Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2351/18.9T9STB.E1
Relator: FERNANDO PINA
Descritores: CUSTAS
APOIO JUDICIÁRIO
Data do Acordão: 02/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - O artigo 19º, nº 1, do Regulamento das Custas Judiciais, não contempla o pagamento do custo da transcrição dos depoimentos prestados em julgamento, quando prevê que: “a parte beneficie de isenção de custas ou de apoio judiciário, os encargos são sempre adiantados pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, I. P., sem prejuízo de reembolso”, pois nos encargos considerados como susceptíveis de adiantamento pelo Estado, a que se refere a título de exemplo, o artigo 16º, do RCJ, não considera as despesas referentes à transcrição.

2 - Os artºs 376º, nº 4, 513º, nº 1, e 514º, nº 1, do C.P.P., obrigam o juiz a tomar posição na sentença sobre a responsabilidade do arguido pelas custas do processo, em caso de condenação.

3 - A concessão do apoio judiciário, na modalidade constante do artigo 16º, nº 1, alínea a), da Lei nº 34/2004, em nada altera esse dever legal quanto à decisão sobre a responsabilidade do arguido em matéria de custas, porque os beneficiários do apoio judiciário não gozam de isenção de custas, mas apenas a “dispensa, total ou parcial, do pagamento de custas”, nos termos do citado artigo 16º, nº 1, al. a), da Lei nº 34/2004.

4 - A mesma decisão deve também fazer menção ao apoio judiciário concedido, sendo que, contudo, tal menção não é imposta por lei e é inócua a sua falta, não prejudicando o arguido de qualquer forma, mantendo-se na sua plenitude de efeitos o benefício do apoio judiciário concedido para todos os actos do processo.
Decisão Texto Integral:



ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:



I. RELATÓRIO


A –
Nos presentes autos de Processo Comum Singular, que com o nº 2351/18.9T9STB, correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo Local Criminal de Setúbal – Juiz 1, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido:
- (...).
Imputando-lhe a prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº 1, alíneas d) e e), por referência ao artigo 255º, alínea a), do Código Penal.

O arguido (...) apresentou contestação e requereu diligências probatórias.

Realizado o julgamento, veio a ser proferida pertinente sentença, na qual se decidiu:
a) Condenar o arguido (...) pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº 1, alínea d) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
b) Suspender a execução da pena de prisão aplicada, pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, com regime de prova, assente num plano de reinserção social, a elaborar e executar pela DGRSP. (cf. artigo 50º, nº 1 e nº 5 e 53º, nº, 3 do Código Penal).
c) Condenar o arguido a pagar as custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UCs.

Inconformado com esta sentença condenatória, o arguido (...), da mesma pretendeu interpôr recurso.
Tendo em 29-06-2020 efectuado um requerimento nos autos, alegando a sua impossibilidade pessoal, enquanto Defensor do arguido, de proceder à transcrição dos segmentos da prova produzida que considera necessários à instrução do recurso que iria interpor, sendo necessária a intervenção de uma empresa especializada, solicitando o pagamento do trabalho da mesma, através do IGFEJ, ao abrigo do disposto no artigo 19º, do Regulamento das Custas Judiciais.
Por despacho judicial da mesma data, foi indeferido ao requerido com fundamento no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 405/04, de 02-06-2004 e, face à alegada impossibilidade pessoal do Defensor, se pretendia ser dispensado do patrocínio, nos termos do artigo 66º, nº 2, do Código de Processo Penal.

Deste despacho o arguido (...), veio a interpôr recurso, extraindo das respectivas motivações as seguintes (transcritas) conclusões:
I – O arguido, no seu requerimento com a referência citius 5166229, de 29/06/2020, requereu, com fundamento no art. 19.º do Regulamento de Custas Processuais (RCP), o adiantamento da quantia de 338,99 euros IVA já incluído, para transcrição das partes que considera relevantes para impugnação da matéria de facto no recurso da sentença final.
II – Invocou, em seu socorro, o apoio judiciário já concedido.
III – O tribunal indeferiu a pretensão com considerações laterais, sem se fixar no cerne do pedido e sem fundamentar com norma jurídica expressa esse indeferimento.
IV – Entende, o recorrente, que esse despacho sob censura está, assim, ferido da nulidade do art. 379.º, n.º 1, al. a), por referência ao art. 374.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal.
V – Um arguido economicamente capaz paga, sempre, a transcrição das partes da audiência que o seu advogado reputa de essenciais para recurso sobre a matéria de facto.
VI – É, portanto, um encargo do cliente.
VII – Logo, se o arguido é pobre e beneficia ipso facto de apoio judiciário que cobre todos os encargos com o processo, como é o caso dos autos, a transcrição das partes da audiência que o seu advogado reputa de essenciais para recurso sobre a matéria de facto, é custo que deve ser suportado pelo IGFEJ.
VIII – E, por consequência, nos termos do art. 19.º do RCP, com base em orçamento (apresentado nos autos), deve o tribunal aceitar fazer o adiantamento através do IGFEJ.
IX – Na decisão recorrida diz-se que não é preciso transcrever a totalidade para cumprir o art. 412.º do CPP. De acordo. Mas há obrigação de transcrever as partes em que se funda a discordância, como dizem os acórdãos:
 do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2012 - Publicação: Diário da República n.º 77/2012, Série I de 2012-04-18 - Páginas:2068 - 2099
 do Tribunal da Relação de Évora, Processo: 31/14.3GBFTR.E1
 do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo: 1128/16.0PBGMR.G1
Cujos sumários nos escusamos, por economia, de voltar a citar (constam das alegações, do DR e de www.dgsi.pt)
X – Ao negar um direito que cabe nos encargos do pleito, e que o juiz sabe que é essencial para o recurso da matéria de facto de uma decisão sua, face aos arguidos economicamente autónomos, este despacho está a violar o princípio constitucional da igualdade, do art. 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), ao não conceder os mesmos meios de defesa.
Mais,
XI – Tal despacho que indefere o pedido de adiantamento de verba para transcrição, é ainda inconstitucional porque também viola:
 o art. 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) por não assegurar todos os direitos do arguido economicamente débil;
 O art. 32.º, n.º 1, da CRP por não assegurar “(…) todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”, pois o pedido negado era para a elaboração do recurso.
 O art. 6.º, n.º 3, b) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
 E os arts. 20.º, 47.º e 48.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (2000/C 364/01), 18-12-2000 Jornal Oficial das Comunidades Europeias C 364/1.
XII – As normas, supra, citadas são os pilares do Estado de Direito Democrático que tem o indeclinável dever de suprimir as diferenças para que todos os cidadãos concorram, em qualquer circunstância, em igualdade de condições, mesmo quando se estão a defender em juízo, e o despacho recorrido desrespeitou-as.
XIII – O despacho sob escrutínio violou, também, o disposto nos arts. 19.º, n.º 1, e 20.º, n.º 2, ambos do RCP, pois a transcrição dos excertos da audiência, para recurso, sendo um encargo que o arguido deve suportar, será sempre o IGFEJ a adiantar e a pagar, quando se trata de pessoa com apoio judiciário integral, de outra forma não se percebendo qual o alcance completo da expressão “encargos”…
XIV – O despacho recorrido, na parte em que convida o mandatário a dizer se quer ser substituído, invocando o art. 66.º do Código de Processo Penal, é inconstitucional por usurpação de competências/atribuições da Ordem dos Advogados pelo juiz a quo e do princípio do art. 111.º da CRP “Os órgãos de soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na Constituição.”
XV - A nomeação e a substituição de advogados oficiosos é competência exclusiva da Ordem dos Advogados, não competindo ao juiz qualquer acção desse jaez (Cfr. o Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei n.º 145/2015 de 9 de Setembro, com a alteração decorrente da Lei n.º 23/2020, de 6 de Julho, dispõe no seu art. 3.º, als b) e l) e arts. 30.º e 32.º da Lei n.º 34/2004, de 29/07, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28/08, denominada Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais).
XVI – O signatário conhece os seus deveres. Se não se sentir com competência ou capaz de assegurar a defesa, ou a sua doença colida com uma defesa cabal, não precisa de ser empurrado pelo juiz para fora do processo. Conhece o EOA e respeita-o. (Sempre fará, como fez, recentemente, em processo comum colectivo do juízo central criminal de Setúbal, onde a Mma. Juiz foi de uma delicadeza, sensibilidade e bom senso a toda a prova). Diferentemente do teor do despacho recorrido, violador do art. 208.º da CRP e do art. 72.º do EOA.
XVII – Sendo este recurso o de um despacho, embora posterior à prolação da sentença, deve ser apreciado previamente ao recurso da decisão final.
XVIII – O prazo normal do recurso da sentença terminou em 15 de Julho de 2020, sendo o 1º dia útil seguinte, com multa (de 0,5 UC) o dia 1 de Setembro de 2020 (que o defensor vai pagar, sob protesto)
XIX – A transcrição é essencial, e o defensor pediu à família alargada do arguido para ver se era possível fazer uma colecta para o adiantamento do pagamento da transcrição, o que até ao fim do prazo e até esta data não foi possível. Parece que terá de ser o defensor oficioso a tentar adiantar esse pagamento, mas ainda não verificou se, para tal, tem disponibilidade.
XX – Portanto, anulado que seja o despacho recorrido, com algum dos fundamentos supra, em alternativa (possivelmente com requerimento posterior do defensor, aos autos de recurso, consoante a forma de resolução deste problema criado pelo despacho a quo), pedir-se-á:
a) Ou a anulação de todos os actos subsequentes ao despacho anulado, com a suspensão/interrupção do prazo do recurso da sentença (se o defensor informar que não conseguiu os meios para cumprir o art. 412.º do CPP);
b) Ou, seja a família do arguido, seja o defensor, a adiantar o montante para pagar a transcrição, por requerimento pedirá à Veneranda Relação que ordene ao tribunal o pagamento desses encargos no momento da apresentação, pelo defensor, da nota de honorários e despesas, sob pena de alguém ter, a final, de suportar um encargo do Estado.
Decidindo de acordo com a pretensão do recorrente, V. Exs., farão Justiça.

