Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
524/18.3T9MMN.E1
Relator: CARLOS DE CAMPOS LOBO
Descritores: PENA DE MULTA
PRAZO
REQUERIMENTO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
INCUMPRIMENTO
CULPOSO
FINS DA PENA
Data do Acordão: 04/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – A consagração legal corporizada no artigo 47.º, n.º 3 do CPenal, permite o tribunal, considerando o quadro apresentado pelo arguido, autorizar o pagamento do montante total da multa em prestações, de molde a que a última delas não vá além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado, entendendo-se igualmente que o juiz dispõe de poderes bastantes para estabelecer uma periodicidade diferente da inicial e / ou fixar prestações de montantes diversos, caso motivos supervenientes e suficientemente justificativos o aconselhem.
II – Igualmente dimana da filosofia inserta no artigo 49.º, n.º 2 do CPenal que a prisão só será de cumprir se forem esgotados, sem êxito, todos os meios previstos na lei, com vista ao pagamento da multa, sendo que uma das exigências para a conversão de multa em pena de prisão subsidiária é a verificação de um incumprimento culposo da pena de multa.
III - Ceder à mera normação emergente do artigo 489.º, n.º 2, reguladora de um prazo adjetivo, e isolada e cegamente concluir que aqui exulta um prazo perentório que exige que, salvo no caso de justo impedimento, o pagamento da multa em prestações tem de ser requerido, pelo condenado, no prazo de 15 dias, fixado no artigo 489.º, n.º 2, do CPPenal será seguir linha que colide com todo o sufragado em matéria de direito penal.
IV - Suportar que o prazo de 15 dias previsto no dito preceito é perentório, pode redundar em inutilidade / irrelevância o pagamento da multa fora de prazo, sendo que o regime jurídico relativo ao pagamento da multa não é esse, pois face ao plasmado no artigo 49.º, n.º 2, do CPenal o condenado pode a todo o tempo efetuar o pagamento da multa e assim evitar a execução da prisão subsidiária.
V- Acresce que por questões de coerência sistemática, permitir que o requerimento para pagamento da multa em prestações seja apresentado para além do prazo de 15 dias, é o mais adequado / ponderado / justo às finalidades, hoje dominantes, de flexibilização do cumprimento das sanções penais.
VI - O que na verdade importa ao legislador penal é que a pena produza o seu efeito dissuasor na evolução do comportamento do agente e na consequente defesa dos bens jurídicos, finalidades estas que são plenamente alcançadas com o real e efetivo cumprimento da pena, sendo totalmente despiciendo que tal possa ocorrer fora do prazo de 15 dias.
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção)

I – Relatório

1. No âmbito do processo nº 524/18.3T9MMN da Comarca ... - Juízo de Competência Genérica ... - Juiz ... , por sentença proferida em 02/11/2021, transitada em julgado em 02/12/2021, foram os arguidos AA (melhor identificado a fls. 394) e BB (melhor identificada a fls.394), condenados, respetivamente, pela prática,
- em co-autoria material, na forma consumada e na forma continuada, entre Fevereiro de 2015 e Fevereiro de 2018, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto pelos artigos 6.º, n.º1, 107.º, n.º1, 2 e 105.º, n.º1, 2 e 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias e 30.º, n.º2 do Código Penal e artigos 40.º, n.º1 e 2 e 43.º do Regime Contributivo da Segurança Social, na pena de 250 dias de multa à razão diária de €5,00, que perfaz o montante total de €1250,00;
- em co-autoria material, na forma consumada e na forma continuada, entre Fevereiro de 2015 e Fevereiro de 2018, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto pelos artigos 6.º, n.º1, 107.º, n.º1, 2 e 105.º, n.º1, 2 e 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias e 30.º, n.º2 do Código Penal e artigos 40.º, n.º1 e 2 e 43.º do Regime Contributivo da Segurança Social, na pena de 240 dias de multa à razão diária de €5,00, que perfaz o montante total de €1200,00;

2. Por força de requerimento apresentado pelos arguidos, e por despacho proferido em 18/10/2022, foram os mesmos autorizados a realizar o pagamento da multa em que foram condenados em 15 (quinze) prestações mensais, iguais e sucessivas.

