Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3650/16.0T8LLE.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: VALOR DA CAUSA
INTERESSE IMATERIAL
Data do Acordão: 10/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O facto de as partes poderem estar de acordo relativamente ao valor da causa, não impõe ao julgador a aceitação desse valor.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 3650/16.0T8LLE.E1 (2ª Secção Cível)

ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


Na ação especial declarativa de exoneração do administrador do condomínio de edifício constituído em regime de propriedade horizontal, a correr termos no Tribunal da Comarca de Faro (Juízo Local Cível de Loulé – J2) que (…) intentou contra (…) - Administração de Condomínios, Lda., foi peticionado o seguinte:
"Nestes termos e melhores de direito devem ser julgados provados ou admitidos os factos alegados, procedente a ação por violação das normas apontadas e condenar à exoneração a sociedade administradora (…) – Administração de Condomínios, Lda. do condomínio, por não respeitar a Lei e o Regulamento, assim como o próprio Autor.
Condenando-se ainda a Ré em custas e tudo o mais que de lei for."
Como sustentáculo do peticionado, alegou, em síntese, o autor, que a ré não colabora consigo, praticando irregularidades e ilegalidades e não aceita as suas recomendações, reparos e rogos, nem lhe responde aos pedidos de informação dirigidos por cartas que identifica. Acresce que, a ré convoca reuniões da assembleia ordinária em data não coincidente com a primeira quinzena de Janeiro de cada ano civil; que as votações dos condóminos nas assembleias gerais violam o disposto nos artigos 1430.º e 1431.º e 1432.º, do Código Civil, bem como os artigos 15.º e 16.º do Regulamento do Condomínio e que a ré, enquanto administradora, permite que os condóminos deliberem sobre assuntos que não se encontram indicados na ordem de trabalhos das respetivas convocatórias. A ré não tem resolvido "o facto de as moscas entrarem pelas condutas da ventilação ( ... ) parte comum do condomínio, e por esta razão o autor insistentemente ter pedido à administração do condomínio que resolvesse o problema, mas esta contínua na mesma, nada foi feito até hoje, para acabar com melindrosa situação".
O autor indicou o valor da ação, atribuindo-lhe o valor de € 5.000,01.
A Ré contestou a ação, quer por exceção, quer por impugnação, mas não se pronunciou quanto ao valor da ação.
Por despacho de 09/03/2017 o Juiz fixou o valor da causa em € 30 000,01.
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Por não se conformar com este despacho, dele interpôs recurso o autor, terminando nas suas alegações por formular as seguintes conclusões, que se descrevem:
a) O Autor, ora recorrente e alegante, instaurou, por indicação do Tribunal, uma acção de jurisdição voluntária, onde pedia a exoneração da administração do condomínio, pelos factos concretos que alegou;
b) E, deu à acção o valor de 5.000,01€, que mereceu o acordo tácito da Ré (…), mas o Mm. Juiz a quo, oficiosamente, veio alterar o valor, por no seu entender estar em causa interesses imateriais e, por isso, ter de se aplicar o nº 1 do artigo 303º do CPC, o que parece ser descabido;
c) O Autor, não concordou com esta decisão, assim como já o tinha manifestado na sua audição e veio impetrar o competente recurso, que julga ter direito, nos termos da parte final do nº 1 e al. h) do nº 2 do artigo 644º do CPC, por força da al. b) do nº 2 do artigo 629º do mesmo diploma, uma vez que no seu entender se trata de incidente autónomo e a consequência do mesmo tornava, absolutamente, inútil o recurso, em virtude da alteração, obedecer a maiores preparos e custas;
d) Na verdade, não se trata de interesses imateriais, mas ao incumprimento que prejudicou o condómino autor, na medida em que demonstrou na petição;
e) Assim, levou em consideração o que a Ré aceitou tacitamente o valor oferecido na petição, fez-se errada interpretação do artigo 303º do CPC, face à atitude das partes e ao que determina o artigo 305º do mesmo diploma.
Cumpre apreciar e decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.
Tendo por alicerce as conclusões, a questão a apreciar consiste em saber se o valor fixado à causa pelo juiz se mostra ser o adequado.

Os factos a ter em conta para apreciação da questão são os elencados, supra, no relatório, que nos dispensamos de reproduzir de novo.

Conhecendo da questão
Pretende o autor que o valor atribuído por si à ação, não posto em causa pela ré, seja o valor a atender pelo Julgador.
Ao contrário do que parece sustentar o recorrente, o facto de as partes poderem estar de acordo relativamente ao valor da causa, não impõe ao julgador a aceitação desse valor.
Embora impenda sobre as partes a indicação do valor e mesmo estando estas de acordo quanto ao mesmo, o valor acordado não vincula o juiz, dado que a lei atribui competência a este para a fixação do mesmo (cfr. artº 306º n.º 1 do CPC), pelo que “nunca fica dispensado de examinar a objetividade decorrente do acordo das partes, expresso ou tácito”, podendo até “ordenar as diligências probatórias que sejam necessárias” (v. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in Código Processo Civil Anotado, vol. 1º, 3ª edição, 601; Ac. do STJ de 04/03/2004 no processo 03B3646, disponível em www.dgsi.pt).
Estamos assim com o Julgador “a quo” quando afirma:
Atenta a causa de pedir, é manifesto que na situação dos autos o autor defende interesses imateriais.
Por interesses imateriais entende-se as "relações jurídicas que não têm real expressão pecuniária" - cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, acórdão n.º 0064937 de 3 de julho de 2001, disponível em http://vlex.com/- cujas ações "não têm valor pecuniário, isto é, que se destinam à declaração ou efetivação dum direito extra­patrimonial" - cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 003428, de 20 de maio de 1992 - "que envolvem valores ético-sociais, insuscetíveis de serem reduzidos a mera expressão pecuniária" - cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa n.º 0072994, de 3 de junho de 1992, todos citados no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 8 de novembro de 2012, disponível em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/.
Na situação dos autos, conforme se consignou, pretende o Autor a destituição da atual sociedade administradora do condomínio do edifício (...), pelo que tal interesse não é passível de tradução patrimonial ou pecuniária. Desde logo, apena está em causa o exercício da administração e o modo como tal administração tem sido exercida, independente de quaisquer reflexos económicos na esfera jurídica do Autor, que este nem sequer alega.
Assim, o valor de cinco mil euros e um cêntimo, correspondendo à alçada da primeira instância acrescida de um cêntimo, não corresponde a qualquer interesse económico do Autor, nem corresponde ao critério legal que resulta expresso no artigo 303.º, n.º 1, do Código de Processo Civil
Dispõe este normativo que as ações que versem sobre interesses imateriais o valor a considerar é sempre o valor equivalente à alçada da Relação e mais € 0,01, e não qualquer outro valor nomeadamente o atribuído pelo autor que é o equivalente à alçada da 1ª instância acrescida de um cêntimo.
Assim o valor adequado para a presente causa, tendo em conta o disposto no artº 44.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto – Lei da Organização do Sistema Judiciário – é o valor de € 30.000,01, tal como foi reconhecido e fixado pelo Julgador “a quo”.
Não merece, por tal, o despacho recorrido a censura que lhe é apontada pelo recorrente.
Irrelevam as alegações, sendo de julgar improcedente o recurso.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.
Custas pelo apelante.

Évora, 12 de Outubro de 2017
Maria da Conceição Ferreira
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Mário António Mendes Serrano