Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1377/13.3TBSSB.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: LOCATÁRIO
TRANSMISSÃO DO ARRENDAMENTO
Data do Acordão: 01/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
O locatário a que se refere o art.º 1056.º, Cód. Civil é um daqueles a quem a lei reconhece tal qualidade, o que pode acontecer por força da transmissão do direito ao arrendamento nos termos do art.º 57.º da Lei 6/2006.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora

A e B propuseram a presente acção contra C e D, formulando os seguintes pedidos:
a) a reconhecer os Autores como legítimos proprietários da fração autónoma que identificam;
b) a restituir aos Autores o imóvel acima identificado que ocupam, entregando-o livre de pessoas e bens;
c) a pagar aos Autores, solidariamente, a título de indemnização pelos danos causados com a sua conduta, o valor correspondente às rendas que estiveram impossibilitados de obter
Invocam que os RR estão na sua posse sem título válido, atendendo a que o titular do contrato de arrendamento e respetivo cônjuge já faleceram.
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Os RR contestaram invocando as excepões de caducidade do direito de os AA. os accionarem judicialmente bem como a da renovação do contrato de arrendamento.
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No despacho saneador, proferido em audiência prévia, foram julgados procedentes os dois pedidos apresentados em primeiro lugar (reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel e sua restituição aos AA.).
Relegou-se para julgamento o problema da indemnização.
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É deste despacho que os RR. recorrem concluindo a sua alegação, no essencial, nestes termos: foram violadas as disposições legais dos artigos 57.º da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro; os artigos 1056.º e 1054.º do Cód. Civil. Deve a sentença recorrida deverá ser substituída por outra decisão que promova a procedência da invocada excepção de caducidade do direito à acção por bando dos AA e legitime a ocupação do locado pelos RR a título de arrendamento.
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Os AA. contra-alegaram defendendo a manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos.
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Os factos que o tribunal considerou provados são estes:
1) - O Autores são donos e legítimos proprietários da fração autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao primeiro andar direito, destinado exclusivamente a habitação, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 705 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 2010.
2) - Aquando da aquisição pelos Autores da identificada fração, já esta se encontrava arrendada por contrato de arrendamento celebrado em 20-12-1976.
3) – O arrendatário era o Senhor E, que veio a falecer no dia 29 de Janeiro de 1999.
4) – Por morte daquele arrendatário, o direito ao arrendamento da fração foi transmitido para a sua mulher, F.
5) – A qual faleceu em 28 de Maio de 2010.
6) – Os RR residem, dormem, tomam as suas refeições, recebem os seus amigos e fazem a sua vida a partir daquela habitação.
7) - A R. C é filha do primitivo arrendatário e o R. D é seu neto.
8) - A R. C tem 66 anos de idade.
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Os recorrentes defendem o seguinte:
Houve erro do julgador ao ser considerada a perda de autonomia da excepção de caducidade invocada, face à subsunção desta excepção na outra excepção da renovação do contrato de arrendamento, já que dos factos provados sob 3, 4, 5 e 6 retira-se que desde a data de 28 de Maio de 2010 até ao presenta os RR. residem, dormem, tomam as suas refeições, recebem os seus familiares e fazem a sua vida a partir daquela habitação, pelo que, a decisão do tribunal a quo é nula nos termos da alínea d) do artigo 615.º do CPC.
Os AA. interpelaram os RR para abandonarem o locado, apenas em 07 de Março de 2013 (doc. 6 a fls 22).
Caso fossem avaliados os factos constantes da sentença e o teor do documentos juntos nos autos (não impugnados), sempre o tribunal a quo teria que proceder à declaração de perda do direito dos AA de accionarem os RR., o que não foi sentenciado.
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Cremos que o tribunal fez bem em não considerar a excepção de caducidade.