Igualmente da sentença condenatória veio o arguido (...), a interpôr recurso, extraindo das respectivas motivações as seguintes (transcritas) conclusões:

I - Nos termos e para os efeitos do art. 412.º, n.º 5., do CPP, o arguido mantém interesse na apreciação prévia dos recursos de despachos interlocutórios seguintes:
a) Recurso de 09/03/2020, sob a referência citius 4997292 (subiu imediatamente e em separado e tramita no Tribunal da Relação de Évora - Secção Criminal - 2ª Subsecção – sob o n.º de processo 2351/18.9T9STB-A.E1 - Recurso Penal);
b) Recurso de 27/07/2020, sob a referência citius 5221404 do do despacho judicial do dia 29/06/2020, com a referência 90549011, o qual aguarda admissão e subida à Veneranda Relação de Évora.
II – Praticando o acto no 1.º dia útil seguinte, o defensor pagou a multa do art. 107-A, a) do CPP, sob protesto, requerendo autorização judicial para pedir reembolso ao IGFEJ, porque
III – Considera que, ou o art. 411.º do CPP, ao não contemplar uma norma específica de alargamento de prazo para o recurso da matéria de facto, deve ser integrado ex-vi art. 4.º do CPP, pelo art. 638.º, n.º 7, do CPC, assim se considerando, também mais 10 dias de prazo para o recurso (i.e. 40 em vez de 30)
IV – Ou, se se não considerar possível essa integração ou a não existência de lacuna, estamos perante uma inconstitucionalidade material por violação directa dos princípios da igualdade do art. 13.º da CRP, bem como do princípio da proporcionalidade do art. 18.º da mesma CRP, e dos princípios da justiça e da razoabilidade, pois não faz sentido que apenas alguns direitos pessoais cíveis e todos os direitos patrimoniais beneficiem de melhores condições de recurso (prazo, nomeadamente) do que os arguidos em processo criminal.
V – No que tange ao recurso da matéria de facto, no respeito pelo art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, o arguido apresenta, nas alegações, a transcrição das declarações do arguido e do depoimento da única testemunha (…).
VI – Porque há um facto-essência (o arguido foi ao IMT pedir 2.ª via da carta de condução, alegando extravio? Ou, apenas lá foi para mudar a morada constante dos ficheiros do IMT e o restante que ocorreu não é da sua responsabilidade, mas da organização dos serviços do IMT?), e também porque houve perguntas dirigidas e sugestivas, o arguido considera que a apresentação da transcrição e a sua leitura integral é fundamental.
VII – Pelo que, indica as datas das audiências e os excertos relevantes por referência ao sistema de gravação habilus que, se lidos e escutados com sentido crítico, permitirão fundamentar, como faz o arguido seguidamente, a alteração da matéria de facto:
(...) – arguido – acta do dia 21-02-2020 Início 10:39:47 – Fim: 21-02-2020 11:01:1”, do momento 0:05:07.1 até 0:21:06.2;
(…), testemunha, acta do dia 8-6-2020, Início: 10:03:19 Fim 10:16:05, nomeadamente: do momento 0:00:01.4 a 0:05:49.5;
VIII – Assim: O arguido considera incorrectamente julgados os factos 3 e 9 da sentença porque sabe que não alegou extravio, não assinou qualquer documento alegando extravio, apenas há a indicação da funcionária do IMT do que aparentemente “é normal”, não havendo prova directa, cabal, acima de qualquer dúvida, de que o arguido alegou extravio da carta de condução para obter uma 2.ª via.
IX- O arguido considera que os factos provados 3 e 9, de acordo com as concretas provas que indica infra, deveriam ser fundidos e constar um facto terceiro com a seguinte formulação:
“3. No dia 19-04-2017, o arguido (…) deslocou-se ao IMT – Delegação Distrital de Viação de Setúbal, onde requereu a alteração da sua morada, designadamente da (…), para (…), relativamente à carta de condução da qual é titular, com o número (…).”
X - As concretas provas que impõem esta decisão diversa, são o conjunto das afirmações do arguido e da testemunha (...) (funcionária do IMT) que, s.m.o. não devem ser truncadas, nem abreviadas, porque constituem uma unidade, por virtude do facto central em discussão.
XI - Ao arguido não foi apresentado nenhum documento para ver ou assinar, onde constasse indicação de “extravio”. Ou seja, ninguém consegue provar, sem sombra de dúvida, que o arguido o disse, apesar das perguntas dirigidas e sugestivas feitas à testemunha, o que é contrário ao princípio da justiça e da imparcialidade que se espera seja respeitado pelo tribunal.
(“0:00:48.1
(...)
Tem que apresentar sempre o original da carta de condução. A única … imperceptível que se pode fazer sem a apresentação do original da carta de condução é uma alteração de morada.
0:00:58.2
Procuradora
Sem?
0:00:59.5
(...)
Sem sem o original da carta de condução tinha que ser só a alteração de morada. A única imperceptível
0:01:05.2
Procuradora
A alteração de morada ou extravio?
0:01:05.2
(...)
Não, extravio tem que não tem carta de condução Alteração de morada”)
XII - Quanto ao facto provado 6, sendo genericamente verdadeiro, precisa, de acordo com as declarações do arguido e o conhecimento do tribunal, de ser melhor enquadrado: dizer que a PSP foi a casa do arguido para apreender a carta e que o arguido a foi entregar à esquadra (para não dar a entender que o arguido ia a conduzir…).
XIII - Quanto aos factos 7 e 8 julgados provados, que são conclusões intrinsecamente ligadas ao elemento subjectivo do tipo, e constam geralmente de todos os formulários de sentença, não podem colher face a:
- declarações do arguido negando intenção e uso;
- ausência de prova contrária às declarações do arguido;
- ausência de prova de que o arguido pretendia uma segunda via da carta de condução e que usou;
- ausência de prova directa, inequívoca, acima de qualquer dúvida razoável, de que o arguido tenha declarado expressamente o extravio do original.
XIV - Quanto aos factos que foram julgados não provados, alíneas a) a i) da sentença (todos da contestação): parece haver erro notório na apreciação da prova, pelo menos, pois o arguido referiu, nas suas declarações esses factos, - como consta da gravação e da transcrição - mas o tribunal fundamentou assim: “(…) a resposta negativa aos mesmos resultou desde logo de não se ter feito nos autos qualquer prova no sentido da sua verificação, motivo pelo qual foi levada ao elenco dos factos considerados como não provados.”. Pelo que tais factos julgados não provados – todos de a) a i), devem ser julgados provados com fundamento nas declarações do arguido conforme referência supra.
XV – Ao pedir o cartão do cidadão e o passaporte, todas as informações finais constam de um documento de que o requerente tem de verificar a validade e autenticidade de todos os campos, assinando, depois, em como todas as informações correspondem à verdade.
XVI – Em que parte do processo criminal concreto de que cuidamos, a que folhas, está o documento assinado pelo arguido em que ele indica que o original se “extraviou”?
XVII- É justo, adequado, razoável, proporcional, condenar criminalmente alguém sem a clara certeza de que cometeu mesmo o crime de que vem acusado, para além de qualquer dúvida razoável?
XVIII – De acordo com a doutrina do Venerando Desembargador António Latas, que cita o actual juiz Conselheiro do Tribunal de Contas Dá Mesquita, “para se preencher o tipo de falsificação na modalidade de fazer constar do documento facto juridicamente relevante entende-se que tem de existir da parte do agente do crime, pelo menos, um domínio (de facto ou de direito) sobre a produção do documento e não limitado ao facto reportado pelo documento (nomeadamente o que se disse em determinado evento”.
XIX - Entendemos, com a jurisprudência e doutrina citadas, que o tipo objectivo do art. 256.º do Cpenal, “apenas inclui a acção de quem tem o domínio de facto ou de direito sobre a produção do documento, e não a mera declaração de factos falsos para que constem de documento elaborado por outrem.”
Logo,
XX – A norma aludida foi violada pelo juiz a quo porque não estás, sequer, preenchida pela acção que é imputada ao agente.
XXI – Quando assim se não entenda, as dúvidas sobre a prova produzida pela testemunha, funcionária, 3 anos depois do atendimento, sobre a veracidade da alegada afirmação do arguido perante ela, não está acima de qualquer dúvida razoável o que permite a absolvição de acordo com o consagrado princípio in dubio pro reo.
XXII – Condenado o arguido em custas sem que o juiz tenha ressalvado a isenção decorrente do apoio judiciário concedido e constante dos autos, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e pagamento da compensação de defensor oficioso, foi violado na sentença o art. 16.º als. a) e c) da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (com as alterações subsequentes à Lei n.º 2/2020, de 31/03.
Absolvendo o arguido, V. Exs, farão Justiça.

Notificado nos termos do disposto no artigo 411º, nº 6, do Código de Processo Penal, para os efeitos do disposto no artigo 413º, do mesmo diploma legal, o Ministério Público, pronunciou-se no sentido da improcedência dos recursos interpostos, concluindo por seu turno respectivamente (transcrição):

- Recurso interlocutório:

No tocante ao requerimento de recurso constante da ref. Citius 5221404:
1. Quanto à invocada nulidade do despacho judicial em crise, importa salientar que, já por requerimento constante da ref. citius 5143124, datado de 16-06-2020, o arguido havia requerido que o Tribunal mandasse efectuar a transcrição da prova gravada em audiência, com custos suportados pelo IGFEJ, tendo o Tribunal a quo se pronunciado sobre tal questão por despacho judicial datado de 22-06-2020, indeferindo-o, com fundamento que se tratava de ónus do recorrente, invocando o Acórdão do Tribunal Constitucional nº473/2007 (in DR, II Série de 02/11/2007) que decidiu “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 412.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que não é obrigatório, para efeitos de interposição de recurso abrangendo também a decisão da matéria de facto, o fornecimento pelo tribunal ao arguido da transcrição da gravação da prova produzida em audiência de julgamento, bastando, para esse efeito, o fornecimento dos suportes magnéticos dessa gravação”.
2. E, ainda, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 405/04, de 02/06/2004, que decidiu: “Não julgar inconstitucional a norma do n.º 4 do mesmo artigo 412º, quando interpretada no sentido de que incumbe ao recorrente o ónus de transcrição ali previsto.”.
3. Por novo requerimento apresentado a 29/06/2020, veio o arguido requerer o adiantamento de quantia correspondente a orçamento que solicitou para transcrição de partes do julgamento, beneficiando o arguido de apoio judiciário e que os encargos deveriam ser suportados pelo IGFEJ.
4. O Tribunal a quo voltou a proferir decisão, datada de 29/06/2020, a reforçar a decisão que já havia proferido a 22/06/2020, no sentido que constitui ónus do recorrente (seja Advogado, seja Magistrado do Ministério Público), a transcrição das passagens da produção de prova que o recorrente pretenda invocar em sede de recurso, citando novamente o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 405/04, de 02/06/2004, que decidiu: “Não julgar inconstitucional a norma do n.º 4 do mesmo artigo 412º, quando interpretada no sentido de que incumbe ao recorrente o ónus de transcrição ali previsto.”.
5. Pelo que entendemos não padecer de qualquer nulidade o despacho judicial em crise, datado de 29/06/2020, o qual até invoca jurisprudência do Tribunal Constitucional.
6. Salientamos ainda que, a requerida transcrição de partes do julgamento tidas por relevantes, não se encontra previsto no elenco de encargos do artigo 16º do Regulamento das Custas Processuais, nas suas diversas alíneas, não se tratando de encargos, mas sim um ónus do recorrente, como aliás referiu a decisão judicial em crise.
7. Nem tal interpretação viola o direito de defesa do arguido ou qualquer outro, nem nenhum princípio constitucional, mormente o da igualdade, pois trata-se de regime igual para qualquer dos intervenientes processuais.
8. Aliás, volta-se a citar, em consonância com a decisão judicial em crise, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 405/04, de 02/06/2004, que decidiu: “Não julgar inconstitucional a norma do n.º 4 do mesmo artigo 412º, quando interpretada no sentido de que incumbe ao recorrente o ónus de transcrição ali previsto”.
9. Considera ainda o recorrente que, o despacho recorrido, na parte em que convida o mandatário a dizer se quer ser substituído é inconstitucional por usurpação de competências/atribuições da Ordem dos Advogados pelo Tribunal a quo e do princípio do artigo 111º e 208º da CRP e 72º da EOA, devendo ser anulado.
10. Em bom rigor, se atentarmos ao teor do despacho, o mesmo, quanto a este assunto, não encerra em si qualquer decisão, pelo que não violadora de qualquer norma legal ou princípio constitucional.
11. Sobre esta matéria, importa salientar que o teor do despacho judicial aqui em crise foi comunicado ao Conselho Superior da Magistratura, tendo-se determinado o arquivamento liminar do procedimento, conforme cópia de decisão junta aos autos.
12. Por tudo o que acima se expôs, deverá ser julgado improcedente o recurso constante da ref. citius 5221404.
Quanto ao requerimento de recurso constante da ref. Cittius 5272337:
13. Relativamente à violação suscitada pelo recorrente dos princípios da igualdade e da proporcionalidade pelo legislador, ao considerar prazos menores para o recurso da matéria de facto em processo penal do que em processo civil, face aos direitos em presença, requerendo que seja reconhecida essa inconstitucionalidade e que o arguido tem 40 dias para interpor recurso e seja ordenada a devolução da multa de 51,00€ que pagou.
14. Relacionada com esta matéria, importa atentar ao teor do Acordão nº 9/2005 de Fixação de Jurisprudência do STJ, publicado em D.R. nº 233/2005, Série I-A de 2005-12-06: “(…) Como se referiu, o regime estabelecido em processo penal relativo aos procedimentos de impugnação da decisão em matéria de facto revela-se coerente, com inteira autonomia, e não apresenta qualquer espaço vazio; é um sistema que, nos termos descritos, funciona completamente por si, na previsão, nos procedimentos e nos resultados da sua execução. Apresentando-se como regime completo, que funciona com autonomia e que permite realizar, por inteiro e de modo razoável e constitucionalmente capaz, a função para que foi concebido, não há espaços não regulados que necessitem de complemento; não deixando espaços de regulamentação em aberto que importe preencher, não existe, pois, lacuna de regulamentação. (…)
10. Nestes termos, confirma-se o acórdão recorrido, fixando-se a seguinte jurisprudência: «Quando o recorrente impugne a decisão em matéria de facto e as provas tenham sido gravadas, o recurso deve ser interposto no prazo de 15 dias, fixado no artigo 411º, nº 1, do Código de Processo Penal, não sendo subsidiariamente aplicável em processo penal o disposto no artigo 698º, n.º 6, do Código de Processo Civil.»”
15. Não se entende existir violação do princípio da igualdade e proporcionalidade, pois se trata de um exercício de um direito processual que a lei faculta a qualquer das partes, em processo penal, nem se entende que a opção do legislador, não seja razoável ou proporcional para exercício do direito de defesa, em sede de recurso por parte do arguido.
16. Deverá também improceder o recurso apresentado pelo arguido nesta parte.
17. Quanto ao recurso da matéria de facto dada como provada e como não provada na sentença, pensamos que não assiste razão alguma ao recorrente, por entendemos que a convicção do tribunal recorrido foi a mais correcta e a única aceitável, especialmente se tivermos em conta a fundamentação aduzida na sentença em causa para a formação de tal convicção, com base na prova produzida e ponderados e conjugados com as regras da lógica e da experiência.
18. Ou seja, analisando a decisão recorrida, cujo teor aqui se dá por reproduzido, facilmente se concluirá não ser possível surpreender naquela, qualquer erro de apreciação ou de raciocínio, qualquer asserção contrária às regras da experiência comum ou qualquer juízo ilógico, arbitrário ou contraditório.
19. Analisada a argumentação do recorrente, o que se constata é que coloca em causa a livre convicção do julgador quanto à apreciação da prova e na matéria de facto julgada como provada, pretendendo que, em lugar dela, se coloque a sua. Olvida, porém, que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, foi uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ter sido proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a usa livre convicção.
20. Ora, diversamente do que entende o recorrente, temos por líquido que da conjugação da prova produzida em julgamento, resulta à evidência que foi acertada a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença. Na verdade, as razões e os elementos probatórios apontados na douta sentença impunham que o tribunal, de acordo com as regras da lógica e da experiência e da livre apreciação da prova concluísse sem margem para dúvidas, como concluiu, estarem provados os factos elencados na sentença e como não provados os factos alegados na contestação, pois se é verdade que o arguido os referiu, também é certo que o Tribunal a quo não atribuiu credibilidade ao alegado pelo arguido, explicitando as razões para tal.
21. Acresce que nada permite afirmar que o tribunal recorrido tenha dado como provados os factos que como tal especificou tendo ou devendo ter dúvidas sobre algum ou alguns deles, é óbvio que não pode invocar-se no caso em apreço a violação do princípio in dubio pro reo.
22. Ou seja, analisando a decisão recorrida, facilmente se concluirá não ser possível surpreender naquela, qualquer erro de apreciação ou de raciocínio, qualquer asserção contrária às regras da experiência comum ou qualquer juízo ilógico, arbitrário ou contraditório, pelo que é manifesta a inexistência do apontado erro, notório ou não, na apreciação da prova.
23. Deste modo, deverá o recurso interposto pelo arguido/recorrente ser julgado improcedente e, em consequência, manter-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
24. Considera ainda o recorrente que o Tribunal a quo, ao ter condenado o arguido em custas sem ressalvar a isenção decorrente do apoio judiciário de que beneficia, está a violar o disposto no artigo 16º, al. a) e c) da Lei 34/2004 de 29 de Julho.
25. Dispõe o nº 4 do artigo 374º do Código de Processo Penal que “a sentença observa o disposto neste Código e no Regulamento das Custas Processuais em matéria de Custas.”
26. No tocante a esta matéria, prescreve o nº 1, do artigo 513º, do Código de Processo Penal, que “Só há lugar ao pagamento da taxa quando ocorra condenação em 1ª instância e decaimento total em qualquer recurso.”
27. E o nº 1, do artigo 514º, do Código de Processo Penal, prevê que “Salvo quando haja apoio judiciário, o arguido condenado é responsável pelo pagamento, a final, dos encargos a que a sua actividade houver dado lugar.”
28. Em cumprimento de tais disposições legais, a sentença tem de apreciar a responsabilidade do arguido pelas custas do processo, em caso de condenação, como sucedeu no caso concreto.
29. A propósito desta questão, veja-se Acordão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 14/06/2006, disponível para consulta em www.dgsi.pt: “(…) Quer isto significar que a sentença, devendo especificar a responsabilidade da arguida pelas custas, por efeito da sua condenação, deveria também mencionar que a arguida estava dispensada do seu pagamento por lhe ter sido concedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa total. Todavia, a omissão dessa menção em nada prejudica a arguida, porquanto o efeito do benefício do apoio judiciário concedido mantém-se válido e eficaz para todos os actos do processo, designadamente para evitar e obstar uma execução para a cobrança das custas.”
30. Assim, também nesta parte deve-se considerar não existir qualquer violação da sentença das mencionadas normas legais, improcedendo o recurso também nesta parte.
31. Deste modo, deverá o recurso interposto pelo arguido constante da ref. cittius 5272337 ser julgado improcedente e, em consequência, manter-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Termos em que, Vossas Excelências farão a habitual Justiça.
Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos interpostos, conforme melhor resulta dos autos.

Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Procedeu-se a exame preliminar.
Com dispensa dos vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

B -
No despacho recorrido consta o seguinte (transcrição):
O anterior requerimento do arguido foi deferido, na totalidade.
Contudo, o il. Defensor do arguido já não pretende agir do modo que havia requerido e que foi deferido, voltando a requerer a transcrição da audiência de discussão e julgamento.
Invoca desde logo que “a transcrição de audiências não é tarefa de advogado”. Ora, desde já se diga que não se trata da transcrição da audiência, mas da transcrição das passagens da produção de prova que o recorrente pretenda invocar em sede de recurso, o que constitui ónus do recorrente (seja Advogado, seja Magistrado do Ministério Público). Neste conspecto, já citámos o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 405/04, de 02/06/2004, que decidiu: “Não julgar inconstitucional a norma do n.º 4 do mesmo artigo 412º, quando interpretada no sentido de que incumbe ao recorrente o ónus de transcrição ali previsto.” E nada temos a acrescentar, a este respeito.
Contudo, o il. Defensor aduz agora um novo argumento, ao qual o tribunal não pode ser indiferente e que consiste na sua incapacidade para exercer este segmento do patrocínio oficioso de per si, uma vez que não tem condições físicas (o que comprova documentalmente) “para longos momentos seguidos de escrita manual ou em teclado”.
Ora chegados a este ponto, em face desta alteração das circunstâncias - posto que o Il. Advogado requereu e foi deferida a audição da gravação da ausência nas instalações deste tribunal, mas não tem agora condições físicas para efectivar o que requereu e foi deferido - e não se pretendendo de forma alguma que o arguido fique limitado nos seus direitos de defesa, nem tão pouco que se exija ao il. Advogado mais do que neste momento, lhe é possível assegurar, notifique o Il. Advogado, para que, com urgência, indique nos autos se pretende ser dispensado do patrocínio, nos termos do artigo 66º, nº 2 do Código de Processo Penal, ou se pretende continuar a exercê-lo, apenas não tendo capacidade para realizar a transcrição dos segmentos probatórios relevantes em matéria de recurso.
Notifique.

Na sentença recorrida consta o seguinte (transcrição):
Factos provados:
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos, com interesse para a decisão a proferir:
Da acusação:
1. O arguido (...), no âmbito do Processo Sumário nº 92/17.3PCSTB, foi condenado, além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, por um período de 8 meses, nos termos do art. 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, por sentença transitada em julgado em 06-03-2017.
2. No dia 14-03-2017, o arguido procedeu à entrega da sua carta de condução nº SE- 218607, emitida em 20-05-2005, que foi junta na contra-capa do Processo nº 92/17.3PCSTB.
3. No dia 19-04-2017, o arguido (...) deslocou-se ao IMT – Delegação Distrital de Viação de Setúbal, onde preencheu e assinou o pedido de emissão da 2ª via da carta de condução da qual é titular, com o número SE-218607, alegando o «Extravio» da primeira.
4. Nesse mesmo dia o arguido logrou obter uma guia, emitida pelo IMT, que substituía a carta de condução pelo período de um mês.
5. A 2ª via da carta de condução nº SE-218607 foi entregue ao arguido (...) no dia 28-04-2017.
6. No dia 28-11-2017 foi apreendida, na posse do arguido, a carta de condução supra referida.
7. O arguido (...) sabia que ao requerer a 2ª via da carta de condução no IMT, com fundamento em «Extravio», estava a fazer constar um facto falso que sabia não corresponder à verdade e que punha em causa a segurança e credibilidade do documento, com intenção de obter para si benefício ilegítimo, o que quis e representou.
8. O arguido (...) agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta, supra descrita, era proibida e punida por lei penal.
Mais se provou que:
9. Nas circunstâncias de tempo e lugar melhor referidas em 3), o arguido requereu ainda a alteração da sua morada, designadamente da (…), para (…).
10. O arguido quando se encontrava em liberdade vivia com uma companheira e exercia a profissão de vendedor ambulante.
11. Atualmente encontra-se em meio prisional e não aufere qualquer rendimento.
12. Tem 5 filhos, com 4, 7, 11, 15 e 16 anos de idade, que se encontram a viver com a progenitora.
13. Tem o 4º ano de escolaridade.
14. O arguido (...) tem averbado no seu Certificado de Registo Criminal as seguintes condenações:
a) Por sentença datada de 20-10-2008, transitada em julgado em 10-11-2008, o arguido foi condenado pela prática, em 20-10-2008, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, que perfaz o total de € 350,00, declarada extinta pelo pagamento em 08-07-2011, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses, declarada extinta pelo cumprimento em 20-04-2009;
b) Por sentença datada de 10-02-2012, transitada em julgado em 12-03-2012, o arguido foi condenado pela prática, em 21-09-2011, de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, com regime de prova, extinta pelo cumprimento em 22-01-2014.
c) Por sentença datada de 21-05-2012, transitada em julgado em 21-06-2012, o arguido foi condenado pela prática, em 19-02-2011, de um crime de roubo, na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, sendo que em 03-06-2015 foi prorrogada a suspensão por mais um ano e em 27-10-2017 foi revogada a suspensão da execução da pena de 3 anos de prisão.
d) Por sentença datada de 05-02-2015, transitada em julgado em 09-03-2015, o arguido foi condenado pela prática em 04-02-2015, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, que perfaz o total de € 660,00, declarada extinta pelo pagamento em 03-11-2017, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo prazo de 6 meses, declarada extinta pelo cumprimento em 21-09-2015.
e) Por sentença datada de 03-02-2017, transitada em julgado em 06-03-2017, o arguido foi condenado pela prática em 30-01-2017, de um crime de desobediência, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 horas de trabalho e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 8 meses, declarada extinta pelo cumprimento em 28-07-2018.

