Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
8632/15.6T8STB-A.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: DESPESAS DE CONDOMÍNIO
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 06/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Tratando-se de prestações destinadas a custear despesas habituais originadas pela utilização de serviços ou pelo consumo de bens necessários a assegurar a funcionalidade normal do condomínio, seria injusto fazê-las recair sobre o adquirente da fracção.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 8632/15.6T8STB-A.E1 (2ª Secção Cível)


ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


Na ação executiva a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (Juízo de Execução de Setúbal - Juiz 1), instaurada por Condomínio Sito na Urbanização da Quinta do (…), Lote 5, contra (…) – Compra e Venda de Imóveis, Unipessoal, Lda., veio esta, por apenso, apresentar embargos de executado, invocando a prescrição dos alegados créditos anteriores a abril de 2012, a invalidade do título executivo (ata assembleia de condóminos), a invalidade do aumento da quota mensal de condomínio porquanto não se serve das escadas nem do elevador, a invalidade da ata nº 13, a intempestividade da remessa aos condóminos, no caso à embargante, da ata nº 11.
A exequente/embargada veio contestar, concluindo pela improcedência dos embargos.
Por requerimento de 30/11/2015 a exequente/embargada veio “reduzir o pedido às quantias devidas a partir de Janeiro de 2013”.
Em sede de saneamento do processo foi proferida sentença pela qual se julgou parcialmente procedente a ação de embargos e se decidiu “declarar prescritas as quotas mensais de condomínio anteriores a janeiro de 2013, devendo a execução prosseguir pelo para pagamento do valor de 9.477,02 euros acrescidos dos juros de mora legais/civis, a 4% ao ano, a contar da data de vencimento de cada uma das prestações ao dia 8 do mês a que respeitam.
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Inconformada com esta sentença, interpôs a executada, o presente recurso de apelação, terminando nas respetivas alegações, por formular as seguintes conclusões que se transcrevem:
1. Ao contrário do entendido na douta sentença posta em crise, as despesas condominiais ordinárias não tem a característica de ambulatoriedade, porque destinadas a custear despesas habituais originadas pela utilização de serviços ou pelo consumo de bens necessários a assegurar a funcionalidade normal do condomínio.
2. Ao decidir em sentido contrário violou a Sentença Recorrida o Artigo 1421.º do C.C.
Acresce que,
3. Ao contrário do que sustenta a douta Sentença de que se recorre, a obrigação não é líquida e exigível na medida em que, no requerimento executivo, não se faz qualquer menção ao prazo de vencimento da dívidas, que aliás varia consoante a quota condominial em causa,
4. E nessa medida o requerimento executivo é inepto – Artigo 724.º / 1.º do CPC,
5. Ao decidir em sentido contrário, violou a douta sentença recorrida o citado normativo legal.
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Cumpre apreciar e decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.
Tendo por alicerce as conclusões, a questão essencial que importa apreciar consiste em saber se a recorrente é responsável pelo pagamento das contribuições solicitadas pelo condomínio do prédio em causa, mesmo aquelas que já estavam em dívida à data em que aquela adquiriu a fração.

Na 1ª instância teve-se por relevante a seguinte matéria de facto:
1. Teor literal do requerimento inicial executivo que se dá por integralmente reproduzido;
2. Teor da ata nº 11 de assembleia de condóminos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
3. Teor da ata nº 13 de assembleia de condóminos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
4. A executada/embargante foi proprietária da fração letra “A” a partir de abril de 2014;
5. O sócio-gerente da embargante/executada era o mesmo que da anterior proprietária da fração “A”;
6. A embargante/executada recebeu a ata de 20.04.2015., após 30 dias da mesma se ter realizado, sendo que dia 19.04.2015. foi domingo;
7. O acesso para a fração “A” pode ser feito do parqueamento na cave, através de escadas e elevador;
8. Teor da assembleia de condóminos de 23.01.2014.

