Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
723/20.8T8PTG.E2
Relator: ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
BENFEITORIAS
RESTITUIÇÃO
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Nos termos do disposto nos artigos 433.º e 434.º do Código Civil, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, o que vale por dizer que tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil).
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Ré: (…)
Recorrida / Autora: Câmara Municipal de Portalegre

Os autos consistem em ação declarativa de condenação através da qual a A peticionou que a R seja condenada a ver resolvido o contrato de compra e venda identificado nos autos e a devolver o lote objeto desse negócio, bem como toda e qualquer benfeitoria nele realizada, desimpedido e livre de ónus e encargos.
Para tanto invocou a celebração de um contrato de compra e venda de lote de tereno ficando a R, compradora, incumbida de apresentar o projeto de arquitetura e os projetos das especialidades no prazo de 180 dias a contar da data da escritura, e de concluir as obras no prazo de 2 anos a contar da aprovação dos projetos, sob pena de reversão do terreno e das benfeitorias nele introduzidas. Uma vez que a R não apresentou qualquer projeto nem iniciou a construção, decorridos que estão os prazos fixados, alega a A que lhe assiste o direito de retorno da propriedade do lote à sua esfera jurídica.
Em sede de contestação, a R invocou a caducidade do direito de que se arroga a A, a nulidade de cláusulas contratuais insertas no contrato celebrado, mais pugnando pela improcedência da ação.
Apresentou-se ainda a deduzir o seguinte pedido reconvencional: deve a A ser condenada a devolver o preço pago pelo lote de terreno identificado na p.i. no montante de € 9.501,60 (nove mil e quinhentos e um euros e sessenta cêntimos), bem como a quantia de € 7.900,18 (sete mil e novecentos euros e dezoito cêntimos) e ainda as quantias de € 4.450,00 e € 5.000,00 a título de benfeitorias e mais valias. A quantia de € 7.900,18 corresponde às quantias pagas desde o ano de 2007 a título de imposto municipal sobre imóveis, que considera dever ser-lhe restituída com fundamento no enriquecimento sem causa.
A A foi absolvida da instância reconvencional relativamente ao pedido de devolução das quantias pagas a título de IMI.

II – O Objeto do Recurso
Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida sentença conforme segue:
«1. Julgo a acção integralmente procedente, por provada e, em consequência:
a) Declaro resolvido, com efeitos retroativos, o contrato de compra e venda celebrado sob condição resolutiva, a 20 de Abril de 2007, entre o Município de Portalegre e a Ré (…), relativo ao lote de terreno destinado à construção, para comércio e indústria, sito na Zona Industrial de Portalegre e identificado pelo número de (…), inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias da Sé e São Lourenço, concelho de Portalegre, sob o artigo (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Portalegre, sob o número …/20050908;
b) Declaro a reversão do prédio identificado na precedente alínea a), passando o mesmo para a propriedade plena do Município de Portalegre, bem como, toda e qualquer benfeitoria nele introduzida, livre de quaisquer ónus ou encargos, condenando a Ré à sua devolução à Autora, completamente desimpedido de pessoas e bens.
2. Julgo os pedidos reconvencionais integralmente improcedentes, por não provados, deles absolvendo a Autora.»

Inconformada, a R apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida. Concluiu a alegação de recurso nos seguintes termos:
«I- A Ré, porque a primeira sentença proferida nos presentes autos, absolveu a Autora do pedido reconvencional, interpôs recurso para este Tribunal, recurso esse que, revogou a decisão recorrida relativamente aos pedidos reconvencionais de condenação da Autora, a devolver o preço pago pelo lote de terreno no montante de € 9.501,60 e, a pagar as quantias de € 4.450,00 e € 5.000,00, a título de benfeitorias e mais valias, determinando o prosseguimento da reconvenção relativamente a tais pedidos.
II- Baixados os autos à primeira instância, em sede de despacho saneador, consignou a Sr.ª Juíza que o objeto do litígio respeita ao apuramento do direito de resolução contratual da Autora e respetivas consequências, alinhavando como temas de prova, as condições da compra e venda do terreno e a satisfação por parte da Ré, ora recorrente, das obrigações assumidas perante a A, recorrida quanto à compra e venda do terreno.
III- Despacho Saneador esse, redutor, relativamente ao pedido reconvencional, não facultando a discussão de toda a factualidade e do direito á Ré, a haver temas de prova ou factos que lhe permitisse discutir o pedido reconvencional, por força do decidido por este Tribunal, o Tribunal da Relação de Évora.
IV- Como assim, a Srª Juíza fez tábua rasa da decisão do Tribunal da Relação de Évora, e decidiu de fundo o pedido reconvencional, não plasmando temas de prova e não facultando às partes, in casu, à recorrente, a discussão de toda a factualidade e do direito, contrariando o disposto no artigo 591.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPC e o acórdão proferido por este Venerando Tribunal.
V- Inconformada, a recorrente, uma vez mais recorreu de tal despacho, e a Srª Juíza não admitiu o recurso – refª n.º 31779937 –, o que determinou que a recorrente reclamasse de tal decisão.
VI- Na verdade, a Srª Juíza não admitiu tal recurso, por no seu entender, ser evidente a falta de objeto.
VII- Ora, tal recurso tinha objeto como se pode verificar dele e da reclamação apresentada.
VIII- É que, o pedido reconvencional enxertado na ação tinha causa de pedir e pedido e havia de ter proporcionado às partes a mais ampla discussão em torno de todas as hipóteses de facto e de direito que eram suscitadas; ao decidir como decidiu, em sede de audiência prévia, decidiu pela improcedência do pedido reconvencional, não facultou às partes a discussão de toda a factualidade e do direito e proferiu decisão contra o que este Tribunal havia decidido.
IX- Não havendo lugar a temas de prova concernentes ao pedido reconvencional, o despacho saneador conhece ou conheceu de fundo a improcedência do pedido reconvencional, desrespeitando decisão deste Tribunal, tendo como tinha objeto o recurso, tendo como tem objeto a reclamação.
X- Mas como o caminho se faz caminhando, o Tribunal amordaçando os direitos da recorrente, decidindo não aceitar o recurso, procedeu ao julgamento, apesar da pendência do recurso e na ocorrência da reclamação e julgou, improcedente a ação.
XI- Na sua fundamentação para a improcedência, uma vez mais, do ponto de vista da recorrente, o Tribunal não julgou no respeito da Lei e dos factos, já que, não teve em consideração que a Câmara Municipal de Portalegre, a recorrida, ao consentir manter a situação – a escritura de compra e venda foi realizada a 20 de Abril de 2007 e a acção deu entrada em juízo a 24 de Julho de 2020 (isto é, 13 anos depois) –, prorrogando prazos e tolerando a situação, na prática atuou ao abrigo do novo regulamento, que como consta dos autos determina a devolução do preço pago e a indemnização ou compensação por benfeitorias realizadas.
XII- Como assim, tal atitude das partes – da recorrente e da recorrida – é o melhor testemunho da vontade delas, em manter a retroatividade da resolução conforme estatui a segunda parte do n.º 1 do artigo 434.º do Código Civil.
XIII- Mais: aquando da celebração do negócio, a cláusula 16 do regulamento, havia de constar da escritura, independentemente de o ter aqui invocado ou não; é que, tal clausula é essencial na determinação da vontade e no esclarecimento dela, não devendo ser remetida para documento à parte, tanto mais que, in casu, a recorrida conforme vem provado, demonstra grandes dificuldades de orientação, fala, compreensão, raciocínio e vocabulário, tinha e tem um défice cognitivo conforme matéria de facto provada nos autos.