Factos não provados:
Da contestação:
a ) Em data anterior à entrega da “carta de condução” para início do cumprimento da sanção acessória de inibição de conduzir, o arguido foi mandado parar por autoridade policial, que, ao confrontar a documentação, verificou que o arguido mantinha, na carta de condução, a morada antiga, aconselhando-o a ir mudar a morada da carta na repartição da Rua Rodrigues Manito.
b) Cerca de um mês após a entrega da carta de condução, o arguido resolveu tratar da alteração da morada, para que, quando a carta lhe fosse entregue, esse problema já estivesse resolvido e não tivesse mais problemas.
c) Não pensou que lhe mandariam nova carta para casa, nem teve a percepção de que aquele recibo lhe permitiria conduzir, até porque lhe tinham dito, anteriormente, que a mudança de morada no cartão do cidadão não correspondia a ter novo cartão, e o arguido intuiu que tal se aplicava também à carta de condução.
d) E isto, porque o arguido sabia que após a entrega da carta na polícia teria de ir ao tribunal buscá-la passados 8 meses, tempo em que esteve, efectivamente sem conduzir, e até hoje não voltou a conduzir.
e) Não tinha qualquer animus de mentir perante oficial público ou de proceder à falsificação de qualquer documento, ou de obter documento de substituição que sabia não poder utilizar.
f) Não imaginava que fosse possível obter uma 2ª via da carta de condução estando o original apreendido à ordem do tribunal.
g) Espantado ficou, portanto, quando recebeu a 2ª via da carta em casa.
h) Se soubesse o que sabe hoje tinha ido entregá-la ao Tribunal logo que a mesma lhe chegou às mãos, para que dúvidas não restassem sobre a falta de intenção de conduta fraudulenta.
i) Não usou esta 2ª via da carta, até a mesma lhe ser apreendida por agente policial que se deslocou à sua casa.

Inexistem outros factos não provados, com relevo para a decisão da causa.

Motivação:
A convicção do Tribunal relativamente aos factos considerados provados e não provados, fundou-se na apreciação crítica da prova constante dos autos, e produzida em audiência de discussão e julgamento, designadamente nas declarações prestadas pelo arguido, na prova testemunhal e na prova documental junta aos autos.
Estes meios de prova, foram apreciados de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º, do Código de Processo Penal, atendendo ainda às regras da experiência comum e da normalidade do acontecer.
Concretizando.
A factualidade descrita em 1), 2), 3), 4), 5) e 6) supra, resultou desde logo da prova documental junta aos autos, designadamente da certidão extraída do Processo Comum Singular com o nº 92/17.3PCSTB, do Juízo Local Criminal – J2 – de Setúbal, de fls. 1 a 20 dos autos, onde consta a sentença proferida naqueles autos, promoções do Ministério Publico, despachos, ata de leitura de sentença e auto de apreensão da carta de condução, bem como dos documentos juntos aos autos a fls. 24, 25, 26 e 27, designadamente da cópia do requerimento do pedido de duplicado/2ª via da carta de condução, apresentado pelo arguido, em 19-04-2017, no IMT – Delegação Distrital de Viação de Setúbal, com fundamento em «Extravio».
Ora, da análise dos documentos acabados de referir e cujo teor dos mesmos aqui se dá por integralmente reproduzido, resulta de forma inequívoca que o arguido (...) foi condenado no processo nº 92/17.3PCSTB, por sentença datada de 03-02-2017, transitada em julgado em 06-03-2017, além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de todas as categorias pelo período de 8 meses; que no dia 14-03-2017 procedeu à entrega da sua carta de condução com o nº (…), emitida em 20-05-2005, à ordem daqueles autos; que no dia 19-04-2017 o arguido se deslocou ao IMT de Setúbal onde requereu a emissão da 2ª via da carta de condução com o nº (…), alegando o extravio da sua carta de condução; que neste mesmo dia obteve uma guia que substituía a sua carta de condução pelo período de um mês; que a 2ª via da carta de condução foi entregue ao arguido no dia 28-04-2017, e que em 28-11-2017 acabou por lhe ser apreendida por decisão judicial.
De referir ainda que para a prova dos factos vertidos em 3), 4) e 5) supra o Tribunal ainda levou em consideração o depoimento da testemunha (…), assistente técnica em funções no IMT de Setúbal, cujo conhecimento dos factos lhe advém do exercício das suas funções e que depôs de forma que se nos afigurou sincera, isenta e desinteressada e que por isso mereceu acolhimento por parte deste Tribunal.
Na verdade, esta testemunha, se por um lado, de forma que se nos afigurou sincera, referiu não se recordar do arguido, dado atender no seu serviço inúmeras pessoas todos os dias, por outro lado explicou pormenorizadamente qual é o procedimento adoptado quer nos pedidos de emissão de 2ª via de carta de condução, quer nos pedidos de alteração de morada.
Esta testemunha, de forma peremptória, referiu ao Tribunal que se o utente efectua apenas um pedido de alteração de morada tem obrigatoriamente que apresentar o original da carta de condução, caso contrário o pedido de alteração de morada, assim sem mais, não é efectuado.
Mais explicou que só é possível alterar a morada da carta de condução sem que para isso tenha de ser apresentado o original da carta, quando em simultâneo se efectua um pedido de emissão de 2ª via da carta de condução, justamente porque nestes casos o utente não se encontra munido do original da carta.
Referiu também esta testemunha, que quando é efectuado um pedido de 2ª via de carta de condução, o utente tem sempre de informar se ocorreu um furto, roubo ou extravio e que é sempre perguntado ao utente se fez a respectiva participação, sendo que o motivo não fica a constar da guia que é assinada pelo utente e que no próprio dia lhe é disponibilizada, mas apenas no sistema informático.
Finamente referiu, que neste caso em concreto foi efectuado em simultâneo um pedido de emissão de 2ª via por extravio e um pedido de alteração de morada.
Confrontada com fls. 26 e 27 dos autos, confirmou ser esta a guia que é disponibilizada aos utentes quando efectuam o pedido de emissão de 2ª via da carta de condução, e que tal como consta da parte final do documento de fls. 26 explicam aos utentes que aquela guia substitui a carta de condução e em que período, e que o documento de fls. 27 é um print do sistema informático do IMT onde consta qual foi o motivo invocado para aquele pedido e que no caso em concreto foi extravio.
Tudo conjugado, o Tribunal não teve dúvidas em dar como provados os factos vertidos em 1) a 6) supra.
Importa ainda consignar que, o Tribuna não olvida o depoimento prestado pelo arguido, no entanto ao mesmo não foi conferida qualquer credibilidade, pois vejamos:
O arguido admitiu os factos vertidos em 1), 2) e 6) supra, confirmando que no processo com o nº 92/17.3PCSTB foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, por um período de 8 meses; que no dia 14-03-2017, procedeu à entrega da sua carta de condução nº (…), emitida em 20-05-2005 à ordem daqueles autos, e que no dia 28-11-2017 lhe foi apreendida a 2ª via da carta de condução. Porém, nega ter efectuado um pedido de 2ª via da sua carta de condução, bem como nega ter alegado extravio, e ainda refere que nunca lhe foi explicado que a guia que lhe foi disponibilizada no mesmo dia em que efectuou o pedido, lhe permitia conduzir e que por isso substituía a sua carta de condução.
Na verdade, o arguido referiu ter efectuado apenas um pedido de alteração de morada da sua carta de condução, uma vez que meses antes havia sido fiscalizado pela PSP que lhe alertou para essa necessidade, porquanto a morada que constava da sua carta de condução não era coincidente com a que constava no seu cartão de cidadão.
Mais referiu que nunca a chegou a usar a 2ª via da carta de condução que lhe foi enviada para casa.
Finalmente, confrontado com o documento de fls. 26 confirmou ser sua a assinatura aposta naquele documento, alegando, contudo, não ter reparado que na parte inferior consta a frase “substitui o título de condução”.
Ora, o Tribunal não ficou minimamente convencido da veracidade do alegado pelo arguido, sendo que o por si relatado é desprovido de qualquer lógica e sentido.
Repare-se que, dizem-nos as regras da normalidade do acontecer e da vida de cada um de nós, que quando os funcionários de qualquer serviço público, no caso em concreto do IMT, fazem constar factos no seu sistema informático é porque foram aqueles que o utente lhes forneceu, não existindo qualquer outro interesse em agir de forma diferente.
Note-se que a funcionária do IMT que atendeu o aqui arguido não tinha qualquer interesse em fazer constar factos diferentes daqueles que o arguido lhe transmitiu, bem como não tinha qualquer interesse em fazer constar um pedido de emissão de 2ª via de carta de condução, com o motivo de extravio, se tal não lhe tivesse sido requerido pelo utente, no caso o aqui arguido.
Pelo que, se tal facto ficou a constar do sistema informático é porque efectivamente foi o que o arguido requereu, não existindo quaisquer motivos para duvidar que assim tenha sucedido.
Ademais, a testemunha (…) explicou qual era o procedimento habitual adoptado com todos os utentes, não existindo nos autos qualquer motivo para crer que neste caso em concreto pudesse ter sido diferente.
Destarte, tudo conjugado, é de concluir que as declarações do arguido são se mostraram minimamente credíveis e por isso não mereceram qualquer acolhimento por parte deste Tribunal.
Relativamente a 7) e 8) supra, é de referir que o tribunal se socorreu das regras da experiencia comum e da normalidade do acontecer que nos conduzem por padrões de lógica e de racionalidade, e que nos dizem que nos dias que correm, qualquer cidadão medianamente sagaz ou até mesmo com baixo nível de escolaridade, tem conhecimento de que não é permitido requerer uma 2ª via da carta de condução com fundamento em extravio enquanto a sua carta de condução original se encontra apreendida à ordem de um processo judicial. Mais, nos dias de hoje, qualquer cidadão, mesmo que de baixa escolaridade sabe ser proibido declarar factos que não são verdadeiros para dessa forma obter um benefício ilegítimo.
Assim, da factualidade apurada nos autos, resulta, que outra não podia ser a intenção do arguido que não a de obter um benefício que bem sabia ser ilegítimo.
No tocante a 9) supra, é de referir que resultou desde logo das declarações prestadas pelo arguido que admitiu a sua prática, bem como dos documentos de fls. 147, 148 e 149 dos autos (informação prestada pelo IMT), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
No que tange às condições pessoais e profissionais do arguido (...) (10 a 13 supra), o Tribunal atendeu às declarações prestadas pelo próprio, que nesta parte se apresentaram verosímeis e por isso mereceram acolhimento por parte deste Tribunal.
Relativamente à existência de antecedentes criminais do arguido (...), o Tribunal considerou o teor do certificado de registo criminal junto aos autos com a ref. Citius 90446400.
No que se refere à factualidade consignada como não provada (a), b), c), d), e), f), g), h), e i) supra), importa referir que a resposta negativa aos mesmos resultou desde logo de não se ter feito nos autos qualquer prova no sentido da sua verificação, motivo pelo qual foi levada ao elenco dos factos considerados como não provados.
Não constavam da acusação, ou da contestação, nem foram suscitados em sede de audiência de discussão e julgamento outros factos que tivessem relevo para a boa decisão da causa e pudessem ser levados ao elenco dos factos provados ou não provados.