O que os RR. invocaram na contestação, para fundamentar esta figura, foi que os AA, após o falecimento da inquilina Fernanda Cordeiro, e sabendo que os RR. permaneceram a habitar o locado até à presente data, tinham o prazo de um ano (artigo 1085.º Código Civil) para vir a juízo promover a extinção do vínculo de arrendamento.
Mas os AA. não vieram pedir ao tribunal que lhes reconhecesse o direito de resolver o contrato de arrendamento; o que eles entenderam foi que não existe contrato de arrendamento que permita aos RR. ocuparem o imóvel e, por isso, propuseram uma acção de reivindicação.
O citado preceito legal refere-se tão-só ao direito de resolver o contrato e não é isso que está aqui em questão.
Não estando em crise o direito de propriedade dos AA. sobre o imóvel, a sua restituição apenas poderia ser ordenada nos termos do art.º 1311.º, n.º 2, Cód. Civil, ou seja nos casos previstos na lei. Um destes casos, como se escreve na sentença, é o da ocupação lícita, isto é, fundada num título que seja oponível ao proprietário.
Por isso, a aplicação do art.º 1085.º não tinha aqui qualquer cabimento.
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Resulta do exposto que o tribunal recorrido não incorreu em omissão de pronúncia; o que aconteceu é que, perante uma acção de reivindicação, os RR. não demostraram qualquer título que legitimasse a sua ocupação do imóvel.
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Em relação à segunda questão (a renovação do contrato de arrendamento) os recorrentes entendem que que por morte do primitivo do arrendatário ocorreu a transmissão para a mãe da Ré, na qualidade de cônjuge daquele, do contrato de arrendamento do prédio em causa nos autos, e, por conseguinte pelo decurso do tempo e pagamento da renda existe uma situação de detenção legítima do locado por parte da Ré, com referência à transmissão do arrendamento porque vivia há mais de um ano (art.º 57.º da Lei 6/2006, de 27/02).
Dispõe o este preceito legal:
«1 - O arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário quando lhe sobreviva:
a) Cônjuge com residência no locado;
b) Pessoa que com ele vivesse em união de facto há mais de dois anos, com residência no locado há mais de um ano;
c) Ascendente em 1.º grau que com ele convivesse há mais de um ano;
d) Filho ou enteado com menos de 1 ano de idade ou que com ele convivesse há mais de 1 ano e seja menor de idade ou, tendo idade inferior a 26 anos, frequente o 11.º ou o 12.º ano de escolaridade ou estabelecimento de ensino médio ou superior;
e) Filho ou enteado, que com ele convivesse há mais de um ano, com deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%.»
As três primeiras alíneas não se aplicam ao caso como é evidente face ao facto de a R. ser descendente do primitivo arrendatário.
Assim, restam as duas últimas alíneas mas a situação dos autos não se enquadra em nenhuma delas.
Com efeito, a R. não é filha do primitivo arrendatário com menos de um ano de idade, seja ao óbito dele, seja ao óbito do seu cônjuge (mãe da R.) uma vez que tem, agora, 66 anos de idade.
Por outro lado, e aceitando que há mais de uma ano a R. vivia com os seus pais (o que os RR. alegam na sua contestação), o certo é que nada se diz quanto a qualquer deficiência de que a R. seja portadora e que esta deficiência implique uma incapacidade superior a 60%.
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Os recorrentes defendem que sempre se teria que considerar que houve uma renovação do arrendamento nos termos do artigo 1056.º do CC já que a Ré ocupou o locado pelo lapso de um ano, «dando de barato», que houve caducidade do arrendamento com o óbito de sua mãe, ocorrido a 28 de Maio de 2010.
Isto seria assim se a R. fosse ou pudesse ser locatária por força da transmissão no direito do arrendamento; isto é, o locatário a que se refere o art.º 1056.º é um daqueles a quem a lei reconhece tal qualidade. Dito ainda de outra forma, só uma pessoa com as características descritas no n.º 1 do art.º 57.º pode suceder no arrendamento e, morando no locado por um período superior a um ano após a caducidade do arrendamento, o contrato renova-se. Se se tratar de uma pessoa que não se enquadra em nenhuma das previsões legais, a renovação não opera, não obstante a residência superior a um ano.
A convivência em comum, desacompanhada das demais circunstâncias, é irrelevante para os efeitos do art.º 57.º citado.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pelos recorrentes.
Évora, 21 de Janeiro de 2016

Paulo Amaral


Rosa Barroso


Francisco Matos