3. O Digno Mº Pº notificado deste despacho veio interpôr o presente recurso pedindo a sua revogação, e a consequente substituição por outro que indefira a pretensão formulada pelos arguidos: (transcrição)

A. Por decisão proferida em 02.11.2021, transitada em julgado em 02.12.2021 foram os arguidos condenados em co-autoria material, na forma consumada e na forma continuada, entre Fevereiro de 2015 e Fevereiro de 2018, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto pelos artigos 6.º, n.º1, 107.º, n.º1, 2 e 105.º, n.º1, 2 e 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias e 30.º, n.º2 do Código Penal e arts. 40.º, n.º1 e 2 e 43.º do Regime Contributivo da Segurança Social, na pena de multa, respectivamente na pena de 250 dias de multa à razão diária de €5,00 e na pena de 240 dias de multa à razão diária de €5,00.
B. A conta dos presentes autos foi elaborada em 15.02.2022.
C. As guias de pagamento da multa da responsabilidade de ambos os arguidos foram elaboradas igualmente em 15.02.2022, com data de início de pagamento em 16.02.2022 e data limite em 10.03.2022.
D. Os arguidos foram notificados, além do mais, das guias para pagamento da multa penal em 15.02.2022 para a morada constante do Termo de Identidade e Residência (TIR) por prova por depósito em 17.02.2022.
E. Por requerimento entrado em 11.07.2022 os arguidos requereram o pagamento da multa penal da sua responsabilidade em 15 (quinze) prestações (ref.ª ...00 e ...01);
F. O Ministério Público promoveu o indeferimento do pedido formulado pelos arguidos (ref.ª...33) face à extemporaneidade do requerimento dos arguidos
G. Por despacho proferido no dia 18.10.2022, foram os arguidos AA e BB autorizados a realizar o pagamento da multa penal da sua responsabilidade em 15 (quinze) prestações mensais, iguais e sucessivas.
H. Da conjugação dos artigos 47.°, n.º 3, do Código Penal e 489.°, n.º 2, do Código de Processo Penal, resulta que o pagamento voluntário da multa deverá ter lugar no prazo de 15 dias a contar da notificação para o efeito e que o requerimento para pagamento em prestações da multa deve ser apresentado naquele prazo, após o que se devem seguir os procedimentos de pagamento coercivo e, não sendo este possível, a substituição da multa por prisão subsidiária.
I. O artigo 489.º, n.º 2, do Código de Processo Penal estabelece um prazo peremptório para a prática do ato, pelo que, salvo no caso de provar justo impedimento, não pode o arguido apresentar tal requerimento para além do prazo de 15 dias que lhe é concedido por tal preceito.
J. Nesse sentido concluíram os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra: nos proc. N.º 21/16.1GAVZL-A.C1, de 06.01.2021, relator Jorge França, n.º 591/16.4PBVIS-B.C1, de 14.07.2020, relatora Maria José Nogueira, Tribunal da Relação de Lisboa, proc. n.º 134/16.0PTSNT-A.L1-3, de 08.01.2020, relatora Ana Paula Grandvaux Barbosa, n.º 22/18.6PTPDL.L1-3, de 07.11.2018, relator João Lee Ferreira e ainda pelo Tribunal da Relação de Évora proc. n.º 102/18.7GBVRS.E1, relator Nuno Garcia, de 17.12.2020, proc. n.º 183/17.0IDFAR-B.E1, de 10.11.2020, afigura-se-nos que o requerimento apresentado pelos arguidos com vista ao pagamento em prestações da multa penal da sua responsabilidade foi extemporâneo, porquanto, certificado que se encontra o trânsito em julgado da decisão em 02.11.2021, mostrava-se precludido o requerido na data em que o foi.
K. Ademais, não invocaram os arguidos a ocorrência de qualquer circunstância de natureza superveniente que pudesse fundamentar tal pedido.
L. Tal solução preclusiva não colide com o objetivo político-criminal de aplicação preferencial de medidas não privativas da liberdade e da prisão subsidiária como ultima ratio, uma vez que a escolha pela pena de multa já teve tal em consideração, além de que o indeferimento da pretensão dos arguidos não implicaria a imediata conversão da pena de multa em prisão subsidiária, pois, a mesma pode, ainda, ser cobrada coercivamente, e bem assim os arguidos podem, a todo o tempo pagar a multa, e inclusivamente, até pode ocorrer a situação prevista no art. 49.º, n.º 3, do Código Penal.
M. Um entendimento diferente sempre resultará numa degradação da dignidade penal da pena de multa, permitindo, por um lado, um inadmissível protelamento do pagamento da mesma ao arrepio das normas legais e processuais, deixando o tribunal e a execução da pena de multa numa situação de indefinição, directamente relacionada com a vontade e disponibilidade do condenado em cumprir. Por outro lado, afigura-se-nos que entendendo que o condenado poderá cumprir a todo o tempo incrementa sentimentos de injustiça e de desigualdade, premiando o desinteresse e a inércia, face aos condenados diligentes e responsáveis na apresentação tempestiva do requerimento.
N. A intenção do legislador não foi a de permitir que o processo se arraste indefinidamente, nem permitir um alargamento excessivo do prazo para o cumprimento da pena.
O. Com efeito, ao deferir o pagamento da pena de multa em prestações, o despacho recorrido afigura-se ferido de ilegalidade e, nessa medida, pugna-se pela respetiva revogação e substituição por outro que indefira a pretensão formulada pelos condenados, tendo sido violados os artigos 47.º, n.º 3, do Código Penal, 489.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deverá o despacho proferido ser revogado e substituído por outro que indefira a pretensão formulada pelos arguidos, tendo sido violados os artigos 47.º, n.º 3, do Código Penal, 489.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal.
V. Ex.ªs certamente decidirão conforme for de Direito e Justiça!

