Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2949/17.2T8FAR.E1
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
TRIBUNAL DO TRABALHO
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Assentando a autora a sua pretensão indemnizatória no incumprimento de acordo atípico celebrado com um seu trabalhador, que criou obrigações para as partes fora do conteúdo essencial do contrato de trabalho, a competência para dirimir o litígio pertence aos tribunais comuns.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2949/17.2T8FAR.E1

Tribunal da Judicial da Comarca de Faro
Juízo Local Cível de Faro – Juiz 1


I. Relatório
(...) Serviços de Comunicações e Multimédia S.A., anteriormente designada PT Comunicações, S.A., instaurou contra (…), residente na Rua (…), n.º 67, r/c, esq., em Faro, acção declarativa de condenação, a seguir a forma única do processo comum, pedindo a final a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de € 10.421,86 (dez mil, quatrocentos e vinte e um euros e oitenta e seis euros), acrescida dos juros de mora vincendos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Alegou para tanto ter celebrado com o demandado, que foi seu trabalhador, acordo denominado de pré-reforma, no âmbito do qual se obrigou a pagar determinada quantia até o R. atingir a idade da reforma, momento em que este se vinculou a requerê-la, cessando a obrigação da A.
Mais alegou ter instituído um benefício parassocial no âmbito do contrato de trabalho, que consistia num adiantamento correspondente à estimativa da pensão de reforma a ser calculada e paga pelo Centro Nacional de Pensões. Sucede porém que o R. incumpriu a obrigação a que se vinculara porquanto, tendo atingido a idade da reforma, não a requereu de imediato, continuando a receber o benefício parassocial até Janeiro de 2005, data a partir da qual lhe foi deferido pelo CNP o pedido de reforma. Por via de tal incumprimento contratual a demandante viu-se indevidamente privada das quantias abonadas entre Setembro 2004 e Janeiro 2005, no montante total ora peticionado.
Citado, o R. ofereceu contestação, peça na qual, para o que ora releva, arguiu a excepção da incompetência do tribunal em razão da matéria, defendendo a competência do tribunal de trabalho.
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Teve lugar audiência prévia e nela, frustrada a tentativa de conciliação, a Mm.ª juíza julgou verificada a excepção dilatória da incompetência absoluta do tribunal e, em consequência, declarou-se incompetente em razão da matéria, absolvendo o Réu da instância.
Inconformada, apelou a autora e, tendo desenvolvido nas alegações apresentadas, as razões da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões:
“1.ª Erradamente o Tribunal a quo decidiu conhecer de imediato da matéria da competência material sem que o processo estivesse em condições para tal ou revestisse a simplicidade imposta por lei para tal decisão;
2.ª Ao decidir deste modo foi comprimido de forma insustentável o direito ao contraditório da autora, porquanto ficaram por analisar e demonstrar em juízo diversos factos invocados que permanecem controvertidos;
3.ª Tratando-se de conhecimento de mérito proferido em sede de saneamento do processo, tais factos controvertidos tinham capacidade para influir na decisão da causa, logo a decisão foi prematuramente proferida, o que determina a sua anulação, devendo o processo prosseguir para o cabal apuramento da factualidade em causa;
4.ª Tal constrangimento poderia ter sido contornado com os deveres de gestão processual que impendem sobre o juiz;
5.ª Para que o crédito ora reclamado pela autora se possa caracterizar como crédito laboral, mostra-se necessário que a sua fonte seja esse mesmo contrato de trabalho;
6.ª Não basta, para tal conclusão, que tal crédito esteja indirectamente relacionado com o contrato de trabalho, exige-se que o mesmo constitua uma obrigação dele decorrente;
7.ª De acordo com o acordo de suspensão de contrato de trabalho em causa, a obrigação de requerer a reforma por banda do réu nasceu do facto deste ter atingido as condições para esse efeito em Setembro de 2004 sem que, contudo, tenha despoletado o respectivo processo junto do CNP, o que fez apenas em Fevereiro de 2005;
8.ª Apenas em Maio de 2005 é que o requerimento de reforma foi deferido pelo CNP, retroagindo os seus efeitos a Fevereiro (data da entrada do processo junto do CNP) e originando um acerto de contas com a autora relativamente e somente a estes meses (fevereiro a maio de 2005);
9.ª Ainda que se admita que o adiantamento surge em consequência do contrato de trabalho, certo é que este (o adiantamento leia-se) é que constitui a origem, a fonte do crédito ora reclamado sobre o réu, e não o contrato de trabalho;
