Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
258/14.8T8TMR.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
FACTOR DE BONIFICAÇÃO 1
5
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 06/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: O n.º 5, alínea a), segunda parte, das Instruções Gerais do Anexo I, do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23.10, que aprovou a tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, visa concretizar o princípio da justa reparação dos acidentes de trabalho ou doenças profissionais e não discriminar seja quem for, pelo que não é inconstitucional, na parte em que manda aplicar o fator de bonificação de 1.5 aos sinistrados ou doentes profissionais com 50 ou mais anos de idade, desde que não tenham já antes beneficiado deste fator.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 258/14.8T8TMR.E1
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO

Apelante: CC (responsável).
Apelado: BB (sinistrado)
Tribunal Judicial da comarca de Santarém, Tomar, Instância Central, 2.ª Secção de Trabalho, J2.

1. Na fase conciliatória dos presentes autos com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado BB e responsável a CC, não obteve êxito a tentativa de conciliação a que se refere o auto de fls. 56 a 58.
Por esse facto, veio a entidade responsável requerer a realização de junta médica, nos termos do art.º 138.º n.º 2 do C.P.T., tendo apresentado os respetivos quesitos.
Designada tal diligência, nela vieram os peritos nomeados responder aos quesitos nos termos consignados a fls. 66 e 67, considerando que o sinistrado esteve em situação de ITA desde 20/10/2013 a 7/11/2014 e na situação de ITP de 20% desde 8/11/2014 a 3/03/2015, tendo ficado afetado de uma incapacidade permanente parcial, com 0,0881 de desvalorização, desde 3/03/2015.
De seguida, foi pelo tribunal recorrido proferida a seguinte decisão: “Ora, inexistindo nos autos elementos que nos permitam concluir de modo diverso do parecer unânime dos Srs. Peritos, constante do auto de fls. 66 e 67 e não se nos afigurando necessária a realização de quaisquer outras diligências, julgo para efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 140.º do CPT, que o sinistrado BB esteve em situação de incapacidade absoluta temporária (ITA) desde 20/10/2013 a 7/11/2014 e na situação de ITP de 20% desde 8/11/2014 a 3/03/2015 e ficou afetado de incapacidade permanente parcial, com 8,81% grau de desvalorização desde 3/03/2015”.
Após, foi proferida sentença com a seguinte decisão:
Em face do exposto e ao abrigo do disposto, nomeadamente nos artigos 135.º e 138.º n.º 2 do CPT e nos artigos 8.º, 23.º al. b), 47.º n.º 1 als. a) e c), 48.º n.º 3 als. c), d) e e), 75.º n.º 1, 50º n.ºs 1 e 2 e 39.º n.º 2 todos da Lei n.º 98/2009, de 4/09, condeno a CC, a pagar ao sinistrado BBA o capital de remição de uma pensão anual de € 904,53 devida desde 4/03/15, acrescida da quantia de € 991,93 devida a título de indemnização por incapacidades temporárias e da quantia de € 28,00 devida a título de despesas efetuadas com as vindas a diligências obrigatórias.
Custas da ação pela entidade responsável, fixando-se o valor da causa em € 11.665,34.
Registe e notifique.
Oportunamente proceda ao cálculo do capital de remição, após remeta os autos para a esfera do Ministério Público a fim de se proceder à entrega de tal capital.

