Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3013/11.3TBLLE-H.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
REGIME APLICÁVEL
Data do Acordão: 06/25/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A admissão dos documentos apresentados no decurso da audiência final segue o regime inserto no artigo 423.º/3 do CPC, pelo que depende da invocação e demonstração de factos donde resulte afirmado que, num quadro de normal diligência, foi impossível ao apresentante ter tido conhecimento anterior da existência daqueles documentos, que revelam terem sido produzidos antes dos momentos indicados nos n.ºs 1 e 2 da mencionada disposição legal.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Requerente: (…), Turismo, Lda.
Recorrida / Requerida: Massa Insolvente do Centro Desportivo de (…), Lda.

Os presentes autos consistem em impugnação, por falta de fundamento, da resolução extrajudicial do Acordo Quadro operada em benefício da massa insolvente, pretendendo a Requerente que tal Acordo mantenha plena e válida eficácia.

II – O Objeto do Recurso
No decurso da audiência final, a Requerida formulou o seguinte requerimento:
«1. A Massa vem de ter conhecimento das operações de venda por parte da Autora (…) RTL, SA, das 4 frações autónomas a que se referem os documentos de fls. 120 a 138.
2. Assim, junta agora as 4 escrituras seguintes:
a) Escritura de venda por (…) RTL, SA a (…), Lda. da fração autónoma designada pela letra A (T3 com piscina), do lote 674 - Sub-fase 4B1, sito em (…) ou (…), pelo preço de € 765.000,00, realizada em 26/1/2010; [Doc. 1]
b) Escritura de venda por (…) RTL, SA a (…), Lda. da fração autónoma designada pela letra B (T2 com piscina), do lote 686 - Sub-fase 4B1, sito em (…), pelo preço de € 685.000,00, realizada em 28/5/2010; [Doc. 2]
c) Escritura de venda por (…) RTL, SA a (…), Lda. da fração autónoma designada pela letra A (T3 com piscina), do lote 684 - Sub-fase 4B1, sito em (…), pelo preço de € 725.000,00, realizada em 31/5/2010; [Doc. 3]
d) Escritura de venda por (…) RTL, SA a (…), Lda. da fração autónoma designada pela letra A (T3 com piscina), do lote 689 - Sub-fase 4B1, sito em (…), pelo preço de € 725.000,00, realizada em 1/7/2010; [Doc. 4]
3. Estes documentos são relevantes para a boa decisão da causa, pois estão diretamente relacionados com os temas da prova 14, 15 e 16, e, para além disso, contrariam diretamente a alegação da Autora de que estes apartamentos têm valores equivalentes ou superiores ao atribuído no Acordo Quadro a apartamento semelhante prometido dar em pagamento à Insolvente, em especial a alegação do § 79º da petição inicial que deu origem ao apenso H:
a) O Valor da Propriedade está em conformidade com os valores de vendas (e de mercado) ocorridas no ano de 2010 na mesma zona do empreendimento e para frações autónomas situadas nessa área. (Tema da prova 14)
4. A Massa só agora teve conhecimento destes documentos, requerendo a sua admissão nos termos dos arts. 6º e 423º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil, atenta a sua manifesta relevância.
5. Com efeito, esta documentação vem inequivocamente comprovar aquilo que já resulta da experiência comum e do laudo pericial de fls. 1445 e 1484, ou seja, que o valor atribuído ao bem prometido dar em pagamento no Acordo Quadro está muito inflacionado, em manifesto prejuízo da Insolvente.»
Ao que se opôs a Requerente, pugnando pelo desentranhamento de tais documentos dos autos, por extemporaneidade.
Foi proferido o seguinte despacho:
«Requerimentos datados de 17.09.2019 e 21.09.2019
Tomei conhecimento.
Admite-se a prova documental junta aos autos e, atenta a justificação para a sua apresentação neste momento não se comina a sua apresentação tardia com multa.
Notifique.»