XIV- Consequentemente, aquando da celebração do negócio na escritura, foi cometido erro grave e por isso, não faz qualquer sentido, com todo o respeito, o alegado em sede de sentença, na fundamentação, a fls. 11, parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º.
XV- Por último, à data da deliberação da resolução contratual, já estava em vigor novo regulamento, conforme flui dos autos, que obrigava à devolução do preço e ao pagamento de compensações decorrentes de investimentos feitos no prédio, já que, o tempo decorrido e as prorrogações obtidas determinaram que as partes não quiseram manter a retroatividade sem devolução do preço e compensações ou indemnizações por obras realizadas – artigo 434.º, 2ª parte do n.º 1 do Código Civil.
XVI- Assim sendo, elencadas as conclusões, e procedendo elas, deverão V. Exas. fazer justiça, revogando a decisão recorrida.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Em 1.ª Instância, foi deferido o requerimento de interposição do recurso, com menção de que foi julgada improcedente, por decisão transitada em julgado, a reclamação apresentada pela R nos termos do disposto no artigo 643.º do CPC relativamente a recurso anteriormente interposto.

Cumpre apreciar se assiste à Recorrente o direito a obter da Recorrida a restituição do preço pago e a compensação pelos investimentos realizados, resolvido que está o contrato com reversão do imóvel para a Recorrida.

III – Fundamentos
A – Os factos provados em 1.ª Instância
1. Por escritura pública de compra e venda outorgada no Notário Privativo da Autora, em 20 de Abril de 2007, e pelo preço de € 9.700,00 (nove mil e setecentos euros), a Ré adquiriu ao Autor, que lhe vendeu, um lote de terreno destinado à construção, para comércio e indústria, sito na Zona Industrial de Portalegre e identificado pelo n.º de (…), inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias da Sé e São Lourenço, concelho de Portalegre, sob o artigo (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Portalegre, sob o n.º …/20050908, e aí anteriormente registado a favor da Autora, com o valor patrimonial tributário de € 178.070,18, determinado em 2016.
2. Mais acordaram as partes que a Ré dispunha de 180 dias contados da referida data para apresentar o projeto de arquitetura e restantes especialidades, e o prazo de dois anos, a contar da data da aprovação da autorização da urbanização requerida, para concluir as obras de construção.
3. Ficou ainda acordado que o desrespeito destes prazos implicaria a devolução à A. do lote de terreno e de todos os melhoramentos que tivessem sido feitos no mesmo.
4. O acordo foi efetuado nos termos do Regulamento da Venda de Lotes de Terreno para Implantação de Unidades Industriais, Comerciais, e ou Serviços e Equipamentos de Utilização Coletiva da Zona Industrial de Portalegre, publicado no apêndice n.º 46, do DR, n.º 69, II Série, de 8/04/2005, e alteração ao mesmo publicado no apêndice n.º 141, do DR n.º 208, II Série, de 28/10/2005, declarando a Ré que tinha conhecimento do mesmo, obrigando-se ao seu integral cumprimento.
5. O referido Regulamento estabelecia, à data da celebração do referido acordo, no artigo 16.º («o não cumprimento dos prazos e normas estabelecidas no presente Regulamento, salvo motivo de força maior, devidamente justificado e aceite pela Câmara Municipal, determinará a reversão do terreno e todas as benfeitorias nele introduzidas para o município, sem direito a qualquer indemnização» – cfr. artigo 16.º, fls. 292 verso) que, no caso de ocorrer a devolução à A. do lote de terreno, e de todos os melhoramentos que tivessem sido feitos no mesmo, pelo desrespeito dos prazos acordados, que a Ré não tinha direito a qualquer compensação.