2. Inconformada, veio a seguradora responsável interpor recurso de apelação, motivado, e conclusões, nos seguintes termos:
I. A atribuição de uma bonificação de 1,5% prevista na segunda parte da alínea a) do n.º 5 da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais apenas em função da idade revela-se claramente inconstitucional porque violadora do princípio da igualdade previsto no art.º 13.º da CRP.
II. Tal diferenciação de tratamento entre os trabalhadores de idade igual ou superior a 50 anos e os demais, porque automática e mecânica, revela-se desprovida de justificação razoável segundo critérios objetivos ou de razoabilidade.
III. Nem mesmo se compreendendo o porquê de se atribuir tal diferenciação aos 50 anos e não em qualquer outra idade, tudo levando, necessariamente, e em situações concretas, a diferenciações de tratamento em situações manifestamente semelhantes.
IV. Considerando-se a inconstitucionalidade da norma em causa, não deverá a mesma ser aplicada por este tribunal, substituindo-se a decisão recorrida por uma outra que, não aplicando o referido fator de bonificação, atribua ao sinistrado uma incapacidade permanente parcial de 5,87%, condenando-se a ré em conformidade com essa incapacidade.
Termos em que o presente recurso deverá ser julgado procedente, alterando-se a sentença recorrida.
A apelante juntou um parecer subscrito por Rui Manuel Moura Ramos, para sustentar a sua posição, onde se conclui como concluiu a apelante.
3. O sinistrado foi notificado, contra-alegou e apresentou as conclusões seguintes:
1.ª A sentença recorrida apresenta-se sucinta mas bem fundamentada, aplicando adequadamente o direito aos factos provados;
2.ª Não se verifica qualquer vício de julgamento nem violação do preceito constitucional invocado pela recorrente;
3.ª A decisão impugnada não merece reparo e deve ser integralmente mantida.
4. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre decidir.
5. Objeto do recurso
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
A questão a decidir consiste em apurar se a atribuição de uma bonificação de 1,5%, prevista na segunda parte da alínea a) do n.º 5 da Tabela Nacional de Incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, apenas pelo facto do sinistrado ter 50 anos de idade, é inconstitucional por violar o princípio da igualdade previsto no art.º 13.º da CRP e respetivas consequências.

A) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida respondeu à matéria de facto da forma seguinte:
Atento o disposto no art.º 135.º do CPT, dou como assentes os seguintes factos:
 O sinistrado BB, no dia 19/10/2013, pelas 10.50 horas, foi vítima de um acidente de trabalho, em Montalvo, quando trabalhava por conta, sob as ordens e direção de “DD, Lda.”, com sede em Rio Maior.
 O acidente ocorreu quando o sinistrado trabalhava como motorista de pesados e ao cobrir a carga com um encerado, escorregou e caiu, magoando-se nos dois pulsos e na face.
 Em consequência do acidente resultaram para o sinistrado as lesões descritas no auto de exame junta médica de fls. 66 e 67, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
 Por despacho acima proferido, foi o sinistrado considerado como afetado de 8,81% de incapacidade permanente parcial, como consequência do mesmo acidente, desde 3/03/2015, tendo estado na situação de ITA, desde 20/10/2013 até 7/11/2014 e na situação de ITP de 20% desde 8/11/2014 a 3/03/2015.
 À data do acidente o sinistrado auferia o salário mensal de € 950,00 x 14 meses por ano, acrescido de € 5,65 x 22 x 11 meses por ano.
 O sinistrado recebeu a título de indemnização por incapacidade temporária o montante global de € 10 646,59.
 O sinistrado despendeu € 28,00 com as vindas a diligências obrigatórias a este Tribunal.
 A entidade patronal havia transferido a responsabilidade emergente de acidente de trabalho para a CC, mediante a apólice n.º ….
 O sinistrado nasceu em 13/05/1957.

