediu todos os seus trabalhadores, vendeu todo o seu activo de porcos e encerrou a actividade, não reunindo os requisitos do disposto no artigo 17º-A, nº 1, do CIRE”, pois que “não se encontra em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, antes pelo contrário, a requerente encontra-se em situação de insolvência efectiva” (vide o seu douto requerimento de fls. 135 a verso, aqui igualmente dado por reproduzido na íntegra e a data de entrada que vem aposta a fls. 136 verso dos autos).
3) Em 15 de Janeiro de 2016 foi proferido o douto despacho ora objecto do recurso, a ordenar o recebimento e prosseguimento dos autos (vide tal douta decisão a fls. 188 verso a 192 dos autos, e cujo teor aqui se dá por reproduzido).
4) A referida credora “AA, Lda.”, com um crédito de € 492.982,82 (quatrocentos e noventa e dois mil, novecentos e oitenta e dois euros e oitenta e dois cêntimos), já havia instaurado processo de insolvência contra a ora Requerente “BB, S.A.”, que corre termos com o n.º 2375/15.8T8EVR (vide a informação que consta de fls. 135 dos autos).
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Ora, a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste tribunal ad quem é, basicamente, a de saber se foi avaliado de forma correcta no tribunal a quo o circunstancialismo invocado pelo credor/Apelante, no sentido de obstar ao prosseguimento dos autos de Revitalização, isto é, se a decisão de ordenar tal prosseguimento foi proferida de acordo ou ao arrepio das normas legais que a deveriam ter informado. Ainda a problemática da nulidade da douta decisão por omissão de pronúncia. É isso que hic et nunc está em causa, como se extrai das conclusões alinhadas no recurso apresentado.

Sempre se começará por dizer, porém, que campeiam no recurso algumas confusões que importará, desde já, clarificar, para se perceber, exactamente, o que está em causa nesta fase do processo especial de revitalização em presença.
Pois que é para notar que a Apelante afirma, a certa altura das suas doutas alegações de recurso, que “deveria o Tribunal a quo pronunciar-se quanto ao requerimento apresentado pela recorrente e, ao não fazê-lo, deferindo sem mais o PER da recorrida, não obstante as alegações da recorrente, incorreu no vício de omissão de pronúncia”.
Ora, desde logo, não se tratou, ainda, do deferimento ou indeferimento de qualquer Plano de Revitalização (se é a isso que a Apelante se está a referir), o qual estará em fase de negociações e nem terá sido objecto de acordo, ou sequer apresentado ao juiz para homologação judicial. Não há, pois, nos autos qualquer plano que tenha sido deferido ou indeferido à Requerente “BB, SA”, ao contrário do que aduz a Recorrente “AA, Lda.”. O despacho em recurso é, tão-só, a decisão inicial/liminar do processo a ordenar o seu prosseguimento.

E, muito menos, se poderá referir alguma omissão de pronúncia no douto despacho recorrido, pois que, como facilmente se constata, foi precisamente tal atravessamento nos autos do douto requerimento em causa – a elucidar sobre a situação económico-financeira da requerente – que motivou a prolação do douto despacho recorrido e o seu âmbito. Nessa decisão se responde precisamente ao credor que apresenta o requerimento a dar conta que a visada pela revitalização afinal não estava para falir, mas já totalmente insolvente.
Dessarte, omissão de pronúncia sobre o requerimento da ora Apelante é que não houve, antes pelo contrário, se referiu no douto despacho que a matéria sobre que versava tal requerimento não poderia ser apreciada naquela sede de despacho liminar do processo especial de Revitalização.
Ora, isso é uma pronúncia sobre o tema. A Apelante é que poderá não ter concordado com ela – e daí a interposição do presente recurso –, mas isso não transforma uma pronúncia numa omissão de pronúncia, invalidando a decisão. Pois que a discordância da Apelante versa já sobre o mérito do douto despacho: a possibilidade, ou não, de apreciar a situação económico-financeira da visada em sede de despacho inicial no processo especial de revitalização.
Pronúncia há, manifestamente.
E discordância da sua arguente, também.
Importará, agora, ver se com razão ou sem ela.

Mas, adiantando sobre isso razões e salva sempre melhor opinião, cremos bem que, com os elementos disponíveis, se verifica que o douto despacho que é ora objecto do recurso decidiu correctamente a questão que lhe estava colocada, nele afinal não descortinando motivos que tivesse que erigir em causas (legais e iniciais) justificativas do não prosseguimento do processo de revitalização tendo em vista a futura homologação de Plano de Recuperação/Revitalização.

Pois, como se diz no douto despacho, o processo de Revitalização tem mais que ver com as partes (rectius, com a entidade objecto do processo e com os seus credores) do que propriamente com o Tribunal, a este competindo mais uma função de defesa da legalidade e contra abusos ou esquemas que nele se pretendam cometer, do que com uma real situação económica ou financeira da parte visada, que deverá ser atendida pelos interessados/credores nos termos do acordo/plano de recuperação que eventualmente venha a ser alcançado.
Menos ainda nesta fase ainda liminar do processo, em que o juiz não vai, ao contrário do pretendido pela credora/Apelante, fazer uma avaliação completa da situação económico-financeira da entidade objecto da Revitalização e, assim, entrar por caminhos que não são adequados a tal espécie de processo.
Nesta fase, apenas lhe compete ver da verificação dos requisitos formais da apresentação à revitalização, e naturalmente encaminhar os interessados para as negociações que bem entendam vir a encetar em busca de alguma solução regeneradora ou salvadora para a mesma.

Recorde-se que tal é o regime estabelecido no artigo 17.º-C do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante C.I.R.E.), aprovado pelo Decreto-lei n.º 53/2004, de 18 de Março – alterado e republicado no Decreto-lei n.º 200/2004, de 18 de Agosto e, ultimamente, também, pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, diploma que lhe introduziu precisamente o processo especial de revitalização –, donde não resulta que o juiz tenha que fazer qualquer análise da situação económica ou financeira do apresentante, antes, apenas, dos requisitos de natureza formal que ali constam (veja-se que é o próprio devedor que se limita a dar conhecimento ao Tribunal “que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação”, nos termos da alínea a) do nº 3 desse artigo, o que inculca a ideia de um papel meramente conformador do juiz do processo).
Ademais, toda a matéria ora trazida ao recurso pela Apelante relacionada com as relações pessoais (maxime de alguma coincidência de administradores) entre a devedora e outros credores, é uma matéria nova que só agora introduziu na discussão, já em sede de recurso, estando, por isso, naturalmente, vedado ao Tribunal da Relação conhecê-la.
Será, no entanto, assunto para a Apelante suscitar no âmbito do processo negocial que tenha ocorrido, ou esteja em curso, para obtenção (ou não) do tal Plano de Recuperação da empresa.
Pelo que, neste enquadramento legal, não cremos, salva melhor opinião, que a douta decisão do prosseguimento do processo com vista a alcançar-se um Plano de Revitalização a que se reportam os autos – e que consta da mesma – não possa manter-se na ordem jurídica, por padecer de vícios que a conduzam a alguma solução não permitida por lei.

Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar o douto despacho recorrido .
Custas pela Apelante.
Registe e notifique.
Évora, 21 de Abril de 2016

Canelas Brás
Jaime Pestana

Paulo Amaral