Conhecendo da questão
A matéria de facto dada como provada não foi impugnada. Assim, conforme resulta provado no ponto 4. “A executada/ embargante foi proprietária da fração letra “A”, a partir de Abril de 2014”.
Também resulta provada no ponto 7 “O acesso para a fração “A” pode ser feito do parqueamento na cave, através de escadas e elevador”.
Também resulta do título executivo que a prestação mensal relativamente à fração “A” é de € 443,70.
No requerimento inicial executivo faz-se menção a quotas anteriores e posteriores a Janeiro de 2013, sendo que o valor das anteriores são no montante global de € 6.020,56 e as posteriores a Janeiro de 2013 são na quantia total de € 9.477,02.
Na sentença proferida na 1ª instância, atenta a venda da fração, considerou-se que a obrigação de pagamento das quotas de condomínio atrasadas, transmite-se “com transferência e com o direito real de propriedade, no caso sobre a fração autónoma letra A.”
Entendemos não ser de seguir tal entendimento. Pois, entendemos que relativamente ao pagamento das quotas em atraso, à data da transmissão da fração para a atual proprietária, esse pagamento pertence ao anterior proprietário.
No caso dos presentes autos a executada/embargante só é responsável pelo pagamento das quotas a partir da data em que se tornou proprietária da fração em causa, ou seja desde Abril de 2014.
Efectivamente, conforme foi decidido no acórdão do TRP de 06-04-2006, no proc. 0631840, disponível in www.dgsi.pt., que iremos seguir de perto, por reconhecermos ser correto o entendimento, a obrigação de um condómino de contribuir para as despesas com os encargos do condomínio, estabelecida no nº1 do artº 1424º do Código Civil, é uma típica de obrigação “propter rem”, não de uma relação creditória autónoma, mas do estatuto do condomínio – neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, em anotação ao citado artº 1424º.
Conforme nos dá conta Henrique Mesquita In “Obrigações Reais e Ónus Reais, 1990, 316”, existe uma “communis opinio” no sentido de que a obrigação “propter rem” se transmite sempre para o sub-adquirente do direito real a cujo estatuto se sente geneticamente ligado”
Mas o dito autor, na mesma obra, nas páginas seguintes, põe em crise esta ideia, pois considera que esta ambulatoriedade não é uma característica de todas as obrigações “propter rem”.
Entende que se há obrigações em que a ambulatoriedade se impõe, outras existem, pelo contrário, que devem considerar-se intransmissíveis, por ser essa a solução que melhor se harmoniza com os vários interesses a que importa conferir tutela adequada.
Um dos casos que considera ser a obrigação intransmissível ou não ambulatória é precisamente o do alienante de uma fração autónoma de um prédio deixar várias prestações relativas a despesas do condomínio em atraso.
Diz o referido mestre que tratando-se de prestações destinadas a custear despesas habituais originadas pela utilização de serviços ou pelo consumo de bens necessários a assegurar a funcionalidade normal do condomínio, seria injusto fazê-las recair sobre o adquirente da fração.
Tais prestações representam, em regra, na economia do instituto, a contrapartida de um uso ou fruição (das partes comuns do edifício) que couberam ao alienante e, por conseguinte, só a este deve competir o respetivo pagamento.
A mesma solução foi seguida por Aragão Seia in Propriedade Horizontal, 2ª ed. 125 e pelo Ac. da Relação de Lisboa de 04-12-2004, in C.J. Tomo V, 118 bem como pelo Ac. da Relação do Porto de 07-07-2016, no proc. 5741/13.0YYPRT-A.P1.
Assim, no caso dos presentes autos, e tendo em conta que a executada/embargante adquiriu a fração em questão em abril de 2014, a mesma só pode ser responsável pelo pagamento das respetivas quotas a partir dessa data, não lhe podendo ser imputadas dívidas de quotas anteriores a essa data.
Nestes termos, a executada/embargante não pode ser responsável pelo pagamento das quotas anteriores a abril de 2014. Assim, sendo a quota mensal de € 443,70 (conforme resulta do titulo executivo), a executada/embargante está em dívida com 11 prestações, a que corresponde o montante de € 4.880,70.

A executada/embargante, veio nas suas conclusões alegar que o requerimento executivo era inepto.
No entanto, a executada/embargante no seu articulado de oposição não invocou tal realidade, pelo que suscitada, agora em sede de alegações, traz a recorrente questão nova de que este tribunal não se pode ocupar.
Com efeito, é entendimento unânime na jurisprudência que o objeto do recurso é a decisão, ou seja, os recursos visam modificar decisões e não criar soluções sobre matéria nova, não sendo licito às partes invocar nos recursos questões que não tenham suscitado perante o tribunal recorrido (cfr, nesse sentido, entre outros, os Acs. do STJ de 6/2/87, 12/6/91, 2/4/92, 3/11/92, 7/1/93 16/1/2002 in, respetivamente, BMJ 364º, 719, BMJ 408º, 521, BMJ 416º, 642, BMJ 421º, 400, 423º, 540 e na Rev. nº 3247/01, 4ª sec, Sumários, 57).
Na doutrina é também este o entendimento, conforme resulta da lição de Castro Mendes, in Recursos, 1980, 27 e, Armindo Ribeiro Mendes, in Recursos em Processo Civil, 1992, 140 e 175.
Assim, temos que os recursos visam o reestudo por um tribunal superior de questões já vistas e resolvidas pelo Tribunal “a quo” e não a pronúncia pelo Tribunal “ad quem” sobre questões novas.
Assim, pelas razões acima expostas, é vedado a este tribunal conhecer desta questão, uma vez que se trata de matéria que não foi suscitada pela recorrente no tribunal recorrido, sendo certo que esta o podia ter feito expressamente quando da apresentação da sua oposição nos presentes autos, o que não fez.
Nestes termos relevam, em parte, as conclusões da apelante, sendo de julgar parcialmente procedente o recurso e, nessa medida, modificar a decisão recorrida.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida na parte em que ordenou o prosseguimento da execução para pagamento do valor de € 9.477,02, fixando-se este, apenas, no montante € 4.880,70, acrescida dos respetivos juros legais.
Custas por apelante a apelada na proporção do decaimento.

Évora, 07 de Junho de 2018

Maria da Conceição Ferreira

Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura

Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes