Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
931/17.9PCSTB.E1
Relator: NUNO GARCIA
Descritores: NOTIFICAÇÃO DA SENTENÇA
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Se o arguido foi julgado na ausência nos termos do artº 333º, nº 2, do C.P.P., tem que ser notificado pessoalmente da sentença.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUIZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

RELATÓRIO

No âmbito do processo 931/17.9PCSTB o arguido AA foi sujeito a julgamento, tendo sido proferida sentença condenatória.

No início do julgamento (sessão de 23/11/2021) foi proferido o seguinte despacho (na parte que interessa):

“Uma vez que o arguido está regularmente notificado, de acordo com o expressamente previsto no artigo 196.º, n.ºs 1 e 3, do Cód. Proc. Penal e não se considera indispensável, à descoberta da verdade material, a sua presença desde o início da audiência de julgamento, entende-se estarem reunidos os pressupostos para a realização da mesma na sua ausência, o que desde já se determina, sem prejuízo de o Arguido lançar mão da prorrogativa prevista no n.º3 do art.º 333.º, parte final do CPP, ou do Tribunal, caso assim o entenda necessário, determinar a sua audição em data a designar posteriormente.”

O julgamento realizou-se, assim, na ausência do arguido, nos termos referidos.

Não tendo sido possível notificar o arguido da sentença, foi proferido o seguinte despacho:

“Referência 6163228:

O arguido prestou Termo de Identidade e Residência constante dos presentes autos.

Não obstante a devolução da carta, considera-se o Arguido notificado na sua pessoa por notificação via postal simples expedida para a morada do TIR - cfr. artigo 113º do CPP.

Nesta matéria veja-se o Ac. do TRL de 14.05.2014, processo 346/10.0GBLSA.C1 publicado no sítio www.dgsi.pt:

“Se um Arguido que ao prestar TIR indica uma morada para onde serão enviadas as notificações e, caso se ausente ou mude de residência sem informar o tribunal, se considera notificado, também se há-de ter como notificado o Arguido que logo na prestação do TIR indica como morada uma rua e número de polícia inexistente ou sem recetáculo onde o distribuidor possa colocar a correspondência”.

Notifique o MP e a I. Defensora do arguido.”

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Inconformado com tal despacho, dele recorreu o Ministério Público, tendo terminado a resposta com as seguintes conclusões:

“1 – Por sentença proferida no dia 30/11/2021, foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de € 5,00.

2 - Na promoção datada de 23/02/2022 (ref. citius 94228693), o Ministério Público, tendo tido conhecimento do teor da ref. citius 6308074, em como não se tinha logrado notificar a sentença ao arguido, por contacto pessoal, promoveu a realização de diligências com vista à determinação do seu paradeiro com tal fito.

3 – Nessa sequência, o Tribunal a quo, em 03/03/2022, proferiu o seguinte despacho, constante da ref. citius 94273850:

“Referência 6163228:

O arguido prestou Termo de Identidade e Residência constante dos presentes autos.

Não obstante a devolução da carta, considera-se o Arguido notificado na sua pessoa por notificação via postal simples expedida para a morada do TIR - cfr. artigo 113º do CPP.

Nesta matéria veja-se o Ac. do TRL de 14.05.2014, processo 346/10.0GBLSA.C1 publicado no sítio www.dgsi.pt:

“Se um Arguido que ao prestar TIR indica uma morada para onde serão enviadas as notificações e, caso se ausente ou mude de residência sem informar o tribunal, se considera notificado, também se há-de ter como notificado o Arguido que logo na prestação do TIR indica como morada uma rua e número de polícia inexistente ou sem recetáculo onde o distribuidor possa colocar a correspondência”.

Notifique o MP e a I. Defensora do arguido.”

4 - A ref. citius 6163228 a que alude o Tribunal a quo no despacho em crise, tem a ver com a devolução da carta enviada ao arguido, para notificação da data designada para leitura de sentença (conforme resulta do confronto com as ref. citius 93628555 e 6149195).

5 – Se bem se compreendeu o sentido de tal despacho, o Tribunal a quo considerou que o arguido AA, estando regularmente notificado para comparecer à data designada para leitura da sentença, por via postal simples com prova de depósito para a morada do TIR, nos termos do artigo 113º do Código de Processo Penal, se deve considerar notificado da sentença.

6 – Apesar do arguido ter sido regularmente notificado da data da audiência de julgamento e da leitura de sentença, o arguido não compareceu à audiência de discussão e julgamento nem à leitura de sentença, tendo sido determinado que a audiência de julgamento tivesse lugar na sua ausência (em conformidade com o previsto no artigo 333º, n.º 2 do Código de Processo Penal), estando representado pela sua ilustre Defensora.

7 – O despacho proferido pelo Tribunal a quo em 03/03/2022 fez uma incorrecta interpretação do disposto nos artigos 113º, n.º 1, al. a) e n.º 10 e 333º, n.ºs 5 e 6 e 373º, n.º 3, todos do Código de Processo Penal.