4. Os arguidos notificados do despacho de admissibilidade do recurso e deste, não apresentaram qualquer resposta.

5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que alude o artigo 416.º do CPPenal pronunciou-se no sentido de ser dado provimento ao recurso – (a)nalisando a bem fundamentada motivação do recurso interposto pelo Ministério Público que, em síntese radica na natureza perentória do prazo a que alude o artigo 489.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, manifestamos com esta a nossa concordância, pugnando pelo provimento do recurso[1].
Não houve resposta ao Parecer.

6. Efetuado exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1.Questões a decidir

Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que ainda possam ser objeto de apreciação, o âmbito do recurso é dado, nos termos do artigo 412º, nº 1 do CPPenal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido - jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95.
Assim, a questão que importa apreciar e decidir tem a ver com a possibilidade de os arguido procederem ao pagamento em prestações da pena de multa em que foram condenados, considerando o prazo referido no artigo 489º, nº 2 do CPPenal.

2. Apreciação

2.1. O Tribunal recorrido, com relevância para o dissídio, decidiu da seguinte forma: (transcrição)

«Por sentença proferida nestes autos, foi o arguido AA, condenado pela prática, em co-autoria material, na forma consumada e na forma continuada, entre Fevereiro de 2015 e Fevereiro de 2018, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto pelos artigos 6.º, n.º1, 107.º, n.º1, 2 e 105.º, n.º1, 2 e 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias e 30.º, n.º2 do Código Penal e arts. 40.º, n.º1 e 2 e 43.º do Regime Contributivo da Segurança Social, na pena de 250 dias de multa à razão diária de €5,00, que perfaz o montante total de €1250,00;
E a arguida BB, condenada pela prática, em co-autoria material, na forma consumada e na forma continuada, entre Fevereiro de 2015 e Fevereiro de 2018, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto pelos artigos 6.º,
n.º1, 107.º, n.º1, 2 e 105.º, n.º1, 2 e 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias e 30.º, n.º2 do Código Penal e arts. 40.º, n.º1 e 2 e 43.º do Regime Contributivo da Segurança Social, na pena de 240 dias de multa à razão diária de €5,00, que perfaz o montante total de €1200,00.
Por requerimentos de 11-07-2022, vieram os arguidos requerer o pagamento da pena de multa em prestações.
Pese embora os requerimentos tenham sido apresentados após o decurso do prazo de 15 dias, atendendo aos factos que resultaram provados e o tipo de ilícito em causa, entende-se ser de conceder uma oportunidade aos arguidos para procederem ao pagamento das respetivas penas de multa em prestações.
Dispõe o artigo 47.º n.º 3 do Código Penal, «Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir alem dos 2 anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.»
A lei permite assim que o Tribunal autorize o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permita o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data da condenação.
Atendendo à situação pessoal e económica dos arguidos que ficaram plasmadas nos presentes autos, considera-se justificado autorizar o pagamento da pena de multa em prestações, nos termos previstos no disposto no artigo 47.º, n.º 3, do Código Penal.
Concordando-se com a promoção do Ministério Público, nos termos do artigo 47.º, n.º 3 do Código Penal, autoriza-se, o pagamento da pena de multa em quinze prestações mensais, iguais e sucessivas, a cada um dos arguidos.
Notifique, quanto aos arguidos com a advertência de que a falta de pagamento de uma das prestações de multa implica o vencimento de todas, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 47.º do Código Penal.
Caso não seja feito o pagamento atempado de alguma das prestações, abra de imediato vista ao Ministério Público, sem aguardar, em caso algum, o decurso do prazo do pagamento das demais prestações. (…)».