B) APRECIAÇÃO
A questão a decidir consiste em apurar se a atribuição de uma bonificação de 1,5%, prevista na segunda parte da alínea a) do n.º 5 da tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, apenas pelo facto do sinistrado ter 50 anos de idade, é inconstitucional por violar o princípio da igualdade previsto no art.º 13.º da CRP e respetivas consequências.
O n.º 5, alínea a) das Instruções Gerais, constantes do Anexo I da tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, prescreve que os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo fator 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse fator.
A instrução em análise prevê duas situações: uma em que é aplicável o fator 1.5 se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho, independentemente da idade; e outra em que a vítima tem 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse fator.
O que está em causa neste recurso é apreciar se esta última hipótese prevista na lei é inconstitucional.
A previsão legal tem em vista uma proteção mais alargada a todas as vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional quando estas têm 50 ou mais anos de idade. A mesma lei restringe a aplicação do fator de bonificação de 1.5 a apenas uma vez na vida do sinistrado. Se ocorrer outro acidente de trabalho ou doença profissional já não voltará a aplicar-se este fator de 1.5.
Vemos, assim, que esta norma jurídica se dirige a todas as pessoas vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional, que tenham 50 ou mais anos de idade. Não distingue entre o seu sexo, ascendência, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
Para ocorrer a violação do art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa, é necessário que ocorra uma discriminação em função daquelas situações que enumeramos e que constam deste preceito constitucional.
A instrução em causa não viola também o princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no art.º 2.º da CRP, segundo o qual a República Portuguesa baseia-se na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.
Não existem dúvidas quanto à legitimidade democrática do legislador. Todas as pessoas que possam estar envolvidas numa situação em que se coloque a questão da aplicação do fator de bonificação de 1.5 previsto nas Instruções Gerais, n.º 5, alínea a), da tabela nacional de incapacidades de acidentes de trabalho ou doenças profissionais pode exercitar livremente o seu direito, quer ativa quer passivamente.
A instrução geral em análise visa alargar a proteção aos sinistrados que tenham 50 ou mais anos de idade por várias razões. Decorre da lei da vida que após a meia idade e numa altura em que se caminha para a parte final da disponibilidade para oferecer no mercado a força de trabalho, a saúde física e espiritual vai sendo cada vez menos forte e a ocorrência de um evento danoso que a afete pode ter, em regra, mais efeitos negativos e de mais difícil reparação do que em pessoa mais jovem. O legislador ponderou certamente que a penosidade decorrente do exercício de uma atividade por uma pessoa de 50 ou mais anos, em comparação com outra mais jovem, é maior. Quando ocorre um acidente de trabalho ou doença profissional a partir dos 50 anos, a penosidade na prestação de trabalho aumenta, tal como aumenta a dificuldade em manter o posto de trabalho ou para encontrar outro no mercado de trabalho que seja compatível com a manutenção dos rendimentos até aí auferidos. A idade e o desgaste que daí resulta, conjugado com as sequelas do evento danoso para a saúde e a sua maior dificuldade de reparação natural quando se tem 50 ou mais anos de idade, torna materialmente justo que o legislador tenha optado por aumentar a proteção dos sinistrados a partir desta idade.
Não se trata de discriminar em relação às vítimas com idade inferior a 50 anos, mas de tratar de forma igual todos aqueles que sofrem um acidente de trabalho ou doença profissional a partir desta idade.
A justa reparação das vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional está preceituada no art.º 59.º n.º 1, alínea f) da CRP. As Instruções Gerais, nomeadamente o seu n.º 5, alínea a), segunda parte, do Anexo I, do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23.10, que aprovou a tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, visam concretizar o princípio da justa reparação dos acidentes de trabalho ou doenças profissionais e não discriminar seja quem for.
O legislador pretende dar equilíbrio e harmonia ao sistema de reparação dos acidentes de trabalho ou doenças profissionais de acordo com as condições materiais em que se encontram os que são vítimas destes eventos.
Nesta conformidade, entendemos que o n.º 5, alínea a), segunda parte, das Instruções Gerais constantes do Anexo I do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23.10, não viola de qualquer preceito constitucional, nomeadamente o princípio da igualdade previsto no art.º 13.º da CRP, pelo que não ocorre a sua inconstitucionalidade[1].

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente e decidem confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 09 de junho de 2016.
Moisés Silva (relator)
João Luís Nunes
Alexandre Ferreira Baptista Coelho

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[1] Neste sentido: Ac. RE de 14.04.2016, processo n.º 264/13.0TTFAR.E1, http://www.dgsi.pt/jtre.