8 – No que diz respeito à notificação da sentença, a regra geral, é a de que se o arguido não estiver presente na leitura da sentença, “considera-se notificado da sentença depois desta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído”, nos termos previstos no artigo 373.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

9 - No entanto, importa atender ao regime especial contido no artigo 333º, n.º 5, do Código Processo Penal: “No caso, previsto nos n.ºs 2 e 3, havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente. O prazo para a interposição de recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença”. E o artigo 333.º, na alínea n.º 6 do Código Processo Penal estabelece ainda que “Na notificação prevista no número anterior o arguido é expressamente informado do direito de recorrer da sentença e do respetivo prazo”.

10 - Sobre esta matéria, veja-se o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 22/06/2021, no Processo nº 753/17.7PAVFX.E1, em que é Relatora a Exma. Sr. Desembargadora Dr.ª Fátima Bernardes, datado de 22/06/2021:

“ 1 – A norma do artigo 373º, n.º 3, do CPP é de carácter geral, sendo derrogada pela norma especial do artigo 333º, n.º 5, do CPP, que se reporta à situação de o arguido ser julgado, na sua ausência, estando devidamente notificado para comparecer, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 333º do CPP.

2 – Caem no âmbito da previsão do artigo 333º, n.º 5, do CPP, as situações em que o arguido, regularmente notificado das datas designadas para a realização da audiência de julgamento, não esteve presente em nenhuma das sessões da audiência, incluindo naquela em que teve lugar a leitura da sentença, realizando-se o julgamento na sua ausência, nos termos previstos no artigo 333º, n.ºs 2 e 3 do CPP.

3 – Esta situação tem um tratamento diferenciado, no que diz respeito à notificação da sentença ao arguido, daquelas situações em que o arguido, embora fisicamente ausente, deve considerar-se presente na audiência.

Integrar-se-ão nestas últimas situações:

- a de o arguido ter consentido na realização do julgamento na sua ausência (cf. Artigos 333º, n.º 4 e 334º, n.º 2, do CPP);

- aquela em que o arguido tiver comparecido à audiência, mas, sem justa causa, vier a afastar-se da sala (cf. artigo 332º, n.ºs 4 e 5, do CPP);

- a situação em que o arguido, por dolo ou negligência, se tiver colocado numa situação de incapacidade para continuar a participar na audiência (cf. artigo 332º, n.º 6, do CPP);

- a situação em que o arguido tendo estado presente em anteriores sessões da audiência, faltar injustificadamente à leitura da sentença.

Em todas estas situações o arguido é representado, na audiência, pelo seu defensor para todos os efeitos possíveis e considera-se notificado da sentença depois desta ser lida perante o seu defensor nomeado ou constituído (cf. artigo 373º, n.º 3, do CPP).

4 – A notificação da sentença ao arguido a que alude o n.º 5 do artigo 333º do CPP deve ser feita por contacto pessoal.”

11 - Na situação em que o arguido é julgado, na sua ausência, nos termos do artigo 333º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Penal, como sucedeu no caso dos autos, a notificação da sentença ao arguido deve ser realizada por contacto pessoal, ao abrigo do artigo 333º, n.º 5, do Código de Processo Penal.

12 – No caso concreto, tem de se aplicar o regime especial previsto no artigo 333º, n.º 1, 2 e 5 do Código de Processo Penal.

13 - No sentido de que a notificação da sentença ao arguido deve ser feita através de contacto pessoal, veja-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 06/06/2017, proc. n.º 720/11.4 TAPTM.E1 e de 08/05/2018, proc. n.º 86/17.9GBODM.E1, e o já supramencionado Acórdão da Relação de Évora de 22/06/2021, proc. nº 753/17.7PAVFX.E1; Acórdão da Relação de Lisboa de 09/11/2020, proc. n.º 111/18.6T9LSB.L1-9.

14 - Conjugando as disposições previstas nos artigos 113.º, n.º 1, al. a) e n.º 10, 333.º, n.º 5 e 6 todos do Código de Processo Penal, impõe-se continuar a realizar diligências de modo a apurar o paradeiro do arguido, tendo em vista a notificação da sentença ao arguido, por contacto pessoal, momento a partir do qual começará a correr o prazo para este interpor recurso.

15 - Termos em que deve o despacho datado de 03/03/2022, sob a ref.ª citius 94273850, ser revogado e substituído por outro que determine a notificação da sentença ao arguido, através de contacto pessoal, ordenando a realização das diligências promovidas pelo Ministério Público e/ou outras que entenda necessárias para esse efeito.

Termos em que, Vossas Excelências farão a habitual JUSTIÇA.”

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Não houve resposta ao recurso.

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Neste tribunal da relação, a Exmª P.G.A. emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e cumprido que foi o disposto no artº 417º, nº 2, do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta.

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APRECIAÇÃO

A única questão que importa apreciar é de se saber como deve ser notificado o arguido da sentença quando o mesmo foi julgado na ausência nos termos do artº 333º, nº 2, do C.P.P..

