Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
665/08.5TBETZ-D.E1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: HIPOTECA
FRUTOS
CORTIÇA
Data do Acordão: 03/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Se aquando da penhora do imóvel hipotecado a cortiça fazia parte do mesmo não tinha autonomia é abrangida pela extensão do reconhecido direito do credor hipotecário.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 – Relatório.

Nos presentes autos de execução comum, nos quais figuram como exequente (…), executados (…), entre outos, e credor reclamante, entre outros, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), CRL, veio o Sr. AE suscitar a questão de saber a qual dos sujeitos (exequente ou credor reclamante) deveria proceder à entrega da quantia obtida por meio da venda da cortiça penhorada.
Notificados para se pronunciarem, o exequente pugna pela entrega a si dessa quantia, contrariamente entende o credor reclamante que lhe deve ser entregue a si.
Foi proferida decisão que entendeu que assistia razão à credora reclamante Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), CRL, sendo a esta que, acauteladas as despesas pelo AE, deverá ser entregue o remanescente do produto da venda, em cumprimento da sentença já transitada.

Inconformado com tal decisão, o exequente interpôs recurso contra a mesma, concluindo a sua alegação da forma seguinte (transcrição):
«1. Analisada a sentença de verificação e graduação de créditos, já transitada em julgado, a que se alude nos factos provados com o n .6 verifica-se que a mesma procedeu à graduação dos créditos em função dos imóveis penhorados e das reclamações de créditos apresentadas, mas não efetuou a graduação de créditos no que diz respeito à verba que constitui a cortiça penhorada.
2. A verificação e graduação de créditos a que se alude no artigo 791.º do CPC pressupõe que sobre um determinado bem penhorado existam mais do que um crédito a ser reclamados, o que torna necessária a sua respetiva graduação para se determinar a prevalência de um sobre o outro.
3. Ora, no caso dos autos, como se verifica dos factos provados da decisão recorrida, quando foi proferida a sentença de créditos em 05.01.2018 já tinha sido realizada a penhora da cortiça – (02.06.2017, cfr. ponto 5 dos factos provados) separadamente dos imóveis, também eles penhorados, conforme auto de penhora realizado pelo Agente de Execução e notificado às partes, o qual nunca foi objeto de qualquer objeção ou censura.
4. Se à data da prolação da sentença de verificação e graduação de créditos a penhora da cortiça já tinha sido realizada e o tribunal não a incluiu no objeto da sentença foi porque entendeu, a nosso ver bem, que sobre aquele concreto bem não carecia de se realizar qualquer graduação de créditos visto apenas existir a penhora a favor do exequente.
5. O tribunal a quo ao ter proferido sentença de verificação e graduação de créditos em data posterior à penhora da cortiça – realizada autonomamente no auto de penhora – e dela tendo excluído aquele concreto bem, foi porque entendeu que em virtude de não existirem créditos a graduar sobre o produto da venda da cortiça não deveria esta ser objeto da mencionada decisão.
6. Aquela sentença de verificação e graduação de créditos, com aquele alcance, transitou em julgado e nos termos do artigo 619.º do CPC constitui caso julgado.
7. Um dos efeitos desse caso julgado formal consiste na impossibilidade de o tribunal voltar a proferir decisão sobre aquela concreta matéria, isto é, de voltar a graduar créditos – foi o na prática ocorreu – no que respeita a cortiça penhorada. Ora, o tribunal a quo, ao proferir a decisão ora impugnada, acabou por, na prática, proferir uma decisão sobre a qual estava impedido de o fazer atenta a regra do caso julgado atrás mencionada.
8. No que respeita à sentença de verificação e graduação de créditos, um dos efeitos negativos do caso julgado formal que sobre ela incide, no que concerne a bens penhorados e não incluídos no seu objeto pela desnecessidade de graduação de créditos, consiste precisamente na preclusão de uma futura reapreciação da mesma questão uma vez que o tribunal, no caso concreto, já não tinha qualquer poder jurisdicional para decidir como decidiu.