10.ª O crédito resultante desse recebimento indevido resulta do benefício instituído em si mesmo e não das razões ou do contexto subjacente à sua implementação, sendo óbvio que a relação do contrato de trabalho com o crédito ora reclamado é indirecta e acidental, não podendo afirmar-se que este resulta daquele;
11.ª O benefício parassocial instituído e no qual a recorrente assenta as suas pretensões não decorre, quer da relação de trabalho ou mesmo do acordo propriamente dito, mas sim da manifestação de vontade da empresa, em consequência da relação de trabalho, de pretender instituir um mecanismo de solidariedade nestes casos;
12.ª É notório que os pagamentos feitos a esse título não decorriam do acordo, pois estes designavam-se de prestação de pré-reforma e estavam contratualmente previstos; ao invés, aqueles efectuados já no decurso do benefício parassocial designavam-se adiantamento de pensão;
13.ª Trata-se de prestações emergentes de facto póstumo ou posterior ao fim do contrato de trabalho/suspensão de contrato de trabalho, que cessou pela reforma do trabalhador, conforme dispõe o art.º. 322.º do Código do Trabalho;
14.ª Permanecendo em dívida os valores de adiantamento de pensão relativos aos meses anteriores de Setembro de 2004 (no qual foi adiantado o montante de € 1.971,70), Outubro de 2004 (no qual foi adiantado o montante de € 2.112,54), Novembro de 2004 (no qual foi adiantado o montante de € 2.112,54), Dezembro de 2004 (no qual foi adiantado o montante de € 2.112,54) e Janeiro de 2005 (no qual foi adiantado o montante de € 2.112,54), num total de € 10.421,86.”
Com tais fundamentos pretende a alteração da decisão recorrida, atribuindo-se ao tribunal cível a competência para o julgamento da causa.
Respondeu o autor e, tendo suscitado a questão da rejeição do recurso por não ter a apelante indicado as normas jurídicas eventualmente violadas pela decisão recorrida, defendeu a manutenção do julgado.
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Questão prévia
Conforme se deixou enunciado, o autor/apelado defende que o recurso deverá ser rejeitado, por ter a apelante omitido a menção das normas jurídicas que, em seu entender, se mostram violadas e sentido em que deveriam ter sido interpretadas.
Efectivamente, e conforme resulta expressamente do disposto no art.º 639.º do CPC, impressivamente epigrafado de “ónus de alegar e formular conclusões”, versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) as normas jurídicas violadas; b) o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Vistas as conclusões formuladas pela apelante, é certo que nenhuma norma jurídica foi mencionada. Todavia, e ao invés do que defende o apelado – sem que tenha invocado, também ele, e por boas razões, a norma jurídica que determinaria a rejeição do recurso com tal fundamento – a consequência de tal omissão é tão-somente o convite ao aperfeiçoamento, conforme prevê expressamente o n.º 2. Mas, em nosso entender, tal convite deverá ser formulado apenas quando tal se mostrar necessário, quer em ordem a permitir ao tribunal “ad quem” que, com facilidade, delimite o objecto do recurso, quer para habilitar a parte contrária a exercer de forma cabal e esclarecida o contraditório.
No caso dos autos com facilidade se alcança que a autora diverge da decisão proferida em dois aspectos essenciais: sustenta, por um lado, que o tribunal “a quo” não estava habilitado a decidir a excepção, uma vez que se encontra controvertida matéria relevante para o efeito; dissente, por outro, da interpretação feita pela Mm.ª Juíza do preceito atributivo da competência ao tribunal de trabalho – na circunstância só pode ser o art.º 128.º, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, citado na decisão impugnada – defendendo que na sua previsão não cabe o acordo que alega ter sido incumprido pelo autor e que constitui a causa de pedir, tudo conforme resulta claro das conclusões que formulou.
Decorre do exposto que não existe fundamento legal para rejeitar o recurso, nem tão pouco para determinar o seu aperfeiçoamento, uma vez que não resultaram prejudicadas, nem a delimitação do objecto do recurso, nem a defesa da contraparte.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, impõe-se a este Tribunal que decida se dos autos constavam todos os elementos necessários à prolação de decisão sobre a invocada excepção da incompetência material do tribunal cível e, na afirmativa, determinar qual o tribunal competente para a presente acção.
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II. Fundamentação
À decisão importam os factos acima enunciados, relevando ainda terem a PT e o R. celebrado em 25/9/1997 acordo designado de Pré-reforma, havendo a destacar as seguintes cláusulas, que as partes reciprocamente aceitaram:
“1.ª Para efeitos do presente acordo, o contrato de trabalho do 2.º outorgante considera-se suspenso, ficando o trabalhador dispensado da prestação de trabalho, com a inerente suspensão das obrigações decorrentes daquela prestação.