2.2. A decidir

Reza o artigo 47º, nº 3 do CPenal que (s)empre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.
Cabe também fazer notar que nos termos do plasmado no artigo 49º, nºs 1 e 2 do complexo supra referido que no caso de multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º, sendo que o condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa que lhe foi imposta.
De outra banda, indica o artigo 489º do CPPenal que (a) multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nesta fixado, não podendo ser acrescida de quaisquer adicionais, sendo que (o) prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação para o efeito.
Cotejando os apontados incisos legais, e considerando o todo do ordenamento jurídico português, em que as penas detentivas serão sempre a última opção, crê-se que o caminho encetado pelo tribunal recorrido, tem ancoradouro bastante, sendo efetivamente defensável.
Num primeiro passo, em termos prévios, cumpre precisar que o Digno Mº Pº, em primeira instância, a propósito do requerido pelos arguidos e contrariamente ao que se pode deixar antever do despacho em sindicância, não parece ter concordado com o por aqueles pretendido – pagamento da multa em prestações.
Efetivamente, na promoção que se assume como a referência citius ...33 enuncia - Decorrido o prazo legal para o efeito (cfr. artigo 489º do Código de Processo Penal), verifica-se que as multas penais não se encontram pagas, nem os arguidos solicitaram o respectivo pagamento em prestações nem, no prazo do pagamento voluntário, a sua substituição pela prestação de trabalho a favor da comunidade (cfr. artigo 490º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
Com efeito, decorrido o prazo legal (cfr. artigo 489º do Código de Processo Penal) sem que a multa penal se encontre paga, promovo que oportunamente e através da pesquisa da base de dados, que se apure se os arguidos são titulares de bens ou rendimentos e, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, se os mesmos são titulares de créditos ainda não regularizados, bem como bens imóveis sujeitos a registo -, não parece, assim, poder extrair-se o afirmado pelo tribunal ad quo - Concordando-se com a promoção do Ministério Público, nos termos do artigo 47.º, n.º 3 do Código Penal, autoriza-se, o pagamento da pena de multa em quinze prestações mensais, iguais e sucessivas, a cada um dos arguidos.
Olhando, agora, ao intento recursivo, convém no imediato fazer consignar que perante a consagração legal corporizada no artigo 47º, nº 3 do CPenal, pode o tribunal, considerando o quadro apresentado pelo arguido, autorizar o pagamento do montante total da multa em prestações, de molde a que a última delas não vá além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado, entendendo-se igualmente que o juiz dispõe de poderes bastantes para estabelecer uma periodicidade diferente da inicial e / ou fixar prestações de montantes diversos, caso motivos supervenientes e suficientemente justificativos o aconselhem[2].
Atente-se também que, ao que se pensa, dimana da filosofia inserta no artigo 49º, nº 2 do CPenal que podendo o condenado a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, parece ser intento do legislador, no seguimento deste pensamento, que a prisão só será de cumprir se forem esgotados, sem êxito, todos os meios previstos na lei, com vista ao pagamento da multa, sendo que uma das exigências para a conversão de multa em pena de prisão subsidiária é a verificação de um incumprimento culposo da pena de multa[3].
Ora, neste retrato substantivo, ceder à mera normação emergente do artigo 489º, nº 2, reguladora de um prazo adjetivo, e isolada e cegamente concluir que aqui exulta um prazo perentório que exige que, salvo no caso de justo impedimento, o pagamento da multa em prestações tem de ser requerido, pelo condenado, no prazo de 15 dias, fixado no artigo 489º, nº 2, do CPPenal[4], será seguir linha que, salvo melhor e mais avisada opinião, colide com todo o sufragado em matéria de direito penal e acima discorrido.
Não se desconhece, porventura o entendimento jurisprudencial mais visível, todo o pensamento propugnado pelo Digno Mº Pº e atrás salientado, que, no fundo, atracando-se na literalidade do nº 2 do artigo 489º do CPPenal, afirma que o pagamento da multa em prestações tem de ser peticionado dentro do prazo previsto no artigo 489º, n.º 2, do CPPenal, não sendo admissível findo esse prazo.
Todavia não é esse o posicionamento que aqui se ensaia.
Suportar que o prazo de 15 dias previsto no dito preceito é perentório, pode redundar em inutilidade / irrelevância o pagamento da multa fora de prazo, sendo que o regime jurídico relativo ao pagamento da multa não é esse, pois face ao plasmado no artigo 49º, nº 2, do CPenal o condenado pode a todo o tempo efetuar o pagamento da multa e assim evitar a execução da prisão subsidiária.
Acresce que por questões de coerência sistemática, permitir que o requerimento para pagamento da multa em prestações seja apresentado para além do prazo de 15 dias, é o mais adequado / ponderado / justo às finalidades, hoje dominantes, de flexibilização do cumprimento das sanções penais pois, o que na verdade importa ao legislador penal é que a pena produza o seu efeito dissuasor na evolução do comportamento do agente e na consequente defesa dos bens jurídicos[5].
Ora, estas finalidades são plenamente alcançadas com o real e efetivo cumprimento da pena, sendo totalmente despiciendo que tal possa ocorrer fora do prazo de 15 dias[6].
Querendo os arguidos pagar a multa imposta, parece claramente alcançado o mote / fim pretendido com a condenação.
Por seu turno, ao que parece, não desponta qualquer demanda, quer no CPPenal, quer no CPenal, que imponha ao condenado em pena de multa, a prévia escolha definitiva de um dos possíveis modos alternativos de cumprimento daquela pena, o pagamento em prestações e a substituição por trabalho por forma a que, inexistindo essa escolha, no prazo de 15 dias, e não havendo pagamento, aquele tenha que imediata e automaticamente, cumprir a prisão subsidiária. Não é isso que transparece da lei.
Some-se, ainda, a ideia inerente aos princípios da necessidade da pena, da justiça material e da igualdade, sendo que no caso em apreço, tal tanto se torna mais evidente se se atentar que não tinha sequer havido, ainda, qualquer promoção do Digno Mº Pº e / ou despacho no sentido da conversão da multa imposta aos arguidos em prisão e, podendo eles, caso o houvesse sido feito, proceder ao pagamento total e / ou parcial da multa, não faria qualquer sentido defender não ser possível procederem ao pagamento em prestações por força de pedido surgido antes de qualquer tomada de posição do tribunal, face ao não pagamento no prazo de 15 dias.
Não será de todo o caminho defensável.
E, nesse conspecto, há que alinhar na ideia de que, ainda que os arguidos tenham requerido o pagamento da multa em prestações para além do prazo a que alude o artigo 489º, nº 2 do CPPenal, a sua pretensão não deve ser indeferida somente com base na extemporaneidade, por apelo ao sentido arrimado à preferência pelas medidas não detentivas que decorre do art. 49.º, n.º 2, do CP[7], e a todo elenco de razões supra transcritas.
Em presença do exposto, entende-se não merecer qualquer censura o despacho recorrido, sendo o mesmo de manter.

III - Dispositivo

Nestes termos, acordam os Juízes Secção Criminal – 2ª Subsecção - desta Relação de Évora em julgar improcedente o recurso interposto pelo Digno Mº Pº mantendo a decisão recorrida.

Sem Custas por o Digno Mº Pº, delas estar isento.

Évora, 18 de abril de 2023
(o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)


Carlos de Campos Lobo

Ana Bacelar- 1.ª Adjunta

Renato Barroso – 2.º Adjunto

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[1] Cfr. fls. 583.
[2] Neste sentido, MIGUEZ GARCIA, M. e CASTELA RIO, J.M., Código Penal, Parte geral e especial – Com Notas e Comentários, 2016, 2ª Edição, Almedina, p. 325.
[3] Neste sentido, , ALBUQUERQUE, Paulo Pinto – Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição atualizada, 2021, Universidade Católica Editora, p. 328.
[4] Neste sentido os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18/09/2013, proferido no Processo nº 145/11.1TALSA-A.C1 e de 13/06/2012, proferido no Processo nº 202/10.1.GBOBR.C1, do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22/10/2012, proferido no Processo nº 171/09.0TAAVV.G1, do Tribunal da Relação do Porto, de 21/3/2012, proferido no Processo 141/10.6PDVNG-A e de 5/03/2014, proferido no Processo 6/12.7GCMBR-A.P1, entre outros, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
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[5] Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 21/08/2018, proferido no Processo nº 239/13.9 GAVNO.E1, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler Na verdade, e muito embora saibamos que a Jurisprudência das Relações não tem sido unânime sobre a matéria, existindo decisões que entendem que o prazo de quinze dias previsto nos art.ºs 489.º. n.ºs 1 e 2, e 490.º, n.º 1, do C.P.P., prazo dentro do qual deve ser requerido o pagamento da multa em prestações ou a substituição da multa por trabalho a favor da comunidade, é um prazo peremptório, findo o qual consideram precludido tal direito, consideramos que o entendimento que melhor se coaduna com o sistema jurídico-penal vigente é o que considera que o prazo previsto para o condenado requerer o pagamento da multa em prestações ou a substituição da multa por prestação de trabalho comunitário não tem natureza peremptória, pelo que o seu decurso não preclude a possibilidade de tais formas de pagamento virem a ser requeridas mais tarde, assim se observando o princípio enformador da nossa lei penal de dar preferência às penas não privativas da liberdade, evitando-se a conversão da pena de multa em prisão subsidiária por razões meramente formais.
Conforme claramente resulta da conjugação do disposto no art.º 489.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.P. com o disposto no art.º 49.º. n.ºs 1 e 2, do C. Penal, inexiste qualquer prazo peremptório para o pagamento voluntário da multa, pagamento que poderá ocorrer no referido prazo de 15 dias ou para além dele, isto é, a todo o tempo e mesmo depois da conversão da multa em prisão subsidiária.
[6] Neste sentido o Acórdão do Tribula da Relação do Porto, de 24/03/2021, proferido no Processo 2325/13.6PBBRG-A.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 11/09/2012, proferido no Processo 457/07.9GBTVR.E1, disponível em www.dgsi.pt