6. A Ré não entregou o projeto de arquitetura e de especialidades, nem, tampouco, iniciou as obras de construção.
7. A Ré solicitou à Autora, em 10 de fevereiro de 2009, a prorrogação do prazo para apresentar o projeto.
8. Tendo-lhe sido concedido, para tal efeito, um período adicional de noventa dias.
9. No entanto, findo este prazo e ao contrário do que se propôs, a Ré não entregou o necessário projeto.
10. E tendo sido notificada, pela Autora, para se pronunciar sobre a sua inação, a Ré, a 28 e a 30 de abril de 2011, veio pedir nova prorrogação, invocando dificuldade em obter financiamento e do custo elevado da terraplanagem, esperando em breve poder apresentar o projeto de construção.
11. À data, a Autora, deliberou, por reunião camarária, realizada em 30 de maio 2011, pelo indeferimento do pedido da Ré, e pela obrigação de devolução do lote, tendo notificado a Ré para se pronunciar.
12. A Ré invocou novamente dificuldade em obter financiamento para o projeto.
13. Em reunião do executivo da Câmara Municipal, que teve lugar no dia 14 de maio de 2012, foi deliberado que o acordo de compra e venda referido no ponto 1. foi definitivamente incumprido pela Ré, devendo a mesma proceder à devolução do lote de terreno, com todos os melhoramentos que tivessem sido feitos no mesmo, sem qualquer compensação.
14. Até à presente data, a Ré não entregou o projeto, não concluiu, ou sequer iniciou as obras que se obrigou a fazer.
15. A Ré, com as suas economias e ajudas dos pais, procedeu à terraplanagem do terreno, que lhe custou, a quantia de € 4.450,00.
16. Por exposição apresentada 17/06/2011, a Ré invocou novamente dificuldade em obter financiamento para o projeto, e referiu que não se podia comprometer com datas, esperando poder apresentar o projeto de construção o mais rapidamente possível.
17. Por exposição apresentada a 13/12/2011 a Ré reconheceu que se encontrava em incumprimento para com a A., invocou as dificuldades económicas do país, e solicitou novo prazo.
18. Por exposição apresentada a 8/06/2012, a Ré veio mais uma vez solicitar a concessão de um prazo razoável para poder apresentar o projeto.
19. A 8/09/1987, um relatório médico de exame psicológico de orientação declara que a Ré demonstra grandes dificuldades de orientação, fala, compreensão, raciocínio e vocabulário.
20. A 6/05/2022, um médico do Centro de Saúde de Portalegre declara que a Ré sofre de um défice cognitivo ligeiro, e de um tumor na mama.
21. A mãe da Ré foi submetida, a 28/09/2006, a uma cirurgia por padecer de cancro do endométrio.
Em esclarecimento do ponto 3, afigura-se relevante transcrever o teor do segmento inserto na escritura, como se alcança de fls. 6 verso:
«o não cumprimento dos prazos atrás referidos e das normas estabelecidas no dito regulamento, determinará a reversão do terreno e de todas as benfeitorias nele introduzidas.»

B - O Direito
Assistirá à Recorrente o direito a obter da Recorrida a restituição do preço pago e a compensação pelos investimentos realizados, resolvido que está o contrato com reversão do imóvel para a Recorrida?
Como decorre da sentença proferida em 1.ª Instância, o contrato de compra e venda celebrado entre Recorrente e Recorrida foi resolvido, conforme pretendido pela Recorrida, dada a verificação da condição resolutiva nele acolhida: a Recorrente compradora não promoveu, nos prazos contratualmente fixados, a edificação de construção devidamente licenciada no lote objeto do contrato, o que implicou na resolução do contrato com reversão do lote para a Recorrida.