2.ª- Durante o período em que se mantiver esta suspensão, a 1.º outorgante pagará ao 2.º uma prestação mensal de pré-reforma de (…).
(…)
9.ª O trabalhador é considerado requerente da pensão de velhice logo que complete a idade mínima legal de reforma, data em que cessará o contrato de trabalho que o vincula à 1.ª outorgante, garantindo-lhe então a empresa condições idênticas às que usufruiria se se mantivesse no activo até essa altura, no que concerne à pensão de reforma garantida e ao “prémio de aposentadoria”.
10.ª A situação de pré-reforma do 2.º outorgante extingue-se por qualquer das formas previstas no artigo 11.º do DL 261/91, de 25 de Junho”.
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É ponto assente que a competência se fixa no momento da propositura da acção, sendo irrelevantes quaisquer posteriores alterações de facto (cf. art.º 38.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto - Lei de Organização do Sistema Judiciário).
Constitui ainda entendimento pacífico o de que a competência material do Tribunal se afere à luz da pretensão deduzida pelo autor e respectivos fundamentos, ou seja, em face do pedido e da causa de pedir, irrelevando, pois, quer a adequação da providência requerida, quer o respectivo mérito (cf. acórdãos STJ de 14/12/2016, processo 1267/15.5T8FNC-A.L1.S1, de 1/12/2015 e 10/10/2015, processos 2141/13.5TVLSB.L1.S1 e 83/14.6TVLSB.L1.S1, todos acessíveis em www.dgsi.pt). Tal é o motivo, assim se dando resposta à primeira questão suscitada pela apelante, pelo qual a Mm.ª juíza se encontrava em condições de proferir decisão sobre a competência do tribunal em razão da matéria, improcedendo este fundamento recursivo.
É por último sabido – assim o proclama desde logo a CRP, no seu art.º 211.º, n.º 1 – que “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”, do que decorre a consagração do princípio da competência genérica ou residual dos tribunais comuns, reafirmado no art.º 64.º do CPC e 40.º, n.º 1, da citada Lei 62/2013.
O art.º 65.º do CPC, por seu turno, remete para as leis de organização judiciária a determinação das causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotadas de competência especializada, harmonizando-se com a disposição do n.º 2 da art.º 40.º da LOSJ.
Dispondo sobre a competência cível dos juízos do Trabalho, estabelece o art.º 126.º desta Lei:
1 - Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível:
[…]
b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho;
[…]
n) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja directamente competente;
[…]
s) Das demais questões que por lei lhes sejam atribuídas.
Decorre do que vem de se referir que o tribunal comum só será o competente no caso de a presente acção não se encontrar atribuída ao juízo de competência especializada laboral, o que vincula à análise e interpretação da causa de pedir e pedidos formulados.
A autora alegou ter celebrado com o R. no ano de 1997 o acordo junto ao autos, que as partes denominaram de Acordo de Pré-Reforma, no qual se previa a suspensão (que não cessação) do contrato de trabalho, ficando aquela obrigada ao pagamento de uma prestação mensal durante o período em que se mantivesse a suspensão (cf. o teor da cláusula 12.ª). Face ao assim estipulado incontornável é a conclusão de que o contrato de trabalho se mantinha em vigor, nele -e no celebrado acordo de pré-reforma- se fundando a obrigação da autora proceder ao pagamento da fixada prestação mensal.
Todavia, não é a referida prestação aquela que está aqui em causa.
Conforme resulta do alegado, uma vez atingida a idade legalmente prevista, o R. estava contratualmente vinculado a requerer à entidade competente a sua passagem à situação de reforma. No entanto, e prevenindo para a possibilidade de se verificar dilação entre a data da formulação do pedido e a do início do pagamento da pensão – período durante o qual o R., não tendo já direito às prestações devidas no âmbito do acordo da pré-reforma, se veria privado de rendimentos – a autora obrigou-se a adiantar mensalmente o montante estimado da pensão de reforma que viria a ser atribuída ao apelado, procedendo posteriormente a acerto de contas com o CNP quando fossem pagas por esta entidade, retroactivamente, as prestações que, nos termos da lei, eram (são ainda) devidas desde a data da apresentação do requerimento.
Ficou assim consignado na nuclear cláusula 9.ª do acordo celebrado, em cujo incumprimento por banda do Réu a Autora funda o seu pedido indemnizatório, que este seria considerado “requerente da pensão de velhice tão logo completasse a idade mínima legal da reforma”, o que terá ocorrido em Setembro de 2004.
Sucede, porém, que nos termos alegados pela A – e que o R. neste conspecto não contraria – o pedido de passagem à reforma só foi apresentado em Fevereiro, de modo que o CNP não abonou – nem tinha que abonar – as pensões que seriam devidas caso o pedido de passagem à reforma tivesse sido apresentado pelo apelado tão logo atingiu a idade para o efeito, estando em causa o período que decorreu entre Setembro de 2004 e Janeiro de 2005.
A expressão vertida no acordo celebrado no sentido do R. ser considerado requerente da pensão por velhice tão logo completasse a idade mínima legal de reforma reproduz o teor da 1.ª parte do art.º 10.º do DL 261/91, de 25 de Julho, diploma que aprovou o regime jurídico das situações de pré-reforma em vigor à data, sendo certo que nos termos do art.º 11.º deste mesmo diploma a situação de pré-reforma só se extinguia a) com a passagem à situação de pensionista por limite de idade ou invalidez; b) com o regresso ao pleno exercício de funções por acordo entre o trabalhador e a entidade empregadora ou nos termos do artigo 7.º; c) com a cessação do contrato de trabalho.
Harmonicamente, o Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor ao tempo da cessação do contrato e que temos por aplicável, definia no seu art.º 356.º pré-reforma como “a situação de redução ou de suspensão da prestação do trabalho em que o trabalhador com idade igual ou superior a cinquenta e cinco anos mantém o direito a receber do empregador uma prestação pecuniária mensal até à data da verificação de qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 361.º”, prevendo este preceito como causas de extinção da situação de pré-reforma “a) a passagem à situação de pensionista por limite de idade ou invalidez; b) o regresso ao pleno exercício de funções por acordo entre o trabalhador e o empregador ou nos termos do artigo anterior; c) a cessação do contrato de trabalho”.
O contrato de trabalho, nos termos do art.º 384.º, na sua al. a), cessava por caducidade, e dentre as causas de caducidade previa-se na al. c) do art.º 387.º (prevê-se ainda no art.º 343.º, al. c), do CT agora em vigor) a reforma do trabalhador por velhice.
Todavia, impõe-se advertir, a reforma por velhice e correspondentes compensações pecuniárias em consequência da perda de remunerações de trabalho motivada pela ocorrência da reforma não operava (nem opera) automaticamente por efeito da idade e do prazo de garantia a que se referia o art.º 20.º do DL 329/93, de 25 de Setembro (com as alterações introduzidas pelos DL 9/99, de 8 de Janeiro, 437/99, de 25 de Outubro e 35/2002, de 19 de Fevereiro), em vigor à data em que o R. atingiu a idade da reforma. Conforme decorria claramente do disposto naquele preceito, e ainda do estipulado no art.º 51.º, a passagem para a situação de reformado dependia então (tal como agora) de um acto voluntário do beneficiário, que teria de apresentar requerimento nesse sentido, demandando decisão expressa do organismo competente. Daí que a pensão fosse devida apenas a partir da data da apresentação do respectivo requerimento (ou da indicada pelo requerente em caso de apresentação antecipada – cfr. citado art.º 51.º).
Por outro lado, a caducidade do contrato de trabalho ao abrigo da al. c) do art.º 387.º do CT, em vigor à data, com a cessação do respectivo vínculo, operava automaticamente por efeito, e só por efeito, da reforma do trabalhador – pressupondo portanto o acto administrativo do Centro Nacional de Pensões de concessão de tal reforma –, não bastando, ao invés do que a apelante parece sustentar (vide conclusão 13.ª), que o trabalhador atinja a idade da reforma. Daí que o contrato de trabalho, embora suspenso por força do acordo de pré-reforma, não cessou por caducidade em Setembro de 2004.
Questão diversa é, todavia, saber se não terá cessado por revogação nos termos previstos na al. b) do art.º 384.º, porque as partes assim o clausularam - vide a referida cláusula 9.ª, na qual ficou expressamente consagrado que o R. era considerado requerente da pensão de reforma logo que completasse a idade mínima para o efeito (à época 65 anos de idade), data em que cessava o contrato de trabalho que o vinculava à agora apelante. Tal cláusula, que temos por válida, implica a cessação do contrato de trabalho em Setembro de 2004, pelo que as prestações subsequentemente abonadas pela autora não tinham já a sua origem e justificação no acordo de pré-reforma, assumindo a natureza de “benefício parassocial, o qual consistia num adiantamento correspondente à estimativa da respectiva pensão de reforma a ser calculada e paga pelo CNP, designado “Adiantamento de Pensão, que a A. entendeu conceder aos seus antigos trabalhadores”.
É óbvio que com a concessão de tal benefício, que pressupunha a cessação, quer do contrato de trabalho, quer do acordo de pré-reforma, a apelante pretendia apenas adiantar as prestações correspondentes às pensões de reforma, da responsabilidade portanto do CNP, e não suportá-las em definitivo, como veio a ocorrer com os montantes aqui reclamados. Para tal, o A. teria que requerer a passagem à situação de reforma tão logo atingisse a idade legal e a isso mesmo se vinculou.
A causa de pedir assim delineada, tendo embora subjacente o contrato de trabalho que durante anos vigorou entre A. e R. – a primeira não se disporia a conceder tal benefício se o Réu não tivesse sido seu trabalhador, como parece óbvio – não emerge contudo daquele contrato, filiando-se antes em acordo autónomo e com vigência independente daquele.
Acresce que, conforme se fez notar no aresto do STJ de 10/12/2015 acima citado[1], “as questões” elencáveis na alínea b) [do art.º 85.º da LOTJ, a que sucedeu sem alteração a acima transcrita al. b) do art.º 128.º da LOSJ] são apenas aquelas que possam integrar o conteúdo essencial (que não acessório, complementar ou dependente) da relação de trabalho”.
No caso dos autos, sem escamotear a dificuldade que a situação suscita, considerando a pretensão formulada pela A. e a causa de pedir que a suporta, afigura-se que estamos fora do conteúdo essencial da relação laboral; as obrigações das partes, tal como a ora apelada delineou a causa, não assumem “um cariz inequivocamente laboral”. Com efeito, repete-se, reconhecendo-se que a concessão do aludido benefício por banda da A. e a obrigação assumida pelo R. no sentido de garantir o reembolso daquela através da apresentação do requerimento quando atingisse os 65 anos de idade encontram a sua razão de ser no contrato de trabalho que vigorou entre as partes, a verdade é que, segundo a alegação da autora, não se filia nele.
Deste modo, e em conclusão, porque a pretensão formulada pela apelante não emerge das obrigações que para ambas as partes decorriam da celebração do contrato de trabalho, antes estando alicerçada num acordo autónomo e inominado, assim surgindo configurada na petição inicial a relação jurídica controvertida, cabe aos tribunais comuns a competência para dirimir o litígio.
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III. Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que determine a tramitação dos autos, por serem os tribunais comuns os competentes para decidir o litígio.
Custas pedo apelado.
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Sumário:
I. A competência material do Tribunal afere-se à luz da pretensão deduzida pelo autor e respectivos fundamentos, ou seja, em face do pedido e da causa de pedir, irrelevando, pois, quer a adequação da providência requerida, quer o respectivo mérito.
ii. As questões que integram a previsão da alínea b) do art.º 126.º da LOSJ são apenas aquelas que respeitam ao conteúdo essencial – que não acessório, complementar ou dependente - da relação de trabalho.
iii. Assentando a autora a sua pretensão indemnizatória no incumprimento de acordo atípico celebrado com um seu trabalhador, que criou obrigações para as partes fora do conteúdo essencial do contrato de trabalho, a competência para dirimir o litígio pertence aos tribunais comuns.

Évora, 08 de Novembro de 2018
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho
José Manuel Barata


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[1] Quer este aresto, quer o acórdão proferido escassos dias antes pelo mesmo STJ no processo 2141/13.5TVLSB.L1.S1, versaram sobre caso com semelhanças com aquele que nos ocupa e em ambos foi decidido deferir a competências aos tribunais comuns. Todavia, impõe-se reconhecer, nas situações decididas pelo STJ o demandado trabalhador havia passado à situação de reforma, donde os contratos de trabalho terem inequivocamente cessado por caducidade, estando em causa o reembolso das quantias adiantadas pela antiga empregadora entre a data da apresentação do requerimento e a do deferimento das prestações. Embora os termos do acordo fossem similares ao dos autos – a finalidade era a mesma, ou seja, adiantar os montantes estimados da pensão durante o período, mais ou menos prolongado, que o CNP demorasse a processar o pedido- as partes denominaram-no de mútuo, pedindo a antiga entidade patronal a condenação dos RR no reembolso das quantias abonadas, uma vez que estes vieram a receber as pensões com efeitos retroactivos à data da apresentação do pedido de reforma, nisto divergindo também da situação dos autos".