Qualificação jurídica:
Vem o arguido acusado do cometimento em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento previsto e punido pelo artigo 256º, nº 1, alíneas d) e e), por referência ao artigo 255º, alínea a) do Código Penal.
Do crime de falsificação de documento:
De acordo com o disposto no referido normativo:
“1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:
a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;
b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram;
c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;
d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;
e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou
f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito;
é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
2 - A tentativa é punível.
3 - Se os factos referidos no nº 1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267º, o agente é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias.
4 - Se os factos referidos nos nºs 1 e 3 forem praticados por funcionário, no exercício das suas funções, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.”
Os bens jurídicos protegidos com a norma incriminadora aqui em análise são a fé pública traduzida num sentimento geral de confiança nos actos públicos, a segurança e a credibilidade no tráfico jurídico probatório, no que se refere à prova por documento, e a genuinidade da identidade do autor do documento.
Por documento entende-se “a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão, quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa ou animal para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta”. (Cf. artigo 255º, alínea a) do Código Penal).
Integra este tipo legal de crime não só a falsificação material, como a falsificação ideológica, pelo que importa necessariamente proceder à sua distinção.
A este propósito importa referir que “enquanto na falsificação material o documento não é genuíno, na falsificação ideológica o documento é inverídico: tanto é inverídico o documento que foi objecto de uma falsificação intelectual como no caso de falsidade em documento. Na falsificação intelectual o documento é falsificado na sua substância, na falsificação material o documento é falsificado na sua essência material.” (Cf. Helena Moniz in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, PAG 676)
Aquando da falsificação material ocorre uma alteração, modificação total ou parcial do documento. Neste caso o agente apenas pode falsificar o documento imitando-o ou alterando algo que está feito segundo uma certa forma; quer imitando quer alterando o agente tem sempre uma certa preocupação: dar a aparência de que o documento é genuíno e autêntico.
Na falsificação intelectual integram-se todos aqueles casos em que o documento incorpora uma declaração falsa, uma declaração escrita integrada no documento, distinta da declaração prestada. Por seu turno, na falsidade em documento integram-se os casos em que se presta uma declaração de facto falso juridicamente relevante; trata-se, pois, de uma narração de facto falso. (Cf. Helena Moniz, in “Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial”, Tomo II, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, p. 676).
De referir que a falsificação não se reporta ao suporte material onde é exarado o documento, mas sim à declaração ou declarações que do mesmo podem constar, importando a falsificação da declaração enquanto documento e não a falsificação do documento enquanto suporte material que incorpora uma declaração.
No que se refere ao tipo objectivo do ilícito importa ainda referir que, tal como se verificou supra, o documento constitui o objecto da acção, e é sobre ele que incidirá a conduta do agente da infracção.
Para a consumação do tipo legal basta o acto de falsificação.
Importa, todavia, referir que ao nível do elemento objectivo do tipo, o artigo 256.º do Código Penal, aqui em análise, não prevê apenas o acto de falsificação.
Na verdade, a norma incriminadora comporta diversas modalidades de falsificação, designadamente:
a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;
b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram;
c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;
d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;
e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou
f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito;
A este respeito cumpre referir que no acto de fabricar um documento integra-se a falsificação intelectual, em que o documento ou a declaração documentada idónea a provar um facto juridicamente relevante é distinta da declaração realizada. No entendimento de Leal-Henriques/Simas Santos II 730, procede-se a uma contrafacção total, ou seja, ocorre a feitura “ex novo” e “ex integro” de um documento.
Por sua vez, importa dizer que relativamente ao acto de falsificar ou alterar o documento, trata-se da referida falsificação material, em que verifica uma falsificação posterior do documento, mediante uma alteração do mesmo.
De referir também que, normalmente, o agente do crime de falsificação material é uma pessoa distinta da que realizou o documento.
Relativamente ao acto de abusar da assinatura de outra pessoa para elaborar um documento falso, importa dizer que se trata de um caso de fraude na identificação, ou seja, o conteúdo vertido no documento até pode ser verídico, no entanto o documento não é autêntico, uma vez que a declaração não foi proferida pela pessoa que o escrito aparenta. (Cf. Helena Moniz, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Pag.683.)
No que respeita à narração de facto falso juridicamente relevante, é de referir que não se trata de todo e qualquer facto falso, mas apenas aquele que for juridicamente relevante, ou seja, que se afigure apto a constituir, a modificar ou a extinguir uma relação jurídica.
Distinto de tudo o que acabamos de referir é o uso de documento falso, e que vem previsto na alínea e) da norma aqui em análise.
O uso de documento falso só é punível no caso de a utilização do documento falso ser efectuada por pessoa distinta do falsificador.
Assim, “Deverá integrar-se dentro do uso de documento falso não só o uso de documento falsificado (por falsificação material ou falsificação intelectual, bem como o caso de falsidade em documento), como também os casos de documento falsificado por abuso de assinatura de outra pessoa.” (Neste sentido Cf. Helena Moniz, in “Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial”, Tomo II, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, p. 684).
Relativamente ao elemento subjectivo do tipo trata-se de um crime que está previsto na forma dolosa (em qualquer uma das modalidades de dolo: directo, necessário ou eventual), (cf. artigos 13º e 14º, do Código Penal).
Ora, o dolo é composto por um elemento intelectual e por um elemento volitivo ou emocional.
Assim, é necessário que se verifique a existência do elemento intelectual e do elemento volitivo.
No que se refere ao elemento intelectual, comum às três modalidades de dolo, “… traduz-se na exigência – para que aquele possa afirmar-se – de que o agente conheça o tipo legal de crime que a sua vontade visa realizar. Isto é: o agente precisa para que a sua actuação se possa dizer dolosa, de conhecer aquelas (todas aquelas) circunstâncias de facto que pertencem ao tipo legal. Donde resulta, pois, que o desconhecimento de uma só daquelas circunstâncias exclui o dolo.” (cf. Eduardo Correia, “Direito Criminal”, com a colaboração de Figueiredo Dias, Vol. I, reimpressão, Livraria Almedina, Coimbra, 1993, pág. 368).
Assim, é necessário que o agente conheça os elementos do crime, sabendo que a sua conduta é proibida e punida pela lei penal.
Além do mais, deve verificar-se a existência do elemento volitivo, ou seja, que, não obstante ter esse conhecimento, mesmo assim quis cometer e cometeu o crime.
Dispõe o artigo 13º, do Código Penal que “só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência”.
De acordo com o disposto no artigo 14º, do Código Penal “1 - Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actua com intenção de o realizar. 2 – Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta. 3 – Quando a realização de um facto preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente se atuar conformando-se com aquela realização”.
Acresce que o crime de falsificação de documentos é um crime intencional, uma vez que se exige que o agente actue com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo.
No entanto, não se exige uma específica intenção de provocar um engano no tráfico jurídico. (Cf. Helena Moniz (in “Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial”, Tomo II, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, p. 684-685).
“Constitui benefício ilegítimo toda a vantagem (patrimonial ou não patrimonial) que se obtenha através do acto de falsificação ou do acto de utilização do documento falsificado. O facto de o agente ter de actuar com esta específica intenção não significa que se pretenda proteger outro bem jurídico que não seja o da credibilidade no tráfico jurídico. (…).
Aquando da prática do crime de falsificação (onde se integra, por força deste tipo legal, o uso de documento falso por terceiro) o agente deverá ter conhecimento de que está a falsificar um documento ou que está a usar um documento falso, e apesar disto quer falsificá-lo ou utilizá-lo. Ou seja, para que o agente actue dolosamente tem que ter conhecimento e vontade de realização do tipo, o que implica um conhecimento dos elementos normativos do tipo. Constituindo o documento um elemento normativo do tipo apenas se exige que o agente tenha sobre ele o conhecimento normal de um leigo de acordo com as regras gerais, não sendo necessário o conhecimento da noção jurídica, maxime, da noção jurídico-penal.” (Cf. Helena Moniz in ob. citada supra).
Cumpre agora apurar se no caso sub judice, se mostram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos melhor referidos supra.
Descendo ao caso concreto, e face à factualidade provada, importa dizer o seguinte:
Da factualidade apurada, resultou provado, além do mais, que no dia 19-04-2017 o arguido requereu a emissão de duplicado/2ª via da carta de condução nº SE-218607, emitida em 20-05-2005, com fundamento em extravio, facto que declarou, e que ficou registado no sistema informático do IMT, e que tal fundamento era falso, porquanto no dia 14-03-2017 havia entregue o original da sua carta de condução à ordem do processo com o nº 92/17.3PCSTB para cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados na qual nesses autos foi condenado.
Importa agora verificar se o acabado de expor integra o disposto nas alíneas d) e e), do nº 1, do artigo 256º, do Código Penal, de que o arguido vinha acusado.
Ora, ao alegar falsamente extravio e consequentemente fazer constar do seu pedido a solicitar a 2ª via da sua carta de condução, como fundamento o extravio, fazendo crer que o original da carta de condução havia sido extraviado, é de concluir que tal conduta integra o disposto na alínea d), do nº 1, do artigo 256º, do Código Penal.
Pois, o arguido fez constar do aludido requerimento/pedido um facto juridicamente relevante, uma vez que só assim obteve uma 2ª via da sua carta de condução.
Por sua vez, e no que se refere à alínea e), do nº 1, do artigo 256º, do Código Penal, importa dizer que a mesma se reporta ao uso de documento falso por pessoa distinta do falsificador.
Ora, considerando que o documento a que nos reportarmos nos presentes autos não é falso, antes, foi falsamente declarado um facto juridicamente relevante, é de concluir que a conduta do arguido não se enquadra na aludida alínea e), do nº 1, do artigo 256º, do Código Penal, mas apenas na alínea d) do mesmo normativo.
Assim, mostram-se verificados os elementos do tipo objectivo de ilícito jurídico-penal previsto e punível pelo artigo 256º, nº 1, alínea d), do Código Penal.
Mais se provou que o arguido sabia que ao requerer a 2ª via da carta de condução no IMT, com fundamento em «Extravio», estava a fazer constar um facto falso que sabia não corresponder à verdade e que punha em causa a segurança e credibilidade do documento, com intenção de obter para si benefício ilegítimo, o que quis e representou, e que agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta, supra descrita, era proibida e punida por lei penal.
Consequentemente, agiu com dolo directo (cf. artigo 13º e 14º, nº 1, do Código Penal), preenchendo desta forma o elemento subjectivo.
Pelo que, mostram-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime aqui em causa.
Destarte, preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime aqui em causa, como se aferiu supra, e inexistindo causas da exclusão da ilicitude e da culpa, é de concluir que o arguido (...) praticou um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº 1, alínea d), do Código Penal, devendo ser condenado pelo mesmo.
(…)

Responsabilidade por custas:
Uma vez que o arguido vai condenado pela prática do crime por que vem acusado, cabe-lhe arcar com a responsabilidade tributária do processo – custas (taxa de justiça e encargos) – artigos 513º, nºs 1, 2 e 3 e 514º, nº 1, do Código de Processo Penal, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Tendo em conta que a complexidade da matéria de facto e de direito e o tempo da audiência e da produção de prova não excederam a normalidade para esta forma processual, fixa-se a taxa de justiça pelo mínimo legal (2 UCs).
(Cf. artigo 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais)

II – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, as cominadas como nulidade da sentença, artigo 379º, nº 1 e, nº 2, do mesmo Código e, as nulidades que não devam considerar-se sanadas, artigos 410º, nº 3 e, 119º, nº 1, do mesmo diploma legal, a este propósito cfr. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 19-10-1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28-12-1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25-06-1998, B.M.J. nº 478, pág. 242 e de 03-02-1999, B.M.J. nº 484, pág. 271 e, bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82).

No caso em apreço, atendendo às conclusões, as questões que se suscitam são as seguintes:

- Recurso interlocutório:

- Nulidade do despacho proferido por falta de fundamentação de direito.
- Inconstitucionalidade do artigo 66º, do Código de Processo Penal, por violação do 111º, da Constituição da República Portuguesa.

- Recurso da sentença:
- Inconstitucionalidade do artigo 411º, nº 1, do Código de Processo Penal, por violação do pricípio da igualdade, estabelecido no artigo 13º, da Constituição da República Portuguesa e do princípio da proporcionalidade, estabelecido no artigo 18º, da Constituição da República Portuguesa, ao estabelecer um prazo de interposição de recurso, diverso do que consta do artigo 638º, nº 7, do Código de Processo Civil.
- Impugnação da sentença proferida relativamente à matéria de facto referida nos pontos 3, 6, 7, 8 e 9, dos factos provados e referida nos pontos a) a i) dos factos não provados, por erro de julgamento, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal.
- Impugnação da sentença proferida relativamente à matéria de direito, por discordância com a subsunção jurídica dos factos provados, ao disposto no artigo 256º, nº 1, alínea d) e nº 3, do Código Penal.
- Impugnação da sentença proferida relativamente à matéria de direito, por violação de lei, artigo 16º, alíneas a) e c), do Decreto-Lei nº 34/2004, de 29/07.

Do recurso interlocutório:

- Da nulidade do despacho proferido por falta de fundamentação de direito.
Cumpre salientar que o despacho recorrido, foi proferido na sequência de um anterior requerimento de 16-06-2020 e subsequente despacho de 22-06-2020, onde a questão em causa já tinha sido suscitada, pois o arguido requereu que o tribunal mandasse efectuar a transcrição da prova gravada em audiência, com custos suportados pelo IGFEJ, que foi indeferido, com fundamento que se tratava de ónus do recorrente, com base no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 473/2007, que decidiu “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 412º, nº 4, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que não é obrigatório, para efeitos de interposição de recurso abrangendo também a decisão da matéria de facto, o fornecimento pelo tribunal ao arguido da transcrição da gravação da prova produzida em audiência de julgamento, bastando, para esse efeito, o fornecimento dos suportes magnéticos dessa gravação”. E, ainda, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 405/04, que decidiu: “Não julgar inconstitucional a norma do n.º 4 do mesmo artigo 412º, quando interpretada no sentido de que incumbe ao recorrente o ónus de transcrição ali previsto.”.
Assim, o despacho ora recorrido é proferido na sequência do anteriormente referido e como a questão é a mesma, genericamente remete para o mesmo e, consequentemente para o fundamento ali invocado.
A questão em causa não se encontra prevista expressamente em qualquer preceito legal, não existindo regulamentação legal expressa para a questão suscitada, embora de facto, existam dois Acórdãos do Tribunal Constitucional, onde a precisa questão é considerada, no sentido, que incumbe ao recorrente o ónus da transcrição e não ao tribunal.
No preceito legal invocado pelo recorrente, artigo 19º, nº 1, do Regulamento das Custas Judiciais, não contempla o pagamento em causa, quando prevê que: “a parte beneficie de isenção de custas ou de apoio judiciário, os encargos são sempre adiantados pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, I. P., sem prejuízo de reembolso”.
Pois nos encargos considerados como susceptíveis de adiantamento pelo Estado, a que se refere a título de exemplo, o artigo 16º, do RCJ, não considera as despesas referentes à transcrição.
E tal, bem se compreende, pois as transcrições em causa, não são essenciais ao exercício do direito de defesa pelo arguido, pois não se exige genericamente a necessidade da transcrição, mas apenas a identificação concreta das partes precisas das gravações onde constam os segmentos invocados, pois o tribunal de recurso terá que se situar no concreto segmento invocado, apenas para poder comparar do invocado com a gravação magnética, mas para a apreciação do segmento em causa em sede de recurso, terá sempre de ser ouvido todo o depoimento em causa e, mesmo os outros produzidos na mesma audiência de julgamento, que se pronunciem directa ou indirectamente, sobre o facto controvertido, pois o segmento em causa por si só, isoladamente, não tem qualquer valor probatório, desacompanhado de todo o depoimento de onde o mesmo consta e, concatenado com toda a restante prova produzida sobre o mesmo facto.
A questão suscitada não resulta e uma imposição legal, mas de uma forma pessoal do exercício do direito de defesa, que não única e tão válida ou útil, como todas as outras legalmente admissíveis.
Assim, nos termos em que a questão é colocada pelo recurso interposto, a citação dos Acórdãos do Tribunal Constitucional, são mais do que suficientes para fundamentar a decisão proferida.
De harmonia com o disposto no artigo 97º, nº 5, do Código de Processo Penal, os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
A lei adjectiva penal consagrou em matéria de invalidades o princípio da legalidade, segundo o qual a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que nos casos em que a lei não cominar a nulidade o acto ilegal é irregular – nºs 1 e 2, do artigo 118°, do Código de Processo Penal.
A falta ou a deficiente fundamentação das decisões, quando não tenham tratamento específico previsto na lei – como é o caso da sentença, alínea a), do nº 1, do artigo 379º, do Código de Processo Penal e do despacho que aplique medida de coacção, que não o TIR ou medida de garantia patrimonial – artigo 194°, n° 6, do Código de Processo Penal - não se mostra cominada com a sanção da nulidade, razão pela qual constitui mera irregularidade, nos termos do nº 1 e nº 2, do artigo 118º, do Código de Processo Penal.
As irregularidades processuais só determinam a invalidade do acto a que se referem quando tiverem sido arguidas pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos 3 dias seguintes a contar daquele em tiverem sido notificados para qualquer termo no processo ou intervindo em algum acto nele praticado – nº 1, do artigo 123°, do Código de Processo Penal.
Assim, a haver deficiente fundamentação do despacho, tal irregularidade estaria sanada.
Volvendo ao decidido pelo Tribunal “a quo”, afigura-se-nos de liminar clarividência que toda a peça decisória contém uma fundamentação jurídica adequada e mais que suficiente para compreender a convicção formada pelo Tribunal sobre a questão controvertida.
Tal interpretação do artigo 19º, do RCJ, não é inconstitucional por violação dos artigos 13º, 20º e, 32º, da Constituição da República Portuguesa, 6º, nº 3, alínea b), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e, 20º, 47º e 48º, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Por tudo o exposto, não se verifica qualquer omissão no despacho proferido, relativa à fundamentação jurídica e, consequentemente, não se concretizando a invocada nulidade do despacho proferido, improcedendo então, o recurso interposto nesta parte.

- Da inconstitucionalidade do artigo 66º, do Código de Processo Penal, por violação do 111º, da Constituição da República Portuguesa.
Resulta do disposto no artigo 66º, nº 2, do Código de Processo Penal, que: “o Defensor pode ser dispensado do patrocínio se alegar causa que o tribunal julgue justa”.
Na sequência de requerimento apresentado pelo arguido, no mesmo o seu Defensor invocou questões pessoais e o juiz do Tribunal “a quo” perguntou se pretendia ser dispensado do patrocínio, nos termos da supra, citada, disposição legal.
Veio então o Defensor invocar a inconstitucionalidade de tal disposição legal, por violação do artigo 111º, da Constituição da República Portuguesa.
Da concatenação de tais dispositivos legais não vislumbramos qualquer inconstitucionalidade do disposto no artigo 66º, do Código de Processo Penal, pois não conseguimos ver qualquer intromissão na competência da Ordem dos Advogados, para além da simples direcção do processo e defesa dos direitos do arguido, inclusive os constitucionalmente garantidos, constantes do artigo 32º, da Constituição da República Portuguesa.
Assim, não conseguimos compreender que o artigo 66º, do Código de Processo Penal, na precisa forma como foi aplicado pelo tribunal “a quo”, possa de qualquer forma violar os artigos 111º e 208º da Constituição da República Portuguesa e, o artigo 72º, do Estatuto da Ordem dos Advogados, improcedendo por falta de fundamento o recurso interposto, na parte.

- Recurso da sentença:

- Da inconstitucionalidade do artigo 411º, nº 1, do Código de Processo Penal, por violação do pricípio da igualdade, estabelecido no artigo 13º, da Constituição da República Portuguesa e do princípio da proporcionalidade, estabelecido no artigo 18º, da Constituição da República Portuguesa, ao estabelecer um prazo de interposição de recurso, diverso do que consta do artigo 638º, nº 7, do Código de Processo Civil.
Consta do artigo 4º, do Código de Processo Penal, que “nos casos omissos (…) observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal”.
Igualmente, resulta do disposto no artigo 411º, do Código de Processo Penal, que “o prazo para interposição de recurso é de 30 dias (…)”.
Então resulta claro e inequívoco desta única disposição legal, encontrar-se fixado o prazo e 30 dias para a interposição de recurso em processo penal, seja, recurso da matéria de facto, seja recurso da matéria de direito, seja recurso da matéria de facto e de direito.
Compreende-se a necessidade deste prazo mais curto relativamente ao estabelecido em processo civil, pois neste caso encontram-se direitos fundamentais em causa, nomeadamente, o direito à liberdade, que não é compaginável com prazos mais longos.
De qualquer forma, a existência de qualquer lacuna é que não se verifica, para determinar a aplicação supletiva da legislação processual civil ou outra ainda com prazos mais alongados.
Também, a sujeição a prazos diferentes de situações jurídicas igualmente diferentes, não viola o pricípio da igualdade, estabelecido no artigo 13º, da Constituição da República Portuguesa ou o princípio da proporcionalidade, estabelecido no artigo 18º, do mesmo diploma legal ou os princípios da justiça e da razoabilidade.
Nestes termos e sem necessidade de outros considerandos, improcede nesta parte o recurso interposto.