Consignou-se que a questão da devolução do preço não foi expressamente levada à escritura, onde apenas se alcança a remissão para o Regulamento. Não obstante à data da resolução contratual pela Recorrida estivesse já em vigor outra versão do Regulamento, prevendo a devolução do preço pago em face da reversão, concluiu-se que «o que releva é a versão do regulamento à data da escritura pública, pois foi essa a vontade das partes livremente demonstrada», em consonância com o regime inserto no artigo 276.º do CC, nos termos do qual os efeitos do preenchimento da condição retrotraem-se à data da conclusão do negócio, a não ser que, pela vontade das partes ou pela natureza do ato, hajam de ser reportados a outro momento».[1]
Afigura-se, no entanto, que o disposto no artigo 276.º do CC não é apto a definir qual o regime do direito substantivo, de entre aqueles que se sucederam no tempo, que será aplicável ao caso em apreço. Aquele normativo consagra o princípio geral da retroatividade dos efeitos decorrentes da verificação da condição, equiparando-se aos efeitos retroativos da resolução dos negócios (cfr. artigo 434.º do CC), mas não esclarece se os termos da concreta condição resolutiva há de colher-se num ou noutro, subsequente, regulamento.
Ora, o Regulamento Municipal de Venda de Lotes de Terreno para Implantação de Unidades Industriais, Comerciais, e ou Serviços e Equipamentos de Utilização Coletiva da Zona Industrial de Portalegre publicado no DR, 2.ª série, a 8 de abril de 2005, estabelecia, no artigo 16.º, que o não cumprimento dos prazos e normas estabelecidas no presente Regulamento, salvo motivo de força maior, devidamente justificado e aceite pela Câmara Municipal, determinará a reversão do terreno e todas as benfeitorias nele introduzidas para o município, sem direito a qualquer indemnização.
Era este o Regulamento que estava em vigor à data da celebração do contrato de compra e venda. Da escritura pública consta a menção de que «A venda ora efetuada é feita nos termos do Regulamento de Venda de Lotes de Terreno para Implantação de Unidades Industriais, Comerciais, e ou Serviços e Equipamentos de Utilização Coletiva da Zona Industrial de Portalegre publicado no DR, 2.ª série, a 8 de abril de 2005 (…), declarando a segunda outorgante que tem conhecimento do mesmo, obrigando-se ao seu integral cumprimento.» Mais consta da escritura que «o não cumprimento dos prazos atrás referidos e das normas estabelecidas no dito regulamento, determinará a reversão do terreno e de todas as benfeitorias nele introduzidas.»
Tal Regulamento foi revogado por aquele que foi publicado a 6 de março de 2009. Trata-se do Regulamento n.º 112/2009 denominado Regulamento de Venda de Lotes de Terreno para Implantação de Instalações Industriais, Comerciais e ou Serviços e Equipamentos de Utilização Coletiva da Zona Industrial de Portalegre publicado no DR 2.ª série - N.º 46 - 6 de março de 2009, que contém as seguintes disposições:
Artigo 12.º (Reversão dos lotes)
1 - O não cumprimento dos prazos e normas estabelecidos no presente regulamento, salvo motivo de força maior, devidamente justificado e aceite pela Câmara Municipal, determinará a reversão do terreno e todas as benfeitorias nele introduzidas para o Município, com direito a indemnização do valor pago pelo lote de terreno.
(…)
Artigo 27.º (Norma revogatória)
O presente Regulamento revoga todos os anteriores, aplicáveis à venda de Lotes de terreno para implantação de Instalações Industriais, Comerciais e ou Serviços e Equipamentos de Utilização Coletiva da Zona Industrial de Portalegre e prevalece sobre quaisquer normas municipais que o contrariem e aqui não sejam expressamente revogadas.
Uma vez que a deliberação camarária no sentido da reversão do lote de terreno, por incumprimento da Recorrente, teve lugar a 14 de maio de 2012, coloca-se a questão de saber se a cláusula resolutiva, respetiva verificação e efeitos, consiste na plasmada no artigo 16.º do Regulamento publicado em 2005 (que foi revogado por aquele que lhe sucedeu), ou naquela que consta do artigo 12.º do Regulamento n.º 112/2009.
O princípio geral da aplicação das leis no tempo encontra-se estabelecido no artigo 12.º do CC, com a seguinte redação:
1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
Ora, em princípio, as leis só se aplicam para futuro, não têm aplicação retroativa. Dispondo sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, têm aplicação, em caso de dúvida, apenas aos factos novos. A regulamentação nova reportar-se-á às relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor quando disponham diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem.[2]
Está em causa o incumprimento contratual da Recorrente decorrente de factos (melhor dizendo, omissões) reportados a período temporal da vigência no novo Regulamento, ou seja, a partir de 10 de maio de 2009 – cfr. n.ºs 6 a 9 dos factos provados. A verificação da cláusula resolutiva foi apreciada em reunião camarária de 14 de maio de 2012, nela se deliberando pelo exercício do direito contratual de reversão do lote de terreno, considerando definitivamente incumprido o contrato pela Recorrente.
Decorre do exposto que é à luz do Regulamento publicado em março de 2009 que deve valorar-se a conduta da Recorrente e, bem assim, a verificação da cláusula resolutiva e respetivos efeitos.
Por conseguinte, a reversão do lote de terreno em favor da Recorrida, em decorrência da resolução do contrato, tem lugar mediante o direito a indemnização do valor que foi pago por ele – cfr. artigo 12.º do citado Regulamento.
O que sempre se afigura consentâneo com o regime da resolução.
Na verdade, nos termos do disposto nos artigos 433.º e 434.º do CC, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, o que vale por dizer que tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (artigo 289.º, n.º 1, do CC).
Assiste, assim, à Recorrente o direito a haver da Recorrida a restituição do valor pago pelo lote de terreno, no montante de € 9.501,60.
Mas peticionou a Recorrente o pagamento de € 4.450,00 e € 5.000,00 a título de benfeitorias e mais valias.
Resultou provado que procedeu à terraplanagem do terreno, que lhe custou, a quantia de € 4.450,00.
Uma vez que as partes nada acordaram quanto a benfeitorias ou mais valias em caso de resolução do contrato, impõe-se aplicar o regime decorrente do artigo 1273.º do CC, por força do artigo 289.º, n.º 3, do CC, este por força do artigo 433.º do CC.
Afigura-se que a terraplanagem num lote de terreno para construção configura uma benfeitoria útil, despesa que, não sendo indispensável à conservação do lote de terreno, lhe aumenta, todavia, o valor – cfr. artigo 261.º, n.º 3, do CC. As benfeitorias úteis realizadas concedem o direito ao levantamento delas, desde que tal possa ser feito sem detrimento da coisa a restituir – cfr. artigo 1273.º, n.º 1, do CC. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa – artigo 1273.º, n.º 2, do CC.
Ora, a terraplanagem não pode ser retirada do lote de terreno. Não há lugar ao levantamento da benfeitoria. Mas como tal circunstância não decorre da imposição de evitar o detrimento do lote de terreno, não assiste à Recorrente o direito a obter o valor da benfeitoria.
Procede, assim, o recurso parcialmente, no que respeita à restituição do valor pago pelo lote de terreno, no montante de € 9.501,60.

Custas pelo Recorrido, na vertente das custas de parte e na proporção do decaimento (artigo 527.º, n.º 1, do CPC), estando a Recorrente dispensada do pagamento de custas por força do beneficio do apoio judiciário.


IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela parcial procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida na parte em que absolveu o Recorrido do pedido reconvencional de restituição do valor pago pelo lote de terreno, no montante de € 9.501,60 (nove mil e quinhentos e um euros e sessenta cêntimos), condenando o Recorrido a pagar tal quantia à Recorrente.

Custas pelo Recorrido, na vertente das custas de parte e na proporção do decaimento.
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Évora, 30 de março de 2023
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Ana Margarida Leite

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[1] Cfr. fls. 11 e 12 da sentença.
[2] Para melhor enquadramento, designadamente a partir dos exemplos ali citados, cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 4.ª edição, pág. 61.