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A matéria a considerar é a que se deixou expressa no relatório acima e a questão a resolver não exige grande considerações.

O acórdão deste tribunal da relação de 22/6/2021, relatado pela Exmª Desembargadora Fátima Bernardes, referido na motivação de recurso, é claro e exemplar, resolvendo a questão de forma lapidar.

Repetindo o seu sumário:

“ 1 – A norma do artigo 373º, n.º 3, do CPP é de carácter geral, sendo derrogada pela norma especial do artigo 333º, n.º 5, do CPP, que se reporta à situação de o arguido ser julgado, na sua ausência, estando devidamente notificado para comparecer, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 333º do CPP.

2 – Caem no âmbito da previsão do artigo 333º, n.º 5, do CPP, as situações em que o arguido, regularmente notificado das datas designadas para a realização da audiência de julgamento, não esteve presente em nenhuma das sessões da audiência, incluindo naquela em que teve lugar a leitura da sentença, realizando-se o julgamento na sua ausência, nos termos previstos no artigo 333º, n.ºs 2 e 3 do CPP.

3 – Esta situação tem um tratamento diferenciado, no que diz respeito à notificação da sentença ao arguido, daquelas situações em que o arguido, embora fisicamente ausente, deve considerar-se presente na audiência.

Integrar-se-ão nestas últimas situações:

- a de o arguido ter consentido na realização do julgamento na sua ausência (cf. Artigos 333º, n.º 4 e 334º, n.º 2, do CPP);

- aquela em que o arguido tiver comparecido à audiência, mas, sem justa causa, vier a afastar-se da sala (cf. artigo 332º, n.ºs 4 e 5, do CPP);

- a situação em que o arguido, por dolo ou negligência, se tiver colocado numa situação de incapacidade para continuar a participar na audiência (cf. artigo 332º, n.º 6, do CPP);

- a situação em que o arguido tendo estado presente em anteriores sessões da audiência, faltar injustificadamente à leitura da sentença.

Em todas estas situações o arguido é representado, na audiência, pelo seu defensor para todos os efeitos possíveis e considera-se notificado da sentença depois desta ser lida perante o seu defensor nomeado ou constituído (cf. artigo 373º, n.º 3, do CPP).

4 – A notificação da sentença ao arguido a que alude o n.º 5 do artigo 333º do CPP deve ser feita por contacto pessoal.”

No mesmo sentido decidiram os acórdãos desta relação (igualmente referidos na motivação de recurso):

- de 6/6/2017, relatado pela Exmª Desembargadora Maria Filomena Soares, assim sumariado:

“I - A lei distingue claramente as situações em que o arguido faltoso é ausente, ausente desde o início do julgamento, física e processualmente ausente, a que aludem os artigos 333.º, nºs 2, 3 e 5 e 334.º, nº 6, do Código de Processo Penal, daqueloutras em que o arguido esteve presente no julgamento, mas entretanto dele se ausentou (justificada ou injustificadamente) e não assistiu à leitura da sentença.

II - Na primeira situação, o legislador não prescindiu da comunicação da sentença ao arguido e, por conseguinte, da notificação pessoal da mesma ao agente (quando este for detido ou se apresente voluntariamente).

III - Na segunda, o arguido considera-se notificado com a leitura da sentença perante o defensor nomeado ou constituído, como decorre do prevenido no artigo 373.º, nº 3, do Código de Processo Penal.

IV - Na primeira situação, o prazo para interposição de recurso da sentença ou acórdão conta-se a partir da sua notificação pessoal ao arguido. Na segunda situação, o prazo para o recurso conta-se da data do depósito da sentença ou acórdão, nos termos preceituados no artigo 411º, nº 1, alínea b), do citado compêndio legal.”

- de 8/5/2018, relatado pela Exmª Desembargadora Maria Isabel Duarte, assim sumariado:

“I – Havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente.

II – O prazo para a interposição do recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença.

III – Por isso, é extemporâneo o recurso da sentença interposto pelo mandatário do arguido se este ainda não foi notificado da sentença.”

Não pode ser de outra forma, sob pena de o disposto na 1ª parte do nº 5 do artº 333º do C.P.P. não ter razão de ser, ficando sem âmbito de aplicação.

O acórdão referido no despacho recorrido (que é da relação de Coimbra e não da relação de Lisboa, como aí se refere) nada tem que ver com o caso dos autos em que está em causa a notificação da sentença (nem sequer o sumário transcrito se refere à sentença).

Aí, o que estava em causa, conforme resulta da sua leitura integral, era considerar o arguido devidamente notificado, ou não, da data do julgamento.

A sentença tem que ser, pois, notificada pessoalmente ao arguido, devendo continuar as diligências para o efeito, e daí também o disposto no artº 120º, nº 1, al. d), do Cód. Penal quanto à suspensão (sem prazo máximo) da prescrição do procedimento criminal.

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DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes em julgar o recurso procedente, revogando-se o despacho recorrido.

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Sem tributação.

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Évora, 13 de Julho de 2022

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Nuno Garcia

Edgar Valente

Fernanda Palma