- Da impugnação da sentença proferida relativamente à matéria de facto referida nos pontos 3, 6, 7, 8 e 9, dos factos provados e referida nos pontos a) a i) dos factos não provados, por erro de julgamento, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal.
É sabido que constitui princípio geral que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, nos termos do estatuído no artigo 428º, do Código de Processo Penal, sendo que, no tocante à matéria de facto, é também sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto pela seguinte ordem: primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada, incumbindo a quem recorre o ónus de impugnação especificada, previsto no artigo 412º, nº 3 e, nº 4, do citado diploma, condição para que a mesma seja apreciada e, depois e se for o caso, dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
O erro de julgamento, ínsito no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Nesta situação, de erro de julgamento, o recurso visa reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância, na parte objecto da impugnação.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelo nº 3 e, nº 4, do artigo 412º, do Código de Processo Penal.
É que nestes casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição das gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
E, é exactamente porque o recurso em que se impugne amplamente a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando (violação de normas de direito substantivo) ou in procedendo (violação de normas de direito processual), que o recorrente deverá expressamente indicar e se lhe impõe o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos constantes do nº 3, do artigo 412º, do Código de Processo Penal.
Assim, impõe-se-lhe a especificação dos “concretos pontos de facto” que considera incorrectamente julgados, especificação esta, que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado; impõe-se-lhe a especificação das “concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida”, especificação esta que só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida, acrescendo que o recorrente deve explicitar por que razão essa prova impõe decisão diversa. Isto é, impõe-se ao recorrente que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado. E, sendo caso, impõe-se-lhe a especificação das “provas que devem ser renovadas”, que só se satisfaz com a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento no tribunal de primeira instância, dos vícios referidos nas alíneas do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal e, das razões para crer que aquela renovação da prova permitirá evitar o reenvio do processo – cfr. artigo 430º, nº 1, do citado diploma.
No fundo, o que está em causa e se exige na impugnação mais ampla da matéria de facto é que o recorrente indique a sua decisão de facto em alternativa à decisão de facto que consta da decisão revidenda, justificando em relação a cada facto alternativo que propõe porque deveria o Tribunal ter decidido de forma diferente.
Ou, por outras palavras, como se afirma no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-03-2012, publicado no D.R., I Série, nº 77, de 18-04-2012, “Impõe-se ao recorrente a necessidade de observância de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta especificação dos concretos pontos da matéria de facto, que considera incorrectamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na acta, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso. Esta exigência é de entender como contemplando o princípio da lealdade processual, de modo a definir em termos concretos o exacto sentido e alcance da pretensão, de modo a poder ser exercido o contraditório.
A reapreciação por esta via não é global, antes sendo um reexame parcelar, restrito aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, necessário sendo que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, não bastando remeter na íntegra para as declarações e depoimentos de algumas testemunhas.
O especial/acrescido ónus de alegação/especificação dos concretos pontos de discórdia do recorrente (seja ele arguido, ou assistente), em relação à fixação da facticidade impugnada, bem como das concretas provas, que, em seu entendimento, imporão (iam) uma outra, diversa, solução ao nível da definição do campo temático factual, proposto a subsequente tratamento subsuntivo, justifica-se plenamente, se tivermos em vista que a reapreciação da matéria de facto não é, não pode ser, um segundo, um novo, um outro integral, julgamento da matéria de facto.
Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo.”.
Cabe aqui evidenciar, um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que lança luz sobre a questão em apreço.
Como, de forma impressiva, refere o Conselheiro Carmona da Mota no acórdão do STJ de 27-02-2003, Proc. 140/03, “ii. O valor da prova, isto é a sua relevância enquanto elemento reconstituinte do facto delituoso imputado ao arguido depende fundamentalmente da sua credibilidade: ou seja, a sua idoneidade e autenticidade. iii. A credibilidade da prova por declarações depende essencialmente da personalidade, do carácter e da probidade moral de quem as presta, sendo que tais características e atributos, em princípio, não são apreensíveis ou detectáveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as declarações se encontram documentadas, mas sim através do contacto pessoal e directo com as pessoas. iv. O tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido".
Ou seja, e como assinala Figueiredo Dias in Direito Processual Penal, pág. 204 e sgs., a convicção do juiz há-de ser uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade meramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis - v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova, e mesmo puramente emocionais.
Em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, capaz de se impor aos outros.
Uma tal convicção existirá quando e só quando o Tribunal tenha logrado convencer-se da verdade, para além de toda a dúvida razoável.
E, nesta matéria assume-se, como fundamental, o princípio da imediação, isto é, a relação de proximidade comunicante entre o Tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão.
Só a oralidade e imediação, com efeito, permitem avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais.
Postos estes considerandos e sem os olvidarmos, decorre da peça recursiva apresentada pela recorrente que pretende impugnar a matéria de facto considerada como provada nos pontos 3, 6, 7, 8 e 9, que em seu entender deverão ser considerados como não provados e os pontos não provados nos pontos a) a i), que em seu entender deverão ser considerados como provados.
Como se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05-06-2002, proferido no processo nº 0210320, disponível em www.dgsi.pt, “a actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. Por isso, a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sociocultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente. (…) Assim, a reapreciação das provas gravadas pelo Tribunal da Relação só pode abalar a convicção acolhida pelo tribunal de 1ª instância, caso se verifique que a decisão sobre a matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo ou está profundamente desapoiada face às provas recolhidas.”.
Assim, no âmbito do referido erro de julgamento em matéria de facto, mesmo concedendo que o recorrente deu cumprimento ao disposto no artigo 412º nº 3 e nº 4, do Código de Processo Penal, há-de conceder-se que, revista a prova produzida na audiência de julgamento levada na instância a tese sustentada, fundamentadamente, na sentença, nos termos e âmbito do disposto, maxime, nos artigos 374º nº 2 e 127º, do Código de Processo Penal, mesmo que se não possa ter como imposta, tem de ter-se por consentida pela prova na audiência levada em primeira instância.
Com efeito, tendo este Tribunal “ad quem” procedido à audição da prova produzida em sede de audiência de julgamento e demais prova documental junta aos autos, relevante para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, conforme disposto no artigo 412º, nº 6, do Código de Processo Penal, não afastada que está a possibilidade de nos socorrermos do princípio da livre convicção na apreciação/valoração das provas, concluímos que a nossa convicção acerca dos factos sob julgamento não diverge daquela que o Tribunal “a quo” alcançou e exprimiu na sentença recorrida.
Há que concretizar, após a audição da prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente as declarações do arguido (...) e o depoimento da testemunha (...), funcionária do IMT, conjuntamente com a apreciação da prova documental constante dos autos, nomeadamente os documentos juntos a fls. 26 e 27 e, como resulta bem claro do texto da sentença recorrida do Tribunal “a quo”, o arguido, ora recorrente tinha conhecimento que a sua licença de condução de veículos automóveis se encontrava apreendida desde o dia 14-03-2017 e, não se consegue perceber porque um mês após esta apreensão sentiu necessidade de se dirigir ao IMT, para tratar da alteração da residência constante da licença apreendida, para além da simples declaração do arguido.
Por outro lado, atento o depoimento da testemunha funcionária do IMT, existe todo um procedimento administrativo estabelecido e diferenciado quanto às situações de extravio e de alteração de residência, com todo um fundamento lógico, em que o único procedimento realizado sem a exibição da licença de condução é o do extravio, por óbvia impossibilidade.
Logo, resulta como manifestamente impossível a referida alteração da residência, enquanto perdura a apreensão judicial o que nos parece ser resultante da experiência comum.
Assim, as declarações da citada testemunha, alicerçam-se em todo um conhecimento de experiência de funcionamento da administração pública apenas contrariadas pelas declarações do arguido que para além da mera declaração, não apresentam qualquer razoabilidade, em como é que explicou no IMT que tinha a licença de condução apreendida e por tal não a podia apresentar e, como sem querer, conseguiu ficar como uma 2ª via da licença de condução apreendida e não foi, tal como com a 1ª via entregá-la ao respectivo processo para efectivar também a sua apreensão.
Sendo por isso a única prova produzida nesse sentido as declarações do arguido, que obviamente porque desacompanhadas de qualquer outra prova, nomeadamente documental e, despidas de qualquer razoabilidade, não passam de uma mera declaração do arguido, que não é obrigado a dizer a verdade e, que não merece nenhuma credibilidade.
Pelo exposto bem andou o Tribunal “a quo”, em não valorar as declarações do arguido e em conferir credibilidade ao depoimento da testemunha (...) e, ao valorar a prova documental junta a fls 26 e 27, nos termos em que a valorou.
Assim, de acordo com os elementos de prova referidos, nada permite concluir de forma diferente ao feito pelo Tribunal “a quo”.
Relativamente aos aspectos de ordem subjectiva, é do conhecimento geral que tais aspectos são apurados em função dos factos objectivos que indiciam a atitude psicológica do agente para com o facto.
Com efeito, as intenções, as vontades, os conhecimentos, as representações mentais, porque do foro psíquico do sujeito, não são realidades palpáveis, sensitivamente perceptíveis, hipostasiáveis.
Desse modo, a inerente percepção, nomeadamente para efeitos judiciais, só pode ser alcançada por via da ponderação dos comportamentos exteriorizados que, de um modo mais ou menos conclusivo, demonstrem esses estados psicológicos (nas palavras de Germano Marques da Silva, e na linha de pensamento de Cavaleiro de Ferreira, “a maior parte das vezes os actos interiores não se provam directamente, mas por ilação de indícios ou factos exteriores.”, Curso de Processo Penal, II, 1999, p. 101).
Quanto aos aspectos de ordem subjectiva, o Tribunal “a quo” ponderou os elementos objectivos disponíveis, com efeito, a convicção do Tribunal quanto a estes factos, resultou da conjugação de todos os elementos de prova supra enunciados entre si, bem como, com as regras de experiência comum.
O julgador tem de apreciar e valorar a prova na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou “hominis”, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção.
Ademais, ressalvado sempre o devido respeito pelo esforço argumentativo do recorrente, o mesmo olvida o princípio da livre apreciação da prova, ínsito no artigo 127º, do Código de Processo Penal, norma de acordo com a qual “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
É sabido que a livre convicção não se confunde com convicção íntima, caprichosa e emotiva, dado que é o livre convencimento lógico, motivado, em obediência a critérios legais, passíveis de motivação e de controlo, na esteira de uma “liberdade de acordo com um dever”, no ensinamento do Professor Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, Vol. I, Reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 201 a 206, que o processo penal moderno exige, dever esse que axiologicamente se impõe ao julgador por força do Estado de Direito e da Dignidade da Pessoa Humana.
A livre convicção não pode ser vista em função de qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios, mas antes deve perspectivar-se segundo as regras da experiência comum, num complexo de motivos, referências e raciocínio, de cariz intelectual e de consciência, que deve de todo em todo ficar de fora a qualquer intromissão interna em sede de conhecimento.
Só assim não será, quando as provas produzidas impõem decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, o que sucederá, sem preocupação de enunciação exaustiva, designadamente, quando o julgador decidiu a apreciação dos meios de prova ou de obtenção de prova ao arrepio e contra a prova produzida (v.g. dá como provado determinado facto com fundamento no depoimento de determinada testemunha e ouvido tal depoimento ou lida a respectiva transcrição constata-se que a dita testemunha disse coisa diversa da afirmada na decisão recorrida ou nem se pronunciou sobre aquele facto), ou quando o tribunal valorou meios de prova ou de obtenção de prova proibidos, ou apreciou a prova produzida desrespeitando as regras sobre o valor da prova vinculada ou das “leges artis”, ou quando a apreciação da prova produzida contraria as regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, enfim, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência, ou, ainda, quando a apreciação se revela ilógica e, arbitrária.
Sabido é que, no artigo 127º, do Código de Processo Penal consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante (o julgamento surge, na estrutura do processo penal, como o momento de comprovação judicial de uma acusação – é o momento do processo onde confluem todos os elementos probatórios relevantes, onde todas as provas têm de se produzir e examinar e onde todos os argumentos devem ser apresentados, para que o Tribunal possa alcançar a verdade histórica e decidir justamente a causa), pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada”, artigos 84º (caso julgado), 163º (valor da prova pericial), 169º (valor probatório dos documentos autênticos e autenticados) e 344º (confissão) do Código de Processo Penal e está sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova, artigo 32º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa, e artigos 125º e 126º, do Código de Processo Penal e, o do “in dubio pro reo” artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.
O princípio “in dubio pro reo”, sendo o correlato processual do princípio da presunção de inocência do arguido, constitui um princípio relativo à prova, decorrendo do mesmo que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do Tribunal.
Dito de outra forma, o princípio “in dubio pro reo” constitui uma imposição dirigida ao juiz no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa.
Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e que se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevantes para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios prova, de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.
E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.
O acto de julgar é do tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência a percepção da personalidade do depoente impondo-se por tal a imediação e a oralidade e a da dúvida inultrapassável, conduzindo ao princípio “in dubio pro reo”.
A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão
Não basta defender que a leitura feita pelo Tribunal da prova produzida não é a mais adequada, o que supõe que a mesma é possível, sendo, antes, necessário demonstrar que a análise da prova, à luz das regras da experiência comum ou da existência de provas inequívocas e, em sentido diverso, não consentiam semelhante leitura.
Volvendo ao processo, bastará a simples leitura da decisão recorrida, designadamente da motivação da decisão de facto assumida na instância, para se alcançar o processo lógico-formal, o raciocínio efectuado pelo Tribunal “a quo” na ponderação das provas produzidas e privilegiadas na formação da convicção expressa no relato dos factos dados como provados.
Posto isto, surge como evidente que a não-aceitação, que o recorrente manifesta relativamente ao modo como o Tribunal “a quo” decidiu a matéria de facto, não radica na existência de provas que impusessem decisão diversa da que foi proferida, mas tão só na sua análise pessoal da prova e da sua vontade de a sobrepor à análise levada a cabo por quem tem o poder/dever de a fazer.
Assim, em conclusão, decorre, necessariamente, que este Tribunal “ad quem” não pode deixar de julgar improcedente a alegada impugnação alargada da matéria de facto por parte do recorrente.