Inconformada, a Requerente apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação do referido despacho, por nulo, anulando-se todos os termos subsequentes, nomeadamente a audiência de julgamento. Conclui a alegação de recurso nos seguintes termos:
«A. A Apelada apresentou em 17.09.2019 (após a realização da primeira secção da audiência final realizada em 12.06.2019), requerimento em que juntou aos autos documentos datados de 26.01.2010, de 28.05.2010, de 31.05.2010 e de 01.07.2010, alegando que “a massa só agora ter conhecimento destes documentos”, apesar de juntar cópias então obtidas, e não agora, em 2019.
B. Havendo as Apelantes, através de Requerimento apresentado em 21.09.2019, pugnado pela extemporaneidade da junção documental requerida, foi em 24.09.2019 proferido Despacho Judicial no qual se admitiu a prova documental junta e não cominou a parte a multa por apresentação tardia de documento.
C. Sendo as escrituras públicas documentos autênticos cuja reprodução, nomeadamente através de certidão, pode ser requerida por qualquer pessoa, encontram-se na disponibilidade das partes desde a data da sua celebração, ou seja, in casu, desde os dias 26.01.2010, 28.05.2010, 31.05.2010 e 01.07.2010 – cfr. o art. 164.º, n.º 1, do Código do Notariado,
D. Datando as cópias das escrituras agora juntas pela Apelada, precisamente, de 26.01.2010, 28.05.2010 e 31.05.2010 (!).
E. O conhecimento pela Apelada da existência dos documentos agora juntos remonta, pelo menos, a 2011, ano em que o Administrador de Insolvência foi nomeado.
F. A Apelada não junta – como lhe incumbia – qualquer meio de prova que confirme o seu desconhecimento prévio dos mencionados documentos, nem tão-pouco a impossibilidade da sua junção anterior – cfr. o ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24.03.2015 (relator: Fonte Ramos).
G. Não protesta sequer realizar qualquer prova da suposta superveniência subjetiva dos documentos, ou seja, de que a sua apresentação “não tenha sido possível” até 20 (vinte) dias antes da audiência final,
H. Sendo certo que já anteriormente havia a Apelada exaustivamente junto documentos aos autos, a saber, antes da audiência final, em Requerimento datado de 22.05.2019 (referência CITIUS n.º 32508145),
I. Datando as cópias dos documentos agora juntas – reiteramo-lo – de 26.01.2010, 28.05.2010 e 31.05.2010 (!)
J. O Despacho Judicial é nulo (prática um ato que a Lei não admite e que influi no exame da causa), ditando a sua nulidade a nulidade de todos os seus termos subsequentes – cfr. o art. 195.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
K. O Despacho Judicial violou o disposto nos arts. 4.º, e 423.º, n.º 1, 2 e 3, do Código de Processo Civil, bem como no art. 369.º, n.º 1, do Código Civil, e no 164.º, n.º 1, do Código do Notariado.»
A Recorrida pugnou pelo indeferimento do recurso, sustentando que, ao tomar conhecimento da existência dos documentos em causa, o tribunal tinha o dever de ofício de ordenar a juntada dos documentos aos autos, no uso do poder inquisitório estabelecido no art. 411.º do CPC, independentemente de a parte que deu origem ao conhecimento pelo tribunal da existência desses documentos estivesse, ou não, em prazo para os juntar. Mais invoca que os documentos foram juntos no âmbito do princípio e da regra do art. 411.º e não do art. 423.º do CPC.

Cumpre apreciar se existe fundamento para alterar a decisão tomada relativamente à admissão dos documentos cuja junção foi requerida pela Recorrida.


III – Fundamentos
A – Dados a considerar: aqueles que resultam do supra exposto.