A decisão recorrida violou por isso o artigo 619.º do CPC.
9. O tribunal concedeu às partes efetivamente o direito ao contraditório, onde solicitou: “Notifique os sujeitos processuais para, querendo, se pronunciarem, considerando ademais a sentença já prolatada, a natureza dos bens alienados e o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 686.º e segs. do CC, com especial incidência no artigo 691.º, n.º 1, alínea a), por referência à alínea c) do artigo 204.º, n.º 1 e artigo 700.º do CPC”.
10. As partes pronunciaram-se. Mas o tribunal, pelo menos no que à pronúncia do recorrente diz respeito, acabou por não se pronunciar especificamente sobre todas as questões suscitadas. O tribunal a quo manteve a opinião de que a hipoteca inclui os frutos, mas não teceu qualquer consideração sobre as razões que o recorrente invocou no exercício do contraditório. O tribunal limitou-se a dizer que a interpretação do recorrente ocorreu de forma enviesada das normas do artigo 758.º, n.º 2, do CPC.
11. O tribunal a quo não se pronunciou sobre as concretas questões suscitadas pelo recorrente no requerimento que apresentou sob a ref. 37087695 de 10.11.2020, designadamente, as relacionadas com a interpretação que resultada da análise conjugada do artigo 758.º, n.º 2, do CPC, artigo 201.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil, artigo 210.º, n.º 2 e 700.º do Código Civil, não se tendo também pronunciado sobre o reflexo da prolação da sentença de verificação e graduação de créditos na presente decisão que consta evidenciada no mencionado requerimento no segmento do mesmo onde se refere no n.º 15 “A própria sentença de graduação de créditos de 05-06-2018, pela qual o Tribunal averiguou da existência de créditos sobre os bens penhorados, não reconhece qualquer crédito autonomamente incidente sobre os frutos dos prédios, pelo que sai reforçado o entendimento supra exposto de exclusão dos frutos penhorados do âmbito de incidência da hipoteca , e, nessa medida, cremos que esse direito ao contraditório terá sido violado pelo tribunal, tal como está previsto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC , com o alcance atrás evidenciado.
12. Dispõe o artigo 691.º/n.º 1/alínea a), que “a hipoteca abrange: a) As coisas imóveis referidas nas alíneas c) a e) do n.º 1 do artigo 204.º”, sendo certo que na alínea c) do n.º 1 do artigo 204.º, por sua vez, a lei define como coisas imóveis “c) As árvores, os arbustos e os frutos naturais, enquanto estiverem ligados ao solo”.
13. Assim, os frutos naturais do prédio são, enquanto coisas imóveis, abrangidos pela hipoteca – onde se inclui a cortiça proveniente do montado de sobro existente no mesmo. Da parte final da norma – “enquanto estiverem ligados ao solo” – resulta claro que é a natureza imóvel de tais coisas, por materialmente ligadas ao prédio, que as torna extensivamente abrangidas pela hipoteca.
14. No caso dos autos a cortiça foi penhorada autonomamente e vendida enquanto bem penhorado à ordem dos autos e realizada em benefício do exequente, ora recorrente. tendo sido esse ato, a penhora da cortiça, ao separá-la materialmente do prédio e assim deixar de estar “ligada ao solo”, que fez cessar a imobilidade que até aí a caracterizava. Ao fazê-lo, torna-se um bem móvel distinto do imóvel a que estava ligado de raiz.
15. Atribuir esta “mobilidade” – não no sentido de transporte, mas quanto à qualificação jurídica da coisa – aos frutos produzidos, fá-los sair da categoria de bens imóveis definida na alínea c) do n.º 1 do artigo 204.º, precisamente por já não estarem “ligados ao solo”. Os frutos passam assim de imóveis a móveis e assumem-se como um bem económica e materialmente independente do prédio do qual faziam parte, enquanto bem com valor próprio e cuja extração, como se observa nos autos, têm interesse para outras finalidades que não só aquela principal do prédio.
16. Consequentemente, por já não fazerem parte do imóvel, a hipoteca deixa de se estender aos frutos a partir do momento em que eles são colhidos. Abrange-os, é certo, enquanto integram o imóvel, porquanto contribuem para uma valorização do prédio proveniente de qualidades próprias, mas deixa de se estender quanto a eles assim que rompida essa ligação material – permitindo-lhes cumprir a sua função económica própria na plenitude.
17. É então na separação material que radica o limite da extensão da hipoteca, sendo que, uma vez quebrada essa ligação, nomeadamente pela sua colheita, os frutos deixam de estar abrangidos pela hipoteca originária, sendo necessária uma nova para que estes constituíssem garantia do crédito hipotecário.
18. E facto é que nenhuma hipoteca nesses termos foi constituída, como resulta do contrato de hipoteca celebrado entre a Credora Reclamante, ora recorrida, e os Executados, no qual apenas foi dado de garantia o prédio e todas as “benfeitorias e acessórios, designadamente todas as construções já existentes ou que venham a ser feitas”, nada se dizendo quanto a frutos – seja como imóveis integrantes do prédio ou já como coisa móvel autónoma. Ou seja, as partes apenas quiseram incluir na hipoteca futuros elementos edificativos, nos quais os frutos não se inserem.
19. Sucede que a extração da cortiça foi feita ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 758.º do CPC – que prevê expressamente a possibilidade de penhora autónoma de frutos – e não ao abrigo de poderes de administração ordinária do depositário do bem penhorado.
20. Tratou-se não de uma mera colheita de frutos pelo depositário, mas sim de um verdadeiro ato executivo, praticado pelo A.E. com poderes legalmente conferidos para tal, no âmbito da finalidade dos presentes autos, de satisfação do crédito exequendo. A natureza completamente distinta dos dois atos – um de natureza executiva enquanto apreensão judicial de bens, e outro de mera administração ordinária por parte do depositário – permite afastar facilmente a aplicação do artigo 700.º do CC, que apenas respeita aos casos do segundo.
21. A separação material ocorreria em qualquer um dos casos, é certo, mas a natureza executiva do ato de penhora pelo qual se extraiu a cortiça elimina completamente quaisquer dúvidas sobre a eficácia dessa extração, que o artigo 700.º do CC poderia pôr em causa.
22. Nestes termos, a Credora Reclamante, ora recorrida, não tem qualquer direito de hipoteca sobre os frutos penhorados e vendidos nos presentes autos, existindo apenas um único direito sobre estes: o direito do Exequente a ser pago preferencialmente que decorre da penhora, nos termos do artigo 822.º do CC. Claro está que a Credora Reclamante não tem qualquer direito sobre os frutos e, bem assim, sobre o produto da sua venda.
23. A douta decisão sob recurso fez uma errada apreciação das normas jurídicas aplicáveis, mormente, do regime previsto no artigo 204.º, n.º 1, c), do CC e artigo 758.º, n.º 2, do CPC, pelo que carece de ser revogada com a procedência do presente recurso e substituída por decisão de Vossas Excelências em que se reconheça que, a credora reclamante, ora recorrida, não tem qualquer direito de hipoteca sobre os frutos penhorados, separados e vendidos nos presentes autos, existindo apenas um único direito sobre estes: o direito do exequente, ora recorrente a ser pago preferencialmente pelo produto da venda da cortiça, por força da penhora realizada, o que determina que a quantia remanescente depositada à ordem do A.E. – deduzidas as despesas da venda – seja transferida para o exequente, ora recorrente.»
Dispensados os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Os factos considerados provados na 1ª instância são os seguintes:
1. Os presentes iniciaram-se em 12.12.2008 com a execução de livrança, figurando à data como exequente a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…).
2. No apenso B foi proferida sentença, transitada, na qual se julgou habilitado (…) para prosseguir a execução em substituição da exequente.
3. Através da Ap. (…), de 2010/01/18 17:46:44 UTC foi registada, no prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Estremoz, freguesia de Évoramonte sob o n.º (…), “PENHORA – para garantia da quantia exequenda de 152 784,56 euros, no Processo executivo n.º 665/08.5TBETZ do Tribunal Judicial de Extremoz - secção única. EXEQUENTE - Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…), NIPC (…), com sede em (…). EXECUTADO – (…), NIF (…)”.
4. Da penhora referida em 3. foi lavrado auto de penhora de 09.07.2010, junto aos autos na mesma data, figurando o prédio id. em 3. da verba 2. desse auto.
5. A 02.06.2017 foi lavrado e junto aos autos o auto de penhora dali figurando como “Bens penhorados” sob a verba 1 “Penhora da cortiça a retirar dos sobreiros que se encontram plantados no prédio Misto sito em (…), freguesia de Evoramonte, concelho de Estremoz, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º (…), secção (…), inscrito na matriz predial urbana sob os artigos nºs (…), (…), (…) e (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Estremoz sob o nº (…)”.
6. Em 05.06.2018 foi preferida no apenso C sentença de verificação e graduação de créditos, não tendo da mesma sido interposto recurso, e da qual ademais resulta: “1. Por apenso à execução que a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do (…) moveu contra (…), e em que foram penhorados os prédios identificados no auto de penhora junto a 09.07.2010 nos autos principais, vem a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), Lda. reclamar um crédito, no montante global de € 275.911,11, acrescido de juros de mora vincendos, invocando que, para garantia do mesmo, foram registadas hipotecas sobre os seguintes prédios, penhorados nos autos principais a que estes estão apensos:
(…)
d) Prédio misto no sítio ou com o nome de (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Estremoz sob o número (…), inscrito na matriz rústica sob o artigo (…), da secção (…) e na matriz urbana sob os artigos (…), (…), (…) e … (verba n.º 2 do auto de penhora); e
(…) não tendo sido deduzida oposição, e não havendo qualquer fundamento que implique a rejeição liminar da reclamação, julga-se reconhecido o crédito reclamado, nos termos do artigo referido.
*
b) Da graduação dos créditos
(…)
- DA HIPOTECA
A Credora Reclamante Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), Lda. tem constituídas a seu favor hipotecas (apresentações 1, de 15 de setembro de 2005) sobre os prédios que constituem as verbas n.º 1 a 5, do auto de penhora de 9 de julho de 2010, com a referência 221122.
Ora, a hipoteca, nos termos do artigo 686.º, n.º 1, do Código Civil, “confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”.
No caso dos autos, a Credora Reclamante tem constituídas a seu favor as referidas hipoteca sobre os prédios identificados no auto de penhora (verbas n.º 1 a 5), que visam garantir o crédito que a mesma detém, cujo montante máximo assegurado é superior à quantia reclamada.
Como tal, goza tal crédito de uma garantia real de pagamento sobre os prédios penhorados.
*
- DO CRÉDITO EXEQUENDO (PENHORA)
O crédito exequendo beneficia, apenas, das penhoras realizadas nos autos principais.
Dispõe o artigo 822.º do Código Civil que “salvo nos casos especialmente previstos na lei, o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior”, devendo ser considerada a data do seu registo (Apresentações …, de 18 de janeiro de 2010) já que a penhora apenas produz efeitos relativamente a terceiros desde a mesma (cfr. artigos 755.º do Código de Processo Civil e 2.º, n.º 1, alínea n), do Código de Registo Predial).
Verifica-se, assim, que as penhoras foram efetuadas depois dos registos das hipotecas acima referidas pelo que o crédito exequendo terá de ser graduado após o crédito reclamado pela credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), Lda..
*
Face ao exposto, julgo verificado o crédito reclamado e passo a graduá-lo da seguinte forma:
Quanto ao produto da venda das verbas n.º 1 a 5, constantes do auto de penhora de 09.07.2010:
1. O crédito reclamado pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), Lda.;
2. O crédito exequendo. (…)”.
7. No dia 3 de Setembro de 2018, primeiro dia da tiragem da cortiça, foram retirados 3.500 kg. de cortiça.
8. No dia 4 de Setembro de 2018, segundo dia da tiragem da cortiça, foram retirados 3.340 kg. de cortiça.
9. No dia 5 de Setembro de 2018, terceiro dia da tiragem da cortiça, foram retirados 2.580 kg. onde foram também recolhidos 1.380 Kg. de bocados e calços de cortiça.
10. O valor total obtido pela cortiça recolhida, bocados e calços é de € 18.058,60.


2 – Questões a decidir.

Face ao disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, pelo que a questão a decidir é a seguinte: Saber a cortiça penhorada nos autos de execução é abrangida pela extensão do reconhecido direito de hipoteca do credor.


3 – Análise do recurso.

A sentença entendeu que o produto da venda da cortiça penhorada nos autos deve ser entregue à credora CCAM…, CRL e não ao exequente por considerar a mesma abrangida pelo seu título hipotecário.
O recorrente defende que a cortiça penhorada nos autos de execução não é abrangida pela extensão do reconhecido direito de hipoteca do credor.
Vejamos:
Nos termos do disposto no artigo 691.º, n.º 1, alínea a), CCivil a hipoteca abrange as coisas imóveis referidas nas alíneas c) a e) do n.º 1 do artigo 204.º do mesmo diploma.
Ou seja, “c) As árvores, os arbustos e os frutos naturais, enquanto estiverem ligados ao solo; d) Os direitos inerentes aos imóveis mencionados nas alíneas anteriores; e) As partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos”.
Logo, a hipoteca abrange os frutos naturais, enquanto estiverem ligados ao solo e os direitos inerentes a esses imóveis.
Por outro lado, resulta do disposto no artigo 700.º CCivil que o corte de árvores ou arbustos, a colheita de frutos naturais e a alienação de partes integrantes ou coisas acessórias abrangidas pela hipoteca só são eficazes em relação ao credor hipotecário se forem anteriores ao registo da penhora e couberem nos poderes de administração ordinária.
No caso dos autos, importa ainda chamar à colação o disposto no artigo 758.º CPC do qual resulta que.
“1 — A penhora abrange o prédio com todas as suas partes integrantes e os seus frutos, naturais ou civis, desde que não sejam expressamente excluídos e nenhum privilégio exista sobre eles.
2 — Os frutos pendentes podem ser penhorados em separado, como coisas móveis, contanto que não falte mais de um mês para a época normal da colheita; se assim suceder, a penhora do prédio não os abrange, mas podem ser novamente penhorados em separado, sem prejuízo da penhora anterior.”.
Como se pode ler no Acórdão do STJ de 28.5.96, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 96A071, Relatado pelo Conselheiro Amâncio Ferreira: «sabe-se que a cortiça, por ser a produção periódica de uma coisa que não afecta a sua substância, integra o conceito jurídico de fruto natural, tal como se encontra definido nos n.º 1 e 2 do artigo 212.º do CC. E os frutos naturais são de considerar coisas imóveis, como se refere na alínea c) do n.º 1 do artigo 204.º do mesmo Código.»
Contudo, apenas pertencem a essa categoria enquanto ligados ao solo.
A este propósito, explica Margarida Costa Andrade, “Coisa susceptível de constituir objecto de um direito real e momento da…” Online, julho de 2020, pág. 12:
«Veja-se o que claramente decorre da alínea c) do n.º 1 do artigo 204.º: “são coisas imóveis as árvores, os arbustos e os frutos naturais, enquanto estiverem ligados ao solo”. Os frutos naturais são utilidades que nascem, resultam ou se extraem periodicamente da coisa e sem diminuição da substância desta — “requisito que deve entender-se num sentido físico empírico (correspondente ao modo vulgar de conceber as coisas) e não rigorosamente científico”( Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, Almedina, Coimbra, 2003 (reimp.), pág. 268). São, portanto, coisas corpóreas, orgânicas (como é o caso da cortiça) ou inorgânicas (minério, pedra, etc.), que se designam como frutos pendentes enquanto perdurar a ligação com a coisa principal. Da qual se não distinguem juridicamente, como se percebe precisamente pelo facto de o legislador os tomar como coisa imóvel (na elucidativa expressão usada ao tempo do Código de Seabra, coisa imóvel “por disposição da lei” (Cfr., p. ex., Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, pág. 236.). O objectivo do legislador é claro: assegurar um único destino para tudo aquilo que se encontrar ligado, materialmente e com carácter de permanência, ao prédio. Fixando-se os limites materiais da propriedade imobiliária no n.º 1 do artigo 1344.º: “a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como ao subsolo, com tudo o que neles se contém e que não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico”. E, sendo certo, pois, que tudo o que estiver desintegrado fisicamente do domínio (a separação funcionando como o momento a partir do qual os frutos pendentes passam a frutos separados) é outra coisa e, consequentemente, susceptível de constituir objecto de um outro direito de propriedade (desde que se torne certo e determinado), (“A lei considera imóveis aqueles elementos, porque quer que à conexão material existente entre eles e o prédio corresponde um destino jurídico unitário. Por outras palavras: os direitos reais abrangem, em regra, a totalidade da coisa sobre que incidem; ora, considerando imóveis as árvores, os arbustos e os frutos materiais, a lei quer precisamente significar que eles formam um todo único com o prédio, ficando, por consequência, automaticamente abrangidos pelas relações jurídicas que tenham este por objecto” — Henrique Mesquita, Direitos Reais, Coimbra, 1966-67, pág. 25).»
No caso dos autos:
- a penhora do imóvel logo em 2010 não exclui expressamente os frutos do mesmo e é muito anterior à penhora da cortiça, encontrando-se na altura a cortiça fisicamente integrada no imóvel;
- sobre o prédio recai hipoteca a favor do credor;
- o crédito do credor hipotecário foi reconhecido por sentença transitada, mais se determinando que pelo produto da venda do prédio (incluindo frutos) seria pago em primeiro lugar o credor hipotecário;
Concordamos com a sentença recorrida, ao entender que, o facto de ter sido efectuado um auto de penhora respeitante à cortiça não significa que esta tenha autonomia, mas apenas que passados anos da penhora do imóvel com o fruto natural – esta foi a forma arranjada (como refere a sentença enviesada) de consignar o acto de extracção do produto.
Aquando da penhora do imóvel hipotecado a cortiça fazia parte do mesmo, pelo que não tinha autonomia física e é abrangida pela extensão do reconhecido direito do credor hipotecário.
Tanto basta para concluir nos termos em que o fez a primeira instância, improcedendo o recurso.

Sumário: (…)

4 – Dispositivo.

Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso e em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Évora, 16.03.2023
Elisabete Valente
Ana Isabel Pessoa
José António Moita