Nos termos referidos, impõe-se, por obediência à jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, deixar exarado que a sentença recorrida, por si ou com recurso às regras da experiência, não revela qualquer dos vícios prevenidos no nº 2 do artigo 410º, do Código de Processo Penal.
O vício de erro notório na apreciação da prova não se verifica quando a discordância resulta da forma como o tribunal apreciou a prova produzida.
O simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal e expressa na decisão recorrida não conduz ao aludido vício - cfr. Acórdãos do S.T.J. de 19-09-1990, BMJ 399, pág. 260 e de 26-03-1998, Proc. nº 1483/97.
Ora, do texto da decisão recorrida, como se vê da transcrição supra, a mesma apreciou os factos aportados na acusação e na contestação e bem assim aqueles que resultaram da discussão da causa em audiência de julgamento.
Então do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, não se perfila a existência de qualquer um dos vícios elencados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Investigada que foi a materialidade sob julgamento, não se vê, por isso, que a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a solução de direito atingida, não se vê que se haja deixado de investigar toda a matéria de facto com relevo para a decisão final, como não se vê qualquer inultrapassável incompatibilidade entre os factos provados ou entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão, e de igual modo não se detecta na decisão recorrida, por si e com recurso às regras de experiência, qualquer falha ostensiva na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário.
Por outro lado, conceda-se, a decisão recorrida, como já se afirmou, não deixa de expor, de forma clara e lógica, os motivos que fundamentaram a decisão sobre a matéria de facto, com exame criterioso, das provas que abonaram a decisão, tudo com respeito do disposto no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal.
A decisão recorrida está elaborada de forma equilibrada, lógica e fundamentada.
O Tribunal a quo decidiu segundo a sua livre convicção e explicou-a de forma objectiva e motivada e, portanto, capaz de se impor aos outros.
Em consequência, mantém-se e, sedimentada se mostra, a factualidade assente pelo Tribunal “a quo”, não se vislumbrando na decisão recorrida vício ou nulidade cujo conhecimento oficiosamente ou a requerimento se imponha a este Tribunal “ad quem”.
Por tal, não resulta existir qualquer dos vícios constantes do disposto no artigo 410º, nº 2, alíneas a), b) ou, c), do Código de Processo Penal, bem como não se mostra verificado qualquer nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1 e, nº 2, do mesmo Código ou nos termos dos artigos 410º, nº 3 e, 119º, nº 1, do mesmo diploma legal, que não devam considerar-se sanadas.
Assim, em conclusão, decorre, necessariamente, que este Tribunal ad quem não pode deixar de julgar improcedente a alegada impugnação alargada da matéria de facto por parte do recorrente (...).

- Da impugnação da sentença proferida relativamente à matéria de direito, por discordância com a subsunção jurídica dos factos provados, ao disposto no artigo 256º, nº 1, alínea d) e nº 3, do Código Penal.
Quanto à impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de direito, relativamente à qualificação jurídica dos factos provados, a mesma tem por base o procedibilidade do recurso interposto, sobre essa mesma matéria de facto, o que conforme o supra, referido, não se verificou.
Resulta da sentença recorrida: “Da factualidade apurada, resultou provado, além do mais, que no dia 19-04-2017 o arguido requereu a emissão de duplicado/2ª via da carta de condução nº SE-218607, emitida em 20-05-2005, com fundamento em extravio, facto que declarou, e que ficou registado no sistema informático do IMT, e que tal fundamento era falso, porquanto no dia 14-03-2017 havia entregue o original da sua carta de condução à ordem do processo com o nº 92/17.3PCSTB para cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados na qual nesses autos foi condenado.
Importa agora verificar se o acabado de expor integra o disposto nas alíneas d) e e), do nº 1, do artigo 256º, do Código Penal, de que o arguido vinha acusado.
Ora, ao alegar falsamente extravio e consequentemente fazer constar do seu pedido a solicitar a 2ª via da sua carta de condução, como fundamento o extravio, fazendo crer que o original da carta de condução havia sido extraviado, é de concluir que tal conduta integra o disposto na alínea d), do nº 1, do artigo 256º, do Código Penal.
Pois, o arguido fez constar do aludido requerimento/pedido um facto juridicamente relevante, uma vez que só assim obteve uma 2ª via da sua carta de condução.
Por sua vez, e no que se refere à alínea e), do nº 1, do artigo 256º, do Código Penal, importa dizer que a mesma se reporta ao uso de documento falso por pessoa distinta do falsificador.
Ora, considerando que o documento a que nos reportarmos nos presentes autos não é falso, antes, foi falsamente declarado um facto juridicamente relevante, é de concluir que a conduta do arguido não se enquadra na aludida alínea e), do nº 1, do artigo 256º, do Código Penal, mas apenas na alínea d) do mesmo normativo.
Assim, mostram-se verificados os elementos do tipo objectivo de ilícito jurídico-penal previsto e punível pelo artigo 256º, nº 1, alínea d), do Código Penal.
Mais se provou que o arguido sabia que ao requerer a 2ª via da carta de condução no IMT, com fundamento em «Extravio», estava a fazer constar um facto falso que sabia não corresponder à verdade e que punha em causa a segurança e credibilidade do documento, com intenção de obter para si benefício ilegítimo, o que quis e representou, e que agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta, supra descrita, era proibida e punida por lei penal.
Consequentemente, agiu com dolo directo (cf. artigo 13º e 14º, nº 1, do Código Penal), preenchendo desta forma o elemento subjectivo.
Pelo que, mostram-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime aqui em causa.
Destarte, preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime aqui em causa, como se aferiu supra, e inexistindo causas da exclusão da ilicitude e da culpa, é de concluir que o arguido (...) praticou um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº 1, alínea d), do Código Penal, devendo ser condenado pelo mesmo.”.
Pelo exposto, bem andou o Tribunal “a quo”, em subsumir os factos provados constantes dos autos, no disposto no artigo 256º, nº 1, alínea d), do Código Penal, pois resultou provado que o arguido tinha o domínio do facto relativamente a fazer constar um facto falso que sabia não corresponder à verdade e que punha em causa a segurança e credibilidade do documento, com intenção de obter para si benefício ilegítimo.
Por tal, não merece a sentença recorrida, qualquer reparo relativamente à subsunção jurídica dos factos, que nos autos resultaram provados, improcedendo, assim, o recurso interposto pelo arguido (...), nesta parte e confirmando-se, consequentemente a sentença recorrida.

- Da impugnação da sentença proferida relativamente à matéria de direito, por violação de lei, artigo 16º, alíneas a) e c), da Lei nº 34/2004, de 29/07.
Resulta do disposto no citado artigo 16º, nº 1, alíneas a) e e), da Lei nº 34/2004, de 29/07, relativamente ao denominado apoio judiciário:
O apoio judiciário compreende as seguintes modalidades:
a) Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
(…)
e) Nomeação e pagamento faseado da compensação de patrono”.
Por outro lado, resulta do disposto no artigo 376º, nº 4, do Código de Processo Penal que:
A sentença observa o disposto neste Código e no Código das Custas Judiciais em matéria de custas”.
Em matéria de responsabilidade do arguido pelas custas (taxa de justiça e encargos), decorre do artigo 513º, nº 1, do mesmo diploma legal, que:
É devida taxa de justiça pelo arguido quando for condenado em 1ª instância”.
E o nº 1, do artigo 514º, ainda do mesmo diploma legal acrescenta que:
O arguido condenado em taxa de justiça paga também os encargos a que a sua actividade houver dado lugar”.
Tratam-se de disposições legais que obrigam o juiz a tomar posição na sentença sobre a responsabilidade do arguido pelas custas do processo, em caso de condenação.
A concessão do apoio judiciário, na modalidade constante do citado artigo 16º, nº 1, alínea a), da Lei nº 34/2004, em nada altera esse dever legal quanto à decisão sobre a responsabilidade do arguido em matéria de custas, porque os beneficiários do apoio judiciário não gozam de isenção de custas, mas apenas a “dispensa, total ou parcial, do pagamento de custas”, nos termos do citado artigo 16º, nº 1, al. a), da Lei nº 34/2004.
O que é diferente de isenção de custas e tem a sua justificação, no disposto nos artigos 10º e 13º, da mesma Lei, onde se prevê a possibilidade de o apoio judiciário ser retirado ou cancelado e o respectivo beneficiário ter de efectuar o pagamento das custas da sua responsabilidade, pelo que as mesmas deverão estar fixadas na decisão proferida.
A mesma decisão deveria também fazer menção ao apoio judiciário concedido, sendo que, contudo, tal menção não é imposta por lei e, é inócua a sua falta de menção, não prejudicando o arguido de qualquer forma, mantendo-se na sua plenitude de efeitos o benefício do apoio judiciário concedido para todos os actos do processo.
Como se refere no Acórdão da Relação de Guimarães de 22-05-2017, proferido no Processo nº 462/10.8TAVRL-A.G1, disponível em http://www.dgsi.pt., “Trata-se de pressuposto processual de verificação necessária em todas os procedimentos, incluindo os recursos, exigindo-se, por força do mesmo, uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de o fazer seguir. (…)
Resumindo, o interesse em agir, como pressuposto de qualquer procedimento, significa a necessidade que um sujeito tenha de usar tal meio, designadamente, tratando-se dum recurso, para reagir contra uma decisão que comporte uma desvantagem para os interesses que defende, ou que frustre uma sua expectativa ou interesse legítimos, que significa que só pode recorrer de uma decisão que determine uma desvantagem; não poderá recorrer quem não tem qualquer interesse juridicamente protegido na correção da decisão.
A definição do concreto interesse em agir supõe, pois, que se identifique qual o interesse que um sujeito pretende realizar no processo, e especificamente em cada fase do processo”.
Nestes termos que subscrevemos integralmente, resulta evidente que para que o recorrente tenha interesse em agir é necessário que vise qualquer efeito útil que não possa alcançar sem lançar mão do recurso.
Conforme supra exposto, no caso concreto “sub judice”, neste segmento do recurso interposto, o recorrente não visa atingir qualquer efeito útil, não visando atingir qualquer interesse juridicamente protegido, ou reagir contra qualquer decisão que comporte uma desvantagem para os seus interesses.
Assim, por manifesta falta de interesse em agir neste segmento do recurso, o recurso interposto nesta parte, não é legalmente inadmissível, o que conduz à sua rejeição, não devendo ser apreciado.
Pelo exposto, decide-se nesta parte rejeitar, por inadmissibilidade legal e com fundamento em falta de interesse em agir, o recurso interposto pelo arguido (...).

Em vista do decaimento total nos recursos interpostos pelo arguido (...), ao abrigo do disposto nos artigos 513º, nº 1 e 514º, nº 1, do Código de Processo Penal, 8º, nº 5, com referência à Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais, impõe-se a condenação do recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta, por cada um dos recursos interposto, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.

III - DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

- Julgar improcedentes, os recursos, interlocutório e principal, interpostos pelo arguido (...), confirmando-se, pois, o despacho e a sentença recorridos.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4UC, por cada um dos recursos interposto, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.

Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários.
Consigna-se, ainda, não ter sido realizada conferência presencial, mas por teleconferência.
Évora,09-02-2021 (FernandoPina) (Beatriz Marques Borges)