B – O Direito
Importa atentar no regime jurídico atinente à junção de documentos em 1.ª instância a requerimento das partes. Na verdade, atentos o requerimento formulado e o teor da decisão recorrida, é manifesto que o que cabe sindicar no âmbito do presente recurso é regularidade da admissão dos documentos apresentados pela Recorrida, e não já o exercício do princípio do inquisitório consagrado no art. 411.º do CPC.
Ora, o art. 423.º do CPC estatui o seguinte:
Momento da apresentação
1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Pretende-se que as partes apresentem desde logo os elementos probatórios em que alicerçam as respetivas posições perante o litígio, obviando entorpecimentos processuais decorrentes de cartadas-surpresa, com os inerentes prazos destinados ao exercício do contraditório. O que está em consonância com o disposto nos arts. 552.º, n.º 2 e 572.º, al. d), do CPC, determinando que o requerimento dos meios de prova tenha lugar na petição inicial e na contestação, respetivamente. Consagra-se, assim, o ónus de provar os factos alegados em fundamento da ação e da defesa e o dever de apresentar ab initio os documentos que os provem com o articulado em que a alegação seja feita.
Não sendo junto o documento a par da alegação do facto probando, a admissão dele em momento posterior está condicionada ao regime legal citado. O requerimento para junção de documentos pode ocorrer até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mediante o pagamento de multa, exceto se a parte provar que os não pôde oferecer com o articulado. Assim, sujeitando-se a parte ao pagamento da multa, assiste-lhe o direito de aferir qual o momento em que requer a junção dos documentos, desde que com antecedência de 20 dias sobre a data em que se realize a audiência final (releva a data em que se inicia a realização da audiência final, e não já as datas das sucessivas sessões pelas quais perdure a mesma audiência final[1]). Após tal limite temporal, a admissão do documento depende de a sua apresentação não ter sido possível até então (o impedimento, que se prolongou para além do prazo previsto no n.º 2, apenas legitima a apresentação imediata, logo que cesse a impossibilidade de apresentação, não podendo a parte aguardar pelo derradeiro momento pressuposto pela norma de dilação – o encerramento da discussão em primeira instância, previsto no art. 425.º do CPC[2]) ou de a necessidade da sua junção assentar em ocorrência posterior.
Uma vez que a audiência final corria já os seus termos, a admissão dos documentos apresentados a requerimento da Recorrida só pode ter lugar no âmbito do n.º 3 da citada disposição legal. Então, a requerida junção de documentos depende da alegação e da prova, pelo interessado nessa junção, de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao momento em que é formulado o requerimento; (2) ter ocorrido elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
Ora, a superveniência dos documentos, que o apresentante tem de invocar e demonstrar, pode ser objetiva, nos casos em que o documento só foi produzido em momento posterior àqueles que são enunciados nos n.ºs 1 e 2 do art. 423.º do CPC, ou subjetiva, quando o documento, apesar de já existir, só chegou ao conhecimento da parte depois desses momentos. No que concerne à superveniência subjetiva, não basta invocar que só ali se teve conhecimento da existência do documento, mas ainda que o desconhecimento não deriva de culpa sua, salvaguardando assim que lhe seja imputada incúria ou falta de diligência. Todavia, só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.[3] A superveniência subjetiva pressupõe o desconhecimento não culposo da existência do documento.[4]
No caso em apreço, a Recorrida invocou, de forma genérica, a superveniência subjetiva dos documentos.[5] O que, no entanto, não demonstrou, como podia e devia ter feito a coberto do regime inserto nos arts. 293.º e ss do CPC.[6] Não foram invocados e demonstrados factos donde resulte afirmado que, num quadro de normal diligência, lhe foi impossível ter tido conhecimento anterior da existência daqueles documentos.
Por conseguinte, não são de admitir os documentos apresentados.
Impõe-se, antes, o desentranhamento deles dos autos, restituindo-se tais documentos à apresentante, condenando-se esta ao pagamento de multa nos termos do RCP – cfr. art. 443.º/1 do CPC.
Em consequência, e para desconsideração dos documentos rejeitados, vai anulado o processado subsequente que depende absolutamente da decisão recorrida[7], aproveitando-se toda a demais prova produzida, devendo ser reaberta a audiência final para alegações orais, seguindo-se a prolação de sentença.

Termos em que procedem as conclusões da alegação do presente recurso.

As custas recaem sobre a Recorrida – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.

Concluindo: (…)


IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela total procedência do recurso, em consequência do que:
- vai revogada a decisão recorrida, a substituir por outra a proferir em 1.ª Instância que determine a retirada de tais documentos do processo, restituindo-os à apresentante, condenando esta ao pagamento de multa que se repute adequada nos termos do RCP;
- vai anulado o processado subsequente que depende absolutamente da decisão recorrida, aproveitando-se toda a demais prova produzida, devendo ser reaberta a audiência final para alegações orais, seguindo-se a prolação de sentença.
Custas pela Recorrida.
Évora, 25 de junho de 2020
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho dos Santos


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[1] Cfr., entre muitos outros, Ac. TRP de 26/09/2016 (António José Ramos).
[2] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2013, pág. 341.
[3] Cfr. Ac. TRC de 24/03/2015 (Fonte Ramos); Ac. TRE de 02/10/2018 (Rosa Barroso).
[4] Cfr. Rui Pinto in Código de Processo Civil Anotado, pág. 314.
[5] Cfr. n.ºs 1 e 4 do requerimento, transcrito supra.
[6] Cfr. Ac. TRL de 22/10/2014 (Cecília Nóbrega).
[7] Cfr. Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016 – 3.ª edição, pág. 173.